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O Despertar de tudo – Uma nova história da humanidade

 Seres Humanos são dialógicos, entendem melhor diálogos


 Capítulo 1 – Adeus à infância da humanidade
o O Homo Sapiens existe por ao menos 200.000 anos, mas a maioria da história
humana está irreparavelmente perdida para nós
o São os seres humanos naturalmente bons ou naturalmente ruins?
 Esse questionamento não passa de um debate teológico, uma vez que
bom e mal são conceitos puramente humanos, feitos para comparas
nós com os outros (peixes e árvores não são considerados bons ou
ruins)
o O debate teológico sempre retoma quando pessoas refletem sobre as lições da
pré-história. A resposta cristã considera que vivíamos num estado de
inocência, mas fomos manchados pelo pecado original
 A versão popular da resposta cristã é, atualmente, alguma variação do
“Discurso Sobre A Origem E Os Fundamentos Da Desigualdade Entre
Os Homens” (1754) de Jean-Jacques Rousseau.
 Tudo começa com os caçadores-coletores vivendo em
pequenos grupos igualitários, que viviam inocentemente e que
só podiam ser igualitários pelo seu pequeno tamanho
 De acordo com esse conto que acreditamos, apenas após a
Revolução Agricultural e o crescimento das cidades é que essa
condição feliz acabou, dando início à civilização e o Estado, o
que também significou o surgimento da literatura escrita,
ciência e filosofia, ao mesmo tempo que quase tudo de ruim
da vida humana: patriarcado, exércitos, execuções em massa e
os insuportáveis burocratas, demandando que passemos
grande parte das nossas vidas preenchendo formulários.
 Não temos evidências científicas de que isso ocorreu
o Thomas Hobbes apresenta uma visão ainda pior no Leviatã (1651)
 Para ele, os humanos num Estado de Natureza Original não eram de
forma alguma inocentes, uma vez que são egoístas e viviam,
basicamente, num estado de guerra de todos contra todos
 Um hobbesiano argumentaria que a saída desse estado de guerra se
deu exatamente pelos mecanismos repressivos que Rousseau
reclamava: governos, tribunais, burocracia, polícia, ...
 Essa visão também sobrevive há algum tempo na humanidade, uma
visão de que a sociedade humana é fundada através da repressão
coletiva dos nossos instintos básicos, repressão que se torna mais
necessária quando humanos vivem em grandes números no mesmo
lugar
 Hierarquia, dominação e o interesse cínico sempre foram a base da
sociedade humana, como, por exemplo, o macho alpha, apesar de o
alpha numa alcateia ser só o lobo mais velho
 Coletivamente aprendemos que é vantajoso priorizar o interesse de
longo prazo em detrimento dos instintos de curto prazo, ou melhor,

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aprendemos a criar leis que nos forçam a confinar nossos piores
impulsos para áreas socialmente úteis, como na economia, por
exemplo
o Tanto a visão de Hobbes como a de Rousseau têm 3 grandes problemas
 Simplesmente não são verdade
 Trazendo evidências arqueológicas, antropológicas e
disciplinas correlatas, vê-se que as visões dos dois são
baseadas em opiniões sobre o mundo
 Com as evidências fica claro que as sociedades humanas, antes
do advento da agricultura, não estavam confinadas à grupos
pequenos e igualitários, pelo contrário, o mundo dos
caçadores-coletores era ousado em experiências sociais,
assemelhando-se a um desfile carnavalesco de formas
políticas, muito mais do que é dito pelas abstrações
monótonas da teoria evolutiva
 A agricultura também não significou o início da propriedade
privada e nem marcou um passo irreversível para a
desigualdade
o Muitas das primeiras comunidades de agricultores
eram relativamente livres de posições e hierarquias
o Além disso, muitas das primeiras cidades eram
organizadas em linhas robustamente igualitárias, sem
a necessidade de governantes autoritários, políticos
guerreiros ambiciosos ou mesmo administradores
mandões
 A ideia de que sociedades humanas podem ser organizadas de
acordo com estágios de desenvolvimento, cada um com suas
próprias características tecnológicas e formas de organização
(caçadores-coletores, agricultores, sociedade urbano-
industrial, etc) é uma falácia
o Essa concepção tem suas raízes numa reação
conservadora contra críticas à civilização europeia no
início do século 18
o Embora essa reação não venha dos Iluministas, eles a
admiraram e imitaram-na
o A reação veio de comentaristas indígenas e
observadores da sociedade europeia, como o
estadista nativo-americano Kandiaronk
 Possuem implicações políticas terríveis
 O modelo hobbesiano representa a suposição fundadora do
nosso sistema econômico, ou seja, a ideia de que humanos são
egoístas e que baseiam suas decisões em cálculos cínicos e
egoístas, ao invés de altruísmo e cooperação
 O modelo de Rousseau parece mais otimista, a ideia de que
saímos de um estado de inocências igualitária para a
desigualdade decadente, mas hoje é utilizado para nos
convencer de que embora o sistema em que vivemos pode ser

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injusto, o máximo que podemos realisticamente almejar é um
pouco de modestos ajustes
 A substituição de termos como concentração de capital,
monopólios, oligopólios ou poder de classe para termos como
desigualdade é reconfortante para as pessoas que se
beneficiam das estruturas sociais vigentes, uma vez que
desviam o foco do problema
 Há hoje um desejo de aparecer uma fórmula matemática que
justifique a falaciosa expressão, já conhecida na época de
Rousseau, de que nas sociedades antigas “todos eram iguais
pois eles eram igualmente pobres”, ou seja, a “igualdade” só
seria possível em pequenos grupos
 A questão final da história humana não é a igualdade do
acesso à recursos materiais (terra, comida, meios de
produção), embora isso seja extremamente importante, mas
sim nossa capacidade de contribuir para decisões sobre como
vivemos juntos [Os seres humanas são um projeto de auto-
criação coletiva]
 Pessoas que tentam generalizar a história estão sempre
erradas
o Francis Fukuyama em “As origens da ordem política:
Dos tempos pré-humanos até a Revolução Francesa”
(2011) vai dizer que Rousseau estava corretíssimo ao
dizer que a origem da desigualdade foi a agricultura
 Fukuyama pinta uma visão explicitamente
bíblica do processo
 O mesmo Fukuyama vai decretar o fim da
história
o Jeremy Diamond em “O mundo até ontem: O que
podemos aprender com as sociedades tradicionais?”
(2012) também vai de encontro a Rousseau,
afirmando que os grupos eram extremamente
pequenos e que somente assim a igualdade era
possível
 Essa ideia é falaciosa e dá a ideia de que toda
organização e instituição não pode existir sem
um líder
 Vale destacar que Rousseau nunca sugeriu que um inocente
Estado Natural realmente aconteceu. Ele insistiu que estava
engajando-se num experimento mental
o Ele nunca teve a intenção de que suas ideias servissem
como base para uma série de estágios evolucionários
(ex.: barbarismo, selvageria)
o Ele nunca imaginou esses diferentes estágios dos seres
humanos como níveis de desenvolvimento moral e
social correspondendo à mudança históricas nos
modos de produção (agricultura, indústria,
forreageadorismo, pastoralismo)

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o Ele apresentou uma parábola para explorar um
paradoxo fundamental da política humana: como
nossa procura por liberdade sempre nos leva a marcha
espontânea da desigualdade?
 Hobbes também não disse que realmente existiu um tempo
onde todos viviam num estado primordial de guerra. Alguns
acha que era uma alegoria para a queda de sua terra natal
(Inglaterra) na guerra-civil em meados do século 17, que o
levou ao exílio em Paris
o O mais próximo que Hobbes chegou para sugerir que
o Estado Natural de Guerra existiu, foi ao notar que as
pessoas que não viviam sob uma autoridade estavam
sempre em guerra
 Nem Hobbes nem Rousseau sabiam patavinas sobre a vida
antes da civilização. Existem achados que revelam patologias
como o nanismo, por exemplo, que eram protegidos pela
comunidade, tendo direito até a enterros em locais
protegidos.
o As realidades da vida social dos primeiros humanos
são muito mais complexas que as ideias de Hobbes e
Rousseau
o Ao utilizarem casos antropológicos para reafirmar
modelos, normalmente os comprometidos com
Rousseau preferem forrageadores africanos como os
Hazda, pigmeus ou !Kung, enquanto os
comprometidos com Hobbes preferem os Yanomani
 Tornam o passado desnecessariamente monótono
 Desde Adam Smith há aqueles que querem provar que as
formas de mercados competitivos de troca estão na raiz da
natureza humana, apontando para a existência do que
chamam de “troca primitiva”, mostrando evidências de
objetos sendo movidos por longas distâncias
o Normalmente esses objetos são tipos primitivos de
moeda, conforme validade por antropólogos. Levando
a uma conclusão errônea de que o capitalismo sempre
existiu
o Se os objetos se movem, há troca. Se há troca, há
alguma forma comercial é a conclusão falaciosa
o Na verdade, o que dizem é que não conseguem
imaginar outras formas onde objetos circulavam
grandes distâncias
o Falta de imaginação não é um argumento. Parece que
têm medo de sugerir algo original, ou se sentem
obrigados a usar uma linguagem que soa científica
para evitar especular sobre possibilidades
o A antropologia nos dá várias respostas para como
objetos valiosos circulavam por longas distâncias na

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ausência de coisas que remotamente lembram uma
economia de mercado
 Em “Argonautas do Pacífico Ocidental” (1922) de Bronislau
Malinowski, vemos como homens viajavam por mares
perigosos em canoas estabilizadoras, apenas para trocar
conchas e colares, e segurá-los brevemente para então passá-
los novamente para a expedição de outra ilha
o Tudo isso era apenas para espalhar seus próprios
nomes para lugares que nunca viram
o Há uma literatura etnográfica vasta de como trocas de
longa distância operam em sociedades sem mercados
o Encontramos redes regionais se desenvolvendo para a
criação de relações mútuas, ou apenas para ter uma
desculpa para visitar os outros de tempos em tempos,
como hoje fazemos nos feriados e aniversários
o Outros fatores podem gerar trocas sem mercado:
 Sonhos ou visões: em algumas sociedades era
considerado extremamente importante
realizar sonhos, fazendo com que indígenas
viajassem por dias para trazer um objeto
sonhado
 Curandeiros e animadores viajantes:
passavam facilmente pelos vilarejos
oferecendo serviços de cura ou de mágica
 Jogos femininos entre aldeias
 A ideia de que nossos ideais correntes de liberdade, igualdade e
democracia são produtos da “Tradição Ocidental”, deixaria Voltaire
surpreso.
 Os iluministas que propuseram tais princípios/ideias quase
invariavelmente os/as atribuem à estrangeiros, até
“selvagens” como os Yanomani
 Isso é fácil de notar quando vemos que de Platão até Marco
Aurélio e Erasmus não há um autor da tradição ocidental que
não se opunha a tais ideais
o Até antes do século 19, é quase impossível encontrar
um autor europeu que diria que a democracia é
qualquer coisa além de uma péssima forma de
governo
 É fácil identificar coisas que podem ser interpretadas como as
primeiras engrenagens do racionalismo, legalidade e democracia
deliberativa por todo o mundo e então contar a história de como elas
se aglomeraram no atual sistema global
 Não foi a raça branca da Tradição Ocidental que inventou
essas coisas. Esse pensamento eurocêntrico leva a justificar
genocídios, escravidão, estupros e destruição em massa de
civilizações completas
 Esse pensamento defende que tudo está ficando melhor com
o passar do tempo, exceto se você for negro, LGBTQIA+, ...

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 As sociedades nativas gozam de muito mais liberdade (sexual,
organizacional, ...) que as sociedades ocidentais. A vida é muito mais
interessante em sociedades onde não há miséria abjeta
 Capítulo 2 – Liberdade perversa
o Vale ressaltar que Rousseau e Hobbes não iniciaram a discussão. Rousseau,
por exemplo, escreveu sua tese para um concurso nacional francês, onde se
procurava a origem da desigualdade
 O que um homem como Rousseau, que passou a vida toda tendo suas
necessidades atendidas por servos, poderia dizer sobre igualdade?
o Na Idade Média, a maioria das pessoas que conheciam algo sobre a Europa
Nortenha (França, Inglaterra, ...) consideravam-na um lugar obscuro, cheio de
fanáticos religiosos, que além de seus ocasionais ataques aos vizinhos (ex.:
Cruzadas) era irrelevante para o comércio global e a política mundial
 Tudo isso começa a mudar no fim do século XV com os Portugueses
começando a rodear a África e adentrando o Oceano Índico, além dos
Espanhóis conquistando a América
 Com isso, alguns dos mais poderosos reinos europeus passavam a
controlar vastas áreas do planeta, e os intelectuais europeus passavam
a ser expostos, não só a civilizações da China e Índia, mas também à
um novo campo inimaginável de ideias sociais, científicas e políticas
 O resultado dessa enxurrada de ideias foi o Iluminismo
o Historiadores intelectuais ainda hoje usa a Teoria Histórica do Grande Homem
 Acreditam que todas as ideias importantes de uma era podem ser
rastreadas à um extraordinário indivíduo, ao invés de ver o trabalho
desses atores como brilhantes intervenções nos debates correntes no
espaço público da época, sem os quais talvez nunca tivessem escrito
suas obras
o Durante os séculos 18 e 19, governos europeus passaram a adotar,
gradualmente, a ideia de que todo governante deveria presidir sobre uma
população amplamente uniforme linguística e culturalmente, dirigida por um
oficialato burocrático treinado nas artes liberais e que seus membros fossem
concursados
 Nada parecido existia na Europa anteriormente, no entanto esse
sistema existia por séculos na China
o Se deixarmos de perguntar “Qual a origem da desigualdade?” e passarmos a
perguntar “Qual a origem da questão sobre a origem da desigualdade?”
seremos imediatamente confrontados com uma longa história dos europeus
debatendo sobre a natureza das sociedades longínquas, particularmente das
localizadas nas Florestas Orientais da América do Norte
 Muitos desses debates fazem referência a argumentos entre europeus
e povos originários americanos sobre a natureza da liberdade,
igualdade, racionalidade e religião, que se tornariam centrais no
Iluminismo
 Para os europeus, a desigualdade não era um problema para ninguém
durante toda a Idade Média. Hierarquias eram assumidas como
existentes desde o início
 Até no Jardim do Éden, Adão estava acima de Eva (Tomás de Aquino)

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o A igualdade de sexo era comum entre povos originários, o que deixava os
colonizadores jesuítas escandalizados
 Muitos nativos americanos reclamavam da competitividade e egoísmo
dos franceses, e ainda mais da hostilidade deles à liberdade
 As ideias de liberdade individual, igualdade entre homens e mulheres,
costumes sexuais, soberania popular e até mesmo teorias de
psicologia profunda atuais, torna uma pessoa do século 21 muito mais
próxima de um nativo americano do século 17 do que de um europeu
do século 17
o Os nativo-americanos não consideravam os missionários jesuítas livres
 Zombavam do medo que os jesuítas tinham de seus chefes, enquanto
consideravam que os seus chefes (nativo-americanos) tinham a sua
autoridade na ponta da língua, ou seja, o poder vinha da eloquência e
do agrado do discurso aos nativos, caso contrários seriam zombados
 Os nativos consideravam, muitas vezes, os franceses pouco superiores
aos escravos, vivendo em constante terror dos seus superiores
 Nota: A escravidão indígena no Brasil foi difícil pois os nativos não
aceitavam subjeção. Eram livres
o Os Wendat, em vez de punir culpados, insistiam que toda linhagem ou clã do
culpado pagasse uma indenização, o que tornava responsabilidade de todos
manter seus parentes sob controle
 É o público que deve reparar as ofensas do indivíduo
 Os capitães Wendat estimulam seus subalternos a fornecer o que é
necessário, sendo que ninguém é obrigado a nada. No entanto,
aqueles que fornecem o fazem publicamente. Eles começam a
“competir” pela glória e a imagem de solícitos para o público, além de
demonstrar suas riquezas para todos
o Igualdade é uma extensão direta de liberdade, na verdade é sua expressão
o Os jesuítas reconheceram uma relação intrínseca entre a recusa ao poter
arbitrário, debate político aberto e inclusivo, e o gosto por argumentos
racionais dos nativos
o Outra forma de ver o “comunismo primitivo”: de cada um segundo suas
habilidades, a cada um de acordo com suas necessidades (comunismo básico)
 Enquanto os europeus estavam constantemente brigando por
vantagens, sociedades das Florestas Orientais da América do Norte,
por contraste, garantiam um meio de vida autônomo para todos, ou
ao menos que nenhum homem ou mulher fosse subordinado à outro.
 Nesse sentido, o comunismo existia não em oposição, mas sim como
suporte à liberdade individual
o Um dos pensadores nativos que mais influenciaram o Iluminismo foi o
Kandiaronk
o Cismogênese: Tendência das pessoas em se definir contra o outro e que
também ocorre em sociedades
o A.R.J. Turgot foi um dos primeiros a contradizer as ideias dos nativos,
afirmando que a liberdade e igualdade deles era um sinal de inferioridade,
uma vez que, quando sociedades evoluem, há um progresso econômico
material, logo diferenças naturais em talentos e capacidades dos indivíduos se

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tornam mais relevantes e eventualmente a base para uma complexa divisão
do trabalho
 Para ele, liberdade e igualdade só são possíveis em pequenos grupos
 Turgot foi o primeiro a definir estágios da evolução econômica
 Caçadores-Coletores
 Pastorialismo
 Agricultores
 Civilização Comercial Urbanizada
 Esse arcabouço seria logo adotado e ensinado pelo seu amigo Adam
Smith
 Turgot contribuiu para a atual visão sobre os indígenas na Europa
o Enquanto a noção de liberdade dos nativos americanos era baseada no
“comunismo básico”, a dos europeus era baseada na propriedade privada, ou
seja, algo que é exercido às custas de outros
o As ideias dos nativos americanos foram catalisadoras da Revolução Francesa,
enquanto o livro de Rousseau foi o documento fundador da “esquerda” como
um projeto intelectual, apesar de não ter influído na Revolução Francesa
 Capítulo 3
o A ideia de que o ser humano surgiu na África e ao conquistar o mundo foi se
diferenciando, não é totalmente correta
 Sabe-se hoje que nossos ancestrais estavam distribuídos por toda
África, não apenas em savanas do leste africano
 Algumas dessas populações ancestrais permaneceram isoladas das
outras por possivelmente centenas de milhares de anos
 Essas populações eram bem mais fisicamente diversas do que
qualquer coisa familiar com a atualidade
 As similaridades entre populações só foram surgir muito mais tarde no
processo evolutivo
o O “paradoxo sapiente” que demonstra um gap entre a emergência de
humanos genética e anatomicamente modernos, e o desenvolvimento de
comportamento culturais complexos, é uma falácia
 É uma visão eurocêntrica que busca afirmar que a complexidade de
comportamentos surgiu na Europa
 Se trata de uma análise baseada apenas em achados arqueológicos na
Europa, que tem recursos financeiros e estrutura para promover essas
pesquisas
 Evidências arqueológicas em outras partes do mundo demonstram
que comportamentos complexos existiam bem antes do domínio
humano da Europa e que ocorreram em diversos lugares do mundo
o Existem evidências de que sociedades de caçadores-coletores desenvolveram
instituições para suportar serviços públicos, projetos e construções
monumentais, demonstrando a existência de hierarquia social complexa muito
antes da adoção da agricultura e sedentarização
o Para Bochan, a essência da política vem da capacidade de refletir de forma
consciente sobre os diversos rumos que a sociedade poderia tomar e de
apresentar argumentos claros em favor de um rumo e não de outro

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o Claude Lévi-Strauss é um dos poucos antropólogos de meados do século 230 a
levar a sério a ideia de que os primeiros seres humanos eram equivalentes a
nós em termos intelectuais
 Daí seu famoso argumento em “O pensamento selvagem” de que o
pensamento mitológico, em vez de representar algum tipo de névoa
pré-lógica, é mais bem entendido como uma espécie de “ciência
neolítica”, tão sofisticada quanto a nossa, apenas construída sobre
princípios diferentes
o A própria prática de sepultar corpos intactos e vestidos, parece ter sido
excepcional no Paleolítico Superior. Algumas pessoas eram sepultadas com
ricos objetos fúnebres, enquanto outras sequer eram enterradas
o A sazonalidade exercia um grande papel na vida social e política humana das
sociedades primordiais
 Grupos possuíam chefes, que se assemelhavam aos políticos atuais,
nos tempos de seca, mas que deixavam de ser chefes em tempos
úmidos
 No final do verão e começo do outono, as nações das Grandes
Planícies dos EUA, na época da caça aos bisões, nomeavam uma força
policial que exercia plenos poderes de coerção, inclusive o de
aprisionar, açoitar ou multar transgressores que prejudicavam os
procedimentos. Encerrada a temporada de caça, o autoritarismo cedia
lugar a organizações anárquicas. Além disso, era estabelecido um
rodízio, ou seja, quem detinha a soberania num ano, ficaria sujeito à
autoridade de outros no próximo
 Capítulo 4
o Com o tempo, a escala em que se dão as relações sociais não se torna cada vez
maior, na verdade, torna-se cada vez menor
 É contraintuitivo, mas isso ocorre quando há um aumento de pessoas
em grupos
 Até tempos bem recentes, o rumo geral da história parecia ser o
contrário da globalização, com um fenômeno de alianças cada vez
mais locais
o Por muito tempo também existiram grandes redes de hospitalidade na África e
EUA, o que permitia grandes deslocamentos, uma vez que clãs estavam
distribuídos por todo território
o A proliferação de universos sociais e culturais distintos – confinados no espaço
e relativamente limitados – deve ter contribuído de várias maneiras para o
surgimento de formas de dominação mais duráveis e intransigentes
o O surgimento de mundos culturais locais durante o Mesolítico, tornou mais
provável que uma sociedade relativamente fechada abandonasse a dispersão
sazonal e se assentasse em algum tipo de ordenamento hierárquico, de cima
para baixo, em tempo integral
 Isso não explica porque qualquer sociedade de fato se prendeu a esses
ordenamentos
o É óbvio que somente o plantio e a estocagem de cereais possibilitaram
regimes burocráticos como os do Egito dos faraós, do Império Máuria ou China
da dinastia Han, mas afirmar que o cultivo de cereais foi responsável pelo
surgimento desses Estados é mais ou menos como dizer que o

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desenvolvimento do cálculo na Pérsia medieval foi responsável pela invenção
da bomba atômica
 Entre o aparecimento dos primeiros agricultores no Oriente Médio e o
surgimento do que costumamos chamar de primeiros Estados, há um
período de cerca de 6 mil anos, e em muitas partes do mundo a
agricultura nunca levou ao surgimento de coisa alguma remotamente
semelhante a esses Estados
o Sociedade primitivas tinham muitas vezes chefes de brincadeira e liberdades
de verdade, enquanto hoje a maioria de nós precisa lidar com chefes de
verdade e liberdades de brincadeira
 As sociedades primitivas pareciam se preocupar não tanto com as
liberdades formais, mas sim com as liberdades substanciais. Estavam
menos preocupados com o direito de viajar do que na possibilidade de
realmente viajar, por exemplo. O auxílio mútuo era tido como a
condição necessária para a autonomia individual
o Os seres humanos podem não ter iniciado sua história num estado de
inocência primordial, e sim como uma aversão consciente a receber ordens
o Nas sociedades contemporâneas, consideramo-nos livres por não termos
suseranos e assumimos o pressuposto de que aquilo que chamamos de “a
economia” funciona com base na eficiência e não na liberdade, o que faz com
que rigorosas cadeias de comando sejam organizadas no ambiente produtivo
 Não surpreende que tantas especulações correntes sobre as origens
da desigualdade se concentrem sobre as mudanças econômicas, em
especial sobre o mundo do trabalho
 Vale ressaltar que a questão do trabalho não é equivalente à da
propriedade, ainda que, se o objetivo é entender como o controle da
propriedade veio a se traduzir em poder de mando, o mundo do
trabalho seria o local mais óbvio a se examinar
o O que muitos historiadores entenderam ser desconhecimento técnico em
relação a agricultura, na verdade era uma decisão social consciente: os
forrageadores rejeitavam a Revolução Neolítica a fim de preservar o seu
tempo livre
o Muitas vezes era utilizado o “Argumento Agrícola” para a expulsão dos
originários de suas terras. Tal argumento remonta ao “Segundo tratado sobre
o governo” de John Locke, em que o autor defendia que os direitos da
propriedade decorrem necessariamente do trabalho da terra
 Capítulo 5
o O que efetivamente motivou os processos de subdivisão cultural durante a
maior parte da história humana?
 Por que tantas línguas surgiram? Elas remontam a uma língua original?
(hipótese controversa)
 Como liberdades humanas outrora consolidadas vieram a se perder?
o O conceito de “áreas de cultura” proveio sobretudo de museus, em especial na
América do Norte
 Curadores precisavam decidir se organizavam os materiais de modo a
ilustrar as teorias sobre os diversos estágios de adaptação humana
(Selvagem Inferior, Selvagem Superior, Bárbaro Inferior, ...), ou de
modo a traçar a história das migrações ancestrais, fossem reais ou

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imaginárias, ou simplesmente ordená-las em conjuntos regionais,
sendo esse último o que funcionava melhor, apesar da arbitrariedade
o A abordagem por estágios de adaptação humana é muitas vezes racista e
eugenista. A abordagem de “áreas de cultura” surgiu justamente para
encontrar uma maneira de falar sobre a história humana que evitasse
classificar as populações em níveis inferiores ou superiores por qualquer razão.
 Tal abordagem resultou num peculiar fascínio pela reconstituição do
movimento ou “difusão” histórica de determinado costume e/ou ideia
o Marcel Mauss considerava a ideia de “difusão” cultural absurda, por achar que
se baseava num falso pressuposto: o de que a movimentação de pessoas,
tecnologias e ideias fosse, em alguma medida, incomum, quando na verdade
esse era o padrão
 Para ele, se todos estavam a par do que os vizinhos faziam, então o
que cabe perguntar não é mais por que certos traços culturais se
difundiram, e sim por que isso não ocorreu com outras
 A resposta, percebeu Mauss, é que é precisamente assim que as
culturas se definem em relação a suas vizinhas. As culturas eram, na
verdade, estruturas de recusa, num processo consciente, o que torna a
questão da formação das “áreas de cultura” numa questão política
para as civilizações
o Em “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, Marx Weber tenta
responder por que o capitalismo surgiu na Europa, e não em outro lugar
 Em quase todo planeta existia comércio, mas em quase qualquer
lugar, as pessoas que tivessem adquirido grandes fortunas, em algum
momento, dariam um basta nesse ciclo de acumulação, desfrutando
dos gozos da fortuna, ou sofrendo uma enorme pressão moral da sua
comunidade para usar seus rendimentos em obras, festas, ...
 O capitalismo, por sua vez, demandava um reinvestimento constante,
convertendo a riqueza do indivíduo numa máquina de criar mais
riqueza. Como a primeira pessoa que fizesse isso teria o desprezo da
sua comunidade, Weber observou que essa pessoa teria de ser uma
espécie de herói da comunidade, por isso, para ele, o capitalismo
precisou de uma linhagem puritana do cristianismo, como o
calvinismo, para sua existência
 Os puritanos acreditavam que quase tudo em que pudessem gastar
seus lucros era pecaminoso, além do fato de que participar de uma
congregação puritana significava que o indivíduo contava com uma
comunidade moral, cujo apoio lhe permitiria enfrentar a hostilidade
dos seus vizinhos condenados ao inferno
o O que diferencia um escravizado de um servo, um fâmulo, um cativo ou um
recluso é a ausência de laços sociais. Em termos jurídicos, o escravizado não
tem família, nem comunidade, não pode fazer promessas nem criar laços
duráveis com outros seres humanos
 O termo “free” em inglês deriva, na verdade, de uma raiz que significa
“friend”
 A escravidão é um estado de ‘morte social” para o sociólogo caribenho
Orlando Patterson

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o Em termos econômicos, quase nunca faz sentido criar escravizados desde a
infância, é por isso que é tão frequente que a escravidão seja resultante da
agressão militar
o Hierarquia e igualdade são um par dialético
 Desigualdade a partir de baixo: a dominação aparece primeiro no nível
mais íntimo e doméstico. As políticas conscientemente igualitárias
surgem para impedir que essas relações se espalhem daqueles
pequenos mundos para a esfera pública
 Capítulo 6
o A domesticação de plantas no Crescente Fértil demorou cerca de 3 mil anos.
Inicialmente o trigo tinha mais valor na produção de palha que de alimentos
 3 mil anos é tempo demais para constituir uma “Revolução Agrícola”
 As primeiras comunidades adotavam e abandonavam práticas de
cultivo a todo momento, mas sem se escravizarem de forma nenhuma
às necessidades de suas lavouras e rebanhos
 Desde que não fosse oneroso demais, o cultivo era apenas uma de
várias maneiras de como lidavam com o ambiente
 A separação entre vegetais domésticos e silvestres pode não ter sido
uma grande preocupação
 Os primeiros sistemas de cultivo não se prestavam ao
desenvolvimento da propriedade privada, como dizia Rousseau. Pelo
contrário, o “cultivo de vazante”, método fácil de plantar em áreas
recém alagadas, na prática era orientado para o uso coletivo da terra
ou, pelo menos, para sistemas flexíveis de realocação da lavoura
o A domesticação de plantas está intimamente ligada às mulheres, uma vez que
tarefas de cultivo e a ciência em torno delas estão associados às mulheres na
maior parte do mundo
 Capítulo 7
o É um equívoco supor que o plantio de sementes ou a criação de rebanhos de
ovinos implicam que alguém seja obrigado a aceitar arranjos sociais mais
desiguais, apenas para evitar uma tragédia dos bens comuns
 Qualquer estudioso das sociedades agrárias sabe que os povos
inclinados a ampliar a agricultura de forma sustentável, sem privatizar
a terra ou ceder sua administração a uma classe de supervisores,
sempre encontram maneiras de fazer isso
 O direito de uso comunitário da terra, o sistema de “campos abertos”,
a redistribuição de lotes e o manejo conjunto dos pastos não são nada
excepcionais, e foram adotados com frequência durante séculos nos
mesmos locais, assim como o “mir” russo e o “rundale” (ou tun-rig) na
Europa (da Índia até a Irlanda)
 Essas divisões não se tratavam de formas de propriedade, mas de
“modos de ocupação”, assim como o sistema “masha’a” na Palestina
ou o “subak” em Bali
o Atualmente temos identificados de 15 a 20 núcleos independentes de
domesticação, que seguiram caminhos bem diferentes dos encontrados na
China, no Peru, na Mesoamérica ou na Mesopotâmia, refutando a ideia
original de que a domesticação levava sempre ao surgimento de grandes
civilizações, como ocorreu no Crescente Fértil, por exemplo

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o Há discussão entre os cientistas sobre o início do Antropoceno, era geológica
em que pela primeira vez as atividades humanas são os principais fatores de
mudança no clima global.
 Alguns defendem que o início se deu na Revolução Industrial, outros
defendem que se deu no fim do século 16 e início do século 17 com as
Grandes Navegações
 Com as Grandes Navegações houve uma queda global na temperatura
atmosférica (Pequena Era Glacial) que não se explica por forças
naturais. Com talvez 90% da população nativa dizimada, as florestas
retomaram regiões de cultivo e irrigação, Cerca de 50 milhões de
hectares de terra cultivada podem ter voltado a serem áreas naturais,
absorvendo CO2 suficiente para mudar o clima do planeta
o O cultivo da terra, muitas vezes começou como uma economia de privação, ou
seja, algo só era inventado quando nada mais restava a fazer, e é por isso que
surgiu primeiro nas áreas em que havia maior escassez de recursos naturais
 Capítulo 8
o Descobertas dos últimos 50 anos demonstram que, em algumas regiões,
cidades se governaram durante séculos sem nenhum sinal dos templos e
palácios. Em muitas das primeiras cidades simplesmente não há evidências de
uma classe de administradores, nem de qualquer tipo de estrato governante.
Em outras, o poder centralizado parece emergir e depois desaparecer
o Para Robin Dunbar, psicólogo evolucionista, 150 pessoas (número de Dunbar)
é o limite máximo de relacionamentos estáveis e confiáveis que somos
capazes, em termos cognitivos, de manter em nossa cabeça
 Para ele, agrupamentos com mais de 150 pessoas são inevitavelmente
desprovidos da solidariedade de grupos menores, propiciando o
surgimento de conflitos
 A visão de Dunbar é contrária em relação a perspectiva da ciência
cognitiva. É a capacidade de se deslocar entre escalas que distingue,
de forma mais óbvia, a cognição social humana da observada em
outros primatas
 A sociedade de massa é uma realidade mental antes de se tornar uma
realidade física, e continua a ter uma existência mental depois de se
tornar uma realidade física
o Nas primeiras cidades, encontramos sinais grandiosos e explícitos de unidade
cívica, uma distribuição dos espaços construídos segundo padrões
harmoniosos e por vezes belos, refletindo claramente algum planejamento em
escala municipal
 A visão convencional de que a “Revolução Agrícola” impeliu o
crescimento demográfico e desencadeou uma série de outros
desenvolvimentos (ex.: transporte e administração), que promoveram
o surgimento de cidades e Estados, não tem nenhuma de suas partes
da explicação corroborada pelos fatos
 Não devemos nos restringir a uma única explicação. Teotihuacan, por
exemplo, abrigou cerca de 100 mil pessoas após uma sequência de
erupções e desastres naturais que levaram pessoas a se
estabelecerem lá

PÚBLICA
 Em muitas regiões da Eurásia, e em algumas das Américas, mudanças
ecológicas influíram no aparecimento de cidades. 7 mil anos atrás o
regime de cheias começou a mudar e o derretimento das geleiras
polares diminui a tal ponto que o nível dos mares se estabilizou (ou se
tornou menos instável). Esses 2 fatores permitiram a deposição de
uma carga sazonal de sedimentos férteis com mais rapidez do que a
capacidade de bloqueio das marés, formando os grandes deltas em
forma de leque, que abrangiam solos bem irrigados, anualmente
renovados pela ação fluvial, áreas úmidas férteis e habitats litorâneos
apreciados por animais de caça e aves de hábitos migratórios, se
tornando os principais pontos de atração das populações humanas
 A agricultura extensiva pode ter sido a consequência, e não a
causa da urbanização
 Capítulo 9
 Capítulo 10
o O termo “Estado” só se tornou corrente no final do século 16, cunhado pelo
jurista francês Jean Bodin, que também é autor de um influente tratado sobre
bruxaria, lobisomens e feiticeiras (ele tinha grande ódio das mulheres)
o Talvez Rudolf von Ihering, filósofo alemão, tenha sido o primeiro a tentar uma
definição sistemática, propondo que o termo “Estado” fosse aplicado a
qualquer instituição que reivindicasse o monopólio do uso legítimo da força
coercitiva num território, definição que seria mais tarde associada a Marx
Weber.
 Tal definição serviu razoavelmente para o Estados modernos, mas
ficou evidente que na maior parte da história, os governantes não
faziam reivindicações tão grandiosas
o Ao usarmos a definição de Von Ihering e Weber, devemos concluir que a
Babilônia de Hamurabi, a Atenas de Sócrates e a Inglaterra de Guilherme o
Conquistados, não eram Estados, ou então adotar uma definição mais flexível
e matizada, como fizeram os marxistas, para quem o Estado teria surgido a fim
de assegurar o poder de uma classe dominante
 Essa definição dos marxistas trazia novos problemas conceituais, como
definir o conceito de exploração, além de excluir a possibilidade de o
Estado ser uma instituição benevolente, não se afastando do
pensamento de Rousseau
o Durante o século 20, os cientistas sociais preferiram definições estritamente
funcionais, onde a medida que as sociedades se tornavam mais complexas,
surgia a necessidade de criar estruturas de comando para coordenar as
atividades
 Complexidade social é tratada como indício de estrutura
governamental
o Formas de liberdade fundamentais
 Ir e vir
 Desobedecer a ordens
 Reordenar relações sociais
o Os direitos de propriedade como fundamento da sociedade e como base do
poder social é um fenômeno especificamente ocidental

PÚBLICA
o A propriedade fundiária não é o terreno, mas um entendimento jurídico,
sustentado por uma mescla sutil entre moralidade e ameaça de violência.
o As 3 formas de dominação, ou os 3 fundamentos possíveis do poder social são:
 Controle da informação
 Controle da violência
 Carisma individual
 Capítulo 11
 Capítulo 12

PÚBLICA

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