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4.

O Debate acerca da Estrutura e a Agência nas Ciências


Sociais;
A questão da relação ou ausência de relação entre os indivíduos e as formas
de imposições exteriores não é nova para o campo das humanidades. Os
primeiros filósofos gregos abordavam a questão quando separavam os
fenômenos presenciados do mundo religioso. Discutiam a autonomia do
indivíduo frente às imposições dos deuses e do destino. Assim também ocorreu
com os debates que moveram os liberais, por exemplo, a partir do século XVII
ao defender as liberdades individuais diante das opressões políticas das
monarquias. No entanto, as ciências sociais colocaram a reflexão da temática
em um patamar que envolve categorias e contextos complexos, podendo ser
demonstrado pelos estudos de suas correntes e metodologias desde o século
XIX.

De fato, desde os clássicos das ciências sociais, a agência e estrutura se


apresentam como tema debatido separando os autores e suas posições
metodológicas. Debate ainda mais relevante no século XX com o advento do
estruturalismo, seguido do pós-estruturalismo e as formulações pós-modernas
e pós-coloniais.

O debate acerca da agência e estrutura é um dos temas que mais separam


autores e correntes dentro das ciências sociais. Enquanto Durkheim enfatizava
os “fatos sociais”, ou seja, elementos externos ao indivíduo que condicionam a
sua ação – como as instituições e a religião – tratando os fatos sociais como
coisas com o objetivo de se diferenciar da psicologia, Weber se atentava para a
dimensão da ação do indivíduo. O sociólogo francês para explicar suicídio, por
exemplo, elabora uma rigorosa pesquisa percebendo que os motivos que
levam os indivíduos a acabarem com a vida possui relação com o nível de
coesão social e não com a dimensão psicológica. Nota-se que não há
referência a ação do indivíduo, a agência é secundária diante da estrutura.

Postura diferente de Max Weber. O pensador alemão se debruça sobre a ação


do agente e seu significado. A agência é destacada na compreensão dos
fenômenos sociais, pois esses são resultados de sua ação e do significado que
produz. Isso aparece em sua análise da relação entre o capitalismo e a ética
protestante. O capitalismo não é entendido somente como uma estrutura que
evoluiu do feudalismo, ou seja, de uma maneira diacrônica, mas sim da relação
do agente com uma forma peculiar de conduta e comportamento. Trata-se de
uma conduta poupadora orientada por um cálculo racional alinhado com as
prerrogativas do moderno capitalismo ocidental. A análise é deslocada não
para o entendimento de uma estrutura que movimenta ação do agente, mas
para a verificação de aptidão às necessidades da conjuntura social inaugurada
pelo capitalismo.

A influência da posição weberiana é notável nas ciências humanas brasileira,


Florestan Fernandes possui significativos estudos sobre a emergência da
ordem competitiva e a maneira como os agentes adquirem a racionalidade
própria do moderno capitalismo ocidental, recentemente Jessé Souza –
influenciado por Florestan Fernandes – abordou a temática da incorporação do
negro na sociedade capitalista brasileira, o autor considerou a ausência por
parte dos negros das condições psicossociais necessárias para serem
incorporados à emergente sociedade capitalista.

O caso de Marx nos parece singular. A ênfase na estrutura, ou no modo de


produção contida nas obras de maturidade do autor, levaram alguns
seguidores a secundarizar a importância de seus primeiros escritos e a
desconsiderar a ação do agente em seus escritos políticos, provável que a
interpretação de Althusser tenha contribuído para esse fato. A síntese de Marx
nas primeiras linhas de 18 brumário de Louis Bonaparte é significativa de como
compreender a dialética entre agência e estrutura para o autor. Ao dizer que os
homens fazem a sua história, mas não a fazem sob as condições desejadas,
Marx não atribui primazia de importância de uma sobre a outra, mas a trata em
sua relação. Dizer que os homens fazem sua história é dizer também que eles
constroem as condições que atuam sobre eles.

Essa interpretação de Marx parece secundarizada por boa parte de seus


seguidores, ou acontece de acentuar a ênfase para um dos seus lados, veja o
debate, por exemplo, entre os historiadores Perry Anderson e Thompson, o
primeiro privilegia a estrutura, o segundo o agente. Ou ainda, na filosofia
Althusser e Lukács também possuem divergências fundamentais sobre a
temática.
Se fossemos selecionar qual das três abordagens acima mais influenciou
teórica e metodologicamente as ciências sociais no século XX, a de Durkheim
teria lugar de destaque. Não sem reservas, pois a influência de Weber e de
Marx não são desconsideráveis. No entanto, o estruturalismo foi a corrente que
ingressou com mais relevância na academia, principalmente nas décadas de
1950 e 1960. Não se trata de atribuir ao sociólogo francês a emergência do
estruturalismo, no entanto, sua sociologia possui em comum com a corrente
inaugurada pelos escritos do linguista Saussure o fato de secundarizar o papel
da agência e reforçar a influência da estrutura.

De fato, a teoria de Saussure resultou na separação entre significante e


significado, entendendo o primeiro como uma estrutura que independe do
segundo. Essa distinção influenciará de forma decisiva as ciências humanas no
século XX. Roland Barthes, Lévi-Strauss, Althusser, Foucault em seu primeiro
momento, entre outros grandes pensadores serão influenciados pelo linguista.
O caso de Lévi-Strauss é significativo. As pesquisas do antropólogo
procuravam encontrar nas sociedades “primitivas” uma estrutura comum,
formas existentes que independiam da atuação dos indivíduos. Isso pode ser
demonstrado pela proibição do incesto encontrado nas comunidades
estudadas, ela é uma regra de caráter universal, o casamento, é ação da
cultura sobre a imposição da regra.

A corrente estruturalista encontrou problemas em relação ao seu método e


objeto de estudos com o advento de movimentos sociais defensores da
pluralidade e da afirmação de identidades. Maio de 1968 é simbólico para esse
período. Dizer como Lacan que “as estruturas foram às ruas” demonstra,
talvez, um limite para as posições estruturalistas. Outro impacto significativo foi
a emancipação política de países da África e novas posturas políticas e
culturais que emergiam com possibilidades de questionar e refletir sobre o
sentido e significado da “civilização ocidental”. Não por acaso a teoria
estruturalista teve que passar por reformulações, ou até mesmo rompimentos.

Entre os principais questionamentos aos estruturalistas se encontravam a


questão da universalidade das análises, da historicidade e da agência. O pós-
estruturalismo ou neoestruturalismo, carrega do estruturalismo a ênfase na
sincronia, mas, em alguma medida, atribui perspectivas distintas para a
agência. O sujeito secundarizado pelos estruturalistas, retorna diante das
novas configurações sociais. A pluralidade de identidades, as reivindicações de
diversos grupos e os novos movimentos sociais demandam outros enfoques
metodológicos e de objetos. Talvez Foucault seja o maior exemplo da guinada
intelectual do período. De entusiasta do estruturalismo, influenciado pela
genealogia de Nietzsche atribuindo uma forma singular de lidar com a
historicidade, o filósofo francês finaliza sua carreira recorrendo ao sujeito para
escrever sua história da sexualidade. Afinal, seria muito difícil encerrar a
sexualidade sem fazer referência ao modo como o sujeito se identifica e a
percebe em diferentes contextos.

Em um cenário de intensa mudança social, de novas reivindicações e de


necessidade de se posicionar politicamente – como fez Foucault – difícil se
prender às formulações estruturalistas que procuram pelo invariável, sendo que
se encontram no período as variedades. É nesse sentido que emerge o pós-
estrutalismo, questionando a idealização universalista dos iluministas e
mantendo a sincronia como fizeram os estruturalistas, mas acrescentando a
pluralidade, alteridade, questionando métodos científicos universalizantes e
abrindo um novo espaço para o sujeito. Talvez não aquele agente – tal como
pensado por teorias assentadas em Max Weber, como o individualismo
metodológico – mas um espaço em que a multiplicidade de atores são objetos
de análises em seus distintos contextos.

Um exemplo significativo é a leitura que Homi Bhabha realiza de Franz Fannon.


Bhabha destaca nos escritos do filósofo argelino a especificidade da
localização da sua pergunta central: “o que deseja o homem negro?” Não é
mais simplesmente o homem moderno ocidental, mas o “homem negro” que
passou por singulares processos históricos de luta que formam a sua(s)
identidade(s). De tal pergunta verifica-se a importância da subjetividade e do
desejo – para não esquecer a influência da psicanálise – e, portanto, da
importância do sujeito para a compreensão dos fenômenos sociais da “pós-
modernidade”.

Duas teorias que não se referem diretamente ao estruturalismo ou pós-


estruturalismo procuram alternativas para se pensar a relação entre agência e
estrutura. A Teoria da Estruturação do sociólogo inglês Anthony Giddens e a
categoria de habitus do sociólogo francês Pierre Bourdieu.

Bourdieu elabora em sua teoria da prática social a relação entre o espaço


social – estrutura – e a atuação dos sujeitos – campo, habitus. Numa complexa
formulação e relação entre as categorias, o sociólogo desenvolve o argumento
de que os indivíduos se localizam no espaço social e se movem de acordo com
o campo em que atua, possibilitando alterações no espaço social. O habitus
permite a relação do sujeito com o espaço social, por meio dessa categoria é
possível internalizar as determinações exteriores. Nota-se que há uma
alternativa para se pensar sobre a agência e a estrutura, embora não fique
muito clara as possibilidades de os sujeitos modificarem as estruturas alterando
seu campo de ação ou fazendo parte de outro, assim como não se percebe nas
formulações de Bourdieu, a possibilidade de o espaço social ser modificado por
uma atuação consciente dos agentes.

Em Giddens também há a preocupação em relacionar agência e estrutura.


Para o sociólogo inglês, a estrutura requer o agente que além de internalizar as
determinações externas a ressignifique. A estrutura só existe na medida em
que os agentes a coloquem e movimento e lhe atribua significados. Daí a teoria
da estruturalização.

Nota-se que o desenvolvimento das ciências sociais resulta no aprofundamento


da questão da relação entre agência e estrutura. Os estudiosos, com o tempo,
parecem privilegiar a análise que aborda a relação entre as esferas e não mais
um dos lados. Trata-se de importante fundamentação metodológica para
orientar novas pesquisas, escapando tanto do objetivismo de Durkheim e dos
estruturalistas, assim como do subjetivismo presente, em alguma medida, em
Max Weber e nas teorias influenciadas por esse autor. Talvez tenha sido Marx,
entre os clássicos, o que esboçou a relação entre agência e estrutura, se isso,
talvez seus seguidores a tenham deformado com o tempo.
Nota-se a presença dos debates sobre identidade, etnias, cultura e
movimentos sociais, identificando o papel do sujeito na construção de suas
perspectivas e de seu lugar de pertencimento. O agente estável das teorias
predominantes são substituídos pela emergência do agente híbrido, que possui
múltiplas identidades, que vivencia contextos culturais diversos e se encontra
em constante mudança – muitas vezes contraditórias – devido ao acesso à
informação e contato com distintas culturas ou por se encontrar em situações
limites, como por exemplo, as formas de migração e de refugiados que
caracterizam as sociedades contemporâneas. Um indivíduo afetado pelo
contexto do qual emerge o refugiado – geograficamente e culturalmente
flutuante e híbrido – não pode ser fechado numa categoria de classe, por
exemplo, mas relacionado com as diversas situações e contextos culturais,
políticos e sociais que afetam as suas perspectivas, a sua cultura e identidade.
Autores como Stuart Hall e Homi Bahba demonstram essas situações híbridas.

Rever a ideia de retorno do indivíduo, trata-se de uma problematização de


paradígimas, não o sujeito fixo, mas o sujeito híbrido.

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