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A análise antropológica da cultura

Parte 3

O conceito de cultura

• O conceito de cultura é uma preocupação intensa atualmente em


diversas áreas do pensamento humano, no entanto a Antropologia
é a área por excelência de debate sobre esta questão.

• O primeiro antropólogo a sistematizar o conceito de cultura foi


Edward Tylor que, em Primitive Culture, formulou a seguinte
definição: “cultura é todo complexo que inclui conhecimento,
crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e
hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da
sociedade.”

Parte 4

O conceito de cultura

• Desde sempre os homens se preocuparam em entender por que


outros homens possuíam hábitos alimentares, formas de se vestir,
de formarem famílias ou de acessarem o sagrado de maneiras
diferentes das suas. A essa multiplicidade de formas de vida dá-se o
nome de diversidade cultural.

Parte 5
• Contudo, foi a partir da descoberta do “Novo Mundo”, nos séculos
XV e XVI, que os europeus se depararam com modos de vida
completamente distintos dos seus e passaram a elaborar mais
intensamente interpretações sobre esses povos e seus costumes. É
fundamental lembrarmos que o impacto e a estranheza se deram
dos dois lados. Os grupos não europeus se espantavam com o ser
diferente que chegava até eles desembarcando em suas praias e
tomando posse de seu território. Existem relatos de povos que
após a morte de um europeu em combate, colocavam seu corpo
dentro de um rio e esperavam sua decomposição para ver se eram
pessoas como eles. A diferença é que não temos contato com esses
relatos dos povos não europeus para conhecermos a visão que eles
tinham dos brancos.

Parte 6

O olhar eurocêntrico sobre a cultura

Mas de onde surge a preocupação com o tema da cultura? Vamos


posicionar nosso olhar. Toda construção científica nasce na Europa. A
reflexão teórico-científica sobre a humanidade se iniciou neste ambiente
e nesta perspectiva. Logo, a noção de ser humano de referência para
todas as Ciências Humanas e Sociais é a do homem europeu e da
sociedade europeia. No entanto, a partir dos esforços de conquista de
outros continentes, os europeus “encontraram-se” com “seres” diferentes
o suficiente para causarem estranhamento, mas “parecidos” o suficiente
para produzirem o seguinte incômodo: serão estes seres, “humanos”?
Parte 7

• A relação com agrupamentos humanos de localidades até então


desconhecidas como as que hoje denominamos África, América e
Austrália, fizeram com que os europeus se questionassem sobre as
características peculiares ao humano e as razões de tanta diferença
entre os componentes de uma mesma espécie. O movimento pré-
científico, que dominou o campo da diversidade cultural até o
século XVIII, é aquele que oscilava entre conceber o “diferente” ora
como humano ora como não humano, provido ou desprovido de
alma, bom ou mal selvagem etc.

Parte 8

• Na ótica do “mal selvagem”, estes “humanos” eram vistos como


perigosos, mais próximos aos animais, brutos, imbuídos de uma
sexualidade descontrolada, primitivos, com uma inteligência
restrita, iludidos pela magia; enfim, seres limitados que
precisavam ser “civilizados” pela cultura europeia. Assim entramos
no século XIX. Os antropólogos estudam culturas “exóticas”
buscando descrever seus hábitos, costumes e sua forma de ver o
mundo (cosmovisão). No entanto, eles não iam ao campo, não
eram os antropólogos que experimentavam diretamente o dia a dia
dos grupos “selvagens”.

• Eram enviados viajantes, pessoas comuns que eram deslocadas


para essas “tribos” e ali ficavam por um certo tempo, registrando
tudo que viam e ouviam, a fim de entregar este material aos
antropólogos que aí sim analisavam estes relatos, desenvolvendo
suas teorias sobre as diferentes culturas. Esta é a denominada
“antropologia de gabinete”.

Parte 9

• Na segunda metade do século XIX esta “metodologia” foi


questionada; afinal, como falar sobre uma cultura que nunca se
viu? Como descrever eventos que nunca se vivenciou? Assim
cunhou-se a prática etnográfica que é a metodologia característica
da Antropologia até os dias de hoje: o próprio antropólogo vai ao
campo, entra no grupo, vivencia esta cultura diferente, deixa-se
fazer parte deste dia a dia, registra esta vivência, retorna para sua
própria cultura e finaliza seu trabalho de escrita que é o registro
final desta experiência. Segundo François Laplantine, em Aprender
Antropologia, a prática etnográfica consiste em “impregnar-se dos
temas de uma sociedade, de seus ideais, de suas angústias. O
etnógrafo é aquele que deve ser capaz de viver nele mesmo a
tendência principal da cultura que estuda”.

Parte 10

• No entanto, não é nada fácil vivenciar uma outra cultura diferente


da nossa. Por quê? Não sentimos nossa cultura como uma
construção específica de hábitos e costumes: pensamos que nossos
hábitos e nossa forma de ver o mundo devem ser os mesmos para
todos! Naturalizamos nossos costumes e achamos o do outro
“diferente”. Diferente de quê? Qual é o padrão “normal” segundo o
qual analisamos o “diferente”?

• Geralmente estabelecemos a nossa cultura como o padrão, a


norma. Assim tudo que é diferente é concebido como estranho e
mesmo errado. Tal postura é o que denominamos etnocentrismo.

Parte 11

Etnocentrismo

• Segundo Everardo Rocha, em O que é Etnocentrismo, trata-se da


“visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro
de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos
nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a
existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade
de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de
estranheza, medo, hostilidade etc. “.

• Esse autor, Everardo Rocha, nos alerta, ao analisar o


etnocentrismo, para a questão do choque cultural.

Parte 12

Como ele afirma, “de um lado conhecemos o "nosso" grupo, que come
igual, veste igual, gosta de coisas parecidas, conhece problemas do mesmo
tipo, acredita nos mesmos deuses, casa igual, mora no mesmo estilo,
distribui o poder da mesma forma, empresta à vida significados em
comum e procede, por muitas maneiras, semelhantemente. Aí, então, de
repente nos deparamos com um "outro", o grupo do "diferente" que, às
vezes, nem sequer faz coisas como as nossas ou quando as faz é de forma
tal que não reconhecemos como possíveis. E mais grave ainda, este
“outro" também sobrevive à sua maneira, gosta dela, também está no
mundo e ainda que diferente, também existe.

Parte 13

É a postura, privilegiada pela Antropologia contemporânea, de buscar


compreender a lógica da vida do outro.

Roberto da Matta, no texto “você tem cultura?” demonstra que “essa é a


experiência antropológica, buscar compreender a lógica da vida do outro.
Antes de cogitar se “aceitamos” ou não esta outra forma de ver o mundo,
a Antropologia nos convida a compreendê-la e verificar que ao seu jeito,
uma outra vida é vivida segundo outros modelos de pensamento e de
costumes. O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem
como consequência a propensão em considerar o seu modo de vida como
o mais correto e o mais natural.

Parte 14

• O conceito de cultura, assim, permite uma perspectiva mais


consciente de nós mesmos. Precisamente diz que não há homens
sem cultura, e permite comparar culturas e configurações culturais
como entidades iguais, deixando de estabelecer hierarquias em
que inevitavelmente existiriam sociedades “superiores e inferiores”.

• Cada sociedade humana conhecida é um espelho onde nossa


própria existência se reflete.” (Roberto da Matta)

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