Anotações e reflexões próprias sobre a produção do conhecimento nas ciências sociais, com ênfase nas formulações clássicas e suas problematizações atuais
Anotações e reflexões próprias sobre a produção do conhecimento nas ciências sociais, com ênfase nas formulações clássicas e suas problematizações atuais
Anotações e reflexões próprias sobre a produção do conhecimento nas ciências sociais, com ênfase nas formulações clássicas e suas problematizações atuais
O texto identifica diversas contribuições teóricas e metodológicas das ciências
sociais ao longo do tempo. Damos atenção aos seus fundadores, clássicos e a crise dos paradigmas anunciados pelas formulações pós-modernas e pós- coloniais. O objetivo foi demonstrar que independente das correntes teóricas, dos paradigmas e dos períodos, as ciências sociais não deixaram se cristalizar, tornando-se dinâmica como as sociedades e se reformulando de acordo com as novas situações. Olhando criticamente para o passado e apontando para as necessárias reelaborações teóricas e metodológicas.
Seguimos o seguinte caminho: apresentar a formação e consolidação das
ciências sociais – sobretudo a sociologia – até chegarmos nos clássicos, Marx, Weber e Durkheim. Depois apresentamos a crise dos paradigmas que resultaram nas concepções pós-modernas e pós-coloniais. Terminamos por indicar que em casos como a análise da sociedade brasileira, não podemos tratar as teorias clássicas – modernas – como antítese das pós-modernas e pós-coloniais. Uma compreensão da totalidade da complexidade de um país como o Brasil não pode abrir mão de importantes estudos e da diversidade metodológica.
1) Contexto de surgimento
A sociologia – antes da divisão em mais dois campos de estudos que
atualmente caracterizam as ciências sociais, a saber a antropologia e a ciência política – se constituí como ciência no século XIX. Não escapando das influências científicas, políticas e sociais desse tempo histórico. Compreender essas três esferas de influência sobre o emergir da sociologia nos permite uma maior nitidez sobre o seu objeto de estudo e a metodologia que caracterizará essa ciência e o trabalho dos primeiros sociólogos. Uma observação importante a se fazer é que a sociologia não inaugura a preocupação e sistematização teórica de conhecimento sobre as relações sociais e a política, por exemplo. Mas é o momento em que essa preocupação recebe os contornos metodológicos que a permitem a classificação de ciência separando- a das ciências naturais e da psicologia. O século XIX é o século de grandes descobertas científicas, sobretudo no campo da biologia, ciência que afetará diretamente a sociologia resultando em abordagens consideradas evolucionistas e organicistas. Posições próximas influenciadas pelos critérios da “física social” e as etapas do pensamento propostas por Augusto Comte (considerado o fundador da sociologia) resultando em trabalhos como de Spencer e dos primeiros antropólogos que enxergavam os “povos primitivos” sob o olhar etapista e eurocêntrico da influência evolucionista. O século XIX é também o período de consolidação do capitalismo e dos impactos da revolução industrial, entendida aqui não em seu sentido tecnológico, mas em seu sentido social, como consta nos escritos de Eric Hosbawm, a saber, uma revolução que ao aumentar a produtividade também impulsionou o crescimento das cidades atraindo a população do campo que tinha suas escolhas reduzidas à venda de sua força de trabalho nas grandes fábricas têxteis, sobretudo inglesas. O declínio da relação servil deu lugar às relações entre operários e burgueses – para manter a terminologia dos clássicos –, o emergir da relação de valores de troca, do assalariamento e do trabalho abstrato. Todo processo descrito no fundamental capítulo XXIV de O Capital de Karl Marx. As relações sociais resultantes desse período, assim como os seus conflitos justificavam a necessidade de uma ciência com propriedades específicas para compreender os fenômenos sociais. Do ponto de vista político é suficiente refletir sobre a situação francesa do século XIX e a amplitude dos conflitos de 1848 que marcaram a Europa. O cenário conflituoso tanto entre as classes sociais – colocando em lados opostos trabalhadores e patrões – e entre as frações burguesas que condicionam a forma de desenvolvimento econômico a ser adotada – cujas implicações resultaram na obra o 18 brumário de Louis Bonaparte de Karl Marx, entre outros escritos políticos – somado a ascensão do ideário socialista e anarquista, conflito entre as nações e formas alternativas de sociabilidade como as promovidas pela Comuna de Paris, presenciava-se um contexto de grandes transformações sociais que demandavam compreensão que resultassem em propostas de intervenção política, a máxima “ordem e progresso” de Comte assim como o esforço teórico de Émille Durkheim sobre a solidariedade orgânica e mecânica são expressões significativas da preocupação da nova ciência com a coesão social do período. De todo modo, com todos os limites metodológicos e do eurocentrismo que caracteriza o primeiro momento da sociologia, passos significativos foram dados para ampliar o horizonte de compreensão sobre as relações sociais e sua diversidade, com destaque para os aspectos culturais, cujos resultados dos trabalhos dos primeiros antropólogos são significativos. O “outro”, o “diferente” passará não somente a ser considerado exótico, mas terá suas particularidades e relações sociais e culturais evidenciadas, caracterizando um campo fundamental de estudos e de conhecimento das ciências sociais. A sociologia, assim como os demais campos das ciências sociais davam um passo importante para caracterizar o seu objeto de estudos se diferenciando das ciências da natureza e da psicologia. Os estudos da sociedade cada vais mais conflituosa pela instauração da ordem competitiva capitalista não esconde a preocupação com a intervenção política. Dificilmente categorias como a “patologia sociai” e “coesão social” de Durkheim podem ser pensadas sem fazer referência a uma prática política, isso fica mais evidente nos tipos de lideranças e formas de dominação de Max Weber, assim como a análise das classes e frações de Karl Marx e a categoria de bonapartismo. Se o objeto de estudos da sociologia e consequentemente das ciências sociais se apresentava diante das mudanças e conflitos emergentes, concomitante se dava a preocupação com o método para validá-la enquanto ciência, os clássicos se colocaram essa tarefa, cada um ao seu modo.
2) Os clássicos das ciências sociais e suas interpretações
Se Comte inaugurou a sociologia sob os parâmetros das ciências naturais sob a denominação de “física social”, as mudanças bruscas e rápidas da sociedade e do comportamento dos indivíduos tornavam difíceis a proximidade da sociologia com as ciências naturais, não havia na primeira a previsibilidade, a possibilidade de experimentações e regras gerais como na última. Os clássicos das ciências sociais que aprofundaram e/ou superaram o positivismo comtiano, elaboraram metodologias que atravessaram séculos, influenciando gerações de intelectuais das ciências humanas, Durkheim, Max Weber e Karl Marx, com suas fundamentais diferenças consolidaram o objeto de estudos e a metodologia das ciências sociais. Para o sociólogo francês o ponto central da metodologia para ciências sociais está em sua ideia de “fato social”, ou seja, ações que atuam sob o sujeito, independentemente de sua vontade e ação. Destaca-se, nessa abordagem não as ações dos indivíduos e seu significado, mas a coerção social, exemplificado por instituições como a religiosa ou até mesmo por formas sociais de coerção aos desejos individuais – como demonstrado em sua obra O suicídio, por exemplo. Ainda muito influenciado pelo positivismo, a metodologia do sociólogo não se arriscava a procurar motivações e explicações fora do campo delimitado por sua área de conhecimento, dessa forma, por exemplo, a história enquanto ciência, a economia entre outros campos do conhecimento, não aparecem com a ênfase ao ponto de influenciar e/ou direcionar as suas conclusões. Aprendia-se com Durkheim os limites das vontades individuais e o poder de coerção social, em certa medida necessário para a desejada coesão social para lidar com as ebulições políticas do século XIX. A sociologia de Max Weber nos leva para caminhos distintos de Durkheim. Ela se constitui não sobre a coerção sofrida pelos indivíduos, mas pelo significado e resultado dessa atuação. Em sua clássica análise sobre o emergir do capitalismo, a preocupação central se encontra nas motivações que levam os indivíduos a atuaram da maneira adequada ao ambiente econômico orientado pelo acúmulo de riquezas. Percebia Weber, a partir de seus estudos históricos sobre as religiões, a afinidade entre a ética protestante e o espírito do capitalismo, resultando em indivíduos com a racionalidade própria ao moderno capitalismo ocidental. A objetividade do conhecimento se encontrava não em uma delimitação a-histórica das práticas humanas, nem mesmo pelo isolamento da sociologia das demais áreas do conhecimento, mas em identificar afinidades entre temas que permitem uma compreensão mais abrangente do fenômeno estudado. A delimitação do campo de estudos não vem de um corte positivista, mas do limite do pesquisador e de sua pesquisa que não pode alcançar a totalidade e uma explicação universal. Nota-se, do ponto de vista metodológico, a proximidade com a filosofia kantiana, no sentido da limitação humana para conhecer a verdade, cabe ao pesquisador estabelecer as conexões possíveis e necessárias para compreender o fenômeno, ou seja, a forma como objeto se apresenta. O pesquisador não se depara com a realidade, mas com a aproximação, constituindo, na sociologia weberiana, os tipos ideais. As conexões e afinidades contidas no objeto de estudos são feitas e estabelecidas pelo indivíduo que procura a compreensão do fenômeno. Max Weber terá influência fundamental nas três áreas que abrangem as ciências sociais, seja nas relações culturais para compreender seus significados, seja na análise política, como nas formas de dominação ou no importante papel da burocracia nas relações modernas. A classificação de Karl Marx como sociólogo é passível de discussão, dado que sua obra é permeada por discussões filosóficas, econômicas e históricas, sendo difícil distanciar as áreas do conhecimento. Embora não se possa recusar a ideia de que a obra de Marx é resultado da dialética hegeliana, a sua postura teórica lida diretamente com os acontecimentos de sua época, seus escritos procuram responder a realidade vivida e presenciada, sobretudo os conflitos entre as classes sociais. A denominada dialética marxista pode ser exemplificada não em seus escritos sobre método – pois Marx não escreveu uma obra dedicada ao assunto – mas na própria realidade. Por exemplo, no início de o 18 Brumário de Louis Bonaparte quando afirma que os homens fazem a história, mas não sob as condições desejadas, Marx percebe que a ação humana encontra limites, contudo ela não deixa de protagonizar os fatos históricos, tem-se aqui a dimensão do indivíduo em relação com os fatores externos que atuam sobre ele. Ou seja, uma relação dialética entre agente e estrutura. Contudo, e esse é o ponto, não se trata de uma posição metodológica construída a priori, mas uma relação existente na própria realidade analisada. O estudo da própria coisa, não enquanto fenômeno, mas enquanto “síntese de múltiplas determinações”, permite que a postura metodológica da obra de Marx não descarte a totalidade contida em determinado fato, o que envolve sobretudo a história, como o autor deixa claro em diversas passagens. Essa abordagem permite a compreensão do capital, por exemplo, de forma histórica abordando a totalidade de elementos que o compõem, seja a transição com o declínio do feudalismo, seja o surgimento da classe operária urbana e da burguesia e seus conflitos, assim como o epicentro que move todo o sistema que é a extração de mais-valor. A análise da coisa e a complexidade de suas determinações não permite uma autonomia metodológica ao pesquisador para estabelecer as relações que achar conveniente, mas em compreender as relações contidas na própria realidade. A contribuição marxiana é decisiva para as ciências sociais, na medida em que forneceu uma sólida teoria macro-social sobre o funcionamento e evolução do capitalismo e suas contradições, também abordou de forma rigorosa os conflitos políticos, contribuindo para a compreensão de classes sociais e suas frações como distintas formas de dominação, como a clássica categoria de bonapartismo. Em síntese, com base nos três clássicos das ciências sociais conseguimos elencar o objeto de estudos da sociologia – e depois sua divisão em antropologia e ciência política. Enquanto objeto todos se preocupam com a sociabilidade dos indivíduos, a forma – para não esquecer Simmel – como convivem e como lidam com os inerentes conflitos, assim como produzem cultura e dão significado às suas ações. Enquanto método, temos pontos relevantes – talvez conflitantes entre os três autores – Durhkeim sem romper com a influência positivista exalta a coerção externa sob o indivíduo; Weber, privilegia a ação do indivíduo e o significado que atribui aos seus atos; Marx, embora rompendo com a dialética hegeliana, enfatiza a importância da totalidade e complexidade que caracteriza o objeto, procura as diversas relações presentes no próprio objeto, ou seja, nas relações sociais analisadas, tem-se assim, como vimos uma abordagem que, em teoria, não privilegia nem a externalidade sob o indivíduo e nem sua subjetividade, lidando com ambas as determinações.
3) Os limites históricos/metodológico dos clássicos
Embora os clássicos não deixem de ter validade e seus estudos
continuarem a ser referências, tanto pelo contexto analisado quanto pelas posturas metodológicas adotadas, as transformações do século XX vão apontar seus limites temporais e metodológicos. Dois aspectos podem ser destacados: o primeiro é que a modernidade estudada pelos clássicos não resultou em formas de sociabilidade menos conflituosas e contraditórias, o desenvolvimento do capitalismo e de suas formas políticas resultaram em extermínio de populações e duas guerras mundiais de proporções inéditas, o segundo é o papel do indivíduo, que não podia mais ser entendido como sujeito de determinações exteriores, mas como atuante e constituidor de sua própria identidade, o que ultrapassa as categorias fixas do século XIX, o movimento de maio de 1968 é exemplo nítido dessa inclinação.
O avanço do capital e da modernidade ocidental para todos os continentes
resultou em formas distintas de dominação – o que não significa menos cruéis, como o imperialismo na África e na Ásia -, em extração desenfreada de recursos naturais e subjugação de culturas não alinhadas com os pressupostos do Ocidente. Os estudos clássicos não conseguiriam contribuir diretamente para a compreensão de questões como a ambiental, a subjugação de povos e culturas, a urbanização sem planejamento, as periferias das grandes cidades e os conflitos étnicos. Assim como não tematizaram o protagonismo dos indivíduos, a reivindicação de identicidades múltiplas, a questão de gênero e a constituição de movimentos sociais que extrapolam a classificação restritiva de classe social – embora essa categoria não tenha perdido a sua capacidade interpretativa, visto que a sociedade do capital continua a ser movida pelo trabalho.
As ciências sociais – por meio de suas três áreas – encontram desafios
teóricos e metodológicos diante de um contexto inédito, o que exige reformulações em seus fundamentos. Do possível tom de apologia da modernidade presente nos clássicos, temos o advento da teoria crítica na Alemanha apresentado os limites do desenvolvimento e da ideia de progresso, afinal o entusiasmo por crescimento econômico e territorial desembocou nas grandes guerras mundiais. A questão ambiental colocava a sociedade em risco como demonstrou Urick Beck, as consequências da modernidade apresentavam os limites do ideário inaugurado desde os iluministas, pelo menos.
Em relação aos indivíduos, a categoria de classes ganha com Pierre
Bourdieu a noção de habitus em sua teoria dos campos. Dentro de uma estrutura de classes presente na sociabilidade do capital os indivíduos se movimentam de acordo com seus interesses, possibilidades e capital cultural. Percebe-se uma fluidez dentro de uma categoria fixa. Uma flexibilidade entre agencia e estrutura que prepara o terreno para novas interpretações, principalmente para o entendimento da diversidade de identidades que emergirão.
A ebulição de conflitos e movimentos sociais como o movimento negro dos
Estados Unidos, o maio de 1968, sobretudo na França, o movimento feminista, o ambientalista e os processos de independência das colônias na África e na Ásia, entre outros, ao questionarem e apontarem os limites e as consequências da modernidade, abrem o caminho para a superação ou aprimoramento teórico, metodológico e político dos primeiros cientistas sociais. No âmbito político, os novos movimentos e suas reivindicações demonstravam os limites do ideário moderno de democracia construído desde o iluminismo, setores não contemplados pela política institucional lutavam pelo reconhecimento de suas identidades, como apontou Axel Honneth, as propostas políticas podiam se pautar agora por uma esfera comunicativa capaz de contemplar as divergências, como a esfera pública pensada por Habermas. As ciências sociais se mobilizam para lidar com as novidades. Categorias como pós- moderno, pós-colonial, epistemologia do Sul representam essa postura de distanciamento das categorias fundadas sobre os fundamentos da modernidade. Situações novas que exigiram transformações nas ciências sociais.
4) Pós-modernidade; pós-colonialismo
A crítica dos paradigmas das ciências moderna, que colocam de um lado o
conhecimento científico produzido pelo Ocidente e de outro os demais tipos de conhecimento se encontra, por exemplo em Bruno Latour. Em sua obra jamais fomos modernos, o autor critica a separação feita pelos modernos entre ciência e natureza. Segundo o autor, tal polaridade conduzia ao equívoco de colocar de um lado a ciência – como entendida pelo ocidente – e de outro as demais formas de conhecimento. É dessa polarização, por exemplo, que resulta a caracterização de “primitivos” para povos que não compartilham e não se adequam aos ditames das ciências ocidentais. A crítica de Latour se estendeu à antropologia estrutural de Lévi-Strauss, que procurou uma noção universal oriunda os pressupostos modernos – estrutura – sob a qual os demais eram classificados como pré-modernos.
A solução de Latour caminha para a superação das dicotomias modernas,
começando pela oposição natureza e cultura que nos levará, sobretudo nos estudos antropológicos, a eliminar a oposição nós e eles com base na construção de híbridos e de redes que unificam os diferentes saberes.
A crítica de Latour é exemplo do que se pode denominar pensamento pós-
moderno, no sentido de questionar os parâmetros científicos construídos pela modernidade. A formação de critérios e categorias que tinham pretensões universais quando pensadas pelos primeiros sociólogos e os clássicos, são questionados diante das novas evidências e situações.
Outra maneira de compreender a crise dos paradigmas nas ciências sociais
é se atentar para a produção de conhecimento para além das fronteiras europeias. Intelectuais africanos, por exemplo, passaram a realizar pesquisas não mais sob a tutela da ciência moderna, mas a partir de suas próprias preocupações e critérios metodológicos. A emancipação política dos países da África, significou no campo teórico a emancipação da colonização metodológica. Importante dizer que entendia os intelectuais africanos – principalmente antropólogos – que a ciência moderna servia também como uma forma de colonização, por isso a necessidade de afirmar uma nova perspectiva teórica metodológica construída por “nós” e não por “eles”, embora essa tarefa não foi isenta de questionamentos, como aponta em diversos escritos Kabengele Munanga.
A crise afete também a concepção de indivíduo e identidade. Stuart Hall é
um autor de referência sobre a questão. O ideal moderno de indivíduo e de identidade é estável e pouco flexível, desde o iluminismo, o homem racional é uma referência universal, assim também o foi com o advento da sociedade industrial e da classe trabalhadora, o indivíduo se via limitado pela estrutura de classes, o que afeta diretamente a sua identidade. A pós- modernidade procura romper com essa noção limitada de identidade, abrindo espaço para identidades plurais e flexíveis, formadas e transformadas continuamente. As rápidas alterações da identidade devem muito à “globalização” e às redes de contato, na simbiose de informações e culturas que as redes permitem, o indivíduo não está mais isolado geograficamente e culturalmente.
De todo modo, as alterações globais do capitalismo, a “globalização” afetam
direta e indiretamente a sociedade, a cultura e apresentam novos desafios para as ciências sociais. A localização geográfica é significativa para as reformulações teóricas e metodológicas necessárias, pois estar ao “Sul” do mundo traz implicações diferentes, o Brasil não fica alheio a essa problemática.
5) Particularidade brasileira como exemplo de conhecimento
sociológico
A sociologia brasileira se consolidou com as referências clássicas e
modernas. Ainda está para ser demonstrado, efetivamente, os limites dessa influência para a compreensão das relações sociais no país. As teses mais influentes sobre as formas de socialização possuem os pressupostos modernos ocidentais. Seja no marxismo de Caio Prado ao apontar o papel do país na divisão internacional do trabalho desde a colonização, um tipo de colônia de exploração, seja nos trabalhos de Gilberto Freyre que, embora não seja isento de críticas, conseguiu demonstrar a formação brasileira com base na mistura dos povos, étnicas e culturais. Ou ainda nos trabalhos de Florestan Fernandes, que se dedicou, entre outros temas, a demonstrar o caminho particular para o país alcançar a modernidade. São autores que formaram as grandes interpretações sobre o Brasil, evidente que essa lita poderia ser ampliada.
No entanto, a tendência parece ser o questionamento também dos
clássicos das ciências humanas brasileira, isso devido a nenhuma deles terem se atentado, com a ênfase necessária, a ser a ciência moderna e eurocêntrica também uma forma de dominação, assim como identificaram os intelectuais africanos, por exemplo. O fato é que a ciência moderna, no caso brasileir, serviu não para reforçar os laços de dominação, mas para denunciá-los e propiciar elaborações teóricas e posturas política capazes de enfrentar a supremacia modernizadora e eurocêntrica sobre o país. Afinal, dificilmente se pode tirar conclusões diferentes do conjunto da obra de Florestan Fernandes e Caio Prado Jr.
Não podemos deixar de apontar as ressalvas, pela localização temporal,
nenhum desses autores esteve diante das transformações ocorridas na sociedade brasileira do século XXI. A crise dos paradigmas, para esses autores, não aparecia ainda como um questionamento de ordem metodológica tão profunda quanto é apontada atualmente. Dificilmente se colocariam na situação de analisar, por exemplo, a crise das identidades. Uma mulher, trabalhadora, negra, mãe – como se coloca, por exemplo, a influente filósofa Djamila Ribeiro – que se identifica com diversas identidades não se insere nos objetos de estudos desses autores.
Temos, portanto, um longo caminho teórico, metodológico e político a
seguir. Me parece que não é excluindo teorias e pressupostos que alcançaremos resultados mais significativos, mas sim na incorporação na crítica do amplo conhecimento acumulado pelas ciências sociais.