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Introdução
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Emmanuel Lévinas, nasceu em 12 de janeiro de 1906 em Kaunas, na
Lituânia, então parte do Império Russo. Veio de uma família religiosa e cresceu
imerso na tradição judaica. Em 1923, ele se mudou para a França para estudar
filosofia na Universidade de Estrasburgo. Durante seus anos de estudos foi
influenciado por filósofos como Edmund Husserl e Martin Heidegger, que eram
figuras importantes do movimento fenomenológico naquela época e aqui surge
a sua primeira inspiração, que deu vida ao seu doutorado, com o título de La
theorie de l’intituition dans la phénomenologie de Husserl (Teoria da intuição na
fenomenologia de Husserl).
Posteriormente aparece a Lévinas um outro polo de inspiração, a tradição
talmúdica, na qual Lévinas se atenta sobre o rosto humano. O Talmude é uma
das principais obras do judaísmo rabínico e contém nele debates, interpretações
e ensinamentos legais e éticos. Lévinas foi profundamente influenciado pelo
estudo do Talmude e pela tradição interpretativa rabínica. O método dialógico e
a ênfase na interpretação e na responsabilidade interpessoal encontrados no
Talmude tiveram um impacto importante em sua filosofia da alteridade e no valor
que ele atribui ao diálogo ético.
Não se pode esquecer de outra grande influência profundamente
marcante para o filósofo, a experiência traumática do Holocausto, que teve um
impacto significativo em sua reflexão filosófica, uma vez que sofreu na pele os
terrores da segunda guerra mundial. A falta de humanismo, as consequências
do totalitarismo e a violência sofridas por Lévinas nos campos de concentração
marcam sua individualidade com uma profunda veracidade, de modo que não é
possível ter profundidade no pensamento do autor sem tomar como referência a
sua biografia.
Para entender a contextualização em âmbito filosófico, Lévinas se
encontra entre os filósofos personalistas, que buscam colocar a pessoa como o
centro da discussão filosófica, fazendo com que a sua singularidade, dignidade
e valor sejam considerados e ela não seja tratada como mais uma em um
conjunto de massas facilmente manipulado. Os filósofos desta corrente tentam
buscar um olhar de alteridade para o indivíduo fazendo com que este seja
reconhecido como singular, se referindo a Lévinas podemos dizer que ele busca
levar até as últimas consequências um personalismo dialógico – mesma linha
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Martin Buber e Franz Rosenzweig – que se dará, no pensamento do filósofo, em
uma ética interpessoal.
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Na terceira seção, é apresentada a importância e o significado profundo
que o filósofo dá ao tema da responsabilidade, visto que sua filosofia tem o seu
apogeu no encontro do face a face. Mostra-se aqui o caminho contrário ao
existencialismo quando se refere a liberdade do sujeito. A responsabilidade é
fulcral, visto que não escolho se desejo ser responsável, mas a presença do
rosto do outro me traz uma obrigação ética de responsabilidade. Através do tema
da responsabilidade o autor une de maneira brilhante o rosto e o mandamento
ético de “não matar”.
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elaborado pelo filósofo para se referir ao outro como sendo igual a mim, não
levando em consideração a sua alteridade), e não para o Outro, Emmanuel
fundamenta o seu pensamento filosófico e inaugura a sua filosofia da alteridade
– alter, significa outro – tomando como base a ética e assumindo sobre o outro
uma responsabilidade profunda, de modo que seu rosto se torna para mim um
apelo ético para a responsabilidade. É importante salientar novamente quando
se fala em Lévinas, que a sua filosofia se desenvolve em meio ao conflito da
guerra e da perseguição racista do Nacional Socialismo, ou seja, a barbárie do
totalitarismo tendo como consequência o sofrimento e a morte de milhões de
rostos fazem com que o filósofo fortaleça a sua visão e convicto utilize uma
proibição ética, dada através da relação, de “não matar”. “O ‘Tu não matarás’ é
a primeira palavra do rosto. Ora, é uma ordem.” (LÉVINAS, 2007. p. 80)
Podemos utilizar a história de dois personagens muito bem conhecidos no
ocidente para ilustrar o movimento ético que a filosofia fez e aquele que Lévinas
almeja fazer para levar uma nova ética ao mundo. Ulisses, que simboliza o
movimento no qual a filosofia ocidental tomou durante o seu percurso, uma
filosofia centrada no ego e que almeja a conquista do ser, no pensamento de
Lévinas. Ulisses seria o movimento de um eterno retorno ao Mesmo e ao Eu,
onde se encontra o principal erro da filosofia ocidental. A outra história, essa sim
de acordo com pensamento do filósofo, é a história de Abraão, que abandona
para sempre seu lar rumo a uma terra desconhecida, elucidando um movimento
do Mesmo para o Outro que em tempo algum retorna para o Mesmo. Segundo
nos traz a história, Ulisses retorna a Ítaca, ou seja, encerra a trama retornando
ao conhecido. Abraão, movido por uma promessa, viaja para o desconhecido,
saindo do seu círculo e indo em direção a uma utopia. Lévinas nos mostra assim
que a filosofia ocidental só poderá ser superada quando transitar da existência
para o existente, do ser para o homem, do conhecido para o desconhecido, do
Mesmo para o Outro.
Ao enfatizar o tema da ética, é importante recordar que se trata de uma
relação de no mínimo duas pessoas, uma vez que, se existisse apenas um
homem no mundo a ética não entraria em questão. Portanto, a ética exige uma
intersubjetividade, sendo que a subjetividade – tema tão explorado por filósofos
contemporâneos a Lévinas como Heidegger e Husserl -, não dá conta de abordar
a ética já que esta está voltada para o sujeito em si mesmo. Aqui se encontra
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uma grande diferença entre o pensamento de Lévinas daqueles que o inspiraram
no ambiente filosófico. Esta saída de si ao encontro do outro, proposta pelo
filósofo judeu, fica mais clara na obra “Totalidade e Infinito”, onde ele vai defender
que a verdadeira filosofia é justamente a filosofia do amor, dado que ser filósofo
não é meramente amar a sabedoria, como apresenta a etimologia do termo
philosophie, mas se trata em ter mais sabedoria em amor, em amar o próximo.
Tendo isso como ponto de partida, Lévinas define a ética como filosofia primeira,
justamente pela importância que se dá à relação entre os seres. Na entrevista
dada pelo filósofo, encontrada na obra Ética e Infinito, é explicado mais
claramente a questão da responsabilidade do rosto, buscando sair do
subjetivismo e caminhar em direção ao Outro.
No livro [aqui ele cita a obra “Do outro modo de ser além da essência”],
falo da responsabilidade como estrutura essencial, primeira,
fundamental da subjectividade. (...). A ética, aqui, não aparece como
suplemento de uma base existencial prévia; é na ética entendida como
responsabilidade que se dá o próprio nó do subjectivo. Entendo a
responsabilidade como responsabilidade por outrem, portanto, como
responsabilidade por aquilo que não fui eu que fiz, ou não me diz
respeito; ou que precisamente me diz respeito, é por mim abordado
como rosto. (Lévinas, 2007, p. 87)
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o seu além, para o que é diferente, e é através dela que se dá a relação com a
exterioridade, em que o Eu aborda o outro sem ser evasivo no seu espaço, ou
sem destruir a sua alteridade, dando abertura para que este Outro também se
manifeste a mim. Esta é, portanto, a saída do subjetivismo. O filósofo vai definir
este argumento como o encontro do face a face. A transcendência tem como
propriedade fundamental a distância que separa o eu do outro. Esta não significa
uma distância comum, mas está relacionada ao próprio modo de existir do
outro."É no face-a-face humano que se irrompe todo sentido. Diante do rosto do
Outro, o sujeito se descobre responsável e lhe vem à ideia o Infinito." (LÉVINAS,
2007. p. 90)
Lévinas defende a ideia de que o que constitui o homem não é a sua
capacidade biológica, ou a sua razão, não obstante sua responsabilidade
incondicional com o outro. O filósofo, leva a sério a questão ética; para ele, esta
não é uma questão qualquer entre os outros temas filosóficos, mas é o que
constitui a própria estrutura de determinação da vida humana, considerada em
profundidade.
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disfarçando. O rosto está exposto, ameaçado, como se nos convidasse
a um acto de violência. Ao mesmo tempo, o rosto é o que nos proíbe
de matar. (Lévinas, 2007, p. 78)
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horizonte que um pensamento dito objetivante ou intencionalizante
poderia alcançar.
De fato, ao notar o zelo que Lévinas tem pelo filósofo e a importância dele
em sua vida, é possível identificar semelhanças em suas abordagens com
relação ao ser. Segundo Duarte:
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Para Heidegger nós somos seres fundamentalmente lançados no
mundo, o que quer dizer que fundamentalmente nós não somos
exatamente alguma coisa. Nós somos já as relações que temos com o
mundo, com os outros e com as coisas. Nós não somos primeiros e
depois nos relacionamos com o mundo e com as pessoas. Todavia, já
somos isso que se constitui no interior das relações que entretemos.
Portanto, nenhum ser é encerrado dentro de si mesmo a priori. (Duarte,
2020)
Seção 3 - Responsabilidade
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O incentivo inicial ao caminho do diálogo sobreveio-lhe principalmente
a partir do pensamento de Martim Buber, para o qual o Eu não é
substância, mas relação: existe somente enquanto se refere a um Tu,
cuja existência é dada pela palavra que dirige ao Eu. (Lévinas, 2007,
p. 8)
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liberdade seria fruto da responsabilidade. Isso faz com que, antes de
qualquer decisão, se pense se esta decisão estará em acordo com
minha responsabilidade pelo outro. (Coutinho, 2022, p. 101)
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e eu mais do que os outros”, esta frase sintetiza bem o seu pensamento, pois a
responsabilidade entendida por Lévinas é onde o Eu suporta tudo, até mesmo a
não reciprocidade da responsabilidade.
Considerações finais
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Visando a sociedade que se encontra centrada na violência com o Outro,
Lévinas propõe uma ética na qual o indivíduo possa ter consciência do Outro
com a mesma intensidade que tem consciência de si. Assim Emmanuel Lévinas
apresenta uma resposta possível para os problemas principais de nossa época,
deixando claro que todo e qualquer ato de violência feito ao Outro faz com que
Eu me descaracterize, pois, a responsabilidade do Eu para com o Outro é o que
me faz ser humano.
Referências
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