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Sociologia e Antropologia do Direito

Professora Me. Juliana Ribas


Roteiro de Hoje
1 PANORAMA HISTÓRICO

2 CONCEITOS: SOCIOLOGIA E SOCIOLOGIA JURÍDICA

3 FUNÇÃO, ESTRUTURA, AÇÃO SOCIAL

Material cedido pelo prof.Me.


Giancarlo Michel de Almeida
1 panorama histórico
1.1 Antes da Sociologia como ciência:
- Advertência:

Quando se fala em ciência ou filosofia, que hoje são base do modo de se conhecer a realidade (ao
mesmo tempo em que são devidamente questionadas e revisadas), se está diante de questões
relacionadas a “experiência Ocidental”. A qual diz respeito não só a intervenção/impacto da Europa no
mundo, mas as trocas globais que resultaram nessa experiência, representada nos vários episódios
históricos, pensadores e ideias oriundas desse contexto “Europa-Mundo”.
Ou seja, deve se lembrar que a própria ciência contemporânea surge deste contexto, mas pensar de
forma eurocêntrica (como, por exemplo, entender erroneamente conquistas humanas como europeias, e
não o contrário) seria ignorar o fato de que o contexto europeu foi importante justamente a partir de suas
relações globais, em pluralidade de influxos.
- Até Renascimento: manutenção moral e religiosa do conhecimento

Dos filósofos antigos até antes do Renascimento a produção de conhecimento "acadêmico" sobre o
comportamento humano era especulativo, formal, baseado em abstrações sobre o "dever ser", ou seja,
em pensar como o ser humano deveria ser, principalmente em conformidade com preceitos morais
tradicionais e religiosos (em relação a natureza divina, conforme escolástica e cristianismo medievais).

- Até séc. XIX: Filosofia Política e “pensadores sociais”

Com a expansão de relações globais (o fim do isolamento medieval europeu) a modernidade inicia com
convulsões econômicas, políticas e culturais que perturbam o status quo, promovendo terreno fértil para
a pluralidade de ideias e práticas sociais, bem como o livre pensamento.
Maquiavel foi um dos primeiros a realizar estudo moderno/secular sobre o comportamento humano,
especialmente sobre as relações de poder (em uma Europa já em “Renascimento”). Inaugura uma das
características que mais contribuiu para o avanço da Filosofia Política moderna: o foco no “ser”, em como
as relações de poder ocorrem na prática, o que é o poder conforme observado na prática.
Ao longo da modernidade várias teorias sociais buscam definir filosoficamente as formas de organização
da sociedade com base em especulação sobre a "natureza humana", mas com vistas a resolver
problemas práticos:
O poder como um fim/bem em Maquiavel; a necessidade do Estado em Hobbes; a efetividade das
normas em Montesquieu; a revisão iluminista do papel do Estado e da sociedade civil em Rousseau; o
método epistemológico misto de construção de teorias normativas em Kant; o livre pensamento e o
idealismo em Hegel.

1.2 Iluminismo, Positivismo e a busca por caráter científico dos estudos sociais

O progresso das tecnologias acompanhou o da economia, oriundos dos influxos de um mundo cada vez
mais conectado comercialmente. Inicialmente através das nações e dos poderosos Estados surgidos de
impérios coloniais e intenso comércio internacional, e então pela liderança cada vez maior dos esforços
privados na busca individual de participação.
O progresso social não acompanhou no mesmo passo o nível cada vez mais intenso de produção e
circulação (ou seu oposto: o acúmulo) de riquezas, nem as formas cada vez mais elaboradas de
estruturas de poder, tanto estatal, quanto de controle de grupos sociais sobre outros no âmbito da
sociedade civil.
Ou seja, mesmo no iluminismo, havia grande produção intelectual sobre economia e política,
para pensar, revisar e informar soluções de organização da economia e do poder, mas ainda
faltava estudos voltados a organização social e cultural diante de todo este progresso.
Sendo que mesmo os juristas se voltavam a questão de conciliar teoria do Direito, baseada em
mandamentos morais (jusnaturalismo) e tradicionais, com a realidade prática, atendendo principalmente
necessidade de manutenção do poder estatal e organização contratual da realidade de uma sociedade
cada vez mais complexa.
Diante das convulsões sociais inevitáveis de uma sociedade com desigualdades abissais de acesso a
direitos e bens materiais, ao mesmo tempo em que crescem dos ideais de liberdades individuais, a
manutenção de modelos sociais tradicionais torna-se cada vez mais insuportável. Ao mesmo tempo, o
movimento intelectual iluminista induz a adoção de métodos científicos para tratar da preocupação e
compreensão da realidade social, política, econômica, jurídica.
Isso leva ao ideal positivista do final do séc. XIX, de que se a busca científica nas ciências naturais
resultou no rápido progresso tecnológico e no mundo capitalista, também traria benefícios para as
questões Sociais urgentes desse novo mundo, em função da urgente e necessária reorganização da
sociedade, não mais pelos ultrapassados modelos tradicionais feudais, mas conectados com a realidade
complexa da sociedade moderna.
Os estudos das questões sociais, até então filosófico-especulativos, baseadas em ensaios de grandes
filósofos/pensadores, passam a ser reorganizados academicamente como Ciências Sociais. Como
ciências, respeitam o caráter de especificidade, cada ramo dirigido a um aspecto específico do ser
humano, a ser estudado com métodos próprios e científicos (testes/estudos passíveis de revisão).
2 conceitos: sociologia e sociologia jurídica
2.1 sociologia

A transformação dos estudos sobre a sociedade em Ciências Sociais substitui os esparsos e


especulativos estudos filosóficos por observação metodológica do ser humano em sociedade. Direito
acaba por se separar das discussões morais e políticas para se dedicar ao estudo das normas
positivadas. Enquanto isso, a sociologia se constituiu como disciplina acadêmica, constituindo sociólogos
que investigam os fenômenos sociais com métodos específicos.

Se Augusto Comte sugere a sociologia como a ciência que observa a “física” social, compreendendo os
problemas sociais em busca de soluções progressivas; Durkheim estabelece a sociologia como a
ciência que observa os fatos sociais em busca de compreensão da estrutura social e funções sociais;
Weber conclui que o objeto específico da sociologia é a observação da ação social;
- a Sociologia se constituiu como a ciência social que busca compreender as relações sociais
para além das dimensões econômica, política e jurídica.
2.2 sociologia como ciência

Dentre as principais características básicas em estudos sociológicos, destacam-se:

baseado em evidências empíricas: dados a serem observados são os acontecimentos/fatos sociais concretos e não
especulação opinativa sobre conceitos abstratos.

uso de técnicas para coleta e análise de dados: os estudos devem ser realizados com técnicas recomendadas pela
comunidade científica, tanto para coleta de dados (bibliográfica, empírica descritiva ou experimental) quanto para o
tratamento/análise (histórica, comparativa, qualitativa, quantitativa).

construções teóricas por indução: estabelecimento de leis gerais sobre o meio social são possíveis desde que baseadas
em estudo aprofundado de quantidade razoável de casos particulares concretos (foco primário é a realidade concreta!
teorias sociológicas são consequência desses estudos!).

conclusões abertas a teste/discussão: como estudo científico, as conclusões não podem ser fechadas para defesa de
uma ideia, mas abertas a discussão, ao teste contínuo (conclusões de um estudo se tornam hipóteses a serem testadas
em novos estudos)
2.3 Sociologia jurídica:
Surge no início do séc. XX, com a proposta de estudo sociológico de sistemas jurídicos, busca de
causas, consequências e funções do Direito na sociedade. O Direito é tratado como um evento da
realidade social, um objeto específico de investigação da sociologia.
Destaca-se Sociologia do Direito x Sociologia no Direito
- Sociologia do direito:
Nessa postura positivista do início do séc. XX, o Direito é operacionalizado por juristas (juiz, advogados)
exclusivamente para aplicação neutra da lei, sem exame social (econômico, sociológico, moral, político).
Enquanto a sociologia do Direito busca verificar as causas, funções e conseqüências do Direito na
sociedade, com fins sociológicos. As conclusões dessa pesquisa sociológica não são utilizadas pelos
juristas na interpretação da lei, ou seja, o Direito deve permanecer com seu objeto e método específico,
que é a aplicação da lei de forma dogmática, cabendo as forças sociais decidirem o conteúdo e direção
das leis, bem como cabe a sociologia a observação externa sobre este fenômeno.
- Sociologia no Direito:
Rejeitando o positivismo jurídico, surge a abordagem de que os estudos sociológicos sobre o
Direito devem integrar os métodos de estudo (Doutrina) e criação de normas (informar a tarefa
política do legislador). Assim, o Direito não pode ser somente a ciência da interpretação e aplicação
das leis, mas sim ser utilizado para construir o sistema jurídico com o auxílio das Ciências Sociais.
A neutralidade e imparcialidade da aplicação da lei como um processo puro é parte de uma
concepção idealizada do Direito, como uma ciência formal e abstrata, que se quer livre de juízos de
valor e opções políticas. Como é improvável que os operadores do Direito consigam tal
imparcialidade (juiz neutro), estes juristas devem utilizar as descobertas da sociologia jurídica para
instruir sua operacionalização e aplicação das leis.
Atualmente as duas interações entre sociologia e Direito são possíveis.
Niklas Luhmann melhor explica essas interações válidas entre sociologia e Direito:

- o Direito pode sofrer observação externa pelo sociólogo, ao analisar os efeitos sociais de uma norma;
um jurista-sociólogo deixa de lado o estudo dogmático próprio do Direito, para realizar análise
sociológica.

- também, a sociologia jurídica verifica o Direito como fruto e parte da sociedade, sendo assim, o Direito
posto é um subsistema do Sistema global da sociedade (o Direito da Sociedade). Essa abordagem busca
compreender as funções do Direito na Sociedade, por isso, funcionalista.
2.4 Teoria da Tridimensionalidade do Direito (Reale) e a Sociologia Jurídica

O próprio progresso dos estudos jurídicos verificou a superação da ideia de “Direito Puro”, focado no
estudo das normas, para que o positivismo jurídico passasse a compreender o Direito como fenômeno
social, que não pode ser compreendido somente a partir das normas positivadas, mas pela observação
da norma por sua validade (relação norma - valor) e eficácia (relação norma - fato). Teorias positivistas
atualizadas, como a da tridimensionalidade, verificam que o Direito é um fenômeno social de relação
entre valor-fato-norma.

Se antes do positivismo o Direito tinha na moral tradicional fonte e validade das normas, e no positivismo
o Direito é confundido exclusivamente com a norma (tomando afastamento seguro dos conflituosos
debates sociais sobre valor), atualmente a sociologia jurídica auxilia no esclarecimento de questões
sociais que informam a eficácia das normas e a relação desta com a dimensão valorativa.
- Exemplo de Sociologia sobre o Direito:
sem adentrar no trabalho do filósofo do Direito, que busca expor ideais a serem buscados pelo
Direito, também sem interferir com o trabalho dos operadores do Direito, que utilizam técnica
jurídica para determinar validade das normas e sua aplicabilidade pela interpretação, o estudo
sociológico do Direito pode verificar a repercussão social de determinada norma. Verifica-se então
os efeitos sociais da norma, a eficácia de seu cumprimento pela sociedade, adequação da norma
em relação aos fins pretendidos (quota de eficácia).

No Direito de Família, o ordenamento positivado dispõe sobre as obrigações dos tutores de menores,
pois é do interesse público (desde a Constituição e a vontade do legislador) a proteção destes sujeitos de
direito em desenvolvimento, bem como a manutenção da instituição social “família”. Conceito de
“alienação parental” depende de verificar como estes valores são percebidos pela sociedade. a
Sociologia jurídica vai buscar verificar tanto a eficácia das normas e medidas judiciais (operação jurídica),
quanto vai informar ao operador do direito o conteúdo valorativo dessa questão para a sociedade. E tudo
focado a partir do caso concreto, do fato que tem importância jurídica para ser tratado como fato jurídico.
3 Função; estrutura; ação social

As teorias metodológicas principais da Sociologia são: estruturalista, ação social e funcionalista.


- estruturalista, busca compreender a estrutura social que molda os comportamentos. (Levi-Strauss,
Foucault, Althusser)
- teoria da ação social busca observar o comportamento social dos indivíduos e grupos subjetivamente
em relação a sociedade. (Weber).
- funcionalista busca observar a função das instituições observadas na sociedade, que é um sistema
complexo. (Durkheim, Parsons, Luhmann).

Quando a sociologia jurídica estuda o Direito (ordem jurídica) como subsistema da Ordem Social, um dos
principais focos será a análise da função do Direito na Sociedade (efeitos, eficácia). Assim, muito dos
estudos da Sociologia sobre o Direito tendem a ser análise de base funcionalista.

Também, a sociologia no Direito, que é a contribuição da sociologia para o Direito (jurista sociólogo), tem
por base teórica tanto estruturalismo (formalismo) e a ação social (tipologia weberiana).
4 teorias sociológicas mais influentes no Direito

Estudos de sociologia, com suas teorias, métodos e conceitos têm influenciado modelos de produção de
conhecimento jurídico ao longo do séc. XX.
Tanto o estudo de sociólogos sobre o Direito e seus efeitos na sociedade, quanto os estudos sociológicos
próprios sobre a sociedade, ambos são fonte de conhecimento útil e científico para operacionalidade do
Direito pelo Jurista (interpretação e aplicação de normas; soluções jurídicas). Assim, importante conhecer
as principais contribuições da Sociologia, através de conceitos e seus principais pesquisadores.
- Positivismo; Física Social (Comte)
- Fato Social; Função Social; Sociedade Orgânica; Anomia (Durkheim)
- Materialismo Histórico Dialético; alienação; classes sociais; Estado; etapismo (Marx)
- ação social; cultura; tipos ideais (Weber)
- Controle Social; genealogia do poder (Foucault)
- Comportamento Social; habitus; estrutura e mobilidade social; bens sociais (Bourdieu)
- ação comunicativa; linguagem e sociedade; agir social estratégico; consenso (Habermas)
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