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A gente saiu da segunda guerra mundial com duas linhas teóricas relacionadas direta e

indiretamente com o marxismo, a escola de Frankfurt, diretamente relacionada e o


estruturalismo indiretamente, como vai dizer o Perry Anderson, indiretamente porque
herda um dos problemas do marxismo, se propõe a resolvê-lo.

Os frankfurtianos, no caso aqui o Adorno, o Horkheimer e o Marcuse trazem um


diagnóstico da sociedade daquele tempo, segundo Marcuse uma sociedade de bem estar
social e mobilização total para a guerra, ele, tendo uma experiência nos EUA via que a
velha contradição marxista entre forças de reprodução social, ou relações sociais ou a
superestrutura, estavam em perfeita conformação às forças produtivas, Adorno, por sua
vez, inicialmente na dialética do esclarecimento e depois na dialética negativa, vai fazer
o diagnóstico de que algo morrera junto com a segunda guerra mundial, nossa ideia de
civilização e de progresso, o trauma parido pelo iluminismo ou pela modernidade fora o
fascismo, o nazismo e seu campo de concentração – seguindo a linha hegeliana, a negação
determinada mostrou-se falha naquele momento – lembremos que a experiência que
assolou toda a Europa ao fim da 1ªGM foi ainda mais terrível na Alemanha, o país que
tinha algo como a maior filosofia, a maior arte e a maior ciência, lembremos que a física
moderna nasceu lá também, do Mundo e foi lá que aconteceu o nazismo. Então os
frankfurtianos estavam pensando, filosofando sobre esse solo devastado, essa terra
arrasada, do fim da segunda guerra mundial e o diagnóstico é de que alguma coisa ali
tinha morrido; inclusive essa postura pode ser lida como oposta àquela do Hobsbawn, ele
vai dizer lá que a 2ªGM foi uma luta das luzes, da Europa iluminista, liberalismo e
socialismo contra o fascismo, os frankfurtianos vai entender de outro jeito, o fascismo foi
uma experiência saída do cerne nas luzes, esse era o diagnóstico já contido na Dialética
do Esclarecimento, as forças que ocasionaram o fascismo foram as mesmas forças do
iluminismo, segundo os frankfurtianos. O que teria morrido ali foi a ideia de progresso,
foi a ideia de um futuro com expectativas políticas abertas – do tempo do Marx até a
segunda GM o que a gente vivenciava era um futuro utópico, fosse o cara revolucionário
ou liberal, as energias emanadas pelo futuro eram as energias de um futuro esperançoso,
viesse ele pela revolução social ou pelo progresso contínuo, tínhamos um acordo tácito
sobre o que nos aguardava lá na frente.

Por outro lado, temos o estruturalismo. O estruturalismo teve um êxito sem precedentes,
ele alcançou boa parte da intelectualidade francesa e reduziu a nada seus adversários
(imagino aqui a fenomenologia e o marxismo), boa parte desse sucesso fora obtido graças
a apresentação de um método rigoroso que prometia a cientifização das humanidades (o
treinador da seleção francesa da década de 60 disse que tava empregando uma
organização estruturalista da seleção). Com a redução do sujeito a um epifenômeno da
estrutura, o sujeito da consciência vai apagar em proveito da regra, do código e da
estrutura. Acontece que o estruturalismo acontece num período de extrema estabilidade
na França, a gente tah falando de uma sociedade de pleno emprego, de um período que o
Hobsbawn chamou de era de ouro

O estruturalismo foi um pensamento que meio que criado no seio do estado de bem estar
social europeu, numa época em que sonho revolucionário estava enterrado. Agora já não
se tratava propriamente de um diagnóstico sobre a sociedade, mas da criação de
ferramentas para se compreender e explicar as sociedades, no começo do estruturalismo
as sociedades que o Lèvi-Strauss se propunha a explicar eram as chamadas sociedades
primitivas ou povos sem escrita. Basicamente o cerne do sistema do Lèvi-Strauss é que
uma sociedade pode ser entendida a partir do seus sistema de alianças, que distribui afetos
e papeis sociais.

Apresentação

Mais ou menos, a pergunta do meu mestrado pode ser resumida por algo como: quais as
condições de possibilidade de um pensamento do tipo o do Zizek?

Daí, duas coisas, primeiro quem é o Zizek e segundo qual o pensamento dele? O Zizek,
nem todo mundo conhece, mas ele é tipo um filósofo pop, tipo um Leandro Karnal ou um
Pondé, só que do mundo, ele escreve uns livros best sellers de filosofia, dá um monte de
entrevista, escreve pra um monte de jornal, tem um monte de vídeo dele. Ele é esloveno,
daí ele, portanto, viveu do lado de lá da cortina de ferro, e a experiência que ele teve com
a união soviética não tem pouca relevância pro pensamento, visto que uma das tarefas à
qual ele se dedica é explorar a ideologia presente na vida soviética, a ideologia do partido
comunista. Esse é a primeira coisa, a segunda é, sobre o pensamento dele. O pensamento
dele é composto basicamente de uma releitura do Lacan por meio do Hegel e de uma
releitura do Hegel por meio do Lacan, mas, nesse meandro, especificamente sobre a
crítica da ideologia ele usa o Marx, mas um Marx meio específico de um cara chamado
Sohn-Rethel, que propõe uma leitura meio kantiana, digamos assim, do Marx e a partir
dessa releitura do Marx com pitadas de Lacan ele propõe as linhas de uma crítica
ideológica que leva em conta alguns fatores que outros teóricos, como o Adorno e o
Sloterdjik, utilizaram pra dizer que a crítica era impossível.

Dito isso, vamos às duas linhas nas quais proponho trabalhar as condições de
possibilidade do projeto da crítica ideológica do Zizek.

Marxismo e estruturalismo

A primeira linha que converge ao pensamento do Zizek é uma linha teórica de um certo
percurso do pensamento filosófico do século XX desde a segunda GM. Nessa linha eu to
seguindo o diagnóstico do Perry Anderson. Segundo esse cara o marxismo trazia em seu
bojo um problema que ele não foi suficiente em resolver. Por um lado nós temos as
contradições entre forças produtivas e relações de produção, a tese do Marx é que quando
as forças econômicas de uma sociedade excedem a capacidade dessa sociedade de lidar
com elas, por exemplo a passagem do feudalismo ao capitalismo, daí a sociedade é levada
a se organizar de um outro modo pra lidar com esse acréscimo nas capacidades produtivas
– dessa linha nós temos um marxismo mecanicista. Por outro lado o Marx fala da luta de
classes, nessa linha nós temos uma sociedade em contradição quanto à sua divisão social
e cabe ao papel de um agente histórico a transformação da história, por essa via, temos o
marxismo humanista. Essa dupla perspectiva o marxismo teórico não conseguiu resolver
e coube a uma corrente de pensamento que nascia no pós-guerra lidar com esse entrave
teórico, o estruturalismo.

O estruturalismo propôs resolver essa contradição abolindo o sujeito, segundo essa


corrente o sujeito era somente um epifenômeno da estrutura. A leitura lèvi-straussiana
supunha que uma sociedade poderia ser entendida sob uma dupla perspectiva, os
mecanismo de aliança ou intercâmbio – as estruturas de parentesco – e os mecanismos de
compreensão ou autocompreensão social – os mitos, isto é, a maneira como essa
sociedade vê ou lê o mundo. Grosso modo, os estruturalistas ou autores de inspiração
estruturalista vão tentar entender o social a partir de uma dinâmica institucional, a qual
promove uma espécie de sequestro subjetivo, ou seja, coloca a subjetividade sob guarda
do regime institucional... daí, o mote do Lèvi-Strauss serve de epítome aqui: “o objetivo
último das ciências humanas não é construir o homem, mas dissolvê-lo”.

Porém, o estruturalismo pressupunha uma certa estabilidade social pra funcionar, diante
das revoltas acontecidas no fim da década de 60, o maio de 68 na França é exemplar,
meio que essa filosofia que imperou na intelectualidade por 20 anos não deu resposta à
altura... a palavra de ordem dos estudantes em polvorosa era “as estruturas não descem às
ruas”. E é na esteira desse movimento que o Perry Anderson vê surgir aquilo que ficou
conhecido por pós-estruturalismo. O qual ele marca por um subjetivismo sem sujeito. O
que ele tah querendo dizer aqui é que enquanto no estruturalismo nós temos estruturas
estáveis que determinam a sociedade, os papeis sociais, os afetos e os modos de
conhecimento, nisso que é chamado de pós-estruturalismo a crítica recai sobre essas
estruturas que intentam explicar o social. Seguindo a linha de Lèvi-Strauss mas dando
uma sacaneada, o que o Derrida vai fazer é ver a leitura do antropólogo sobre o
surgimento da estrutura, esse surgimento depende do acaso e da descontinuidade, como
o fundamento de qualquer leitura possível, qualquer coisa que se leia, depende de uma
estrutura que sustente a leitura, qualquer leitura passa a ser desconstrutível, faltando aí
um centro desde o qual interpretar ou agir.

Nesse momento vamos ficar por aqui, o que gostaríamos de reter desse percurso filosófico
é o problema relativo à oposição sujeito/estrutura que, segundo o Perry Anderson, foi
herdado mas não resolvido pelo estruturalismo.

História do século XX

Junto desse percurso teórico temos a base histórica onde, de algum modo, esse drama se
desenrola.

A partir de um teórico da história alemão, chamado Koselleck a proposta é ler o modo


como a gente experimenta uma época a partir da relação entre dois operadores, o campo
de experiência e o horizonte de expectativas. Grosso modo, cada momento da história
traz consigo um modo como a gente experimenta o presente em sua relação com o futuro.

Um filósofo brasileiro chamado Paulo Arantes denominou, acho que foi ele mesmo quem
o fez, o período do pós guerra de “horizonte de espera da guerra”, ali ele marca o
estabelecimento de uma era de expectativas políticas decrescentes. O que acontece é que
o trauma do fascismo aconteceu no seio da sociedade esclarecida, iluminista e a pior
experiência do fascismo, o nazismo, acontece na sociedade conhecida por sua filosofia,
por sua ciência e por sua arte, a sociedade alemã. O que acontece é que o fascismo coloca
em xeque a ideia de progresso que havia impulsionado isso que conhecemos por
modernismo ou moderno. Fosse do lado dos liberais fosse do lado dos revolucionários,
no período de florescimento do modernismo, ali pelo século XVIII, todos acreditavam
que as energias emanadas pelo futuro eram good vibes, com a segunda guerra mundial
algo como a nossa ideia de civilização vem abaixo, nós estávamos dispostos a matar seres
humanos como piolhos para garantir a unidade nacional, supremacia – o negócio é que
sob a perspectiva da guerra total não se sabia muito bem o que estava em jogo, tava tudo
em jogo. Daí nasce o Dialética do Esclarecimento do Adorno e do Horkheimer – nesse
livro tah expressa a ideia de que são os próprios pressupostos da sociedade que a levaram
a tratam o ser humano como objeto, etc.

Então a civilização sai da 2ºGM arrasada, com seus pressupostos rebentados, aquilo pelo
que fazia sentido viver e lutar no plano sublunar já não fazia mais sentido. A gente vê isso
expresso em algumas pinturas surrealistas, Beckett (Esperando Godot), Primo Lèvi.
Nesse clima bad vibes a gente entra nos anos 50: por um lado os Frankfurtianos
deprimidos porque a civilização havia sido destruída, eles tinham visto o sonho marxista
decair, a tarefa da teoria crítica estava como que encerrada, esse é o diagnóstico do
Homem Unidimensional e da Dialética Negativa. O que os frankfurtianos identificam,
contrariamente ao Hobsbawn até, é que as energias que geraram a

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