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Olhai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam! Pois Eu vos
digo: Nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como qualquer deles.
Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã será lançada
ao fogo, como não fará muito mais por vós, homens de pouca fé? Não vos
preocupeis, dizendo: ‘Que comeremos, que beberemos, ou que vestiremos?
Vamos à história:
O doutor Eugênio escolheu uma mulher que lhe convinha de acordo com seus
medos e interesses, ele precisava de segurança. As suas más escolhas são
justificadas pela infância pobre e o seu rancor em relação ao pai, que ele não
conseguia admirar nem amar, sentia- se envergonhado, apesar de todos os esforços
do homem, alfaiate, por dar- lhe a melhor educação em um internato privado, um
colégio inglês cristão só para rapazes, o Columbia College.
Eunice, rica, foi a aposta segura. Eugênio formou- se em Medicina, mas não queria
ser médico de subúrbio. Gostava de luxo, de fama e queria fugir da pobreza, o
legado da sua família simples e honesta. Fingia amar Eunice, mas pensava em
Olívia. O tempo todo estava ciente do erro, vivia angustiado e infeliz.
O personagem tem uma visão deformada da vida. Posso citar o caso brasileiro sem
pestanejar. O valor está no ter. As pessoas envergonham- se de serem simples, há
uma necessidade de ostentar, ainda que não tenham nada. Esse livro é espelho.
Esta pode ser uma das funções úteis da literatura.
O seu pai é o máximo e ele sente vergonha do velho. A palavra mais repetida desse
livro é “humilhação”. Eugênio não acredita em Deus, mas entrega- se ao todo
poderoso. Ele quis ser médico para salvar o pai que sofria de tosses intermináveis,
asmático, e porque admirava o Dr. Seixas, que atendia os pobres sem nada cobrar.
Mas ele, formado, não conseguia fazer o mesmo, odiava atender gente miserável.
Eugênio, um ser desprezível, estava com dois amigos “ilustres”, cursava o 2º ano
de Medicina e aconteceu isto, veja:
Eugênio viu um vulto familiar surgir a uma esquina e sentiu um desfalecimento.
Reconheceria aquela figura de longe, no meio de mil… Um homem magro e
encurvado, mal vestido, com um pacote no braço, o pai, o pobre Ângelo. Lá vinha
ele subindo a rua. Eugênio sentiu no corpo um formigamento quente de mal-
estar. Desejou– com que ardor, com que desespero!– que o velho atravessasse a
rua, mudasse de rumo. Seria embaraçosos, constrangedor se Ângelo o visse,
parasse e lhe dirigisse a palavra. (p. 68)
É ou não é desprezível?!
Eugênio considerava- se superior. Mas ele tinha consciência dos seus sentimentos,
sentia remorço. Uma luta interior que não durava muito, é verdade. Logo
comparava as realidades da sua vida e dos amigos ricos, dos livros e da linguagem
do seu pai, e o desprezo voltava. “Odiava a pobreza. Odiava a humildade.” (p. 73)
O pai era bom demais. Sentia pena e raiva ao mesmo tempo.
Olívia era a única mulher da turma de Medicina de Eugênio. Ela também era pobre,
formou- se com sacrifício, trabalhando e estudando ao mesmo tempo. Começaram
um idílio no dia da formatura. Um amor puro. Mas, cada um foi para o seu lado.
O trecho célebre dessa obra, a parte que ficou mais conhecida , talvez o motivo da
popularidade, é a carta que a falecida Olívia deixou para Eugênio. Não é spoiler,
porque é bem fácil de adivinhar” desde o princípio que Olívia vai morrer, o autor
deixou bastante evidente. Só um trechinho pra vocês identificarem, coloquei
também na abertura da resenha (p.198):
(…) Estive pensando muito na fúria cega com que os homens atiram- se à caça ao
dinheiro”
Depois da morte de Olívia o romance decai junto com a nossa esperança e o ânimo
de começar a leitura. Poderia ter sido o fim, não importou muito o que veio depois.
Mas há mais 200 páginas. Calma nessa hora para não desistir. À essas alturas a
gente já deseja mesmo que Eugênio se dane. Precisou Olívia morrer para começar
uma vida nova, a que deveria ter sido sempre, a redenção. “Antes eu estava cego.”
(Eugênio).
A edição lida foi essa abaixo, portuguesa, com posfácio do próprio Érico. Ele disse
que este livro modificou a sua vida por causa do enorme sucesso. Foi depois de
“Olhai os lírios do campo” que pensou em levar a literatura como profissão.
Confessou que não gosta da obra, a considerava sentimental demais, o que lhe
provocou até constrangimento devido ao seu sucesso. Ele também comenta sobre
a Revolução de 30, “pano de fundo” desse romance.