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FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

CCJ0001 – FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


Aula 03

ULA 03:
FUNDAMENTOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Tema: A análise antropológica da cultura

Objetivos:

Compreender o conceito de cultura como objeto de estudo privilegiado da análise antropológica.

Conhecer as práticas antropológicas utilizadas para categorizar comportamentos culturais.

Reconhecer a importância do principio de relativismo cultural, em contraposição ao etnocentrismo.

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ESTRUTURA DE CONTEÚDO

I - O conceito de cultura


O conceito de cultura é uma preocupação intensa atualmente em diversas áreas do pensamento
humano, no entanto a Antropologia é a área por excelência de debate sobre esta questão.

O primeiro antropólogo a sistematizar o conceito de cultura foi Edward Tylor que, em Primitive
Culture, formulou a seguinte definição: “cultura é todo complexo que inclui conhecimento, crença,
arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na
condição de membro da sociedade.”

Desde sempre os homens se preocuparam em entender por que outros homens possuíam hábitos
alimentares, formas de se vestir, de formarem famílias ou de acessarem o sagrado de maneiras
diferentes das suas. A essa multiplicidade de formas de vida dá-se o nome de diversidade cultural.

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Contudo, foi a partir da descoberta do “Novo Mundo”, nos séculos XV e XVI, que os europeus
se depararam com modos de vida completamente distintos dos seus e passaram a elaborar
mais intensamente interpretações sobre esses povos e seus costumes. É fundamental
lembrarmos que o impacto e a estranheza se deram dos dois lados. Os grupos não europeus
se espantavam com o ser diferente que chegava até eles desembarcando em suas praias e
tomando posse de seu território. Existem relatos de povos que após a morte de um europeu
em combate, colocavam seu corpo dentro de um rio e esperavam sua decomposição para ver
se eram pessoas como eles. A diferença é que não temos contato com esses relatos dos
povos não europeus para conhecermos a visão que eles tinham dos brancos.

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II - O olhar eurocêntrico sobre a cultura


Mas de onde surge a preocupação com o tema da cultura? Vamos posicionar nosso olhar. Toda construção
científica nasce na Europa. A reflexão teórico-científica sobre a humanidade se iniciou neste ambiente e
nesta perspectiva. Logo, a noção de ser humano de referência para todas as Ciências Humanas e Sociais é a
do homem europeu e da sociedade europeia. No entanto, a partir dos esforços de conquista de outros
continentes, os europeus “encontraram-se” com “seres” diferentes o suficiente para causarem
estranhamento, mas “parecidos” o suficiente para produzirem o seguinte incômodo: serão estes seres,
“humanos”?


A relação com agrupamentos humanos de localidades até então desconhecidas como as que hoje
denominamos África, América e Austrália, fizeram com que os europeus se questionassem sobre as
características peculiares ao humano e as razões de tanta diferença entre os componentes de uma mesma
espécie. O movimento pré-científico, que dominou o campo da diversidade cultural até o século XVIII, é
aquele que oscilava entre conceber o “diferente” ora como humano ora como não humano, provido ou
desprovido de alma, bom ou mal selvagem etc.

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Na ótica do “mal selvagem”, estes “humanos” eram vistos como perigosos, mais próximos
aos animais, brutos, imbuídos de uma sexualidade descontrolada, primitivos, com uma
inteligência restrita, iludidos pela magia; enfim, seres limitados que precisavam ser
“civilizados” pela cultura europeia. Assim entramos no século XIX. Os antropólogos estudam
culturas “exóticas” buscando descrever seus hábitos, costumes e sua forma de ver o mundo
(cosmovisão). No entanto, eles não iam ao campo, não eram os antropólogos que
experimentavam diretamente o dia a dia dos grupos “selvagens”.

Eram enviados viajantes, pessoas comuns que eram deslocadas para essas “tribos” e ali
ficavam por um certo tempo, registrando tudo que viam e ouviam, a fim de entregar este
material aos antropólogos que aí sim analisavam estes relatos, desenvolvendo suas teorias
sobre as diferentes culturas. Esta é a denominada “antropologia de gabinete”.

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III - A prática etnográfica


Na segunda metade do século XIX esta “metodologia” foi questionada; afinal, como falar
sobre uma cultura que nunca se viu? Como descrever eventos que nunca se vivenciou? Assim
cunhou-se a prática etnográfica que é a metodologia característica da Antropologia até os
dias de hoje: o próprio antropólogo vai ao campo, entra no grupo, vivencia esta cultura
diferente, deixa-se fazer parte deste dia a dia, registra esta vivência, retorna para sua própria
cultura e finaliza seu trabalho de escrita que é o registro final desta experiência. Segundo
François Laplantine, em Aprender Antropologia, a prática etnográfica consiste em
“impregnar-se dos temas de uma sociedade, de seus ideais, de suas angústias. O etnógrafo é
aquele que deve ser capaz de viver nele mesmo a tendência principal da cultura que estuda”.

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No entanto, não é nada fácil vivenciar uma outra cultura diferente da nossa. Por quê? Não
sentimos nossa cultura como uma construção específica de hábitos e costumes: pensamos que
nossos hábitos e nossa forma de ver o mundo devem ser os mesmos para todos! Naturalizamos
nossos costumes e achamos o do outro “diferente”. Diferente de quê? Qual é o padrão “normal”
segundo o qual analisamos o “diferente”?


Geralmente estabelecemos a nossa cultura como o padrão, a norma. Assim tudo que é diferente
é concebido como estranho e mesmo errado. Tal postura é o que denominamos etnocentrismo.

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IV - Etnocentrismo


Segundo Everardo Rocha, em O que é Etnocentrismo, trata-se da “visão do mundo onde o
nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e
sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência.
No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano
afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade etc. “.

Esse autor, Everardo Rocha, nos alerta, ao analisar o etnocentrismo, para a questão do
choque cultural.

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Como ele afirma, “de um lado conhecemos o "nosso" grupo, que come igual, veste igual, gosta de
coisas parecidas, conhece problemas do mesmo tipo, acredita nos mesmos deuses, casa igual,
mora no mesmo estilo, distribui o poder da mesma forma, empresta à vida significados em
comum e procede, por muitas maneiras, semelhantemente. Aí, então, de repente nos deparamos
com um "outro", o grupo do "diferente" que, às vezes, nem sequer faz coisas como as nossas ou
quando as faz é de forma tal que não reconhecemos como possíveis. E mais grave ainda, este
“outro" também sobrevive à sua maneira, gosta dela, também está no mundo e ainda que
diferente, também existe.

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V – Relativismo cultural

É a postura, privilegiada pela Antropologia contemporânea, de buscar compreender a


lógica da vida do outro.

Roberto da Matta, no texto “você tem cultura?” demonstra que “essa é a experiência
antropológica, buscar compreender a lógica da vida do outro. Antes de cogitar se “aceitamos” ou
não esta outra forma de ver o mundo, a Antropologia nos convida a compreendê-la e verificar
que ao seu jeito, uma outra vida é vivida segundo outros modelos de pensamento e de
costumes. O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como consequência a
propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural.

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O conceito de cultura, assim, permite uma perspectiva mais consciente de nós mesmos.
Precisamente diz que não há homens sem cultura, e permite comparar culturas e
configurações culturais como entidades iguais, deixando de estabelecer hierarquias em que
inevitavelmente existiriam sociedades “superiores e inferiores”.


Cada sociedade humana conhecida é um espelho onde nossa própria existência se reflete.”
(Roberto da Matta)

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BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

MOURA, Solange Ferreira de (org.). Livro Didático de Ciências Sociais. Rio de Janeiro:
Universidade Estácio de Sá, 2013. (Capítulo 2, p. 32-43)

Bibliografia Complementar:
MATTA, Roberto da. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro:
Rocco, 1987.

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APLICAÇÃO: ARTICULAÇÃO TEÓRICA E PRÁTICA

QUESTÃO DISCURSIVA:
Leia o texto abaixo e responda as questões propostas:
Em 1883, Franz Boas foi estudar os esquimós e passou um tempo convivendo com eles. O autor fez as seguintes
observações no seu diário:
“Frequentemente me pergunto que vantagens nossa “boa sociedade” possui sobre aquela dos “selvagens” e
descubro quanto mais vejo de seus costumes, que não temos o direito de olhá-los de cima para baixo. Onde nosso
povo poder-se-ia encontrar hospitalidade tão verdadeira quanto aqui ... Nós, “pessoas altamente educadas”, somos
muito piores relativamente falando ... Creio que, essa viagem tem para mim uma influência valiosa, ela reside no
fortalecimento do ponto de vista da relatividade de toda formação (...) “ (Trecho extraído do livro Antropologia
Cultural/Franz Boas. Celso Castro (org). Rio de Janeiro:Jorge Zahar Editor, 2004).

A) Identifique e explique que método antropológico foi utilizado pelo autor em sua pesquisa?
B) Elabore uma análise sobre relativismo cultural a partir das observações feitas por Franz Boas.

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QUESTÃO DE MÚTIPLA ESCOLHA:

A noção de ‘etnocentrismo’ em Antropologia busca:

a) Designar a ocorrência de uma imprecisão conceitual na teoria antropológica.


b) Expressar o processo de observação dos valores da própria cultura como se
fossem únicos ou superiores.
c) Descrever a preeminência da relação entre os termos em qualquer análise
antropológica.
d) Apontar para o risco de suspensão moral das categorias de nossa própria
cultura.
e) Nomear o processo de construção de conceitos abstratos a partir das
representações nativas.

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