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A CRISE DO HISTORISMO CLÁSSICO E O CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO DA HISTÓRIA SOCIAL

As transformações do capitalismo na Europa e nos Estados Unidos, no


início do século XX, expressas na Europa pela insatisfação de várias classes
sociais e nos EUA pela maior independência da sociedade burguesa em relação
ao Estado, se comparada à Europa, contribuíram para uma viva discussão
acerca dos fundamentos dominantes da historiografia. A ampliação do objeto
da História e uma reflexão mais profunda sobre um novo conceito de ciência se
apresentavam como questões prementes diante da nova realidade social.
O Historismo é um paradigma de pensamento e prática históricos que
enfatiza a singularidade e a individualidade dos fenômenos históricos. Neste
sentido, os fenômenos históricos deveriam ser compreendidos em seu próprio
tempo, em detrimento de uma análise amparada em leis gerais ou de princípios
morais presentes.

Tal concepção sublinhava a impossibilidade de comparação significativa


entre épocas históricas. Apesar de ter conhecido cenários muito distintos, o
resultado de tal concepção, em geral, foi uma História centrada no relato dos
acontecimentos políticos e militares, com especial atenção nas relações
internacionais entre os Estados, em oposição à intromissão a qualquer
dimensão do social ou econômica para a compreensão dos fatos históricos e as
generalizações e abstrações das ciências sociais.

Em suma, uma História política, a serviço dos poderes legitimados, que


rechaçava a teoria e que tinha a narrativa como fio condutor.1

1
CASANOVA, J. La Historia social y los historiadores. Barcelona: Editorial Crítica, 1991. p. 10-15.
Os desdobramentos da evolução do Historismo resultaram em uma versão
mutilada de Ranke e Droyssen de que a História era uma mera reconstrução
dos acontecimentos. Esta versão se estendeu aos outros países europeus e foi
responsável pela confusão entre Historismo e História positivista.
Os sociólogos positivistas buscavam a explicação histórica em termos de
generalizações e leis de desenvolvimento, acreditavam que a cientificidade da
sociologia era homóloga às disciplinas das ciências naturais, com uma
preferência pela quantificação e pelas explicações sociais estruturais. Esta
versão perde totalmente o sentido quando percebemos que os herdeiros de
Ranke, aqueles que o compreenderam melhor, tomaram a nascente sociologia,
que então sofria forte influência da doutrina positivista de Augusto Comte,
como o grande adversário da História, pois, insistiam que as intenções e
objetivos humanos não podiam ser reduzidos a fórmulas abstratas.
Assim, dado que a História só podia ser compreendida por meio do
comportamento humano guiado por ideias conscientes, havia certos setores da
existência humana que estavam fora do raio de investigação do historiador,
como: as massas, as classes sociais e a cultura popular. Somente aqueles que
tomavam as decisões constituíam um assunto legítimo da História.2

2
ibid.
Estes pressupostos dominaram o cenário acadêmico até o final da segunda
guerra mundial. Nesta época, contudo, as inovações historiográficas, mesmo
que ainda não dominantes, minavam este predomínio, pois, refletiam o impacto
retardado de mudanças fundamentais nas estruturas políticas, sociais e
econômicas do século XX. O monopólio político e social das elites tradicionais
havia sido destruído por duas guerras e uma revolução, que se estendeu por
outros países. O domínio europeu no mundo se exauriu e as extensas áreas
antes consideradas fora da História alcançaram sua independência, subvertendo
os valores racistas dominantes. Outras disciplinas, além da História,
começavam a reivindicar espaço na investigação das forças que determinavam
a estrutura do mundo social e seu desenvolvimento, em especial, a economia, a
sociologia e a psicologia.
Mesmo no ambiente acadêmico, um ambiente democrático começava a ser
sentido com a ascensão de uma nova geração de professores a cargos que antes
eram ocupados por historiadores conservadores. Assim, a vitalidade inicial da
História social derivou de seu caráter opositor. Esta nova História se erguia
como uma tripla rebelião, ou melhor, uma rebelião dirigida contra a História
das elites, outra contra a história política e uma terceira contra a especialização
da História em uma disciplina distinta. A primeira rebelião, com o intuito de
estender a História à todas as esferas da atividade humana, era resultado da
demanda pela sua democratização. A segunda rebelião impregnou a História de
um caráter negativo: a História que omite a política. E a terceira rebelião,
dirigida fundamentalmente contra a prática Historista, convidava os
historiadores a manter uma amizade com as outras ciências sociais.3 Com estes
pressupostos e com as transformações que o capitalismo e a industrialização
haviam produzido, em particular, as fortes distorções sociais, é compreensível
que se produzisse uma reação em favor de uma nova História.

3
ibid., p. 31-40.
Em oposição à História política tradicional, os defensores da Nova história
social, com tendências distintas entre si, tinham em comum com o Historismo,
a ideia de que a História era uma ciência orientada para uma realidade objetiva
que procedia de um modo metódico, além, da crença de que era possível
realizar seu estudo de forma científica. Seus defensores também acreditavam
em um tempo linear, que confere à história sua coerência e lhe confere um
caráter científico. Segundo Iggers, há quatro tendências da nascente história
social: uma que aplicava os métodos tradicionais da crítica de textos à história
social; uma segunda que queria converter a história em uma sociologia
histórica; uma terceira que procurava converter os modelos abstratos da
economia em padrões para uma ciência histórica quantificável e orientada para
a teoria; e uma quarta, a escola dos Annales, colocou em dúvida o conceito de
tempo com que trabalhavam as demais tendências, da mesma forma que o
historismo clássico4.

4
IGGERS, G. La ciencia historica en el siglo XX. Una vision panorámica y crítica del debate internacional. Barcelona: editorial Labor, 1995. p. 37.
Abordaremos as temáticas e tendências da História Social por dois
caminhos: o primeiro é buscando uma definição para o termo; o segundo é
explorando seu desenvolvimento em alguns países: Alemanha, França, Estados
Unidos e Inglaterra. Mas antes de seguirmos estes caminhos, é necessário fazer
uma breve menção a uma forma alternativa de escrever a História, que, fora da
área de erudição especializada, no final do século XIX, apresentava grande
afinidade com estas novas tendências historiográficas: o marxismo.
O desenvolvimento da industrialização e as profundas transformações do
capitalismo geraram intensos conflitos de classes. A teoria propagada por
Marx, em meados do século XIX, pretendia ser uma teoria geral da sociedade
direcionada para a compreensão das mudanças sociais resultantes do
desenvolvimento capitalista e das revoluções políticas do século XVIII.
A esfera de análise de Marx e suas ambições continham fontes intelectuais
similares aos sistemas sociológicos de Comte e Spencer: as histórias da
civilização, as teorias do progresso e a nova política econômica.

Por outro lado, Marx defendia uma concepção da sociedade mais estrutural
que orgânica, com um espaço mais amplo para a ação humana; uma concepção
menos determinista das fases de evolução social; e mecanismos dialéticos e
internos de mudança. Tratava-se de situar o modo de produção e a sociedade
capitalistas em um esquema teórico de desenvolvimento social.

A História era concebida como um movimento social, como história da


sociedade que incluía todos os setores da atividade humana. Esta perspectiva se
constituiu na teoria social dominante da classe trabalhadora organizada, e foi
difundida principalmente nos sindicatos e partidos socialistas. Já no campo
acadêmico, sua difusão encontrou maior resistência, apesar do forte impacto
sob as ciências sociais, especialmente na Economia e Sociologia. Antes da
primeira guerra mundial, o marxismo já estava consolidado como uma teoria
social no movimento socialista e em alguns círculos acadêmicos.5

5
ibid., p. 18-20.
A partir dos anos sessenta e setenta, a História Social consolidou-se nas
universidades como uma tendência dominante. A definição de História Social,
contudo, é ampla e ambígua. Todos os esforços de definição de seu objeto e
vocabulário oscilam entre definições mais amplas – “a história dos homens que vivem
em sociedade” – e definições mais restritas que a reduzem as descrições de grupos
sociais. No primeiro caso, toda História é História Social, uma ideia que remete a ideia
de totalidade. No segundo, a História Social é vista como um campo de estudo parcial,
comparável a outros âmbitos da História como o econômico, demográfico, político ou
militar.
Uma primeira dificuldade, nos dois casos, é a própria definição de sociedade e
como ela pode ser abordada historicamente. Uma abordagem concebe a sociedade
como uma coleção de indivíduos distintos e fragmentados, com uma relação mais ou
menos casual entre estes indivíduos. A “sociedade”, aqui, é um termo instrumental e
não se refere a um termo real que exista independentemente das pessoas que a
constituem. Há uma forte preocupação com as ações individuais.
No extremo oposto, uma outra abordagem apreende a sociedade por meio de
estruturas, conceito utilizado pelas ciências sociais para referir-se a toda sociedade ou
parte dela e que existe independentemente dos indivíduos. As teorias estruturalistas se
dividem em dois grandes grupos: a holista, que concebe a sociedade como uma
entidade histórica estreitamente integrada, com existência, caráter, necessidades,
princípios e poderes de ação próprios. Suas análises partem de instituições de grande
escala e de suas relações, e não do comportamento de indivíduos.
Um outro grupo, é constituído por historiadores preocupados com a inter-relação
no tempo entre estruturas da sociedade e a ação coletiva e individual. A sociedade não
está simplesmente constituída de indivíduos, mas sim de uma organização,
propriedades e poderes próprios, que surgem das ações coletivas, e das motivações e
características de muitos indivíduos através do tempo. Aqui, o objetivo é atingir um
meio termo entre as versões extremas do estruturalismo e do individualismo, com o
fito de evitar tanto a ideia de que a estrutura determina as características e ações dos
indivíduos como a de que são os indivíduos os que criam independentemente seu
mundo.6

6
ibid., p. 36-46.
Esta última perspectiva remete a um outro problema: como explicar as
causas e os processos particulares das estruturas sociais. Como buscar as
causas dos fenômenos. Segundo Casanova, se a sociedade pode ser
conceitualizada de diversas formas, a explicação causal também dependerá da
teoria que guie a prática investigativa do historiador. A solução gera, também,
controvérsias, pois, enquanto alguns historiadores recorrem às diversas
sugestões teóricas das ciências sociais, outros, de forma reativa, preconizam a
busca de uma teoria própria da História. Tudo isso depõe a favor de uma
História Social plural e diversa. A ausência de uma única teoria, de um único
paradigma, ou de um único aparato conceitual para tratar cientificamente os
fenômenos sociais, ampliam o conhecimento histórico e legitimam novas áreas
de investigação. A tendência a um retorno do empirismo e a um ecletismo
teórico deve ser substituída por um entendimento mínimo do vocabulário e
conceitualização teórica indicados para explicar o real significado dos fatos
selecionados. Dessa forma, diferente de uma História total, a História Social
constitui-se em uma dimensão presente em qualquer forma de abordar o
passado.7 A ambição de uma história total teve sua origem na pretensão de
adotar o status científico à História a partir das aportações teóricas de outras
ciências sociais. Na realidade, a necessidade de abrir o diálogo conduziu em
muitas ocasiões a considerar essas ciências – especialmente a sociologia –
como caixas de ferramentas-conceitos de onde podiam colher-se acriticamente
os que melhor serviram para os fins propostos.

7
ibid., p. 46-48.
A relação com as outras ciências sociais é outro elemento constitutivo da
História Social. Em oposição ao Historismo, alérgico a teorizações, os
historiadores sociais estabeleceram desde o início de sua trajetória um intenso
diálogo com as outras ciências sociais. O problema é que a trajetória e a
disposição dos cientistas sociais nem sempre estiveram afinados com a dos
historiadores.
O objeto das nascentes ciências sociais modernas, e em especial da sociologia, foi
a compreensão das origens, natureza e consequência do capitalismo e da
industrialização na Europa. Este foi o tema dos fundadores da sociologia moderna: K.
Marx, Aléxis de Tocqueville, E. Durkheim e M. Weber. Todos estes autores
combinaram um interesse pela construção histórica acerca da estrutura social com uma
compreensão da história da sociedade. Apesar de não operarem da mesma forma esta
combinação, nenhum deles elaborou abstrações teóricas, conceitualizações e uma
filosofia da evolução universal a margem da História.
Desde o século XIX, contudo, o conteúdo histórico da Sociologia foi perdendo
espaço para uma “ciência natural da sociedade”, como pregava Augusto Comte,
preocupada com o estudo do presente e com a pouca importância atribuída à História.
A institucionalização acadêmica da Sociologia, principalmente nos EUA, veio
acompanhada de um rompimento com a tradição histórica; da perspectiva
evolucionista da história; um fortalecimento do anti-historicista do “empirismo
abstrato” e da “grande teoria” representada por Talcott Parsons; e do funcionalismo
estrutural.
Foram os historiadores dos Annales que iniciaram o diálogo com as
modernas ciências sociais, reagindo contra a história política do Historismo.
Nos anos cinqüenta e sessenta, com a segunda geração dos Annales, esta
tendência foi consolidada, paradoxalmente em um momento em que imperava
na Sociologia, e em alguns setores do marxismo, as tendências estruturalistas e
antihistoricistas. Apesar deste predomínio, alguns sociólogos procuraram
análises histórico-comparadas da industrialização e das revoluções, desiludidos
com os modelos de modernização e desenvolvimento que não explicavam as
mudanças sociais.8

8
ibid., p. 51-53.
A História científico-social, em seu apogeu, caracterizava-se pela formulação de
problemas, por sua precisão empírica, pelo uso de teorias, modelos e tipos ideais, por
seu interesse em estudos interdisciplinares e comparativos e pela orientação de seus
pesquisadores para a compreensão de sociedades inteiras. O que subjazia essa “fome”
por conceitos e hipóteses era a ideia de que a História carecia de um corpo teórico
próprio e de que na Sociologia poderia se buscar seu status científico. Tal perspectiva
apresentava de imediato dois questionamentos: a simples incorporação destes
conceitos e teorias parecia ser a resposta à herança hermenêutica, voltada para os
grandes personagens e anti-teórica, porém, não se questionava a neutralidade de tais
conceitos, modelos e teorias. Por outro lado, como resolver o problema da mudança
social em um enfoque sociológico-estrutural? Como passar de uma estrutura a outra?
Como descobrir a gênese de uma estrutura? E como explicar a evolução da
humanidade desde as comunidades pré-históricas até às industrializadas?
Tal preocupação nasce nas ciências sociais a partir das consequências sociais da
industrialização sobre as sociedades europeias e da ausência da aparente evolução
social nas denominadas sociedades “primitivas”. Para dar conta de tal tarefa surgiram
dois grandes modelos para explicar a mudança social: as teorias do conflito e as teorias
evolucionistas. A primeira, cujo expoente mais representativo é Karl Marx, tem como
dado básico a localização da mudança social na estrutura da sociedade e a convicção
de que esta tensão estrutural resulta em um conflito de classes que é a força motora da
mudança social. Os historiadores que seguiram esta linha, principalmente, Luckás,
Korsh e Gramsci, nos anos vinte, rechaçaram a escrita de uma história puramente
teórica, e mantiveram um lugar para a relativa autonomia da evidência empírica, a
variabilidade da experiência histórica e o poder transformador da ação coletiva e
individual que conduz a conseqüências não deliberadas. Historiadores sociais
marxistas britânicos, franceses e norte-americanos, no início dos anos cinqüenta,
discutiram temas - transação do feudalismo ao capitalismo, revoluções e formação
histórica da classe trabalhadora – a partir de investigações históricas concretas e não de
especulações filosóficas.9

9
ibid., p. 58-60.
As teorias evolucionistas alcançaram maior eco sobre os trabalhos dos
historiadores sociais – principalmente dos franceses – que buscavam na sociologia um
refúgio teórico. Os evolucionistas clássicos, representados por Comte, Spencer e
Durkheim, defendiam a concepção de que o “desenvolvimento histórico” das
sociedades humanas era constituído por etapas básicas que progrediam de uma
organização simples e primitiva a um modelo de crescente complexidade e perfeição.
As mudanças da estrutura social, então, eram inevitáveis, resultados de forças internas
e inerentes de toda sociedade, no entanto, descritas de forma demasiadamente
unilateral, com poucas evidências empíricas, funcionando mais como uma “lei geral da
história”.
Uma versão mais recente destas teorias é o funcionalismo, muito presente nos
EUA, em grande parte devido ao macarthismo e a perseguição aos comunistas. O
funcionalismo sustenta a hipótese de que toda a mudança se deve a forças exógenas. A
mudança social é uma adaptação de um “sistema social” a seu entorno por meio de um
processo de diferenciação mental e de crescente complexidade estrutural. É, na
verdade, uma teoria do equilíbrio, na qual a mudança social é um movimento de um
estado de equilíbrio a outro. Desta forma, os distintos componentes de um “sistema
social” são, em princípio, compatíveis, e sem as interferências externas, não há
mudança de posição de nenhum componente. As possíveis tensões e conflitos são
desajustes que formam parte do processo, que a sociedade elimina por meio de
mecanismos reintegrativos.10

10
ibid., p. 61-62.
Muitas das observações traçadas até aqui são também pertinentes para a ralação
entre Antropologia e História, pois, a Antropologia, em seu nascedouro, também se
apresentou como uma ciência social hostil à análise histórica. No final dos anos
cinqüenta, enquanto a História seguia em sua progressão para a captação da
“totalidade” auxiliada pelas outras ciências sociais, a Antropologia era dominada por
três paradigmas hostis à investigação histórica: o funcionalismo estrutural britânico
(descendente de Radicliffe Brown e Bronislaw Malinowski); a antropologia cultural e
psico-cultural norte-americana (herdeira de Margaret Mead e Ruth Benedict) e a
antropologia evolucionista norte-americana (de forte afiliação arqueológica, formada
em torno de Leslie White e Julian Steward). Para estes antropólogos, a Antropologia
social era uma ciência próxima das ciências naturais pela sua tendência a
generalização, enquanto a História era incluída entre as ciências “particulares”. A
ruptura do diálogo entre as duas disciplinas levou a Antropologia a um “empirismo
abstrato” e “grandes teorias” que caracterizavam a Sociologia nesta época. Predominou
entre os antropólogos a concepção de que antes da dominação europeia, todas as
sociedades “primitivas” eram estáticas. Consequentemente, estes antropólogos
acabaram reduzindo o problema da História à dualidade primitivo-moderno. Mesmo o
estruturalismo de Claude Levi-Strauss também subestimava a História ao negar
qualquer impacto significativo do acontecimento na estrutura. Esta tendência,
entretanto, não foi geral. No final dos anos setenta, a chamada escola antropológica de
“economia política”, centrava seus interesses nos sistemas econômico-políticos de
“grande escala” e a análise dos efeitos da penetração do capitalismo nas sociedades
agrárias. Para estes autores, os fatores fundamentais da mudança são o Estado e o
sistema capitalista mundial. Não obstante, todos os antropólogos destas correntes
antropológicas, além dos marxistas estruturais, acreditam que a ação humana e o
processo histórico são determinados pela mão oculta da estrutura ou por forças do
capitalismo. Neste sentido, a sociedade (ou a cultura) é uma realidade objetiva com
dinâmica própria, separada da ação humana.11

11
ibid., p. 64-67.
Nos finais dos anos setenta, uma intensa fragmentação teórica tomou conta da
Antropologia. Não havia um conjunto de termos no qual todos os profissionais podiam
dirigir-se, tanto quanto uma linguagem comum. Muitos dos métodos e teorias
questionados no seio da disciplina foram adotados por historiadores sociais, que as
utilizavam sem um real conhecimento da teoria utilizada. O resultado disso foi a
adoção acrítica e indiscriminada de métodos e teorias que não serviam para explicar a
evolução, funcionamento e transformação das sociedades humanas, ocasionando falhas
na elaboração de premissas próprias e na reflexão sobre os problemas históricos. Esta
atitude fortaleceu o discurso de que a História tinha que viver de empréstimos teóricos,
atribuindo um caráter passivo a História, em vez, de uma perspectiva em que estas
teorias pudessem servir para localizar novas questões e iluminar os problemas
históricos.
Outro elemento importante da história social é a história vista de baixo. A
história de origem popular vista de baixo, em termos mais genéricos, a história
do povo comum, só iniciou seu desenvolvimento quando a natureza da política
– tema característico da história tradicional – e as motivações dos historiadores
começaram a mudar como consequência das grandes revoluções de finais do
século XVIII.

Como campo de estudo específico só começou a florescer em meados dos


anos cinquenta do século XX, quando a historiografia marxista pode liberar-se
dos enfoques estreitos que até então haviam orientado a história política e
ideológica do movimento obreiro.
Segundo os historiadores marxistas britânicos a história vista de baixo não é
simplesmente tirar o foco das elites, mas levantar novas questões teóricas sobre os
pobres e dominados. O povo da história popular é um termo com múltiplos
significados e aplicações derivadas em ocasiões das ideias políticas e das tradições
históricas que o sustentam. O povo pode ser definido pelas relações de exploração,
pelas antinomias culturais ou como um conjunto de classes subordinadas desvinculadas
das relações de produção e de autoridade. Nesta perspectiva, uma análise das relações
e lutas de classes em amplos contextos históricos, nunca se perde de vista que essas
relações de classe – enquanto supõem dominação e subordinação, luta e acomodação –
são sempre políticas. Insistem que estas classes têm ingredientes ativos e significativos
para a totalidade do desenvolvimento histórico e, portanto suas lutas e movimentos têm
contribuído notavelmente às experiências e lutas das gerações posteriores. Finalmente
reconhecem os limites de suas lutas e não esquecem as formas de acomodação
e incorporação dessas classes à ordem social estabelecida.

Um dos melhores representantes desta geração é Georges Rudé. Sua obra


engloba estudos dos movimentos populares pré-industriais na França e na
Inglaterra, análise da multidão revolucionária e da multidão em geral, trabalhos
sobre a natureza da ideologia popular, sobre a delinquência.
Esta evolução da História Social não foi igual em alguns países onde ela
fincou raízes. Na Alemanha, berço do Historismo, Karl Lamprecht foi o
primeiro a questionar dois princípios da ciência histórica estabelecida pelo
Historismo: o papel central do Estado na exposição histórica e a narração
direcionada para grandes personagens. Em vez do estudo dos fatos, sem
nenhum método científico para a apreensão de inter-relações mais amplas,
Lamprecht pregava que a História, como qualquer ciência, deveria promover a
aproximação ao objeto de sua investigação com questionamentos teóricos e
princípios metodológicos. A “nova ciência histórica” deveria equiparar a
História às ciências empíricas sistemáticas. Também na Alemanha, o primeiro
impulso para uma História que se ocupasse dos problemas desencadeados pela
industrialização foi, como já vimos, a Nova Escola de Economia, que ampliou
o objeto da História para além da política e da cultura espiritual, a fim de
englobar a sociedade e a economia, mesmo adotando dos Historistas elementos
substanciais do conceito de ciência. Para M. Weber e Otto Hintze, a distância
entre a História e a Sociologia não era tão grande como defendiam os
historistas. Estes autores, em oposição a Ranke, Droysen, Hegel e Dilthey,
romperam com o núcleo idealista do Historismo ao não contemplar as
instituições históricas, sobretudo o Estado, como “poderes éticos”, como
objetivações da vida.12 Contudo, mesmo nos anos dourados da História
Scocial, o Historismo nunca foi totalmente abandonado pelos historiadores
alemães.

12
IGGERS,G. La ciencia historica en el siglo XX. Una vision panorámica y crítica del debate internacional. Barcelona: editorial Labor, 1995. p. 33-34.
A França é o locus privilegiado das origens da História Social. Desde o
início do século, Henri Berr, com a Revue de synthèse historique, incentivou
os laços com outras ciências sociais e o ataque à História política. Os dois
fundadores dos Annales, Lucien Febvre e Marc Bloch, seguiram atentamente a
historiografia social alemã no final do século XIX, tendo Bloch inclusive
estudado em Leipzig e Berlim nos anos de 1908 e 1909. A revista Annales
d’histoire economique et sociale, fundada em 1929, tinha como finalidade
inicial oferecer um foro às diversas correntes e aos novos enfoques
historiográficos. Uma reação frente à historiografia existente e uma
reconstrução da História sobre bases científicas a partir de conceitos tomados
de empréstimo a outras ciências sociais são as características iniciais dos
primeiros números.
Em suas origens, esse protesto dirigia-se contra o trio formado pela
História política, a História narrativa e a História episódica (evenementielle).
Bloch e Febvre queriam substituir este trio por uma “História profunda”, uma
História econômica, social e mental que estudasse a inter-relação do indivíduo
com a sociedade.13 Para Casanova, nas formulações iniciais dos representantes
dos Annales já estavam os germes de sua própria desintegração. Isto não
significa trair os princípios dos fundadores, mas sim uma lógica interna que em
seu desenvolvimento ia acompanhada de circunstâncias e condições externas
muito distintas às que conheceram Bloch e Febvre.

13
CASANOVA. J. op. cit., p. 24-25.
O conceito de ciência e a prática dos historiadores dos Annales são
complexos. Por um lado, compartilham com o Historismo, as possibilidades do
método e do conhecimento científicos, por outro relativizam estas ideias. Bloch
criticou os historiadores “positivistas”, cujo principal representante era Charles
Seignobos, que influenciados pela filosofia de Augusto Comte, elaboraram um
pensamento específico no domínio da História marcado pela procura de
fundamentos científicos à démarche histórica, contudo, empobrecido em
relação ao historismo alemão, por limitar a História à estrita observação dos
fatos.
As gerações que vieram logo antes da nossa, nas últimas décadas do século XIX e até os
primeiros anos do XX, viveram como alucinadas por uma imagem muito rígida, uma
imagem verdadeiramente comtiana das ciências do mundo físico. Ao estender ao conjunto
das aquisições do espírito esse prestigioso esquema, parecia-lhes então não existir
conhecimento autêntico que não devesse desembocar em demonstrações incontinenti
irrefutáveis, em certezas formuladas sob o aspecto de leis imperiosamente universais. Esta
era uma opinião praticamente unânime. 14

14
BLOCH, M. Apologia da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor. 2002. p. 47.
Esta crítica, contudo, não impediu Bloch de acreditar que a História era
uma ciência, diferente das ciências naturais, mas capaz de suprir as condições
de uma verdadeira ciência: estabelecer as ligações explicativas entre os
fenômenos por meio de uma classificação racional e uma progressiva
inteligibilidade dos fatos. A História pode não definir leis, devido ao acaso,
mas só é válida se for penetrada de razão e inteligibilidade, “o que situa sua
cientificidade não do lado da natureza, de seu objeto, mas da démarche e do
método do historiador.”15 Febvre, mesmo não definindo a História como uma
ciência, a definia como

15
LE GOFF, J. Prefácio. In: BLOCH, M. Apologia da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor. 2002. p. 20.
um estudo cientificamente conduzido, das diversas atividades e das
diversas criações dos homens de outrora, tomados na sua data, no quadro
de sociedades extremamente variadas e contudo comparáveis umas as
outras (é o postulado da sociologia), com as quais encheram a superfície
da terra e a sucessão das épocas.16

16
FEBVRE, L. Combates pela História. Lisboa: Editorial presença. 1985.
O termo “estudo cientificamente conduzido” implica duas operações, as mesmas
que se encontram na base de qualquer trabalho científico moderno: “pôr problemas e
formular hipóteses”. Isto tudo significa rejeitar a ideia de que a História é um simples
registro dos fatos, ou de que estes fatos são dotados de uma existência perfeitamente
definida, irredutível.

Os fatos históricos, mesmo os mais humildes, é o historiador que os


chama à vida. Sabemos que os fatos, esses fatos diante dos quais nos
intimam tantas vezes a inclinar-nos devotadamente, são outras tantas
abstrações – e que, para os determinar, é preciso recorrer aos
testemunhos mais diversos, e por vezes mais contraditórios – entre os
quais necessariamente escolhemos.
17

17
ibid., p. 32.
Para Bloch, o historiador não consegue constatar os fatos que ele estuda,
pois o conhecimento do passado é indireto e feito por meio de vestígios. Este
passado é um dado que não se modifica, mas seu conhecimento está
incessantemente se modificando. “Sabemos melhor interrogar as línguas acerca
dos costumes, as ferramentas acerca do artesão. Aprendemos, sobretudo a
mergulhar mais profundamente na análise dos fatos sociais”18, pois os textos
não falam senão quando sabemos interrogá-los. Naturalmente, “é necessário
que essa escolha ponderada de perguntas seja extremamente flexível, suscetível
de agregar, no caminho, uma multiplicidade de novos tópicos, e aberta a todas
as surpresas.”19 Contra o domínio do documento escrito, Bloch afirmava a

18
BLOCH, M. op. cit., p. 75.
19
ibid., p. 79.
infinidade e a diversidade do testemunho histórico, que para ele era a
expressão de lembranças.

À medida que a história foi levada a fazer dos testemunhos involuntários um uso
cada vez mais frequente, ela deixou de se limitar a ponderar as afirmações
[explícitas] dos documentos. Foi-lhe necessário também extorquir as
informações que eles não tencionavam fornecer. 20

20
ibid. , p. 95.
Além disso, reafirmou a procura da veracidade dos documentos como fundamental
na pesquisa, sendo a crítica, uma arte racional e uma prática metódica do espírito, a
maior prova de veracidade.

Ora, se nossa imagem do universo pôde hoje, ser limpa de tantos fictícios prodígios –
porém confirmados, parece, pela concordância das gerações -, certamente devemos isso
antes de tudo à noção, lentamente deduzida, de uma ordem natural comandada por leis
imutáveis. Mas essa própria noção não conseguiu se estabelecer tão solidamente, as
observações que pareciam contradizê-la só puderam ser eliminadas graças ao paciente
trabalho de uma experiência crítica empreendida pelo próprio homem enquanto
testemunha. Somos agora capazes ao mesmo tempo de desvendar e de explicar as
imperfeições do testemunho. Adquirimos o direito de não acreditar sempre, porque
sabemos, melhor do que pelo passado, quando e por que aquilo não deve ser digno de
crédito. E foi assim que as ciências conseguiram rejeitar o peso morto de muitos
problemas. 21

21
ibid., p. 109.
Em relação a Ranke, Bloch observava que compreender não pode
significar neutralidade, nada tem a ver com passividade, mas sim com análise e
abstração. Nenhuma ciência seria capaz de prescindir da abstração, tampouco
da imaginação. A História não é exceção. Seu objeto, o homem no tempo,
contudo, dificulta a compartimentalização das ciências naturais. Em História o
conhecimento dos fragmentos, sucessivamente estudados, cada um por si,
jamais propiciará o conhecimento do todo; não propiciará sequer o dos
próprios fragmentos. A ideia de totalidade está presente na forma de
abordagem da sociedade e do tempo, que não podem se seccionados.
Reconhecemos que em uma sociedade, seja qual for, tudo se liga e controla mutuamente: a
estrutura política e social, a economia, as crenças, tanto as formas mais elementares como
as mais sutis da mentalidade.
O tempo humano, em resumo, permanecerá sempre rebelde tanto à implacável
uniformidade como ao seccionamento rígido do tempo do relógio. Faltam-lhe medidas
adequadas à variabilidade de seu ritmo e que, como limites, aceitem frequentemente,
porque a realidade assim o quer, conhecer apenas zonas marginais.22

22
ibid., p. 152-153.
Em conformidade com o Historismo, o estatuto científico próprio para a
História parece ser uma preocupação dos fundadores dos Annales. Voltando-se
contra os “positivistas”, que só acreditavam na cientificidade da História a
partir das ciências naturais, ou contra aqueles que não acreditavam que a
História poderia ser uma ciência, estes autores procuraram uma especificidade
para a ciência histórica, por meio de princípios racionais. A defesa de modelos
e hipóteses é, contudo, uma defesa de princípios da ciência moderna, tributária
das ciências naturais. O alinhamento com as outras ciências sociais,
contribuição essencial dos Annales, os distanciava do Historismo, que defendia
uma distinção da História em relação às outras ciências humanas.
Nos Annales há, portanto, elementos da ciência moderna – hipótese e
modelos - e a ambição de Dilthey e Droysen, que procuraram dar a História um
estatuto científico próprio. Mas, enquanto Dilthey defendia a interpretação em
detrimento da explicação, Bloch afirma que interpretar é analisar. Estamos
diante de uma fusão de elementos legitimadores das ciências naturais -
explicação e hipóteses - com a afirmação de métodos próprios das ciências do
espírito.
A temporalidade braudeliana aparece de forma clara em o Mediterrâneo
no qual sua preocupação é situar indivíduos e eventos num contexto, em seu
meio, mas ele os torna inteligíveis ao preço de revelar sua fundamental
importância. A história dos eventos, ele sugere, embora rica em interesse
humano, é também a mais superficial. A história das estruturas – sistemas
econômicos, estados, sociedades, civilizações e formas mutantes de guerra.
Esta história se movimenta em um ritmo mais lento do que o dos eventos. As
mudanças ocorrem no tempo de gerações, e mesmo de séculos, por isso os
contemporâneos dos fatos nem sempre se apercebem delas. Abaixo das
correntes sociais jaz uma outra história, uma história quase imóvel, lenta a
desenvolver-se e a transformar-se, feita muito frequentemente de retornos
insistentes, de ciclos sem fim recomeçados. Todas as características
geográficas tem sua história, sua parte da história com tendências gerais. Foi
criticado pela sua pouca atenção às mentalidades coletivas e pelo seu
determinismo. Braudel afirma que o homem como “prisioneiro do meio
ambiente como de suas estruturas mentais. Não percebe as duas faces da
estrutura: estimulantes e inibidoras.
Todas estas questões que envolviam a natureza do conhecimento histórico
adquiriram relevância na França e nos Estados Unidos. Neste último, floresceu
a ideia de que a História era uma ciência social e devia contribuir para o
descobrimento de leis do desenvolvimento humano. O conceito de História
científica refletia essa tendência de unir a História às ciências sociais. Contudo,
muitos estudantes americanos foram para Alemanha a fim de prosseguir o
doutorado, porque antes de 1880 eles não tinham muita escolha. O resultado
disso foi a fusão do conceito de individualidade de cada período histórico de
Ranke com as leis de causalidade de Lamprecht, algo totalmente inimaginável
na Europa. Um destes estudantes James Harvey Robinson que em 1912
proclamou em um manifesto os princípios da Nova História (New History).
Suas principais ideias conclamavam os historiadores a 1. ampliar os termos de
sua indagação e afastar-se de uma história política limitada; 2. buscar uma
abordagem genética para seus problemas; 3. aplicar os instrumentos
desenvolvidos dentro das várias ciências sociais na indagação histórica e
ampliar as fronteiras com a Sociologia, Psicologia, Economia e assim por
diante; finalmente, 4. fazer de seu assunto um instrumento para o progresso
social.23

23
BENTLEY, M. Modern Historiography. An Introduction. Londres e Nova York. Routledge, 2003. passim.
A discussão metodológica iniciada nos Estados Unidos, no final do século,
resultava da convicção de que a ciência histórica tradicional nas universidades
já não correspondia às exigências científicas e sociais de uma moderna
sociedade industrial democrática. Os “novos historiadores” insistiam na
ruptura com o passado europeu pré-moderno. Para os “novos historiadores”,
Charles Beard, James Robinson, Vernon Parrington e Carl Becker, a
associação entre História e ciências sociais é distendida e eclética. Estas
últimas devem oferecer conhecimentos e possíveis modelos de explicação;
porém, não se pretende converter a ciência histórica em uma ciência social
sistemática.24

24
IGGERS, G. op. cit., p. 44.
Após a segunda guerra mundial estabelece-se um novo consenso nacional
nos Estados Unidos. Diferente da Europa, a América é exaltada como uma
sociedade sem conflitos de classe e os conflitos ideológicos tornam-se
insignificantes no desenvolvimento social alcançado. Boa parte dos
historiadores está afinada com este consenso. O caráter altamente racionalizado
da moderna sociedade industrial capitalista é acompanhado por uma concepção
racionalizada da ciência. Na História estes métodos traduzem-se na introdução
de métodos quantitativos, que se espalham também na Inglaterra, França e
outros países. Desde a década de cinquenta, nos Estados Unidos e em outros
países se trabalha cada vez mais com a recém desenvolvida tecnologia de
ordenadores e com métodos quantitativos para analisar processos econômicos.
Nos anos setenta, a investigação histórica baseada na estrita quantificação
desempenhou importante papel, partindo da concepção de que a ciência
histórica, como todas as ciências, só poderia obter sua cientificidade, se suas
afirmações pudessem adotar uma forma matemática. Era “naturalização” das
ciências históricas no seu grau mais agudo.
Na Grã-Bretanha, com um sistema de pactos coletivos que desmontaram a
possibilidade de uma revolução social, predominou a interpretação Whig
(liberal) da História, “uma ciência que devia averiguar os fatos, proporcionar
lições morais e ratificar a ideia de progresso, entendido como a manifestação
da razão, do conhecimento e do avanço tecnológico da industrialização.”25 Os
fatos, em tal interpretação, resultavam das ações dos indivíduos que os
“produziam” através dos sistemas institucionais. Estas realidades empíricas
verificáveis deveriam ser julgadas pelo historiador. Por outro lado, havia
realidades imperceptíveis para o historiador como as classes sociais, os modos
de produção ou algumas atitudes culturais, não prováveis empiricamente, por
meio de documentos, nem passíveis de proporcionar critérios retos de

25
CASANOVA, J. op. cit., p. 82.
declarações morais. Em suma, a História era a interação entre os grandes
personagens e as instituições que eles criavam, modificavam ou combatiam.
Esta concepção da História, com uma forte tradição empírica, foi um dos
fatores que retardaram o desenvolvimento da História Social no mundo
acadêmico da Grã-Bretanha.
A disciplina histórica ocupou um lugar proeminente na cultura do
imperialismo britânico, proporcionando uma exposição racional do capitalismo
britânico e uma justificativa triunfante do imperialismo antes de 1914. O fim
da era vitoriana, contudo, deixou a disciplina histórica sem um núcleo
aglutinante. À História política e constitucional, se juntaram diversas Histórias
com diferentes qualificativos (administrativa, econômica, eclesiástica, militar,
local etc). Nos anos trinta aparecem as primeiras formulações embrionárias da
História Social: a História econômica e do movimento trabalhista. Seus logros,
no entanto, não abalaram os princípios da historiografia dominante. A História
econômica consagrou o “econômico” como um objeto autônomo de estudo e
estabeleceu como método preferido de análise o “empirismo acrítico”.
Os métodos de trabalho dos historiadores do movimento trabalhista
constituíram-se em uma espécie de variante da teoria Whig da História,
relatando as ações do sindicalismo e das classes trabalhadoras da mesma forma
que seus antecessores enfocavam a história dos reis, batalhas e tratados.26

26
ibid., p. 85-88.
Frente a essas tradições de empirismo e individualismo metodológico se
consolidou nos anos sessenta uma História Social de diferentes direções. Uma
direção, a marxista, tem sua origem na versão liberal radical da “História
popular” decimônica e na obra de democratas radicais do primeiro terço do
século. Os mais famosos historiadores marxistas começaram seus estudos
universitários nos anos trinta, mas suas grandes obras só foram publicadas nos
anos sessenta – com exceção do trabalho de Maurice Dobb, Studies in the
Development of Capitalism (1946) - no momento em que o rápido
desenvolvimento do ensino superior possibilitou a investigação de novos
temas. Outra direção foi seguida pelos historiadores que seguiram os Annales e
um outro grupo, também sob influência dos Annales, recorreu à Sociologia e
depois à Antropologia.
A relação entre História e a Sociologia na Grã-Bretanha não foge aos
padrões gerais estabelecidos nas linhas anteriores. No momento em que os
historiadores, a partir dos anos sessenta, iniciaram um processo de
aproximação com a Sociologia, particularmente por seus métodos e interesses,
esta estava ainda sob a influência de três tradições científicas profundamente
anti-históricas: a Antropologia Social britânica, a teoria social europeia e a
Sociologia empírica norte-americana. Mesmo a Sociologia marxista, sob a
influência do estruturalismo althusseriano, mostrou pouco interesse pela
investigação histórica.
Só em meados dos anos setenta, há uma renovação na sociologia britânica,
com uma maior preocupação com os métodos da investigação histórica,
aferidos nas publicações do periódico British Journal of Sociology, com artigos
de claro conteúdo histórico de P. Lasllet, E.P. Thompson, G. Roth, entre
outros. Paradoxalmente, neste período, muitos historiadores que iniciaram este
diálogo, começaram a se afastar desta perspectiva e retomaram velhas
tradições narrativas e políticas, buscando novas vias de antecipação frente à
sociologia.27

27
ibid., p. 88-91.
Quanto a Antropologia, a história não muda muito. A Antropologia, na
primeira metade do século XX, tendo como expoente máximo Radicliffe-
Brown, esteve mais próxima dos parâmetros teóricos das ciências naturais. Foi
só no final dos anos cinqüenta que assistimos uma aproximação entre a
História e a Antropologia, com Evans-Pritchard, sucessor de Radicliffe-Brown,
em Oxford, pelo lado da Antropologia, e por outro lado, vários historiadores
começam a se aventurar nos “mares” da Antropologia, com mais ou menos
rigor.28

28
ibid., p. 92-93.
A fronteira entre a História e as ciências sociais ficaram fechadas em
grande parte devido à resistência da tradição liberal individualista e empírica,
da insensibilidade dos sociólogos em relação à investigação histórica e a
inclinação anti-historicista da Antropologia. Não obstante, a ausência de uma
ruptura teórica com os supostos métodos da interpretação Whig da História:
gosto pelo empirismo, averiguação documental dos fatos, desprezo pela teoria
e pela construção de totalidades históricas subsistiram durante a transição da
História liberal-individual à História Social.29

29
ibid., p. 94-95.

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