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Do Epistemicídio: As estratégias de matar o

conhecimento negro africano e afrodiaspórico


Do Epistemicídio:
As estratégias de matar o conhecimento negro africano e afrodiaspórico
1ª) Objetifica o corpo e mata o conhecimento: “O epistemicídio mata ou
domina o corpo negro para evitar que o pensamento haja, reaja. Para a filósofa
nigeriana, Celestine Chukwuemeka Mbaegbu, o corpo e a mente não são
compreendidos, no pensamento africano, de forma dualista como problematiza
a filosofia ocidental. O assassinato do conhecimento pode, como se fez ao longo
de séculos, justificar o extermínio desse corpo reificado, tornado coisa, objeto,
quando ele é destituído da sua humanidade e, como consequência, da sua
racionalidade. O ser racional, que possui o desejo natural de querer saber e,
mais do que isso, é um ser que possui memória, pois o progresso do
conhecimento se torna possível a partir do acumulo de mais conhecimento. Mas
a racionalidade humana, percebida e defendia por muitos pensadores, é
elevada a um grau tão alto que passa a ser considerada superior à matéria
orgânica. Assim, o ser humano se torna o seu pensamento ou é reduzido a ele?‖
2ª) Dissociação entre o corpo humano negro e o corpo humano europeu: durante o
século XIX teve início o questionamento sobre a humanidade dos Negros, as indagações
partiam da dissemelhança física-corpórea e das distinções de hábitos culturais e sociais:
a) a humanidade negra não possui história (Hegel);
b) o Negro é um não-semelhante (Kant);
c) o Negro deve ser ―assimilado‖ à cultura europeia (todos os pensadores ocidentais).

―Há, nesta época, a tentativa de apresentar o Negro como um ser exótico, diferente, e por
ser muito diferente do corpo, do pensamento, da cultura e da sociedade europeias, não
pode ser um ser humano, mas pode passar por um ―processo de humanização‖, e ser
aceito ao se converter ao cristianismo (dominação religiosa), ao se adaptar ao modelo
econômico (dominação capitalista), e ao modelo político do Ocidente (dominação
representativa)‖.

Para os ocidentais, ―aceitar a alteridade passava pela tentativa de transformá-la em algo


que fosse aceitável ao ‗crivo‘ europeu‖. A razão foi usada para construir dogmas que
anulassem a existência de qualquer outro tipo de humanidade. Era preciso negar a
humanidade de povos não-europeus para controlá-los por meio da força, da vigilância e do
poder.
3ª) O universalismo ocidental construído: Os ocidentais criaram padrões de cultura,
de humanidade, de sabedoria e as estabeleceram como universais. Para Mogobe
Ramose, a universalidade é excludente e funciona dessa maneira justamente
porque, a princípio, ela parece propor uma igualdade entre todos os seres
humanos. Vejamos o funcionamento da noção de Dignidade Humana, para
Immanuel Kant (XVIII) :

―Na segunda seção da obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant


afirma o imperativo categórico: ―age de tal maneira que tomes a humanidade,
tanto em tua pessoa, quanto na pessoa de qualquer outro, sempre ao mesmo
tempo como fim (télos), nunca meramente como meio‖. É, pois, a partir dessa
formulação que Kant sustenta a ideia de que os seres humanos têm dignidade, a
qual os faz estarem acima de qualquer preço ou valor, deve-se ao fato de que
somente o ser humano possui dignidade (em função da sua racionalidade),
ocupando assim um lugar privilegiado em relação aos demais seres vivos. As
coisas possuem valor ou preço, os seres humanos não‖.
―Na obra Metafísica dos Costumes, Kant afirma que ―o dever
de respeito por meu próximo está contido na máxima de não
degradar qualquer outro ser humano, reduzindo-o a um
mero meio para os meus fins (não exigir que outrem
descarte a si mesmo para escravizar-se a favor de meu
fim)‖. Para Kant, ―o homem – e de modo geral todo ser
racional – existe com um fim em si mesmo, não meramente
como meio à disposição desta ou daquela vontade para ser
usado a seu bel-prazer, mas tem de ser considerado em
todas as suas ações, tanto as dirigidas a si mesmo quanto a
outros sempre ao mesmo tempo como fim‖ (ter fim em si
mesmo, significa existir para um télos, que não é
definido pelo outro, mas pelo simples fato de existir
enquanto ser racional).
Kant e a relatividade no universalismo do ser humano

―Os negros da África, por natureza, não têm nenhum sentimento


que se eleve acima do pueril. O senhor [David] Hume desafia
quem quer que seja a citar um único exemplo de um negro
demonstrando talento e afirma que dentre as centenas de milhares
de negros que são transportados de seus países para outros,
mesmo dentre um grande número deles que foram libertados, ele
nunca encontrou um só que, seja em arte, seja nas ciências, ou
em qualquer outra louvável qualidade, tenha tido um papel
importante, enquanto que dentre os brancos, constantemente ele
constata que, mesmo se nascidos das camadas mais baixas do
povo, estes sempre se elevam socialmente, graças a seus dons
superiores, merecendo a consideração de todos‖.
Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, 1764.
―Todas as raças serão erradicadas (americanos e negros não podem
governar a si mesmos. Servem, portanto, apenas como escravos), menos a
dos brancos [os quais] contêm todos os móbeis da natureza em afetos e
paixões, todos os talentos, todas as disposições à cultura e civilização, e
podem assim tanto obedecer quanto dominar [sendo] os únicos que sempre
progridem à perfeição‖. Antropologia de um ponto de vista pragmático, 1798.

―Tão essencial é a diferença entre essas duas raças humanas [brancos e


negros], que parece ser tão grande em relação às capacidades mentais
quanto à diferença de cores. [...] Os negros são muito vaidosos, mas à sua
própria maneira, e tão matraqueadores, que se deve dispersá-los a
pauladas‖. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, 1764.

―Aliás, o calor úmido é favorecedor do forte crescimento dos animais em


geral, e breve, surge o Negro, que está bem adaptado ao seu clima, a
saber, é forte, corpulento, ágil; mas, que, ao abrigo do rico suprimento da
sua terra natal, [também] é indolente, mole e desocupado‖.
Das diferentes raças humanas, 1775.
4ª) O etnocentrismo e a supremacia branca: O epistemicídio anda em paralelo com
o altericício, a morte do outro, que não é aceito como um ―outro de mim mesmo‖, mas
como objeto intrinsecamente ameaçador.
Arthur Gobineau (1816-1882), que foi enviado ao Brasil, por Napoleão, em 1869, e
que publicou o Ensaio sobre a desigualdade da raça (1855), a bíblia do racismo,
argumentava que a decadência de todas as civilizações da história tinha como
elemento fundamental a questão étnica: ―a desigualdade das raças, cujo concurso
forma uma nação, basta para explicar todo o encadeamento do destino dos povos”.

Para Gobineau, o Brasil era a própria personificação do que ele chama de ―anarquia
étnica‖, esse termo sintetiza a sua tese da degeneração das raças que se
corromperam, misturando a raça ―primeira‖, de Adão e Eva, dando origem então às
três raças secundárias; a branca, a amarela e a negra. A miscigenação entre as três
raças tem como consequência as raças terciárias, já consideradas como um
subgênero, já a miscigenação dessas resultavam nas raças quaternárias, que seria o
estágio da miscigenação brasileira‖.
5ª) Supremacia e o “fardo” do homem branco: De acordo com Kant, os
―esclarecidos‖ deveriam tutelar os indivíduos de minoridade, justamente porque
esses não conseguiriam por si mesmos alcançar a autonomia, a liberdade e o
conhecimento.

Trata-se da superioridade do branco europeu em relação aos povos estrangeiros,


principalmente aos povos negros do continente africano e aos indígenas da
américa: ―[...] a raça branca-europeia teria, por sua ―natural superioridade
biológica‖, um direito inerente de tutelar os demais povos que estavam fora dos
padrões dos valores europeus considerados ―normais‖.‖ (Kant)

Afirmação de Hegel: ―O negro representa o homem natural, selvagem e


indomável. Devemos nos livrar de toda reverência, de toda moralidade e de tudo o
que chamamos sentimento, para realmente compreendê-lo. Neles, nada evoca a
ideia do caráter humano [...]. A carência de valor dos homens chega a ser
inacreditável. [...] Entre os negros, os sentimentos morais são totalmente fracos –
ou, para ser mais exato inexistentes‖.
O fardo do homem branco
Civilização contra a barbárie
Desculturalizar
para reprogramar
Educar para “civilizar”!!
6ª) Dominação pelo grupo hegemônico: ―O sujeito que detém o poder político
e econômico passa a determinar a epistemologia vigente, ou hegemônica!‖

O Ocidente ditou, para os países colonizados, um modelo de sociedade, que


criaram demandas nessas novas sociedades, cada vez mais complexas. Essas
―demandas‖ reforçam os processos de inclusão e exclusão sociais que atendam
às necessidades de um sistema que produz muitas riquezas para poucos e
alarga a pobreza e a situação de subalternidade para a maior parte da
população. Esse processo de exclusão, cujo crivo é racial, decide quem deve
viver ou morrer. Nesse processo, a morte do pensamento, o epistemicídio, é
utilizado como estratégia de proteção do grupo hegemônico, pertencentes da
raça branca, em detrimento daqueles que são deixados para morrer, a raça
negra. A epistemologia hegemônica ocidental e/ou ocidentalizada controla a
produção e a legitimação do conhecimento, assim como a necropolítica
(Estado) controla e administra a política da morte dos corpos‖.
7ª.) Biopolítica & Biopoder: os mecanismos de organização política e de domínio dos
povos estrangeiros foram descobertos durante as primeiras décadas do imperialismo:

# A raça como princípio da estrutura política;

# A burocracia como princípio do domínio no exterior.

―O imperialismo, isto é, a dominação dos países ocidentais sobre os países colonizados,


operava na lógica de ―fazer morrer ou de deixar viver‖.‖

No modelo estatal ocidental, que o Brasil copiou, o controle sobre a vida das pessoas
ficou com o Estado. A partir do fim do século XVIII essa ―tecnologia de poder‖, a
burocracia e as legislações, que é outra etapa da técnica disciplinar, passa a ser a
tecnologia de controle dos corpos, que ―devem ser vigiados, treinados, utilizados,
eventualmente, punidos‖, essa é a biopolítica. O biopoder determina quem pode viver e
quem pode morrer usando o critério biológico da raça, há raças superiores e raças
inferiores, e esse é um critério eugenista. E qual raça seria essa, condenada a morte?
Todos os países do Sul, do continente africano e da américa latina, são descartáveis.
8ª.) A colonização como base do capitalismo: ―Achile Mbembe, filósofo
camaronês, indica como a história do capitalismo se estabeleceu e se
fortaleceu com a expansão da exploração da mão de obra de corpos africanos,
que saíram da África como mercadoria para produzir riquezas na Europa e no
Novo Mundo (as américas). A colonização acumulou e produziu um lucro
jamais alcançado antes na comercialização de seres humanos como
escravos‖.

Achille Mbembe nomeia de ―primeiro capitalismo‖ o período da expansão


marítima europeia, quando o tráfico negreiro intensifica a diáspora africana o
que também intensifica a diáspora de outros povos para a ocupação,
principalmente dos continentes americano e africano. Esse primeiro capitalismo
para lograr êxito utiliza-se da mão de obra escrava, para auferir lucro ao
europeu nas terras do Novo Mundo. Esse processo de acumulação de
riqueza é ―combustível‖ que vai fomentar o desejo de vários povos europeus
de terem suas próprias colônias seja na América, seja no continente africano‖.
9ª.) Epistemicídio e biopoder como formas de apagamento: ―a
estratégia da biopolítica: ―fazer viver e deixar morrer‖, são excluídos do
processo de industrialização, que privilegiou a mão de obra assalariada
aos imigrantes europeus deixando os negros em condições desfavorável
no mercado de trabalho reforçando ainda mais a sua posição de
subalterno‖.

―Mas o epistemicídio foi muito mais vasto que o genocídio porque ocorreu
sempre que se pretendeu subalternizar, subordinar, marginalizar, ou
ilegalizar práticas e grupos sociais que podiam constituir uma ameaça à
expansão capitalista‖.

Sempre foi disso que se tratou o epistemicídio!


SEMPRE HOUVE RESISTÊNCIA, SEMPRE HAVERÁ!

QUEM CONHECE A SUA HISTÓRIA NÃO SE ENGANA COM MENTIRAS!

SANKOFA
A reação dos africanos da diáspora e do continente africano ao epistemicídio

Realizam SANKOFA! Recuperam o sentido de um dos adinkra, conjunto de mais de


oitenta ―ideogramas‖ que compõem a escrita dos povos akan, que estão localizados
tanto no país de Gana como no país da Costa do Marfim. Qual é o sentido de
Sankofa? Que nunca é tarde para voltar e recolher o que ficou para trás, pois sempre
podemos retificar os nossos erros. Em outras palavras, significa voltar às suas raízes
e construir sobre elas o desenvolvimento, o progresso e a prosperidade de sua
comunidade, em todos os aspectos da realização humana. É a sabedoria de aprender
com o passado para construir o presente e o futuro. Nesse sentido, voltar ao Egito
Africano Antigo e aos Reinos Africanos não se trata de um essencialismo romântico,
em relação à África, mas é fundamental para a construção de uma identidade própria,
viva, tanto no presente como na perspectiva de um futuro melhor para os filhos e
descendentes desse continente riquíssimo. Realizar sankofa é combater o
epistemicídio que o Ocidente impôs ao continente africano e a seus descendentes em
diáspora.
África Antiga: O Reino da Núbia
Metodologia de apresentação adotada:
- Do passado para o presente (Sankofa);
- Reconstrução histórica;

- Principais fatos: ocupação territorial; economia; organização social;


recursos naturais, minerais e humanos; conflitos; religião; arte; principais
referências históricas.

- Finalização com o documentário da BBC: Núbia hoje, processo de


reconstrução histórica – Sankofa
- Proposição de Reflexão: Quais os elementos apontados, na cultura
ocidental, para a formação da filosofia? Arte, Religião, Estabilidade Social
e Econômica, Estrutura Lógica (razão) de Pensamento. Quais desses
elementos o Egito e a Núbia não possuíam?
1) Contexto Histórico - África Antiga: Trata-se do período da história que se
estende do final do Neolítico, em torno de 8.000 anos a.C. até o início do século VII
da Era Cristã. Nesse período, no continente africano, os agrupamentos humanos já
estavam fixados em seus territórios, desenvolvendo cultura, como a produção
agrícola, e assim surgiram as primeiras cidades. A agricultura possibilitou o
aumento na produção de alimentos, o que provocou aumento populacional. Então
estamos falando do final desse período, passando pelas Dinastias Faraônicas,
pelos Reinos do Sul e do Norte Africanos, chegando às invasões pelos grego,
romanos, bizantinos e pela chegada do Islã, em 641 a.C.. Com o aumento das
populações e com as organizações sociais, essas civilizações saem da dimensão
de provisão das necessidades básicas e conquistam um estilo de vida mais estável
em aldeias e comunidades. Em geral, quando se estuda a antiguidade, sobretudo a
África Antiga, os estudos se concentram em um único povo africano, os egípcios.
No entanto, ao passo que se desenvolvia a civilização egípcia, núbios, axumitas,
cartagineses, puntianos, entre outros, também faziam a sua história e constituíam
reinos, impérios e civilizações.
2) A desertificação do Saara: O que hoje é o árido, quente e inóspito deserto do Saara, no norte da África, era
uma região de savanas e pradarias com alguns bosques, lar de caçadores e coletores que viviam de vários animais
e plantas, sustentados por lagos permanentes e muita chuva. Era assim numa época entre 5 mil e 10 mil anos atrás
- período conhecido como do "Saara verde" ou "Saara úmido". Os ventos das monções sazonais traziam intensas
chuvas que mantinham a terra fértil. Pesquisas de paleontólogos e arqueólogos encontraram fósseis de grandes
animais que hoje já não são vistos vivos no Saara, como crocodilos, elefantes e hipopótamos. Assentamentos
humanos antigos também deixaram evidências da existência de uma grande fauna. A arte rupestre representa
girafas no meio do Saara. Ali também encontrou-se antigos anzóis, nos poucos e muito isolados corpos hídricos
que ainda existem, há peixes das mesmas espécies, que não tiveram qualquer forma moderna de contato. Isso
sugere que, no passado, existiam vias aquáticas que se comunicavam. O clima árido foi desencadeado pela maior
proximidade do Sol em relação à Terra durante o verão, o que produziu mudanças de insolação. O Sol do verão se
tornou mais forte há uns 9 mil anos e isso trouxe uma série de consequências. Quando o Saara esquentou, as
chuvas de monções se tornaram mais fortes, o que levou a uma vegetação maior que, por sua vez, reduziu as
emissões de poeira e diminuiu o reflexo da luz, promovendo mais precipitações. Este reflexo de luz solar, seja da
superfície terrestre ou da poeira que flutua na atmosfera, é conhecido como albedo - a luz de cor creme clara
refletida na superfície do deserto e também com alto teor de partículas minerais - contribuiu para a desertificação
do Saara. Trata-se de uma mudança que ocorreu há 5 mil anos, algo que ocorre mais ou menos em um intervalo de
20 mil anos, segundo mudanças na órbita da Terra. Os seres humanos caçadores e coletores que povoaram o
Saara verde o abandonaram há uns 8 mil anos, devido a um período de seca que durou mil anos. Depois disso, as
populações retornaram, mas suas práticas de sobrevivência eram outras, já que a maioria delas criava gado. O
período do Saara verde não ocorreu apenas entre 5 mil e 10 mil anos, mas também há 125 mil anos, com a
mudança do clima úmido para árido. Daqui a milhares de anos o ciclo se repetirá, mas o problema agora são as
forças antropogênicas. A influência humana será mais um efeito, que mudar o equilíbrio no futuro do planeta, não
apenas no Saara.
3) O Vale do Nilo: O desenvolvimento da região se inicia com a fixação dos povos
nômades e seminômades ao longo do rio, por causa do processo de desertificação
da região do Saara. A agricultura está diretamente ligada ao aumento da
densidade demográfica, que permitia que o excedente colhido funcionasse como
um pagamento aos diversos serviços oferecidos dentro de um clã. Surgem nesse
período as técnicas de agrimensura, a escrita e o cálculo. Formam-se, assim, as
organizações sociais diversificadas, hierarquizadas e complexas. No Baixo Nilo,
ocorreu o processo de unificação das aldeias até a centralização do poder com o
nome de Egito, unificado em 3.100 a.C. pelo faraó Menés. No Alto Nilo (De Axum a
Karthoum), por volta de 2.000 a.C., houve a unificação das comunidades núbias,
com a centralização na figura do rei. Contudo, pesquisas recentes de
paleontólogos e arqueólogos têm apresentado resquícios de que há mais de 7.000
anos a.C. teve início a cultura Núbia, comprovada pelos ―gongo de rocha‖
estudados como precursores do ritmo e da música, datados de mais de 5.000
anos, e pinturas rupestres representando o gado, datadas de dentre 5.000 a.C. a
6.000 a.C., ou seja, de comunidades que viviam na região no período do ―Saara
Verde‖.
4) Localização: A Núbia, localizada ao sul do
Egito e no norte do Sudão, hoje, é uma região
estratégica e elo entre a África Central
(subsaariana) e o Mediterrâneo (norte
da África e oriente próximo). Ali habitava
uma população negra com língua e origem
étnica diferente dos egípcios, os núbios.
A Núbia é a região que ficava entre a 1ª. e
a 6ª. cataratas (repressões) do Nilo.
A Núbia e o Egito fazem parte das
denominadas ―Civilizações do Vale do Nilo‖.
A região da Núbia teve dois grandes reinos:
o Reino de Cush e o Reino de Axum,
que se localizam ao longo do Rio Nilo, um
ponto de água importante para o
desenvolvimento, considerando o processo
de desertificação do Saara.
5) O Reino de Cush (Kush) em Kerma: Mais ao norte, pelo Nilo, a cerca de 1.100km de
Khartoum, localiza-se a cidade de Kerma, assentada no Nilo e que há milênios foi a capital do
reino, conhecido pelos egípcios como Kush, o centro do reino da Nubia. Lá foram encontrados
restos de uma cidade incrível datada de 2.000 a.C., um desdobramento da comunidade que
produziu as artes rupestres encontradas no Saara. Nesta região, foi construído o Templo de
Duffa (a seguir). Os restos da cidade murada de Kerma é um dos maiores sítios arqueológicos
da antiga Núbia. Arqueólogos identificaram um sistema de estradas e bairros bem
diferenciados. A antiga cidade de Kerma possuía um grande cemitério, com montículos
funerários de quase 100 metros. Em um desses montículos encontrados, provavelmente
pertencente a um Rei, foram sacrificadas 300 pessoas, para servirem seu amo no pós vida, e
5.000 cabeças de gado, o que mostra seu nível de desenvolvimento como civilização, e as
proporções de seu rebanho. A riqueza era medida em gado, fundamental para a cultura de
Kerma em vários sentidos, sendo assim, há 4.000 anos os núbios de Kerma prosperavam,
com grandes rebanhos e uma população considerável. Lá foram encontradas peças de
cerâmicas mais antigas que o Egito antigo, tais peças são semelhantes a formas de cabaças
polidas para beber, encontradas em outras regiões da África. Peças delicadas, feitas a mão,
tradição que se mantém até a atualidade em toda a região, feitas artesanalmente por
mulheres comuns das vilas da região. Mas esses são os resquícios da primeira-história do
Reino da Núbia, que teve vida longa, antes e depois da invasão dos egípcios, como se verá.
6) Templo Deffufa: Seu nome deriva do termo núbio que significa ―edifício de tijolos de barro‖ ou da
palavra árabe daffa, que significa ―pilha‖. Trata-se de uma imensa estrutura de adobe, a mais antiga e
uma das maiores já encontradas, acredita-se que era uma espécie de templo, pois, segundo os
arqueólogos, Kerma era um local de peregrinação, onde o povo realizava cerimônias.
Existem apenas três edifícios deffufas restantes no mundo, todos no antigo local do Reino Núbio, em
Kerma. O templo mede 18 metros de altura, com salas, com colunas, com passagens, pinturas e um
santuário. É o exemplo mais bem preservado dessa estrutura na arquitetura núbia. Tem vários níveis,
com uma escada interior
ligando os andares e levando
a uma plataforma na cobertura.
Câmaras adicionais subterrâneas
eram acessíveis através de
galerias. Evidência de um altar
de pedra calcária, construído
para sacrifício de animais,
também foi encontrado.
Embora as funções precisas da
deffufa não sejam totalmente
conhecidas, acredita-se que
elas estivessem ligadas a
práticas religiosas e funerárias.
7) Egito versus Núbia: Núbia era valiosa, com abundância de água e vegetações, diferente do Egito
que precisava criar canais para levar água às grandes regiões áridas de seu território. O reino de
Kush se expandiu e passou a ser uma ameaça para o Egito. Eram, portanto, frequentes as incursões
e expedições punitivas, por volta de 1.500 a.C., os registros apontam que o Egito invadiu a Nubia,
indo além de Kerma, seguindo por 290km ao longo do Nilo, chegando na montanha de Jebel Barkal.
Chegando lá encontraram uma espécie de cobra coroada, levando a coroa ao reino, para eles a
cobra erguida era sinal da realeza, e uma escultura natural a distinguindo indicava que a montanha
era dedicada a Amon, rei dos deuses egípcios. Tal era justificativa, para eles, para a conquista de
Núbia, e neste lugar construíram um enorme templo dedicado a Amon ao pé montanha e fundaram,
assim, um vice-reino. Nubia que estava sobre total controle dos egípcios, os quais viam seus
habitantes como sendo bárbaros e inferiores, não conseguiu se defender desta ―colonização‖. Os
egípcios exploraram os recursos naturais da Núbia e exigiram grandes tributos: ouro, marfim, animais
selvagens, macacos, peles de leopardo e gado. Exigiam, inclusive, lutadores núbios que foram
usados como gladiadores para a diversão do povo egípcio. Os egípcios retrataram os núbios como
apenas escravizados, contudo, o Egito dominou Núbia durante alguns séculos, e os núbios tiveram a
possibilidade de se vingarem da exploração egípcia. Por séculos, as riquezas do Reino de Kush
foram levadas para o Egito: ébano, marfim, incenso, gado, ouro, escravizados. O ouro de Kush
enriqueceu o Egito. Este foi o período da egipcianização da Núbia: adotou-se a religião, o culto às
divindades egípcias, os costumes funerários, a construção de pirâmides. Em Napata e Méroe,
cidades kushitas, foram erguidas numerosas pirâmides.
8) Jebel Barkal:
9) Núbia versus Egito: Por volta do ano 1.000 a.C. Kush libertou-se do domínio
egípcio e emergiu como potência, quando o monarca núbio Piankhy, ―Piiê‖ derrotou os
assírios, que dominavam o Egito, e unificou Egito e Kush, sendo aclamado ‗‗senhor
dos dois reinos‘‘, iniciando o reinado dos ‗‗faraós negros‘‘ no Egito. A dinastia dos
faraós negros perdurou por quase 100 anos, quando foram derrotados pelos assírios e
Kush, novamente, foi invadido pelos egípcios. Os vestígios dos faraós kushitas foram
apagados pelos egípcios, exemplo disso foi que no ano de 2003, arqueólogos da
Universidade de Genebra encontraram no norte do Sudão uma cratera (fechada há
+ou- 2 mil anos) contendo várias estátuas dos faraós negros. Algumas estavam
destruídas e enterradas, como forma de apagar o vestígio do domínio desta civilização
no Egito. Após o domínio egípcio, a civilização kushita renasceu aos arredores da
cidade de Méroe, nova capital, estendendo-se por mais mil anos. Os meroítas
construíram mais pirâmides do que os faraós egípcios; até o presente já foram
contabilizadas mais de 230 pirâmides nos arredores de Méroe, 100 a mais do que no
Egito, por isso, há mais pirâmides no Sudão que no Egito. Há 700 a.C. foi construído
um templo na montanha sagrada, onde consta que Tahakar, governador Núbio,
também era um Faraó egípcio. Mostrando que o Egito já foi domínio de Nubia.
10) O Reino Cuxita em Meroé: Depois de governarem o Egito por quase cem anos (25ª Dinastia Egípcia,
750-660 a.C.), os kushistas foram expulsos pelos assírios e retornaram ao seu país onde reorganizaram o
reino de Kush. O rei Aspelta (600-580 a.C.) mudou a capital para Méroe, mais ao sul de Napata. A escolha
da nova capital pode ter sido determinada pelas densas florestas de Méroe, necessárias para fornecer
combustível para os fornos de fundição de ferro. Além disso, a localização de Méroe permitia que as
mercadorias fossem transportadas pelo mar Vermelho onde mercadores gregos, indianos e asiáticos
viajavam extensivamente. Com isso, Kush se libertava da dependência do rio Nilo para o acesso ao comércio
exterior. Méroe deu continuidade ao esplendor kushita estendendo-o por mais mil anos. Os reis meroítas
conservaram alguns traços da cultura egípcia como os sepultamentos em pirâmides. Mas adotaram detalhes
arquitetônicos e costumes próprios. Pirâmides e templos meroítas, menores e mais íngremes do que as
egípcias, simbolizavam a escada para o céu que conduzia a alma do rei morto. A múmia era enterrada em
uma sepultura subterrânea, abaixo da pirâmide, e não dentro dela como faziam os egípcios. Na parte
externa, uma pequena capela guardava as oferendas para a alma do rei em sua viagem ao outro mundo.
Enquanto as pirâmides garantiam a vida pós-morte, a vida terrena dos meroítas estava sob a proteção de
diversos deuses, entre eles, Apedemak, o deus com cabeça de leão, protetor dos exércitos. O templo do
Leão erguido por volta de 230 a.C. mostra o casal real saudando Apedemak, o deus da guerra e Rá, o deus
Sol. O casal real foi representado, também, na fachada principal do templo onde ambos aparecem
subjugando os inimigos e ameaçando-os com uma espada. Aos pés da rainha está o leão Apedemak,
simbolizando a autoridade soberana da rainha. O rei de Méroe, assim como em Napata, revestia-se de um
caráter sagrado. O rei era considerado filho adotivo de diversas divindades. Não se sabe até que ponto ele
mesmo se considerava uma divindade ou sua encarnação. Designado pela vontade divina, o rei dispensava
julgamento e justiça e suas ações eram vistas como guiadas pelos deuses.
11) As Candaces: No que diz respeito ao gênero, outro episódio destacável do Reino de Méroe é a atuação das
rainhas que governaram e comandaram exércitos, as ‗‘candaces‘‘, que iniciaram uma tradição matrilinear. Em 330 da
Era Cristã, o Reino de Kush foi conquistado pelo Reino de Axum (falaremos dele mais a frente), outro importante reino
africano. Desde o período Napata, as mulheres de sangue real ocupavam posições proeminentes e cargos
importantes no reino de Kush. Quando os núbios governaram o Egito, a função de grande sacerdotisa do deus Âmon,
em Tebas, era exercida pela filha do rei, o que lhe conferia grande influência econômica e política. O importante papel
da rainha-mãe nas cerimônias de escolha e coroação de seu filho é mencionado pelos reis kushita Taharqa e
Anlamani, no século VII a.C. Posteriormente, as rainhas-mães passaram a assumir o poder político e proclamaram-se
soberanas, chegando a adotar o título real de ―Filho de Rá, Senhor das Duas Terras‖. Muitas delas tornaram-se
famosas e, entre os séculos II a.C. e IV d.C., Méroe teve um matriarcado tipicamente local em que o poder foi exercido
por uma linhagem de Candaces ou Kandake, título derivado da palavra meroíta Ktke ou Kdke que significa rainha-mãe.
Conhece-se o nome de oito candaces em que se destacam: Shanakdakhete (177-155 a.C.), Amanirenas (40-10 a.C.),
Amanishaketo (10 a.C.-1 d.C.) e Amanitore (1-20 d.C.). A candace Amanirenas desafiou as legiões romanas
combatendo-as em uma guerra que durou cinco anos (27-22 a.C.). Seu exército de 30 mil guerreiros aniquilou as
tropas romanas comandadas por Petrônio, forçando o imperador Augusto a celebrar um tratado de paz com a candace
em condições favoráveis aos meroítas: os romanos foram obrigados a entregar os pontos que tomaram e os meroítas
ficaram isentos da obrigação de prestar homenagem ao imperador romano. Não se sabe com certeza se o tratado com
os romanos foi firmado pela candace Amanirenas ou por sua sucessora Amanishaketo. Os historiadores romanos
Estrabão, Plínio e Díon Cássio referem-se à rainha meroíta de forma pejorativa descrevendo-a com um olho só e de
―aparência viril‖. De qualquer forma, este arranjo manteve-se até o final do século III d.C., com relações, em geral
pacíficas, entre Méroe e o Egito romano. Em 1834, a pirâmide da candace Amanishakheto foi saqueada por um
caçador de tesouros que destruiu dezenas de pirâmides meroítas em busca de ouro. As joias encontradas pelo ladrão
testemunham o esplendor do Reino de Méroe: coroas, anéis, braceletes, pingentes, broches, selos reais, colares de
ouro com incrustações de concha, cornalina, faiança e lápis-lazúli.
Shanakdakhete
(177-155 a.C.)
12) A escrita Meroíta: Os meroítas registraram sua história em pedra, em
papiros e nas paredes dos templos. Aos poucos, os hieróglifos egípcios
restringiram-se ao tribunal e templos. A partir do século II a.C.,
desenvolveram um sistema de escrita alfabética, com 23 sinais
representando consoantes, vogais e silábicas. Em 1909, um especialista
achou a chave para a decifrar algumas palavras, especialmente nomes, mas
não avançou muito além disso e a escrita meroíta permanece indecifrada.
Ela foi registrada em duas formas: o Meroítico Cursivo, que foi escrito com
um estilete e foi usado para a manutenção de registros gerais; e o hieróglifo
meroítico, que era esculpido em pedra ou usado para documentos reais ou
religiosos. Nomes e frases meroíticos aparecem no Livro dos Mortos do
Novo Reino, nos capítulos ou feitiços "Núbios". Mesmo com a queda do
Reino de Kush, o uso da língua meroítica continuou a ser utilizada por um
tempo, se tornando extinta, provavelmente, no século VI d.C., quando foi
substituída pela escrita bizantina grega, copta.
13) Economia muda conforme o território: Até o fim da dinastia dos faraós cuxitas, em
Napata, desenvolveram, nesse período, atividades ligadas à pecuária, com a criação de
cabras, cavalos e burros. Com a capital transferida para Méroe, as atividades passaram a
ser mais dedicadas à agricultura, especialmente de trigo, cevada e sorgo ou durra
(espécie de cereal similar ao milho e rico em proteínas), visto que as novas terras
recebiam chuvas mais abundantes. As terras do Reino de Kush também eram ricas em
metais, como o ferro e o ouro, e em pedras preciosas. As atividades de mineração eram
controladas pelo poder real cuxita, o que permitia aos governantes a manutenção de seus
poderes e fortunas. O ouro, especialmente, era utilizado em trocas comerciais com Egito e
Roma. A experiência com pedras e metais preciosos estimulou o desenvolvimento do
artesanato, que possuía desenhos bastante refinados em suas peças. As atividades
artesanais de marceneiros, ferreiros e tecelões eram muito valorizadas no reino. A
cerâmica também foi bastante desenvolvida pelos cuxitas e, no início, era feita somente
pelas mulheres, o que mudou com o passar do tempo. O comércio estimulou trocas
culturais entre cuxitas e outros povos, como egípcios, gregos, persas e indianos. Porém,
os cuxitas tinham consciência sobre sua própria independência, o que representava um
grande incentivo para que inventassem técnicas específicas e estimulassem sua própria
cultura.
14) Sistema político (governo/coletivo): A escolha dos reis
cuxitas era realizada de forma diferente do que ocorria no Egito,
onde o faraó era sucedido por seu filho. Em Kush, geralmente,
os líderes das comunidades (chefes militares, altos funcionários
do reino, líderes de clãs e sacerdotes) votavam no líder
considerado mais capacitado e preparado para exercer a função
de rei. No Reino de Kush, o rei não governava sozinho. Altos
funcionários e conselheiros, o escriba-mor e outros escribas,
chefes do tesouro, chefes de arquivo, entre outros, auxiliavam-no
na administração do reino. Os militares eram valorizados na
sociedade cuxita, pois a proximidade com o Egito os mantinha
sempre em alerta para possíveis guerras e conflitos. Seus
exércitos eram compostos por arqueiros e guerreiros.
13) Reino de Axum: Por volta de 350 d.C., o reino
meroíta foi invadido pelo império de Axum e desmoronou.
A penetração do cristianismo através do Egito mudou
costumes e valores meroítas. A partir dos séculos VII e
VIII, contínuas migrações de árabes no Egito e Sudão
acabaram por suprimir a identidade cultural núbia. A
maior parte da população adotou a língua árabe e a
religião muçulmana. Em 1504, quando a Núbia foi
dividida entre o Egito e o sultanato de Sennar, já nada
mais restava da cultura ancestral. O Reino de Axum faz
parte da Núbia, mas vai aparecer no documentário sobre
a Etiópia, pois hoje é essa região, além da Eritréia.
Aula:
“Gênese Natureza e Desenvolvimento da Filosofia Antiga”
A filosofia ocidental como criação do “gênio” helênico
Período helênico: As tribos se unificam como Grécia por volta de 1100
a.C., e o período helênico se refere à celebração da língua e cultura grega,
difundida por Alexandre, o Grande, por toda a Babilônia, Pérsia, Egito, Ásia,
África e Índia. Este período vai das invasões de Alexandre (323 a.C.)até a
dominação do Império Romano (146 a.C.), dos três grandes reinos que
compunham o Império Grego: reino da Macedônia, reino da Síria e o reino do
Egito.
O berço da filosofia: ―apesar da riqueza cultural dos povos orientais, do
nível elevado de civilização existente antes da miscigenação com a cultura
grega, em áreas como crenças, cultos religiosos, manifestações artísticas de
várias naturezas, conhecimentos e habilidades técnicas de diversos tipos,
instituições políticas, organizações militares, entre outras, no que se refere à
filosofia não havia nada análogo‖. (epistemicídio)
A filosofia nasceu no Egito Antigo, não na Grécia
―O ensino (sebayt) se dava de diversas maneiras e em todos os grupos sociais, nas per ānkh (casa
da vida), nas escolas, na ―casa dos escritos‖, ou seja, nas bibliotecas. Os ensinamentos possuíam
―um caráter universal‖, pois eram voltados para a formação do homem político (homo politicus). Por
meio de leituras ou ditados ou pela oralidade, os educadores eram quase sempre os escribas, mas
também, funcionários, pais, príncipes, sacerdotes, vizires tais como Ptah-hotep, Kares, Mênfis,
Hergedef, Khety, Nefeferty, Khakheper-ra-seneb, Imoteph. Vamos recordar que o termo egípcio
rekhet significa ―perguntar pela natureza das coisas (khet) baseado no conhecimento acurado
(rekhet) e bom (nefer) discernimento (upi)‖. A palavra cognata upet significa ―especificação‖,
―julgamento‖ e upset quer dizer ―específico‖, isto é, dar os detalhes de algo, portanto, já havia
reflexão filosófica com método definido. Além disso, o termo africano seba, que consta no túmulo
de Antef I, de 2052 a. C., que significa sábio, transformou-se em ―Sebo”, em copta, e ―Sophia”, em
grego, o que significaria em ciKam (língua falada no Egito), o "estilo de raciocínio do povo‖. O
grego Diógenes Laêrtios, em Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, destaca que os egípcios
possuíam uma concepção de justiça, tal como encontramos em Pthah-hotep, que, em seus
Ensinamentos, ensina ao juiz a importância de agir dentro da lei na busca do bem, sendo a
imparcialidade uma característica indispensável: ―se fores um magistrado de prestígio, encarregado
de satisfazer a muita gente, não sejas parcial. Ao falares não pendas para um lado, toma cuidado
para que ninguém se queixe: ――O juiz distorce a questão‖ e tua decisão volte-se contra ti‖.
As bases de formação da filosofia ocidental
1ª. Herança do Oriente - Revelação, Inspiração ≠ Reflexão, Razão:
―Está demonstrado historicamente que os povos orientais com os quais
os gregos tinham contato possuíam verdadeiramente uma forma de
‗sabedoria‘, feita de convicções religiosas, mitos teológicos e
‗cosmogônicos‘, mas não uma ciência filosófica baseada na razão
pura (no logos, como dizem os gregos). Ou seja, possuíam um tipo de
sabedoria análoga a que os próprios gregos possuíam antes de criar
a filosofia. (...) Com efeito, a partir do momento em que nasceu na
Grécia, a filosofia representou uma nova forma de expressão espiritual,
de tal modo que, no momento mesmo em que acolhia conteúdos que
eram fruto de outras formas de vida espiritual, os transformava
estruturalmente, dando-lhes uma forma rigorosamente lógica‖(p. 12-13).
2ª. Herança do Oriente - conhecimentos científicos:
―Com efeito derivaram dos egípcios alguns conhecimentos matemáticos-
geométricos e dos babilônios algumas cognições astronômicas. (...) Ao
que sabemos, a matemática egípcia (e por analogia a geometria)
consistia predominantemente no conhecimento de operações de cálculo
aritmético com objetivos práticos, como o modo de medir certas
quantidades de gêneros alimentícios ou então de dividir um determinado
número de coisas entre um número dado de pessoas‖. ―Com efeito,
sobretudo através de Pitágoras e dos pitagóricos, os gregos
transformaram aquelas relações em uma teoria geral e sistemática dos
números e das figuras geométricas. Em suma, criaram uma construção
racional orgânica, indo muito além dos objetivos predominan-
temente práticos aos quais os egípcios parecem ter-se limitado‖.
3ª. Herança da própria cultura ocidental: estrutura de pensamento

―Os estudiosos concordam que, para se poder


compreender a filosofia de um povo e de uma
civilização é necessário fazer referência:

1) à arte;

2) à religião;

3) às condições sociopolíticas desse povo‖.


3.1 – Herança da arte grega que a filosofia herdou:
3.1.1 – A estrutura das obras: ―O helenismo inicial buscou alimento
espiritual predominantemente nos poemas de Homero, ou seja, na Ilíada e
na Odisseia. (...) A imaginação homérica já se estrutura com base em um
sentido de harmonia, de proporção, de limite e de medida (Poética, de
Aristóteles), modos que a filosofia elevaria à categoria de princípios
ontológicos.
3.1.2 – A motivação da razão: ―O poeta não se limita a narrar uma série
de fatos, mas também pesquisa suas causas e suas razões (conexões). Em
Homero, a ação ―não se estende como uma fraca sucessão temporal: o que
vale para ela em cada ponto é o princípio da razão suficiente e cada
acontecimento recebe uma rigorosa motivação psicológica‖. E esse modo
poético de ver as razões das coisas é que prepara aquela mentalidade
que, em filosofia, levará à busca da ―causa‖ e do ―princípio‖, do ―porquê‖
último das coisas.
3.1.3 – A arte como “Síntese do heterogêneo”: “apresenta a realidade em sua
inteireza, ainda que de forma mítica: deuses e homens, céu e terra, guerra e paz, bem e
mal, alegria e dor, a totalidade dos valores que regem a vida do homem‖ (...) ―o
pensamento filosófico apresenta a realidade em forma racional, ao passo que a épica a
apresenta em forma mítica. O tema clássico da filosofia grega — qual é a ‗posição do
homem do universo‘ - também está presente em Homero a cada momento.‖
3.1.4 – O poema “Teogonia”: ―A Teogonia, de Hesíodo, narra o nascimento de todos os
deuses. E, como muitos deuses coincidem com partes do universo e com fenômenos do
cosmos, a teogonia toma-se também cosmogonia, ou seja, explicação mítico-poética e
fantástica da gênese do universo e dos fenômenos cósmicos, a partir do Caos original,
que foi o primeiro a se gerar. Esse poema preparou o caminho para a cosmologia
filosófica, que, ao invés de usar a fantasia, buscaria com a razão o “princípio
primeiro” do qual tudo se gerou. Hesíodo e outros poetas imprimiram na mentalidade
grega alguns princípios que ajudaram na constituição da ética filosófica e do pensamento
filosófico antigo em geral. A justiça, por exemplo, é exaltada como valor supremo: ―Dá
ouvidos à justiça e esquece completamente a prepotência‖, disse Hesíodo‖. (...) ―E em
muitos filósofos, especialmente em Platão, a justiça se tomaria inclusive um conceito
ontológico, além de ético e político‖.
3.1.5 – A noção de justa medida na poesia Lírica: “Os poetas líricos
também fixaram a noção de limite, da justa medida, que constitui a
conotação mais peculiar do espírito grego. ―Jubila-te com as alegrias e
sofre com os males, mas não em demasia‖, disse Arquíloco. ―Sem zelo
demais: o melhor está no meio; e, ficando no meio, alcançarás a virtude‖,
afirmou Teognis. ―Nada em excesso‖, escrevia Sólon. ―A medida é uma
das melhores coisas‖, ecoa uma das sentenças dos Sete Sábios. E o
conceito de “medida” constituiria o centro do pensamento filosófico
clássico. Recordemos uma última sentença ainda, atribuída a um dos
antigos sábios e inscrita no portal do templo do oráculo de Delfos,
consagrado a Apolo: ―Conhece-te a ti mesmo.‖ Essa sentença, muito
famosa entre os gregos, tomar-se-ia inclusive não apenas o mote do
pensamento de Sócrates, mas também o princípio basilar do saber
filosófico grego até os últimos neoplatônicos‖. (cosmogonia egípcia)
3.2 – Herança da religião grega que a filosofia herdou:
3.2.1 – Da Religião Pública: de base politeísta, entendia que tudo é
divino, porque tudo o que ocorre é explicado em função da
intervenção dos deuses: os fenômenos naturais são promovidos por
deuses; a vida social; o destino das cidades, das guerras e da paz
são vinculados aos deuses. A base da religião pública era a
dualidade dos mundos dos mortos e mundo dos vivos; deuses
imortais e humanos mortais. Os deuses são imortais, mas não
superiores moralmente. A religião pública não pede ao ser humano
que mude sua natureza, mas, ao contrário, que ele siga sua
natureza‖ (p. 17).
3.2.2 – Da Religião dos Mistérios: ―Igualmente de base politeísta,
tratava-se de círculos restritos de cultos sobre os mistérios‖: Eleusinos,
Órficos, Pitagóricos, o culto a Mitra e os Gnósticos. Os mistérios órficos
foram os que mais influenciaram a filosofia grega.
3.2.2.1 - Dois mitos básicos do orfismo:
(i) o mito de Orpheu, que desceu vivo ao mundo dos
mortos para buscar Eurídice; simboliza aquele que não
aceita a morte, representa o apego à vida;

(ii) o mito, cantado por Orpheu, de Dionísio Zagreu, o filho


de Zeus e Perséfone, assassinado e devorado pelos Titãs
a pedido de Hera. Das cinzas dos Titãs nasceu a
humanidade, com uma alma imortal, divina.
3.2.2.2 - O Dualismo existencial: a primeira natureza
humana seria a titânica (corpo), a segunda
natureza descenderia das cinzas da criança divina
- Dionísio (alma).
3.2.3 – A herança filosófica desses dois tipos de religião:
1ª. A relação do “um” com o “todo” no mundo grego: tendo Zeus como
o princípio e a regência de todas as ―coisas‖;
2ª. O dualismo originado pela antropogênese: o ser humano se origina
das cinzas dos titãs e da criança divina, Dioniso Zagreu, tendo ele um
corpo impuro, servindo de cárcere para uma alma divina e imortal.
3ª. O direcionamento moral como télos (fim) no orfismo: a estrutura
escatológica divide o Hades em três pontos, para onde se destinam
os mortos de acordo com um critério moral de julgamento de seus
feitos em vida:
1º. O Tártaro: a parte mais profunda, onde se realizam os castigos mais
cruéis e violentos;
2º. O Érebo: onde os castigos são mais brandos que os do primeiro ciclo;
3º. Os Campos Elísios: destinado aos que tinham se purificado nos dois
primeiros ciclos e aguardavam o momento da
reencarnação‖. [não tem no texto]
3.3 – As Condições sociopolíticas e econômicas gregas que permitiram a
consolidação da filosofia:
3.3.1 – Contexto Histórico: ―Nos séculos VII e VI a. C., a Grécia sofreu uma
transformação socioeconômica considerável. De país predominantemente agrícola
que era, passou a desenvolver de forma crescente a indústria artesanal e o
comércio. (...) As cidades tornaram-se florescentes centros comerciais, acarretando
um forte crescimento demográfico. O novo segmento dos comerciantes e artesãos
alcançou uma notável força econômica, passando a opor-se à concentração do
poder político, que estava nas mão da nobreza fundiária. (...) Na luta que os gregos
empreenderam para transformar as velhas formas aristocráticas de governo em
novas formas republicanas, todas as forças deviam ser despertadas e exercidas:
a vida pública abria caminho para a ciência e para a filosofia. (...) Assim, se o
fundamento do florescimento artístico e científico da Grécia foi construído
contemporaneamente à transformação das condições políticas e em meio a vivas
disputas, então não se pode negar a conexão entre os dois fenômenos‖ (p. 20).
3.3.2 – Filosofia e Liberdade: ―A filosofia nasce primeiro nas colônias e não na
mãe-pátria. E isso aconteceu precisamente porque, com sua produtividade e com
seu comércio, as colônias alcançaram primeiro uma situação de bem-estar e,
devido à distância da mãe-pátria, puderam construir instituições livres antes do
que ela. (...) depois, passando para a mãe-pátria, alcançou os seus mais altos
cumes em Atenas, ou seja, na cidade em que floresceu a maior liberdade (em
vista da necessidade). A filosofia só nasceu depois que os seres humanos
resolveram os problemas fundamentais da subsistência, libertando-se das
mais urgentes necessidades materiais.

3.3.3 – Liberdade & Coletividade: ―Para os gregos, o homem coincide com o


cidadão. Assim, o Estado tornou-se o horizonte ético do homem grego (...) os
cidadãos sentiam os fins do Estado como os seus próprios fins (télos), o bem do
Estado (polis)como o seu próprio bem, a grandeza do Estado como a sua própria
grandeza e a liberdade do Estado como a sua própria liberdade‖ (p. 21).
Próxima aula: Compêndio Sofistas & Sócrates
Os filósofos da physis (materialidade)
Eles fazem parte do primeiro período da
filosofia grega. São anteriores aos Sofistas e
a Sócrates, por isso, são também conhecidos
como ―pré-socráticos‖. Esses pensadores
buscavam nos elementos da natureza as
respostas sobre a origem do ser e do universo.
Focavam nos aspectos da natureza, pois
buscavam dar uma explicação racional para a
origem de todas as coisas. A mitologia grega explicava o universo através da
cosmogonia (cosmo ≅ "universo" e gónos ≅ "gênese"). A cosmogonia como a
teogonia dão como origem de todo o universo a genealogia divina, pagã. Já os
filósofos da physis tentaram elaborar a cosmologia, explicação do universo
baseado no logos ("lógica‖/"razão"). Os deuses deram lugar à natureza na
compreensão sobre a origem das coisas. Alguns dos mais famosos: Tales de Mileto;
Anaximandro de Mileto; Anaxímenes de Mileto; Eráclito de Éfeso; Pitágoras de Samos
Xenófanes de Cólofon; Parmênides de Eléia; Demócrito de Abdera, entre outros.
A sofística e o deslocamento do eixo da pesquisa filosófica
do cosmos (physis)para o homem
1. O movimento sofista: ―Sofista" significa "sábio", "especialista do saber". Uma
acepção do termo, em si mesma, positiva, mas tornou-se negativa por causa das
críticas de Sócrates, Platão e Aristóteles, que afirmavam que o saber dos sofistas (2ª
e 3ª gerações) era "aparente" e não "efetivo" e que não era professado tendo em vista
a busca desinteressada pela verdade, mas sim com objetivos de lucro. Platão
insistiu no perigo das ideias dos sofistas do ponto de vista moral. Essa visão dos
sofistas mudou no século XX com a revisão sistemática desses juízos e com a radical
reavaliação histórica dos sofistas. Os sofistas operaram uma verdadeira revolução
espiritual, deslocando o eixo da reflexão filosófica da physis e do cosmos para o
homem e aquilo que concerne a vida do homem como membro de uma sociedade. A
sofistica tomou como seus temas predominantes a ética, a política, a retórica, a
arte, a língua, a religião e a educação, ou seja, aquilo que hoje chamamos de
cultura do ser humano. É correto afirmar que, com os sofistas, inicia-se o período
humanista da filosofia antiga ocidental.
2. Por que surgiram?: A filosofia da physis havia chegado ao seu limite extremo,
o que fez com que outros conteúdos exigissem ser objeto de reflexão e o
contexto histórico do século V a.C. fomentou a necessidade de reflexões
sociais, econômicas e culturais:
(i) a crise do sistema aristocrático,
(ii) o aumento da população,
(iii) a chegada de estrangeiros às cidades pólos (Atenas, Esparta, etc.), com a
ampliação do comércio,
(iv) a difusão dos conhecimentos e experiências dos viajantes, que levavam à
inevitável comparação entre os usos, costumes e leis helênicos e usos,
costumes e leis totalmente diferentes, instaurando a crise da antiga areté
(virtude herdada no nascimento), dos valores tradicionais, que eram os
valores apreciados pela aristocracia.
Resumo: os sofistas respondiam a reais necessidades do momento, propondo aos
jovens a palavra nova que eles esperavam, já que não estavam mais
satisfeitos com os valores tradicionais que a velha geração lhes propunha,
nem com o modo como os propunha.
3. Panorama Geral de Atuação dos Sofistas:
3.1) Vida prática e Educação: tinham como foco a vida prática e o compromisso
pedagógico estava em primeiro plano, ao defender a ideia de que a "virtude" (a
areté) não dependia da nobreza do sangue e da nascença, mas se fundava no
saber, o que faz deles os pioneiros na concepção ocidental de educação. Para
os sofistas, a pesquisa pela verdade estava ligada necessariamente à sua difusão.
3.2) Educação como profissão: transformaram a produção e transmissão do saber em
profissão e exigiam uma compensação para que pudessem viver e difundi-lo,
viajando de cidade em cidade. Os sofistas rompiam com um esquema social que
limitava a cultura só a determinadas classes sociais, oferecendo a outras classes a
possibilidade de adquiri-la.
3.3) Educação além dos limites da polis: censurados por serem "nômades", o que
infringia o dogma ético grego de apego à cidade, entendiam que os estreitos
limites da polis não tinham mais razão de ser e sentiam-se cidadãos de todo o
continente grego.
3.4) Educação pela razão: manifestaram uma notável liberdade de espírito em
relação à tradição, às normas e aos comportamentos codificados, mostrando
uma confiança ilimitada nas possibilidades da razão.
3.5) As três gerações: os sofistas não constituem um bloco
compacto de pensadores. Distinguem-se em três grupos:
Primeira Geração: famosos mestres, que demonstravam ter reservas
morais e que o próprio Platão considerou dignos
de certo respeito.

Segunda Geração: os "erísticos", que focaram no aspecto formal do


método, perderam interesse pelos conteúdos e
também perderam a superioridade moral dos
mestres;

Terceira Geração: os "político-sofistas", que utilizaram ideias sofistas


com finalidades políticas, cometendo excessos
de vários tipos e chegando até à teorização do
imoralismo.
Sócrates e a fundação da filosofia humanista ocidental

1. Biografia: Sócrates nasceu, viveu e morreu em Atenas. Foi


acusado de "impiedade‖, que significava que Sócrates
desrespeitava os deuses e que influenciava seus discípulos a
colocarem a razão ante a fé nos costumes da pólis, das classes
afortunadas, etc.

2. Como a filosofia socrática sobreviveu ao tempo: Sócrates


não escreveu nada, sua mensagem era transmissível pela
palavra viva, através do diálogo e da "oralidade dialética‖. Uma
série de doutrinas é a ele atribuídas, divididas em três grupos:
Grupo (i) Filosofia socrática derivada da filosofia-física: que vêm a origem
da filosofia socrática, ligada ao filósofo da física (physis), Arquelau. Para o qual
o Cosmos surgiu de uma composição de ar com a mente, que, em um processo
de mutação, deu origem à água e ao fogo, criando o movimento de oposição
entre o quente e o frio. Desta oposição surgiram a terra e os animais, que foram
evoluindo para outras formas de vida, como a humanidade. Para Arquelau,
todas as espécies eram dotadas de alma, mas os humanos tiveram uma
evolução diferente, separados dos demais e criando as sociedades e as leis.
Arquelau parecia concordar com alguns sofistas de que a avaliação ética do
que é correto ou errado não são definidos pela "natureza, mas por
costume”, ou seja, por leis humanas. Sócrates retoma essa dualidade
natureza-sociedade como ponto de partida de sua reflexão, propondo um
terceiro viés de orientação, que não será nem a natureza, nem as leis que a
cultura humana instituiu, mas pelo ser humano, enquanto espécie e indivíduo.
Assim nasce a filosofia humanista.
Grupo (ii) Sócrates apresentado por Platão, Xenofonte e Aristóteles:
Platão, discípulo de Sócrates, o coloca como o protagonista de seus
diálogos. Xenofonte escreve os últimos dias de vida de Sócrates na Apologia
de Sócrates, relato um pouco caricato (certamente, seria impossível que os
atenienses tivessem motivos para condenar à morte um homem como o
Sócrates ficcional). Aristóteles menciona, ocasionalmente, Sócrates, mas
Aristóteles não foi contemporâneo de Sócrates.

Grupo (iii) Sócrates configurado pela “perspectiva do antes e depois”:


essa comparação atribui a Sócrates, com elevado grau de probabilidade,
aquelas doutrinas que a cultura grega recebeu no momento em que
Sócrates atuava em Atenas e que os nossos documentos atribuem a ele.
Relida com base nesse critério, a filosofia socrática revela ter exercido tal
peso no desenvolvimento do pensamento grego e do pensamento ocidental
em geral que pode ser comparada a uma verdadeira revolução espiritual.
3. A descoberta da essência do homem (o homem é a sua psyché)
Para Sócrates, a essência do homem é a alma (psyché), que é a
consciência e a personalidade intelectual e moral. Alma, antes de ser
assimilada por uma perspectiva cristã, aparece com Sócrates como o centro
de atribuição de sentido do ser humano. Se a essência do homem é a alma,
cuidar de si mesmo significa cuidar da própria alma mais do que do
corpo. Ensinar os homens a cuidarem da própria alma é a tarefa suprema
do educador, do filósofo. Para Sócrates, não é das riquezas que nasce a
virtude, mas da virtude que nasce a riqueza e todas as outras coisas que
são bens para os homens, tanto individualmente para os cidadãos como
para o Estado‖. O corpo é o ―instrumento‖, assim sendo, corpo e alma são
coisas distintas. A alma (psyché) “se serve do corpo”. A alma é a in-
teligência, por isso, a ―alma nos ordena conhecer: Conhece-te a ti mesmo‖.
4. O conceito de liberdade para Sócrates: Autodomínio

A areté (realização plena) da psyché (alma) ocorre com o


que Sócrates denominou de ―autodomínio‖, de ―domínio de si
mesmo‖: ―Considerando o autodomínio como a base da
virtude, cada homem deveria procurar tê-lo.‖ Autodomínio
significa domínio de sua racionalidade sobre a sua
própria animalidade, significa tornar a alma senhora do
corpo e dos instintos ligados ao corpo. O verdadeiro ser
humano livre é aquele que sabe dominar os seus instintos,
logo, é ―escravo‖ aquele que, não sabendo dominar seus
instintos, torna-se vítima deles.
5. O conceito de felicidade para Sócrates: harmonia interior

A felicidade não pode vir das coisas exteriores, do corpo, mas


somente da alma, porque esta, e só esta, é a sua essência. A
harmonia interior é a felicidade. O homem virtuoso entendido nesse
sentido ―não pode sofrer nenhum mal, nem na vida, nem na morte‖.
Nem na vida, porque os outros podem danificar-lhe os haveres
ou o corpo, mas não lhe arruinar a harmonia interior e a ordem
da alma. Nem na morte, porque, se existe um além, o virtuoso será
premiado; se não existe, ele já viveu bem no aquém. Para Sócrates,
o homem pode ser feliz nesta vida, quaisquer que sejam as
circunstâncias em que lhe cabe viver e qualquer que seja a situação
no além. O homem é o verdadeiro artífice de sua própria felicidade
ou infelicidade.
6. A dialética de Sócrates (como se opera o conhecimento):

6.1 - O “não-saber” socrático: parte-se do reconhecimento de que nada se sabe aponta-se


para os limites do conhecimento humano

6.2 – Finalidade (télos): é despojar a alma da ilusão do saber. Dialogar para Sócrates era
levar o discípulo a um ―exame da alma‖ e a uma prestação de contas da própria vida, a
um ―exame moral‖: ―Quem quer que esteja próximo a Sócrates e, em contato com ele,
ponha-se a raciocinar, qualquer que seja o assunto tratado, é arrastado pelas espirais do
discurso e inevitavelmente forçado a seguir adiante, até se ver prestando contas de si
mesmo, dizendo inclusive de que modo vive e de que modo viveu‖.

6.3 - A maiêutica: há um princípio de inteligência no ser humano, Sócrates considerava ser


necessário, pela maiêutica, despertar essa inteligência: ―a reprovação que tantos já me
fizeram, de que eu interrogo os outros, mas, eu próprio, nunca manifesto meu
pensamento sobre nenhuma questão, ignorante que sou. Sou como um obstetra, mas
que não gera. Eles próprios e os outros podem ver, que não aprenderam nada de mim,
mas só de si mesmos encontraram e geraram muitas e belas coisas.‖
6.4 - A ironia socrática: Sócrates inicia a maiêutica mostrando ser um grande amigo
do interlocutor, afirmando admirar sua capacidade e seus méritos, quando se
tratava de um homem de cultura, alguém vaidoso de seus conhecimentos,
Sócrates iniciava pedindo-lhe conselho ou ensinamentos. Fingia até mesmo
acolher os métodos do interlocutor e brincava de engrandecê-los até o limite da
caricatura, para derrubá-los com a mesma lógica que lhes era própria e amarrá-
los na contradição.
6.5 - A refutação: é o momento em que Sócrates levava o interlocutor a reconhecer a
sua própria ignorância. Primeiro, ele forçava uma definição do assunto sobre o
qual se centrava a investigação; a partir dessa definição primeira, ele fazia várias
perguntas sobre a definição fornecida, explicitava e destacava as carências e
contradições que implicava; então, fazia o interlocutor tentar uma nova definição,
criticando-a e refutando-a com o mesmo procedimento; e assim continuava
procedendo, até o momento em que o interlocutor se declarava ignorante. Para
os não-arrogantes, a refutação provocava um efeito de purificação das falsas
certezas, ou seja, um efeito de purificação da ignorância.
Introdução às Filosofias Platônica & Aristotélica

“Direito e Filosofia Política em Platão e Aristóteles”


Introdução à filosofia de Platão
1. O Filósofo: nasceu em Atenas, em 428/427 a.C..
2. A entrada na filosofia: Platão foi um dos discípulos de
Sócrates. Ele frequentou o círculo de Sócrates sem ter como
objetivo ser filósofo, mas para melhor se preparar, pela filosofia,
para a vida política, que foi uma experiência amarga e frustrante.
Platão convenceu-se de que era bom manter-se afastado da
política e fundou a Academia que adquiriu grande prestígio,
educando numerosos jovens e até mesmo homens ilustres.
Platão permaneceu na direção da Academia até sua morte,
ocorrida em 347 a.C.. Os escritos de Platão chegaram até nós
em sua totalidade.
3. As influências de Sócrates em Platão:

3.1. O limite do conhecimento: Platão ministrou cursos intitulados Sobre o


bem, nos quais discorria sobre realidades últimas e supremas introduzindo
os discípulos na compreensão desses princípios. Platão estava convencido de
que essas ―realidades últimas e supremas‖ só podiam ser transmitidas pelo
diálogo vivo e através do emprego oral da dialética, afirma ele: ―O
conhecimento dessas coisas não é de forma alguma transmissível como os
outros conhecimentos, mas apenas após muitas discussões sobre tais coisas e
após um período de vida em comum, quando, de modo imprevisto, como luz
que se acende de uma simples fagulha, esse conhecimento nasce na alma e
de si mesmo se alimenta.‖ Trata-se de um reconhecimento, de reconhecer
essas verdades em si, por isso, Platão decidiu: ―Sobre essas coisas
(metafísica) não há nenhum escrito meu e nunca haverá.‖
3.2. A maiêutica como diálogo: Platão buscou reproduzir o jogo das perguntas e
respostas, com todos os meandros da dúvida, que impulsionam para a verdade
sem, porém, revelá-la, convidando a alma do ouvinte a realizar o seu encontro
com ela. Para Platão, o escrito filosófico apresentava-se como ―diálogo‖, que teria
Sócrates como protagonista, discutindo com um ou vários interlocutores, ao lado
dos quais surgirá o leitor, com função igualmente importante, chamado a participar
do diálogo.
3.3. Recuperação e novo significado do “mito” em Platão: Platão, inicialmente,
participou com Sócrates da posição de condenar o uso do mito racionalizado pelos
sofistas, mas, depois passou a atribuir ao mito um novo valor. Platão passa a
atribuir valor ao mito quando começa a valorizar algumas teses fundamentais do
orfismo, em especial a dualidade entre alma e corpo. Para Platão, o mito se torna
claro com o logos (razão) e o logos se complementa com o mito. Ao chegar a
razão aos limites extremos de suas possibilidades, Platão confia à força do mito a
tarefa de superar intuitivamente esse limites. Platão se serve do mito
metodicamente, como estímulo para a razão, valorizado em seus poderes alusivos
e intuitivos.
4. A concepção dualista do ser humano: a distinção entre alma
(suprassensível, dotada de afinidade com a ideia) e corpo (realidade
sensível) em oposição.

4.1. O corpo é uma “tumba” para a alma e é a raiz de todo mal: se para
Sócrates, o corpo é um instrumento a serviço da alma, para Platão, o
corpo é como uma “tumba”, como o “cárcere” da alma, como lugar
para o cumprimento de suas penas; no corpo a alma se encontra em
situação de morte, por isso, morrer é libertar a alma. O corpo é a
fonte de paixões, inimizades, discórdias, ignorância e loucura.
4.2. A escatologia: propõe que o ser humano encontra-se de passagem na
terra e que a vida terrena constitui uma prova, a do exercício da razão
para a boa condução da alma. A filosofia, ou seja, o exercício da razão,
representa a força salvífica da busca e da visão da verdade que salva
―para sempre‖.
4.3. O mito do carro alado: A alma se assemelha a um carro alado
puxado por dois cavalos e guiado pelo auriga (razão). Um cavalo
é bom e outro é mau, o que torna difícil a condução do carro.
O auriga simboliza a razão e os dois cavalos representam as
partes da alma. As almas buscam, periodicamente, chegar ao
ápice para contemplar o mundo das Ideias. Trata-se de uma
tarefa árdua procurar contemplar o plano da ideias,
especialmente, por causa do cavalo mau. Aquelas que
conseguem, vivem por mil anos na ―planície da verdade‖. Aquelas
que não conseguem, chocam-se e atropelam-se e se
precipitam sobre a terra. A vida humana é moralmente mais
perfeita quanto mais houver ―contemplado‖ a verdade no plano da
ideia e moralmente menos perfeita quanto menos a tenha
―contemplado‖.
4.4. As partes da alma:

a) Apetitiva (mal): uma tendência que nos arrasta, que consiste no desejo, na vontade ou
na tirania do amor (o cavalo mau), é a falta da razão;
b) Irascível (bem): outra tendência que domina o desejo; encontra-se, em geral, do lado
da razão, mas pode ligar-se também ao mal caso esta seja
corrompida por uma má educação (o cavalo bom).
c) Racional (razão): busca o equilíbrio entre as duas outras partes (auriga).

* quando a parte apetitiva (mal) da alma se harmoniza com a racional (razão) e a ela
obedece, o indivíduo é ―temperante‖;

* quando a parte irascível (bem) da alma sabe manter com firmeza as determinações
da razão, em meio a todas as adversidades, o indivíduo é ―forte‖, ―corajoso‖;

* quando a parte ―racional‖ da alma possui a verdadeira ciência daquilo que é útil a todas
as partes, o indivíduo é ―sábio‖.
Introdução à filosofia política de Platão: A república
1. O contexto e a filosofia: ―As cidades gregas sofreram transformações com a
miscigenação das culturas do Ocidente com o Oriente, o que causou
considerável mudança no ethos grego. O foco de Platão, na República, é a
justiça, no sentido amplo do termo, uma vez que esta deve ser o pilar das
sociedades heterogêneas. Sócrates, protagonista da obra, é instigado a fazer
essa reflexão por Polêmarco, filho de Céfalo‖.

2. O que é a justiça?: Polêmarco defende que a justiça consiste em dar a cada


um o que lhe é devido, em fazer o bem aos amigos e o mal aos inimigos. Mas
então um homem justo pode ser também injusto, afinal, pratica injustiça contra
seus inimigos. Trasímaco, um sofista que também estava no banquete, afirma:
―a justiça não é nada mais que reforçar o poder dos fortes contra os fracos. Não
é isto que fazem os tiranos, com suas leis autoritárias?‖ Sócrates, apesar de
não chegar a uma definição sobre a justiça, afirma ideias básicas para um
governo justo.
3. Os princípios da Justiça: individualidade ou coletividade?
A partir da discussão individual sobre justiça, Sócrates propõe recorrer a algo
maior, a saber, uma cidade, a fim de aí enxergar melhor a justiça. Ele sugere
assistir, no discurso, ao nascimento de uma cidade, a fim de ver também
nascerem a justiça e a injustiça desta, objeto de sua busca.
―Uma cidade nasce ou é tal porque se dá o caso de cada um de nós ser não
autossuficiente, mas carente de muitas coisas. Deu-se o nome de cidade a
essa convivência de muitos carentes‖.

A justiça é a harmonia que se estabelece entre essas três virtudes:


temperança (trabalhadores), coragem (militares) e sabedoria (governantes) que
deveriam representar as três classes sociais). Platão acreditava poder eliminar
dessa forma as razões que alimentam o egoísmo e suprimir o individualismo.
Todos deveriam dizer apenas ―é nosso‖. O bem particular deveria ser o bem
comum.
4. A reflexão sobre a cidade e seu funcionamento indica os seguintes princípios:
# a justiça tem valor em si mesma, ela é superior à injustiça e é preferível sofrer a
injustiça do que praticá-la. Onde se pratica a injustiça, aí está a desunião e a
discórdia. Onde houver justiça, aí está a felicidade.
# a justiça é mais fácil de ser encontrada na atividade pública do que nas pessoas;
# as pessoas podem ―aprender‖ a justiça vivendo em coletividade;
# A justiça implica em solidariedade social, ou em formas pelas quais a pessoa
contribui para o bem estar coletivo, pois este é que tem a prioridade;
# a justiça exige desprendimento, o dever consciente de pessoas realmente dispostas a
prover o bem comum;
# a justiça deve funcionar de tal forma a garantir a felicidade do coletivo;
# a justiça consiste em cada um fazer o que lhe cabe (télos);
# a justiça implica que as três partes da alma e do Estado estejam em harmonia.
5. A organização social:

(i) Estado nasce porque cada um de nós não se basta a si mesmo e precisa uns dos outros;

(ii) O Estado e o indivíduo são um só: as três faculdades da alma (razão, bem e mal - mito do
cavalo alado) representam as três classes sociais do Estado: povo (camponeses, artesãos e
comerciantes) representa o mal/vontade; os soldados, que representa a parte boa/irascível; os
filósofos (governantes), que representa a parte racional. Organizar a unidade (indivíduo) é
organizar a coletividade (Estado).

(iii) São imprescindíveis os serviços de todos que provêm as necessidades materiais. Trata-se da
classe dos lavradores, artesãos e comerciantes (boa quando nela predomina a ordem, a
temperança, a disciplina, além da submissão);

(iv) São necessários os serviços de alguns homens responsáveis pela guarda e defesa da cidade.
Trata-se da classe dos guardiões (força irascível da alma, homens dotados de mansidão e
ferocidade);

(v) É necessário a dedicação de alguns poucos homens que saibam governar com justiça. Trata-se
da classe dos governantes (homens que conhecem e contemplam o bem, predomina neles a
alma racional, a sabedoria).
Platão e as Leis
- Trata-se do último e mais extenso diálogo de Platão, que ficou
inacabado. Neste, não há a presença de Sócrates como
protagonista.

- Diálogo entre 3 gregos de cidades-Estados: Atenas (o condutor


do diálogo), Creta (Clínias) e Esparta (Megilo) (Lacedemônia)

- Os assuntos abordados: educação das crianças e jovens; a


distribuição dos bens e de terras; a governança entre a divindade e a
humanidade; o gosto; os prazeres; entre outros.

- Foco para a disciplina: o legislador e as formas de governo


- As formas históricas de Estado:

1) Monarquia: quando um só homem governa;

2) Aristocracia: quando são vários homens ricos que governam;

3) Democracia: quando o povo, na sua totalidade, é quem governa

- Dilema Social: o problema não são as formas de governo, mas o governante


e os governados

- Sobre os governantes: nas formas de governo, quando buscam os próprios


interesses e não os do povo

1) a tirania (monarquia);

2) a oligarquia (só um partido; uma família; um grupo étnico governa na aristocracia);

3) a demagogia (democracia).
O papel de cada um:
1º) Os governadores: ―O legislador, em sua legislação, tem que visar três objetivos: racionalidade,
liberdade e unidade do Estado para o qual legisla‖. “Não são a mera segurança e a manutenção da
existência as coisas mais preciosas a serem possuídas pela Humanidade; mas, sim, a conquista de
todo o Bem possível e a preservação deste Bem através da vida‖.
2º) Os governados: ―Seria vulgar, servil e inteiramente indigno chamar de educação uma formação que vise
somente à aquisição de dinheiro, de vigor físico ou mesmo de alguma habilidade mental destituída de
Sabedoria e de Justiça. Enfim, educação é a primeira aquisição que a criança faz da virtude‖. ―A comunidade
que não conhece nem a riqueza nem a pobreza é geralmente aquela na qual se desenvolvem as
personalidades mais nobres, pois aí não há espaço para o crescimento da insolência e da injustiça, das
rivalidades e dos ciúmes‖. ―Os bens e as riquezas, quando excessivos, geram animosidades e conflitos tanto
no Estado como no âmbito particular; quando deficientes, geram, normalmente, servidão‖.
3°) As legislações: “Um Estado que pretenda durar e ser o mais feliz que for humanamente possível terá,
necessariamente, que dispensar corretamente honras e desonras, sendo o modo correto o seguinte: deverá
ser estabelecido que os bens da alma recebam as mais elevadas honras e venham em primeiro lugar, desde
que a alma seja detentora de temperança; em segundo lugar, viriam as coisas boas e belas do corpo; e, em
terceiro lugar, os chamados bens substanciais e propriedades. E, se qualquer legislador ou Estado
transgredir estas regras, atribuindo ao dinheiro o posto da honra, seja designando uma posição superior a
uma das classes de bens inferiores, será responsável por infringir tanto o sagrado quanto o político‖.
―Quando, no Estado, o despotismo e a escravidão destroem os laços de amizade e de camaradagem, o
conselho dos governantes não delibera mais no interesse dos governados e do povo, mas, somente no
interesse da manutenção de seu próprio poder‖.
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DE ARISTÓTELES - (384-322 a.C.)

Aluno de Platão, por 20 anos, até a morte deste, foi o tutor de Alexandre,
―O Grande‖, Rei da Macedônia. Treze anos depois da morte de Platão,
Aristóteles fundou sua escola que, ao mesmo tempo, foi rival e herdeira da
academia platônica. Foi um homem de cultura, de estudo, de pesquisas,
que se isolou da vida prática, social e política, para se dedicar à
investigação científica. Elaborou uma obra filosófica autoral. É o primeiro
filósofo ―total‖, pois ―escreveu‖ sobre todas as ciências, constituindo
algumas desde os primeiros fundamentos: (i) Escritos lógicos (lógica como
instrumento da ciência); (ii) Escritos sobre a física (cosmologia,
antropologia, metafísica); (iii) Escritos metafísicos (metafísica geral e
teologia); (iv) Escritos morais e políticos (as Éticas a Nicômaco, a Eudemo,
a Grande Ética e a Política, incompleta); Escritos retóricos e poéticos.
1. Platão & Aristóteles: ―Aristóteles foi o mais genuíno dos discípulos de Platão‖.
―Discípulo genuíno‖ de um mestre não é aquele que fica repetindo o mestre, mas
sim aquele que, partindo das teorias do mestre, procura superá-las, indo além
do mestre mas no espírito do mestre:
1.1. Rejeitou o componente místico-religioso-escatológico: trata-se daquele
componente platônico que tem raízes na religião órfica, alimentando-se mais
de fé e crença do que de logos (razão). Ao deixar esse componente de lado,
Aristóteles pretendeu promover uma rigorização do discurso filosófico.

1.2. O método filosófico: a ironia e a maiêutica socrática deram origem em Platão


a um discurso aberto, na forma do diálogo, sobre diversos assuntos. Já nas
obras de Aristóteles há uma sistematização orgânica, uma distinção dos temas
e problemas segundo sua natureza. Aristóteles faz uma sistematização que se
tornará padrão para a reflexão filosófica, estabelecendo eixos para o saber
filosófico: metafísica, física, psicologia, ética, política, estética e lógica.
1.3. Relações entre Platão e Aristóteles acerca do suprassensível: Aristóteles
criticou asperamente o mundo das Ideias platônicas com numerosos
argumentos, demonstrando que, se elas fossem ―separadas‖, ou seja,
―transcendentes‖, como queria Platão, não poderiam ser causa da existência
das coisas nem causa de sua cognoscibilidade. Aristóteles apresenta-se uma
―alternativa‖ à proposta de Platão, sem recusar a metafísica, ao contrário,
dando a ela o lugar de destaque na compreensão da física, do mundo
sensível.
1.4. Aristóteles é um filósofo “realista”: Platão não manifestou nenhum interesse
pelos fenômenos empíricos considerados em si mesmos; já Aristóteles teve
um enorme interesse por quase todas as ciências empíricas e pelos fenômenos
empíricos. Trata-se da percepção do princípio inteligente ―na‖ materialidade
do mundo sensível.
Introdução à filosofia política de Aristóteles: A Política

1. As ciências práticas: a ética e a política: “Depois das ciências


teoréticas (a metafísica, a física, a psicologia e a matemática), na
sistematização do saber, vêm as ―ciências práticas‖, que dizem respeito à
conduta dos indivíduos e o fim (télos) que eles querem atingir, como
indivíduos, ou, como parte de uma coletividade.

# O estudo da conduta ou do télos do ser humano, como indivíduo, é a ―ética‖

# O estudo da conduta e do télos do ser humano, como parte de uma


sociedade, é a ―política‖‖.
2. O télos do ser humano: as ações humanas subordinam-se a um
―fim último‖, que é o ―bem supremo‖, que se convencionou
chamar de ―felicidade‖.
a) Para a maior parte: a felicidade é o prazer e o gozo. Mas uma
vida gasta para o prazer é uma vida que nos torna ―semelhantes
aos escravos‖, uma vida ―digna dos animais‖;
b) Para alguns: a felicidade é a honra (respeito atribuído por
terceiros). Mas a honra, em grande parte, depende de quem a
confere. Vale mais aquilo pelo qual se merece a honra do que a
própria honra;
c) Para outros: a felicidade está em juntar riquezas. Mas essa é a
mais absurda das vidas, porque a riqueza é apenas um meio
para outras coisas, não podendo portanto valer como fim.
3. O verdadeiro sentido de felicidade para Aristóteles: ―A felicidade
consiste em aperfeiçoar-se enquanto Ser Humano. Não pode consistir
no simples viver como tal, porque até os seres vegetativos vivem, nem
mesmo viver na vida sensitiva, que é comum também aos animais. Só
resta, portanto, a atividade da razão. O homem que quer viver bem
deve viver sempre segundo a razão. Aristóteles reafirma que não
apenas cada um de nós é alma, mas também é a parte mais elevada da
alma: ―Se a alma racional é a parte dominante e melhor, parece que
cada um de nós consiste precisamente nela‖. Aristóteles proclama os
valores da alma como valores supremos, embora, com seu forte senso
realista, reconheça uma utilidade também aos bens materiais em
quantidade necessária, já que eles, mesmo não estando em condições
de dar a felicidade com sua presença, podem comprometê-la com sua
ausência.
4. As virtudes éticas (individual) como "justa medida”: Na alma ―há algo
diferente da razão, que a ela se opõe e resiste‖, mas que ―participa da
razão‖: ―A faculdade do desejo (vontade) e, em geral, a do apetite participa
de alguma forma dela enquanto a escuta e obedece.‖ O domínio da
vontade e sua redução à condução da razão é a ―virtude ética‖, trata-se da
virtude do comportamento prático: ―realizando ações justas, tornamo-nos
justos; ações moderadas, moderados; ações corajosas, corajosos.‖ As
virtudes tornam-se como que ―hábitos‖, ―estados‖ ou ―modos de ser‖ que
nós mesmos construímos. Os impulsos, as paixões e os sentimentos
tendem ao excesso ou à falta; intervindo, a razão deve impor a “justa
medida”, que é o “meio caminho” entre os dois excessos. ―A virtude é
uma justa medida, porque, pelo menos, tende constantemente para o
meio‖. A justiça é a ―justa medida, segundo a qual se distribuem os bens,
as vantagens, os ganhos e seus contrários. Na justiça está abarcada toda
virtude‖.
5. A Cidade e o cidadão

O bem da cidade ―é mais belo e mais divino‖ que o bem do indivíduo, apesar de serem da
mesma natureza. O povo grego concebia o indivíduo em função da Cidade e não a
Cidade em função do indivíduo. Aristóteles define o ser humano como ―animal político‖ (ou
seja, não simplesmente como animal que vive em sociedade, mas como animal que vive
em sociedade politicamente organizada): ―Quem não pode fazer parte de uma
comunidade, quem não tem necessidade de nada, bastando-se a si mesmo, não é parte
de uma cidade, mas é uma fera ou um deus.‖ Há, contudo, grupos distintos:

Cidadãos (os governantes): aqueles que participam da administração da coisa pública,


ou seja, fazem parte das assembleias que legislam e governam a Cidade e administram a
justiça. Estes possuíam ―tempo livre‖ necessário para participar da administração pública.

Os demais (o povo): os colonos, os membros de uma cidade conquistada, os operários,


embora livres, e os escravos, que eram tidos como ―um instrumento que precede e
condiciona os outros instrumentos‖, servindo para a produção de objetos e bens de uso,
além dos serviços.
6. O Estado e suas formas: O Estado pode ter diferentes
estruturas, que dão ―ordem à Cidade, estabelecendo o
funcionamento de todos os cargos, sobretudo, da
autoridade soberana‖, que pode ser exercido:

a) monarquia, b) aristocracia, oligarquia, c) por representação

Se for segundo o bem comum: Politía

Se for no interesse privado: Democracia


7. O Estado ideal para Aristóteles
7.1. O fim (télos) do Estado é moral: ―podemos dizer que feliz e florescente é a Cidade
virtuosa. É impossível que quem não cumpre boas ações tenha êxitos felizes - e nenhuma
boa ação, nem de um indivíduo, nem de uma Cidade, pode realizar-se sem virtude e bom
senso. O valor, a justiça e o bom senso de uma Cidade têm a mesma potência e forma que
a sua presença em um cidadão privado, faz com que ele seja considerado justo, ajuizado e
sábio.‖
7.2. Cidade perfeita: nem muito populosa, nem muito pouco. O território deveria ser grande
o bastante para satisfazer as necessidades sem produzir o supérfluo. As qualidades que os
cidadãos deveriam ter são as características próprias dos gregos: um meio caminho, ou
melhor, uma síntese das características dos povos nórdicos e dos povos orientais. Os
cidadãos (os governantes) seriam guerreiros quando jovens, depois conselheiros e, quando
velho, sacerdotes. Assim, seriam adequadamente aproveitados, na justa medida, a força
que há nos jovens e o bom senso que há nos velhos. Por fim, como a felicidade da Cidade
depende da felicidade dos cidadãos individualmente, seria necessário tomar cada cidadão o
mais possível virtuoso, mediante uma adequada educação. Viver em paz e fazer as coisas
belas (contemplar) é o ideal supremo a que deve visar o Estado.
7.3. Da Finalidade do Estado: ―Mas não é apenas para viver juntos, mas
sim para bem viver juntos que se fez o Estado, sem o quê, a sociedade
compreenderia os escravos e até mesmo os outros animais. Ora, não é
assim. Esses seres não participam de forma alguma da felicidade pública,
nem vivem conforme suas próprias vontades‖.

7.4. As Condições da Felicidade Particular: ―Todos vemos que não é


pelos bens exteriores que se adquirem e conservam as virtudes, mas sim
que é pelos talentos e virtudes que se adquirem e conservam os bens
exteriores e que, quer se faça consistir a felicidade no prazer ou na
virtude, ou em ambos, os que têm inteligência e costumes excelentes a
alcançam mais facilmente com uma fortuna medíocre do que os que têm
mais do que o necessário e carecem dos outros bens‖.
7.5. O Critério da Cidadania: “Falemos aqui apenas dos cidadãos de
nascimento, e não dos naturalizados. Não é a residência que constitui o cidadão:
os estrangeiros e os escravos não são "cidadãos", mas sim "habitantes". Há
muitos lugares em que os estrangeiros não são admitidos nas audiências dos
tribunais senão quando apresentam uma caução. Não participam, então, a não
ser de um modo imperfeito, dos direitos da Cidade. Portanto, o que constitui
propriamente o cidadão, sua qualidade verdadeiramente característica, é o direito
de voto nas Assembleias e de participação no exercício do poder público em sua
pátria‖. É cidadão aquele que, no país em que reside, é admitido na jurisdição e
na deliberação. É a universalidade deste tipo de gente, com riqueza suficiente
para viver de modo independente, que constitui a Cidade ou o Estado. É assim
que excluímos os escravos e os libertos do número dos cidadãos. Pois não se
deve julgar que sejam cidadãos todos aqueles de que a Cidade não pode
prescindir. Distinguiremos até entre as crianças e os homens adultos: estes são
cidadãos pura e simplesmente, aqueles não o são senão em esperança ou
imperfeitamente‖.

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