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FILOSOFIA DO DIREITO (1).

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FILOSOFIA DO DIREITO
1ª Aula (22/05/13)
2ª Aula (24/05/13)
Razão e decisão no direito: o lugar da subjetividade – Tópicos de Estudo:
- O surgimento da valorização da razão na tradição ocidental

- Os gregos e seu legado

- Razão e fé no período medieval

- Modernidade e racionalidade: as origens do individualismo

- Modernidade e direito: pensamento dogmático e organização de padrões decisórios

- Pensamento jurídico moderno e teorização do direito como compromisso arbitral

- A contemporaneidade: diferença e multiculturalismo como desafios

- O neoconstitucionalismo e o “novo constitucionalismo” latino-americano

- Um direito pós-moderno?

A razão é algo que emerge da natureza ou é fruto de um processo de construção, suscetível a


economia, política, etc? Depende, pois, do contexto histórico, cumprindo um papel ideológico
importante.
Formas de pensamento surgidas no contexto do pensamento grego, trabalho com os pré-
socráticos. Sócrates proporcionou uma virada no pensamento, é um marco. Platão e
Aristóteles, seguidores de Sócrates.
Discussão de Santo Agostinho, São Tomás de Aquino
A busca da eliminação da subjetividade e da criação de um padrão de generalização – O que é
modernidade e seus vínculos com o individualismo
Como se constrói o pensamento jurídico na modernidade
Formas de pensamento moderno, contribuição da Teoria Pura do Direito – A validade, por
exemplo.
Problemas hoje no reconhecimento da diferença, diante do horizonte de fragmentação e a
força do direito em manter essa pretensa uniformidade – Diferentes concepções de bem, de
justiça, questões sociais, instituições.
Neoconstitucionalismo – Pós-positivismo a partir da 2ª guerra mundial
“Novo Constitucionalismo” Latino-americano – A grande novidade. Afinal, tudo vinha da europa
- Autores: Habermas para o pensamento moderno, embora ele considere problemas da
diferença e da inclusão do outro; Michel Foucault; Robert Alexy para o Neoconstitucionalismo;
Rawls; Charles Taylor; etc.
jpallain@hotmail.com ou jpallain@gmail.com
Bibliografia da parte inicial: qualquer livro de história da filosofia, em especial, o livro de
Manuel Garcia Morente: “fundamentos de filosofia”; Will Duran: “história da filosofia”; Danilo
Marcondes: “introdução a história da filosofia”; Wayne Morrison: “filosofia do direito”
Já a 2ª parte é fragmentada, com textos, etc.

3ª Aula (29/05/13)
O que é filosofia? Que tipo de conhecimento é esse? O que a torna diferenciada?
Ela exige um certo rigor e também um certo estranhamento do mundo.
Se acha tudo natural, não há filosofia. A atitude é pueril, de uma criança que estranha
absolutamente tudo.
Uma certa tentativa de controlar e dominar.
Qual a postura de um filósofo? Permanente dúvida, questionamento.
Contexto grego: Até o século V A.C. não havia explicação para nada. As primeiras narrativas
nada tinham de filosóficas. Aparecimentos dos mitos. O papel da mitologia é tão importante
quanto o da filosofia, papel explicativo, destinando-se a pacificar espíritos inquietos. Revelação
dos medos e das angústias que o ser humano possui, como envelhecimento e morte. Papel
pacificador da mitologia. Elemento fundamental do medo e desejo inerente a condição humana
de controlar o acaso e de tudo que é ameaçador.
Mitologia cumpre uma função relevante no processo de pacificação, até o momento em que
ela perde força. Ela declina enquanto narrativa explicativa pacificadora sobre o que acontece
com o mundo, em razão do contexto das colônias de pescadores do mar jônio. Portanto, a
filosofia nasce aí. Nessas colônias, que se tornaram polos comerciais. Com o declínio da
mitologia, nasce a filosofia, forma de pensamento completamente diferente no sentido de
trazer o rigor e uma certa busca por explicações universais. A consciência de universalidade da
mitologia era fundada em crença, diferentemente da filosofia que tenta demonstrar. Pontos
em comum: origem diante do medo, das angústias, de um entorno ameaçador. Os caminhos
percorridos é que são diferentes. Narrativas através de crenças pela mitologia; já na filosofia, a
pretensão de universalização e demonstrabilidade.
Os primeiros filósofos, conhecidos como pré-socráticos (Sócrates é um divisor de águas, pois
introduz uma reflexão ética, preocupada com virtude, justiça, embora ainda de modo
ocasional). Até Sócrates a preocupação era com o mundo físico, natural, por isso os pré-
socráticos eram chamados de fisiólogos. Por que chove? Parmênides, etc. Todas as coisas
possuiriam um determinado elemento, para uns o fogo, para outros a terra, para outros ar ou
água. A combinação entre eles. Busca de qual o ser das coisas.
- Tentativa de introduzir uma forma de pensamento que só se legitima enquanto puder rejeitar
crenças, misticismos, fruto de uma busca pela explicação do ser das coisas. Certa noção de
causalidade, da causa e efeito que até hoje orientam nossa forma de pensamento.
- Discussão já aí entre Heráclito e Parmênides. Heráclito acreditava na impossibilidade de
conhecer o verdadeiro ser das coisas, afinal tudo flui, há uma constante variação. Constante
fluxo. Daí a impossibilidade de captar a essência das coisas, algo incontrolável. Já Parmênides
acreditava em algo que apesar das mudanças permanece. E isso que permanece é a base e
fundamento de tudo que é conceito das coisas e pode ser apreendida. Heráclito pois é
mobilista, enquanto Parmênides é monista. Esse debate tem mobilizado filósofos até hoje. A
pós-modernidade, a crítica ao potencial emancipatório da modernidade, a inspiração é em qual
desses filósofos. Há uma reedição desse debate, entre o relativismo ou o ceticismo. Busca pela
solidez insinuado por Parmênides. A articulação entre fragmentação e unidade, a ideia está
sempre presente em qualquer desses debates. Independentemente de quem maneja, vai obter
o mesmo resultado, isso é o que se almeja.
Obs: discussão dos direitos humanos é pós-segunda guerra mundial.

4ª Aula (31/05/13)
Recordando a aula anterior, a filosofia aparece em sua vertente natural, a priori. A partir das
angústias do ser humano.
A filosofia política, discutindo justiça, bem comum, virtude, começam a aparecer em virtude de
mudanças na forma de organização dos gregos, antes orientados pela tirania e com as reformas
de Péricles se implanta a democracia. Em uma tirania, o pode ser justifica por ele mesmo, não
há por que explicar. Mas, com a implantação de uma estrutura democrática, passa a ocorrer a
discussão. A pauta aparece pois pode ser discutida e fundamentada. Grande divisor de águas:
Sócrates. Filosofia política nas cidades-estados. Transformações políticas, institucionais
ocorridas nesse contexto. Sócrates, grande filósofo, mesmo sem ter escrito uma linha sequer.
A grande importância de Sócrates é no sentido de trazer uma grande preocupação sobre o que
é a verdade do ponto de vista ético. Embora, um sistema filosófico só tenha sido sistematizado
a partir de Platão. Sócrates percebia uma grande diferença entre Doxa (opinião que qualquer
um possa ter, ocasional sobre os diversos temas da vida humana) e o conhecimento fruto de
uma preocupação ordenada rigorosa (Episteme – algo que se possa confiar).
Sócrates caiu em desgraça, terminando como um dos maiores inimigos da cidade. Então,
condenado a morte com cicuta. Pesava contra ele o fato de ser um perturbador da ordem
pública e profanador dos deuses da cidade, com a prática de progressivo questionamento.
Texto chamado “Apologia de Sócrates” retrata esses últimos momentos dele. A filosofia de
Sócrates se confunde com a própria história de vida. Ele não oferece um sistema organizado,
mas uma inquietação de reconhecer a própria ignorância (“Só sei que nada sei”), um universo
inacessível de modo a alcançar a Episteme. Ao consultar o oráculo de delfos questionou quem
seria o homem mais sábio, que respondeu: é ele, Sócrates. O reconhecimento da ignorância é a
maior grandeza possível para o conhecimento.
1ª ideia: o surgimento da filosofia confunde-se na tradição ocidental com as transformações
econômicas observadas nas vilas de pescadores do mar jônico. Transformadas em importantes
entrepostos comerciais, nestes espaços conviveram até o século V antes de cristo, pessoas de
diferentes contextos sociais e distintas localidades do mundo antigo. Esta convivência permitiu
a relativização da mitologia, primeira manifestação explicativa para os fenômenos da natureza.
A mitologia assim como a filosofia nasce de uma necessidade existencial de dar sentido aos
fenômenos naturais explicando suas origens e calculando suas consequências. A filosofia, ao
contrário da mitologia, tem como proposta a universalização de um saber que é orientado por
um rigor metodológico na construção de seus argumentos. As primeiras manifestações desta
filosofia no cenário grego destinavam-se a explicar a sucessão de eventos típicos de um mundo
natural ou físico, daí estes primeiros filósofos serem também conhecidos como fisiólogos. Um
dos grandes debates verificados nesse período refere-se a oposição entre Heráclito e
Parmênides, cujos desdobramentos permanecem até os dias de hoje. Para Heráclito é
impossível conhecer a essência do ser já que tudo de todo ser está em permanente
transformação; Parmênides, ao contrário, acredita na possibilidade de conhecer a essência de
todo ser utilizando-se das ferramentas trazidas pelo intelecto. Esta é uma questão fundamental
para a filosofia antiga e que marca os primórdios das discussões metafisicas.

A história moderna privilegiou os filósofos gregos que defendem algo que permaneça. PLATÃO:
tinha uma vivência da filosofia socrática. Ao contrário de Sócrates que fazia filosofia em
público, resolve-se fechar em quatro paredes. Se Sócrates vivia na rua e isso causou a ira dos
poderosos, Platão decidiu reserva-se em espaço fechado, fundando a sua “academia”, onde
recebia pessoas que também queria aprender. Ele era obcecado por geometria. Existem dois
mundos para Platão, avançando na leitura de Sócrates que tinha apenas angústia. Devemos nos
libertar de tudo aquilo que é informado pelos sentidos, diz Platão. Todos os males se dão em
decorrência do corpo, inveja, raiva, guerra, tudo em decorrência do mundo material, sensível.
Daí a necessidade de desenvolver formas de compreensão da verdade, a partir do intelecto,
mundo supra-sensível. Oposição por entre mundo supra-sensível e sensível (este pode trazer
grandes ilusões). O supra-sensível só se alcança com abstrações, esforço do conhecimento, é o
mundo perfeito das ideias. Ele reitera isso várias vezes, voltando sempre a esse assunta. Mito
da reminiscência, da linha dividida e mito da caverna.
Mito da Reminiscência - Processo de aprendizagem é processo de relembrar, rememorar,
ninguém aprende o que não sabe. Num momento celestial, as pessoas já sabiam de tudo, mas
no momento que ela encarna, ganha corpo, sua mente fica turva, veja a diferença entre mundo
material e das ideias. Portanto, o processo é de reativação do conhecimento que ficou turvo
pelas exigências do corpo. Numa discussão com Meno, ele tenta provar isso por meio da
seguinte ideia: um escravo é capaz de demonstrar o teorema de Pitágoras, dê a ele um
quadrado e peça a ele que obtenha um outro quadrado com área em dobro do quadrado
original. Peça para ele olhar fixamente para a figura, um ponto de partida para a formação, com
o seu seccionamento. As pessoas são treinadas para mobilizar os conhecimentos que elas
próprias já tem, buscando um aperfeiçoamento. Dificuldade de Platão com o mundo dos
sentidos, com a matéria. Obsessão de afastar as exigências do mundo da matéria, se libertar da
inveja, gula, luxúria, para contribuir para a compreensão da realidade. Existiriam diferentes
estágios mentais: ver o mundo não é conhecimento para Platão. Conhecimento se dá com as
abstrações, geometria. E o conhecimento perfeito é aquele que só pode ser alcançado por meio
da dialética. Numa famosa passagem da República: alegoria da caverna.
Alegoria da Caverna: pessoas amarradas, focados para olhar o fundo de uma caverna, até que
um dia, um deles consegue se libertar e perseguir um espaço orientado pela luz, conseguindo
sair da caverna. Quando ele olha pela primeira vez para o sol, fica cego, não enxerga nada, até
que os olhos vão se acostumando e tudo aquilo que ele via antes, vê agora com mais cores e
intensidade. Analogia entre o mundo sensível da caverna e a real manifestação, em outro
plano, em ver a luz. Ele então volta. Talvez esse homem seja Sócrates. Voltando para a caverna,
os demais matam ele. Reflexão sobre qual é o papel do filósofo, que vê a luz. É guardar para si
ou compartilhar esse conhecimento? Discussão que pode ser apreendida a partir daí.
A filosofia nasce como rejeição da mitologia. Em Platão, duas formas diferentes de
argumentação que são tipicamente míticas: reminiscência e alegoria da caverna. Embora a
filosofia ganhe espaço com a perda de força do mito, ele tem ainda importância como
narrativa, ilustração, mas não o de dar sentido por si só a realidade. Diferentes, pois, dos pré-
socráticos que esgotavam o conhecimento na mitologia.
Confirmação do caminho inaugurado por Sócrates. Metáfora do ver a luz, fundamental para a
formatação da sociedade. De ver algo permanente, que não é transitório. Platão é um dos
grandes pilares da modernidade.
Obs: sexta pela manhã não haverá aula!
Próxima aula: Teoria da justiça platônica e Aristóteles.

5ª Aula (19/06/13)
Sócrates – Não tinha pretensão cientificista, mas preocupação com objetividade,
universalização, tendendo a um compartilhamento, o que levaria na modernidade a um projeto
cientificista.
Diferença fundamental entre Sócrates (compromisso com a verdade, o que lhe custou a própria
vida) e os demais, os sofistas. Embora ambos mestres da retórica, há algo que diferencia. Para
os sofistas, não há compromisso com a verdade, estabelecida dentro do contexto
comunicativo. Para Sócrates, essa coerência precisa ser universalizada, o ideal de verdade não
pode ser abandonado, mas buscado. Para os sofistas, é algo irrelevante. A prática socrática é
compromisso com a coerência; para os sofistas, a falta de compromisso com a verdade permite
que eles vendam essa técnica do bem falar, da argumentação, viajando pelas cidades,
oferecendo serviços. Diferenças, pois, acentuadas entre as duas práticas. Em comum, ambas
manejam com argumentação, oratória, etc. Os gregos cultivavam bastante essa ideia de
desempenho, lembrar dos jogos olímpicos.
Sintetizando, Sócrates não oferece um sistema filosófico, ele traz uma angustia, que viria a ser
desenvolvida pelos seus seguidores. Diferença grande entre a aparência e aquilo que é
efetivamente o verdadeiro conhecimento. Distinção entre doxas e epistheme já aparece em
Sócrates, embora Platão tenha acentuado.
Platão – Preocupação não apenas em registrar Sócrates, mas foi profundamente influenciado.
Teoria da Justiça em Platão – o que é justo, bom, desejável? A justiça é vista como uma virtude,
tanto da cidade, como de cada uma das pessoas que integram a cidade. Quanto mais virtuosas,
justas, felizes as pessoas, mais virtuosas, justas e felizes serão as cidades. Projeção da ideia de
justiça da pessoa para a cidade (pólis). Usa a palavra pessoa, não indivíduo, pois indivíduo não
existe até a modernidade, foi criado pela modernidade. No mundo do grego não há concepção
de um ser, fora da realidade, do mundo, como fazemos agora. Para os gregos, as pessoas
integram uma unidade cósmica, tudo faz parte desse todo.
Existência de sábios, artesãos e guerreiros.
Sábios – sabedoria;
Artesãos – temperança
Guerreiros – coragem
Platão então afirma: se existirem pessoas na cidade dotadas de coragem, então haverá justiça.
Igualmente em relação as demais categorias. Quanto mais sabedoria, temperança e coragem,
maior a virtude e justiça da cidade. Projeção da virtude da pessoa para o todo.
Projeto de poder na filosofia platônica, alguns dizem que existe – Ele diz que quem deve
governar a cidade são os sábios. Mas, para o professor, isso não existe. Platão quer trazer a
presença de Sócrates em sua vida, os sábios precisam ser reabilitados, consultados. Por qual
motivo Sócrates foi condenado a morte? Platão não tem a intenção de exercer o poder, mas de
contribuir para a virtude e justiça da cidade.
1ª ideia: Sócrates e os sofistas estão próximos à medida em que as práticas por eles enunciadas
assemelham-se intensamente, dentre essas práticas podemos destacar a argumentação em
torno de ideias que vão sendo formadas em um contexto discursivo. Contudo, apartam-se
radicalmente a prática socrática e a sofística a partir do compromisso com a verdade que
assume tonalidades diferentes em Sócrates e nos sofistas. Para Sócrates, o compromisso com a
verdade é levado a um grau extremo, custando-lhe inclusive a própria vida. Para os sofistas, a
verdade é contextual. Para os sofistas, a prática da argumentação pode ser aprendida e por
isso, ofereciam suas técnicas para aqueles que se dispusessem a pagar.
Qual das duas vertentes a tradição moderna aposta? Sócrates ou sofistas? Modernidade como
projeto de emancipação pela razão, via iluminismo. SÓCRATES! Mas, na contemporaneidade,
parece que os sofistas lembram mais, com as possibilidades de relativização.
2ª ideia: encontramos na filosofia platônica uma preocupação em torno da justiça e essa
preocupação permite a visualização de caminhos para o estabelecimento de uma cidade justa.
Para Platão, uma cidade justa é uma cidade virtuosa e feliz, contudo, a virtude da cidade
depende da virtude cultivada em cada uma das pessoas que integram a cidade, em seus
afazeres. Temos assim, uma projeção das virtudes pessoais, em direção a construção da virtude
grupal e assim, quanto mais sabedoria tiver o sábio, quanto mais coragem tiver o guerreiro e
quanto mais dotado de temperança forem os artesãos, mais virtuosos e justos serão eles, mais
virtuosa, justa e feliz será a cidade.
6ª Aula (21/06/13)
Após Sócrates e Platão, agora o 3º filósofo grego do mundo antigo: Aristóteles, talvez o maior
deles. Ambição de dar conta de todos os debates de seus antecessores. Presença marcante em
todos os interesses da humanidade até aquele momento. Ética, botânica, lógica, matemática,
etc.
Dado biográfico: ele conviveu com Alexandre da Macedônia, isso fez com que ele fosse
praticamente o pensador oficial do poder, encontro importante para ambos.
Possibilidade de acesso a uma grande variedade de espécies do mundo animal, vegetal,
percepção pois de uma universalidade. Obsessão por classificação, taxonomia, colocar as coisas
em gênero e espécie. Isso nasce da experiência aristotélica. Ideia do que é essencial, do que é
acidental. Grande sistematizador, organizador de uma forma de pensamento que se estabelece
antes de sua produção, mas que com ele ganha uma organicidade. Introdução do movimento,
da mudança, algo problemático antes dele. Aristóteles: as coisas são e não são ao mesmo
tempo. Como explicar que uma criança seja a mesma pessoa que um idoso? O tempo opera de
modo a produzir modificações relevantes. O mesmo semente x árvore. Algo impensável para
Heráclito e Parmênides.
Ideia de ato x potência. Todo ser tem uma perfeição em ato, mas traz consigo uma perfeição
em potência. Uma cadeia de potencialidades. Diferença grande em relação a Platão. Platão
privilegia o mundo das ideias. Já Aristóteles valoriza aquilo que efetivamente está no mundo
real. Idealismo platônico x realismo aristotélico. Representação do quadro clássico da Escola de
Atenas, de Rafael.
Teoria da Justiça em Aristóteles aparece em Ética a Nicônoma. A justiça é uma virtude sim, mas
precisa do equilíbrio, algo fundamental. Para Aristóteles, existe prejuízo para a virtude tanto
com a falta, como com o excesso. “A virtude está no meio”; Ponderação – Concepção
aristotélica de virtude. Se para Platão, quanto mais coragem para os guerreiros melhor, para
Aristóteles é preciso ter cuidado, excesso gera prejuízo. Excesso de coragem pode ser
temeridade. A virtude está no equilíbrio entre a falta e o excesso, não é uma virtude, pois,
unidirecional.
Justiça deve ser compreendida de 3 formas diferentes, cada uma atuando de forma distinta nos
relacionamentos:
A) Legal
B) Distributiva
C) Comutativa
O bom e o mau dependem da contextualização. Justo e injusto dependem disso. Bom para
quê?
Leitura triangular da ideia de justiça.
A forma como as pessoas devem se relacionar com a sociedade é dada pela justiça legal,
obedecendo as leis para serem justas. Mas é algo recíproco, a sociedade deve ser justa, justiça
distributiva, tema em voga, relação com cotas, áreas sociais. Por fim, justiça comutativa, das
pessoas entre si, origem da própria noção de direito privado, que os romanos desenvolveram a
posteriori.
Leitura bem mais sofisticada que a de Platão.
Aristóteles foi importante, mas depois dele houve um declínio do pensamento grego, embora
com algumas escolas posteriores, ceticismo, epicurismo, etc.
O próprio ceticismo demonstra essa descrença. Por qual motivo houve depois um período
medieval com um reencantamento do mundo? Após uma curva ascendente, entra em declínio,
por qual motivo? O cristianismo promove uma mudança importante, expansão do império
romano também, ideia de fé regenerativa, basta acreditar em deus, etc. Mudança importante
na agenda do pensamento. Se para ser feliz, deveria estar em praça pública discutindo, como
na Grécia, agora o ideal é a vida recolhida em mosteiros, ideal monástico. Presença da igreja no
cotidiano. Tudo isso era dotado de grande legitimidade, as pessoas realmente acreditavam
naquilo.
Todo o pensamento passava pela igreja católica, vide “O nome da Rosa”.
Processo de apropriação seletiva de todo o pensamento antigo, tudo anterior foi apropriado
pela igreja de forma seletiva, o que interessava era divulgado, o restante escondido.
Cristianização dos clássicos. Platão foi o primeiro deles, pela sua dualidade, favorável a esse
tipo de interpretação.
Santo Agostinho foi o 1º deles.
Aristóteles era um dos proibidos, durante largo tempo, mas mesmo dificilmente foi
domesticado por São Tomás de Aquino.
Patrística de Santo Agostinho, crença na palavra revelada, ele dizia que Platão mesmo antes de
cristo já era cristão. Aquilo que é eterno, do que é mutável, leva a construção da oposição entre
corpo e alma. Dimensão espiritualizada de interpretação do pensamento platônico. O que é
perene, o que é mutável.
Daí Santo Agostinho distinguir a Cidade dos homens (temporariedade, transição, imperfeição,
pecado) e a Cidade de deus (perfeição, eternidade). Para merecer um lugar na cidade de deus,
deveria reconhecer sua condição de pecador, a igreja conduziria a perfeição. Forma de
legitimar a presença permanente das pessoas junto a igreja e da igreja junto as pessoas.
A forma de apropriação de Aristóteles foi mais complicada. Presença dos árabes na Europa
colocou em contraste a tradição matemática, lógica dos árabes a uma tradição idealista do
restante da Europa. Os árabes foram depositários de uma cultura aristotélica. Mudança no que
se refere a astronomia, matemática, já na Europa isso não foi chancelado pela igreja. Os árabes
demonstraram a superioridade técnica e esse terreno da técnica levava a Aristóteles. Coube
então a São Tomás de Aquino a fusão do pensamento aristotélico ao ideal da igreja católica.
Fusão entre teologia e filosofia. Dificuldade até hoje entre técnica e religião. A religião ganha
espaço exatamente naquelas áreas em que a técnica não dá conta. São Tomás de Aquino:
ambas são caminhos possíveis para a verdade, mas a teologia teria um poder que a filosofia não
tem. A capacidade de dar nitidez a forma de pensamento que a filosofia não alcança. Pela
filosofia, ex: Recife é uma cidade da américa do sul. Para a teologia, Recife é uma cidade que
fica no nordeste do Brasil, dentro da américa do sul.
Ele considera ambas, mas demonstra uma superioridade da teologia, pois a verdade dela seria
mais clara, nítida, devendo se impor. Se a resposta entre elas for contraditória, a filosofia tenha
se perdido, então a teologia está lá como padrão de correção.
Estrutura de subordinação da filosofia pela teologia.
Prova da existência de deus: ato x potência de Aristóteles. As pessoas em ato são pessoas, mas
em potência são deus. Afirmação da fé como padrão de vida.
A forma de pensamento consagrado pela idade média impôs uma forma de encantamento com
o mundo, desprestígio da razão enquanto demonstração. Afinal, como demonstrar a fé?
Na modernidade é que houve um novo desencantamento. Ceticismo na modernidade, mas
lembrar da presença dos livros de auto-ajuda.
1ª ideia: o período conhecido como antigo traz como último grande pensador a figura de
Aristóteles, que é conhecido pela sua capacidade de sistematização e organização de todas as
formas de pensamento anteriores a ele. Sua convivência com Alexandre da Macedônia permitiu
uma percepção bastante diferenciada da diversidade existente no mundo físico e natural. Uma
das maiores contribuições do pensamento aristotélico refere-se a explicação do movimento a
partir da doutrina do ato e potência.
Na Teoria da Justiça Aristóteles compreende a justiça como uma virtude relacional e, portanto,
a contextualização da virtude exige que a justiça seja vista de 3 formas diferentes, por isso
podemos pensar em justiça legal, justiça distributiva e justiça comutativa, como formas
distintas de justiça que variam em função dos diferentes e possíveis modelos de
relacionamento na polis. Após Aristóteles, o pensamento grego entra em declínio e
encontramos a partir daí, algumas modificações na sociedade grega que viriam a favorecer
novas agendas de pensamento, dentre essas modificações, encontramos o advento do
cristianismo e a expansão territorial romana, que associados viriam a introduzir o padrão da fé
como determinante para as explicações físicas e éticas.
O período medieval assim representa um novo momento de encantamento do mundo, tendo a
fé na palavra revelada a sua mais importante manifestação de pensamento. Pode-se considerar
que o período medieval caracterizou-se também por um processo de apropriação seletiva do
pensamento grego, destacando-se nesse contexto Santo Agostinho, responsável pela
cristianização de Platão e São Tomás de Aquino, com notável esforço de compatibilização da
filosofia aristotélica com a teologia medieval.

7ª Aula (Dia 26/06/13)


O ideal de vida ativa grego foi substituído pelo ideal de vida contemplativa.
O que determinou, após, o último processo de desencantamento?
Aconteceram transformações não apenas no campo religioso, mas também no estético, da
técnica, cada um contribuiu para a redefinição de um ideal de verdade/felicidade em uma
direção oposto aquela consagrada pela idade média.
Estético – Renascimento, a própria denominação sugere algo interessante, resgatando algo que
já apareceu na história e foi esquecido; se a idade média tem como padrão a reprodução de
trechos bíblicos, com o renascimento isso muda, retratando uma natureza humana no seu dia a
dia, singelas, de um artesão, comerciante, vide a Monalisa, Davi de Michelangelo (valorizando a
perfeição da forma humana). No período medieval somos dignos enquanto filhos de Deus. No
Renascimento, o valor é por ele ser um ser humano perfeito nas formas, digno de respeito em
si mesmo, buscando resgatar toda a cultura grega e romana. Carga humanista e antropomórfica
do Renascimento, isso marca o processo.
Religioso – Reforma Protestante, releitura das escritas sagradas, afastamento de todo e
qualquer intermediário, fé como atributo do indivíduo e não de uma estrutura de poder. Por
isso, a rejeição de santos, da estrutura de poder da igreja católica. “O espírito do capitalismo e
a ética protestante”, de Weber, busca explicar isso aí. Emancipação, felicidade, trabalho como
algo que dignifica o homem no âmbito do protestantismo.
Técnica – Revolução técnica, científica, daí a fogueira da inquisição buscando repreender isso.
Esses três aspectos revelam um ponto de crítica a estrutura de poder fundada na crença, na
palavra revelada pela igreja católica, anunciando algo de novo. Todas tem um ponto em
comum: a noção de indivíduo, o individualismo, ser que não se fragmenta, fundamental na
lógica da modernidade. O renascimento valoriza o indivíduo como forma; a reforma
protestante mostrando que a fé passa pelo indivíduo; a revolução técnica pela percepção que a
razão é atributo do indivíduo.
Qual o correspondente do individualismo na política? O liberalismo enquanto estrutura que
valoriza o indivíduo. E na forma econômica? O capitalismo. No direito? O constitucionalismo,
pois mesmo as sociais nasceram enquanto compromisso fundamental com os direitos
fundamentais, a liberdade e tudo que interessa ao indivíduo. E a noção de verdade?
Cientificismo. Tudo corresponde a acontecimentos históricos, a partir de transformações
sociais, políticas, econômicas. Tudo isso é fruto de uma verdade que não se questiona, mas é
fruto de uma construção histórica, genericamente aceita pelo senso comum, enquanto verdade
que não se põe em xeque. Fukuyama: anunciou o fim da história com a queda do muro de
Berlim. O que talvez revele algo: a ausência de alternativas, de modelos que rompam com
sucesso com tudo isso aí.
1ª Ideia: O processo de desencantamento do mundo que resultou na formatação da
modernidade decorre de um conjunto de transformações verificadas em pelo menos 3 planos
distintos. O primeiro deles verificado no plano estético, o segundo no plano religioso e o
terceiro no plano técnico-científico. No plano estético o renascimento é responsável pela
introdução de uma pauta humanista, cujo efeito viabilizou a valorização do ser humano em sua
dimensão especificamente existencial. No plano religioso, a reforma protestante contribuiu
para a percepção de que a fé é uma manifestação eminentemente individual, não dependendo
de intérpretes nem de intermediários, para o seu exercício. Por fim, a revolução técnica que
consagra a razão como atributo de um indivíduo capaz de conhecer o seu entorno. Essas 3
manifestações de pensamento possuem em comum além da crítica a igreja católica e as formas
de pensamento por ela consagradas a valorização do individualismo, categoria fundamental
para a compreensão da modernidade.
Filmes indicados: “Sócrates” “O nome da Rosa” “Lutero”

8ª dia (03/07/13)
Referência teórica: pai da modernidade é o Rene Descartes. A contribuição dele é muito
importante, próximo a revolução técnica e científica. Época de incerteza e transição, qual seria
o ponto de apoio para construir um pensamento consistente, digno de confiança? Os gregos
rejeitaram o mito; a igreja disse que o caminho da felicidade era a fé; e agora? Ênfase na razão,
a partir de uma lógica de compartilhamento de informações. Ele viveu uma transição do
período medieval para o período moderno, contribuindo no sentido de tentar incorporar a
própria dúvida e incorporando-a a forma de pensar. Livro discurso do método. Análise da forma
de pensamento mais segura entre tantas. Podemos imaginar que tudo que vivemos não passa
de um sonho ou que aquilo que é percebido sensorialmente é uma ilusão, então no que se
pode confiar? Ainda, pode-se imaginar que um gênio maligno controla nossas vidas,
justificativas para um deus onipresente e onipotente. Esses argumentos revelam uma grande
inquietação. Construindo a ideia do “penso, logo existo”, desconfiança, consciência que duvida
de tudo isso. A consciência que se individualiza é o caminho para a construção da verdade,
graças a isso afirma-se a importância da subjetividade, sujeito que não se confunde com o
objeto. Sujeito x objeto – instâncias separadas e a conexão entre eles se dá por meio do
método. A ciência moderna define o objeto (delimita o campo de investigação), o sujeito
(consciência racional) e a forma de acesso desse sujeito ao objeto com a escolha/definição de
método próprio de investigação (rigor). Tira a pessoa do contexto investigado. Ex: médico ao
estudar o corpo humano não estudo o próprio corpo. Reflexos não apenas nas ciências
naturais, mas também nas humanas/sociais. Descartes foi fundamental para a construção de
um novo referencial, ficando o ser humano fora da própria história, o resultado seria o mesmo,
sendo o método seguido. Desenho fundamental do sentimento de cientificidade da era
moderna. Leitura iluminista do que seria a felicidade, a verdade. Enciclopedismo, outro
movimento importante da época, desejo de reunir todas as informações do mundo em uma
única obra.

9º dia (10/07/13)
Origens e evolução do Estado
Estado é criação da modernidade, o que ele tem em comum com as formas pré-modernas é o
fato de ser um modelo de organização política e econômica, semelhante nesse ponto as tribos.
Existe poder também.
A forma de organização da modernidade, tida como exemplar, é o Estado, conceito em crise e
que não é ad eternum.
Como surgiu o Estado e o que ele representa para esse projeto moderno?
Ao final da idade média, diferentes reinos, mas um Rei sem força e sem poder, tendo em vista
que o poder era exercido pelos senhores feudais. A função do Rei era decorativa, o exército
fragmentado. A função do Rei era dar uma certa unidade territorial, nada mais. Havia uma
pretensão de ingerência para formar uma autoridade única em todos os territórios cristãos,
objetivo do papa. Diante disso, o Rei se fortalece e consegue fundar o Estado moderno,
desenvolvendo uma luta dentro e fora do seu território, aliado a incipiente burguesia e contra a
nobreza feudal (dentro) e contra o sacro-império Romano-germânico (fora).
Questão da soberania, que pode ser decomposta em interna e externa (embora a soberania
seja única). No plano interno, sentido afirmativo, poder incontrastável, que se afirma sobre os
demais. No plano externo, poder capaz de neutralizar instâncias que não passam por sua
vontade, as ingerências do sacro-império romano-germânico. Plano interno, subordinação e
hierarquização. Plano externo, horizontal, nenhum Estado é mais soberano que o outro.
Soberania é qualidade que o Estado tem ou não, não admite graus. Plano interno, mecanismos
de subordinação; plano externo, mecanismos de coordenação.
Um Estado é soberano quando consegue, internamente, pôr sua vontade. Ex: exigir Imposto de
Renda. Executar. Persecução criminal. Imposição de suas diretrizes.
Um Estado é soberano quando consegue, externamente, reagir, afastar ingerências externas.
Nascimento de outras categorias desse momento aí.
Qual a novidade institucional trazida pelo Estado? A diferença está na unidade que se pretende
estabelecer entre os elementos constitutivos, costurados pela soberania. Domínio sobre espaço
territorial e obediência de um povo. Povo, território e governo (qualificado pela soberania).
Ideia de nacionalidade decorre do povo; territorialidade, do território (ideia falida, Estado não
consegue dominar todos os assuntos que interessam a ele com base na territorialidade, vide a
internet).
Se a ideia é promover uma racionalização do poder, um espírito que busca explicar o que está
no nosso entorno com padrões universalizáveis, o Estado vem para construir o arcabouço
necessário. O Estado nasce como absoluto e incontrastável, não chegou aí a era do
constitucionalismo. Como as CFs contribuem ainda mais para a racionalização de poder e aos
compromissos individuais e liberalistas.
1ª prova até aqui --------------------------------------------------------------------------------------------
Estudar por Danilo Marcondes ou Will Duran ou outro
Essa parte final, com TGE

Aula Dia 17/07/13 – Apenas amarrando o conteúdo da 1ª prova


1- Caracterize a atitude filosófica
2- Que fatores contribuíram para o desenvolvimento da filosofia no contexto grego
3- Que relações existem entre filosofia e mitologia
4- Como caracterizar a filosofia desenvolvida pelos pré-socráticos
5- Qual a relevância do debate monistas x mobilistas
6- Qual o significado do “conhece-te a ti mesmo” na filosofia socrática
7- Caracterize a dimensão socrática da filosofia platônica
8- Qual a relevância das oposições e dualidades na construção do pensamento platônico
9- Caracterize os elementos da reflexão platônica no que se refere a justiça
10- Qual a contribuição de Aristóteles para a compreensão da justiça
11- Como caracterizar a transição do período antigo para o período medieval
12- Quais os compromissos fundamentais da filosofia medieval
13- Em que consiste o processo de cristianização dos clássicos empreendido pelos filósofos
medievais
14- Caracterize a fusão do pensamento platônico com a teologia medieval empreendida por
Agostinho
15- Qual a contribuição de Tomás de Aquino quanto ao resgate do pensamento aristotélico
16- Que fatores contribuíram para o esgotamento da lógica medieval
17- Em que sentido o renascimento promove uma ruptura com a tradição medieval
18- Qual o papel da reforma protestante no que se refere a formatação da modernidade
19- Em que sentido podemos compreender o Estado enquanto expressão típica da modernidade

Aula dia 26/07/13


Temas da aula:
Ruptura do Estado Liberal para o Estado Social?
O que é o pensamento jurídico no horizonte desse nosso Estado moderno.
Linha evolutiva que nos permite ver transformações nos modelos de Estado, com algo em
comum: sempre o privilégio do modelo estatal, em torno de pessoas, território, uma jurisdição,
isso permanece desde o Estado absoluto até o neoliberal
Mudanças – respostas dadas diante das transformações sociais, o que gerou um esforço
institucional.
Antes do Estado Liberal, modelo absolutista. Depois, o social, em seguida o neoliberal.
O Estado social nada mais é do que um modelo do próprio Estado liberal, não há uma ruptura.
A ideia é legitimar o modelo liberal, com alguns elementos sociais.
A partir das reivindicações dos movimentos operários, proletariado, passagem do modelo
liberal para o modelo social. A ideia de propriedade privada – Direito fundamental no Estado
liberal, isso permanece até os dias de hoje, integrando a noção de dignidade humana. No
Estado social, ela permanece, propriedade privada, mas com outra leitura, outra cara,
permanece como categoria relevante, mas sobretudo é função social. Não se fala mais em algo
absoluto, mas sim em função social da propriedade. O Estado chancela esse direito, desde que
exercido de acordo com os seus interesses. Se exercer de forma contrária, o Estado dá a
destinação que achar interessante. A propriedade passa por uma acomodação, uma limitação
em seu exercício. O Estado é que determina o tipo de utilização que convém.
Liberdade – no sentido de liberdade contratual, no Estado liberal, pode do jeito que quiser, nas
condições que quiser, desde que haja o encontro de vontades. A autonomia da vontade é
plena, desde que o outro contratante também o queira. Essa ideia desaparece no Estado
Social? Não. Continua existindo, mas assim como acontece com a propriedade, não pode a
pretexto da autonomia da vontade fazer tudo do modo que bem entender. O Estado passa a
fixar, delimitar, balizar, dirigir a autonomia da vontade. Daí a noção de dirigismo contratual. A
liberdade cede a interesses outros que não os privados.
Separação de Poderes – No Estado liberal, apareceu para manutenção da burguesia no poder,
objetivando exatamente a fragmentação dos poderes. Ela é rígida, bem marcada, no Estado
Liberal. No Estado Social, passa a ser capacidade normativa de conjuntura – Os poderes se
especializam, mas também fazem coisas de outro poder. O Judiciário “legisla”, também, por
exemplo.
Normas programáticas – Fenômeno típico do Estado social, não do Liberal (que não tem meta
ou objetivo a ser observado). Decorre de um modelo de Estado que se propõe a interferir na
dinâmica social, selecionando uma rota ou caminho a percorrer. Não faz sentido falar nisso em
um Estado Liberal. O Estado Liberal é mais honesto, pois não promete nada. O Social é cínico,
voltado para a manutenção do poder, do capitalismo.
Ao colocar isso aí, houve mudança efetiva entre o Estado Liberal para o Social? Não, não houve
ruptura, a burguesia passa de mercantil para industrial e, no neoliberal, para a financeira. As
relações de poder não foram substantivamente alteradas. Apesar das mudanças de leitura, algo
essencial permanece intacto, que é o funcionamento e organização social a partir dos aspectos
políticos e econômicos. O acordo fundamental de como a sociedade deve funcionar
economicamente, não muda. Sistema econômico continua capitalista e individualista. O que
explica coisas como “reserva do possível”, “disponibilidade orçamentária”, etc. Direito a saúde
e educação tidos como caros, dependeriam de prestações positivas. Mas isso é verdade? Não.
Direito a segurança é caro também. Custo para a liberdade existe também.
Há uma estratégia de legitimação, a partir dessa mudança de discurso, convertendo o liberal
em social. A ruptura grande só existe do Estado Absoluto para o Liberal. Desde esse último, a
estrutura econômica e política é a mesma. Pacto econômico, liberal, burguês, consagrado
desde a Revolução Francesa, se mantém.
No Estado Liberal, nascem as Constituições, a Teoria Jurídica Moderna, surgindo com uma cara
de organização e racionalização de normas jurídicas colocadas por decisão. E a cara da
dogmática jurídica no Estado Liberal é eminentemente privatistas. O Marco fundamental é o
Código Civil Francês, o de Napoleão, que deu origem as escolas jurídicas hermenêuticas, de
como o Direito deve ser interpretado (impossível pensar nisso, sem considerar que elas nascem
a partir de um projeto de poder).
Quando funda-se o Estado Liberal Clássico, fixação dos Direitos de Liberdade, propriedade, etc,
finalmente fixados em um texto: Código de Napoleão.
Teorias, como interpretar o direito?
1ª – Exegese: conservar a integridade do texto, assim a função do intérprete é arrancar o
sentido que já está expresso no texto, a partir de uma análise literal, gramatical. Não cabe
poder de criação do juiz ou estabelecer algo que não esteja no texto legal. Essa era a única
forma de assegurar a sedimentação das conquistas da revolução francesa, pois muitos juízes
eram simpáticos a causa monárquica, como impedir que eles buscasse um retrocesso? Amarrá-
los. Parlamento como legítimo representante do poder, a serviço da burguesia, dando força
grande ao texto. Um dos mitos era de que o direito era pleno, traz resposta para tudo. Direito,
leia-se texto, lei. Para isso, o Código deveria ter resposta para tudo. Cabia ao intérprete
procurar a resposta que estava ali. Contudo, isso não é simples, muitas situações fáticas não
tem correspondência textual. Progressivamente associação das noções de direito, lei, texto,
positividade. E naqueles casos em que realmente não haja previsão? O reconhecimento disso
só foi possível graças a percepção de que existem lacunas no direito, que precisam ser
enfrentadas. Diante de uma lacuna, o juiz não pode se eximir, não responder por falta de lei,
um dos princípios fundamentais: proibição do non liquet. O problema é do próprio Estado, não
do jurisdicionado.
2ª – Livre Investigação Científica - Nesses casos de lacuna e somente neles, o Juiz estaria
autorizado a criar o direito, à margem do texto, eventualmente. Abrandamento na rigidez da
escola da exegese, com estabelecimento da livre investigação científica, que pressupõe a
presença de lacunas. Em nome da manutenção de um parâmetro de decidibilidade de conflitos.
Autorização da criação do direito, ganha força em 1906 com a escola do direito livre.
3ª – Escola do Direito Livre (1906) – compromisso não com a interpretação fiel do texto, mas
com a realização da justiça. Lei não é referencial vinculante.
Obs: existe uma diferença entre essas 3 escolas? Sim. Diferença no plano da separação de
poderes, há por trás disso aí uma disputa de poderes, envolvendo o legislativo e o judiciário. A
quem cabe a prerrogativa de definir o conteúdo do direito? Atualmente, há essa disputa. O
processo de criação do direito é curioso. Consideração de subjetivismo, sem uma ideia de
justiça delimitada, algo problemático, pois; diferença do ponto de vista das fontes do direito,
ora valorizando lei, ora costume; diferença nos valores consagrados pelo direito, ora prestígio
da segurança, ora da justiça. Talvez essa última seja uma falsa dicotomia segurança x justiça. A
ideia de justiça não está ausente no referencial da escola da exegese, extremá-los é algo
drástico em demasia. A maior expressão de justiça seria respeitar a própria lei. Diferenciação de
interesses sociais, passando por um processo de não mais homogeneidade, aí a necessária
incorporação no discurso de legitimação. Mesmo nesse caso, a ideia de justiça não está tão
dissociada da segurança, pois aquela seria alcançada com esta.
Obs: costume é fonte formal, embora mais próximo da materialidade. A fonte formal tanto
quanto a lei. Na lei a vigência sempre vem antes da eficácia. Na lei a eficácia deriva da vigência.
No costume, é exatamente o oposto. A diferença está na força existente nos diferentes
sistemas. A ideia de costume como fonte material ou que não é fonte, vem da exegese, como
se o direito se resumisse à lei. Associação com a teoria das fontes nessas escolas. Na escola da
exegese, o costume é o secundum legis, de acordo com a lei. Na 2ª, fala-se no costume praeter
legem, para suprir a lacuna da lei, como formas de solução de conflito. Na 3ª, o contra legem.
Costuma-se pensar o direito a partir do binômio segurança (previsibilidade) x justiça, essa
tensão é uma obsessão. Quem quer que pense o direito no horizonte da modernidade,
preocupa-se com essa discussão.
A função do direito é garantir quais valores? Qual o sentido em pedir justiça?
É difícil pensar o direito afastado da noção de segurança, a segurança como previsibilidade é
fundamental. Mas a tensão é grande. Quanto mais segurança, menos justiça. Afinal haveria a
necessidade de um padrão de decisão. E vice-versa. A grande obsessão talvez tenha sido de
conciliar esses dois ideais na modernidade, vide Teoria de Alexy, que diz ser possível controlar
decisões, fundamentando valores. Emblemático falar em livre investigação científica, desde que
obedeça um referencial controlado, vínculo com segurança de um lado, com justiça de outro.
Se a justiça não tem conteúdo, não passa de uma bandeira de legitimação.
É possível pensar o direito sem segurança? Só se preocupa com segurança, controle, quem tem
algo a perder.
A justiça é a palavra mágica, difícil de ser precisada, apenas para legitimar discursos. Direito
trabalha com conservação, não com emancipação. Quando ela entra no direito, é negação do
direito.
Obs: se existem diferenças nos poderes, fontes, valores, existe algo em comum entre as 3
escolas? Sim. O caminho utilizado, uma ideia de racionalidade. Tudo em nome da razão. Todas
as 3 trabalham com um modelo axiomático-dedutivo, encadeando premissas. Premissa maior,
premissa menor, conclusão. Premissas encadeadas que levam a um resultado, extraindo um
dever-ser concreto, uma decisão. A despeito das diferenças ideológicas, papéis diferentes de
Estado, das fontes, há esse contato. Por qual motivo elas não abrem mão da racionalidade?
Será que essa racionalidade cumpre também um papel político, para blindar o argumento? Em
nome dela pode dizer que a lei é melhor que o costume, vice-versa. Que o poder legislativo é
mais importante que o judiciário, vice-versa. A função do argumento racional é o de esconder
ou ocultar essa dimensão subjetiva de todo o ato de decidir, blindando o argumento de modo
que ninguém discuta o que é racional. Não se discute o que é natural, evidente, e essa é uma
forma de naturalizar o debate.
Aula dia 31/07/13
Existe uma constante no pensamento jurídico consagrado pela modernidade. Isso se explica a
partir de uma diferença muito clara entre propósitos jurídicos que a teoria apresenta. Existem
propósitos políticos na base de cada uma das teorias acerca da importância das fontes, etc.
Tensão entre 2 valores – segurança x justiça
Todas as elaborações são tributárias da ideia de racionalidade
Será que é possível pensar o direito desconectado da racionalidade? Questão.
Problema das lacunas no direito e forma que nós temos de lidarmos com elas. Se existe uma
lacuna, o juiz precisa decidir. Tem que criar, integrar o direito:
- Princípios gerais do Direito – Algo que orienta o Direito. No contexto das lacunas, são
princípios reconhecidos principalmente pelo direito privado, não se confundem com a ideia de
princípios no plano constitucional (que representam verdadeiras normas). Os daqui, são
princípios que servem para eliminação das lacunas, impossibilidade de decisão. Não são
positivados, são encontrados por meio de uma indução e depois via dedução, uma dupla
operação. Depois de encontrado, deve ser aplicado na situação X. Esse processo é racional?
Sim. Mas, há espaço para a subjetividade? Sim. O Juiz poderá encontrar outro.
- Costume – Fonte formal do Direito, involucra, traz a fórmula de um dever ser. A lei, lembrar,
não é a norma, é apenas o texto por meio do qual encontramos a norma. O mesmo acontece
com o costume. É o invólucro por meio do qual encontramos um juízo do dever-ser.
Conjugação de 2 elementos: objetivo (prática reiterada de atos) e subjetivo (convicção de que
aquele ato precisa ser praticado). Para ser mecanismo de integração do direito, precisa desses 2
elementos. Lei, não se prova a existência; Costume, sim. Quantas vezes precisa praticar, para
ser reiterado? Não existe fixação disso. E a convicção, como demonstra? Há uma ilusão de que
o direito por ser legislado é mais seguro quanto a existência de direitos, enquanto o do
Common Law seria mais volátil. Contudo, o direito costumeiro precisa ser reconhecido pelos
tribunais, logo é mais difícil de ser modificado. Aqui, basta uma canetada. Amplo espaço para a
subjetividade no costume, seja pelo elemento objetivo no quantitativo de vezes ou no
subjetivo. Espaço pois de criação do direito.
- Analogia – Norma N previu situação X, aplicada a Y, não prevista por N. Para isso, X e Y
precisam ser análogas, próximas, semelhantes. Mas, qual a medida da proximidade?
Dependerá dos elementos essenciais. E quem vai dizer quais são os essenciais? Busca-se
construir uma argumentação reforçando a presença desses elementos. Trabalho de construção,
que demanda decisão no final. O processo que parece ser objetivo, envolve ampla possibilidade
de manifestação de subjetividade, não é imune a preferências pessoais. Por isso mesmo, é
expressamente proibida em campos do direito, como o Direito Penal.
- Equidade – Juízo de justiça, juízo de igualdade, equivalência, ponderação. Pura e
simplesmente, possibilidade de decidir de acordo com sentimento de equiparação. Abandono
muito claro do referencial de objetividade.
Todas essas formas envolvem um processo de manifestação da subjetividade, pois.
Diante de uma lacuna, qual dessas formas o juiz deve utilizar? Existe ordem? Não. O Juiz
escolhe livremente.
Outra coisa: o fato de encontrar uma lacuna é em si mesmo subjetivo. Um outro Juiz pode
identificar uma lei para regular e não identificar a lacuna. Manifestação da subjetividade a
própria visualização da lacuna. Mais, a forma de integração é discricionária. E ao escolher,
espaço de subjetividade, novamente. É um processo político. Embora o discurso do direito, seja
no sentido de controlar, é um esforço inútil. A própria teoria é subjetividade.
Talvez o direito tenha uma pretensão muito grande de ser uma razão, objetividade, que ele
mesmo não dá conta. Direito é manifestação política, embora com pretensão maior.
Síntese: As formas de integração do direito geralmente utilizam mecanismos destinados ao
controle de decisões, diante das lacunas, dentre essas formas podemos destacar os princípios
gerais do direito, o costume, a analogia e a equidade. Percebemos contudo, que cada uma
dessas formas permite a subjetividade do intérprete, da mesma forma que a própria
identificação de uma lacuna e de um método de integração, revelem a subjetividade do
intérprete.
- Percepção do direito como ciência – Direito é ciência?

Aula dia 02/08/13 (páginas 18 a 24)


Quando se fala em cientista, pensamos em alguém que faz experiências, não necessariamente
ele está resolvendo os problemas da humanidade. A função dele é observar e descrever o
resultado de seu universo escolhido, a partir de um método. Um Juiz faz ciência quando decide
um caso concreto? Sentença é produção científica?
Quando se chega na modernidade, preza-se pela cientificidade, logo o Direito só teria valor, se
houvesse uma leitura científica. Cabe a pergunta: o direito conseguiu fazer isso? Consegue se
estabelecer como ciência? Um sociólogo descreve um fenômeno, historiador, físico, químico,
todos descrevem. Mas, nós no direito temos um problema sério: trabalhamos com prescrições,
não descrições, o que dificulta o desenvolvimento de uma cultura científica nessa área.
Obs: monografias de Direito – cunho muito mais persuasivo do que descritivo.
No horizonte do pensamento contemporâneo, alguém se preocupou muito intensamente com
esse debate de Direito como Ciência. Lembrar de Kelsen, Teoria pura do direito, padrão de
cientificidade para o direito. Kelsen continua influenciando o pensamento contemporâneo, se
se quer superá-lo, precisa de um outro referência.
Teoria Pura do Direito – Preocupação de pensar o direito como ciência. Kelsen quer distinguir
direito como ciência e direito positivo. Estudar direito não significa estudar metodologicamente
um objeto. Ciência do direito x direito positivo. Se insurgir contra um sincretismo metodológico.
Pureza, depurar a teoria. Teoria pura do direito, não é teoria do direito puro. Referencial
metodológico científico para o direito, esse foi o objetivo de Kelsen. Ideia fundamental que
perpassa todos os capítulos de Kelsen, embora não seja ideia dele, é a distinção entre ser e
dever ser. Em todos os capítulos, essa ideia fundamental, essa oposição estará. O argumento
principal é de que não há comunicação entre o mundo do ser e o mundo do dever ser. Todo
dever ser fundamenta-se em outro dever ser. O mundo do ser refere-se ao mundo dos fatos; o
do dever ser, das normas; no mundo do ser, trabalhamos com descrições; no mundo do dever
ser, trabalhamos com prescrições; no mundo do ser, tudo que fazemos é descrever fatos e se
isso é verdade, o olhar que alguém tem não é igual ao olhar das normas, uma descrição poderá
ser verdadeira ou falsa, mundo do ser trabalha com juízos de verdade; no mundo do dever ser,
não se fala em verdadeira ou falsa, o juízo é o de validade. Direito obedece a uma estrutura
piramidal, o que indica tanto do ponto de vista quantitativo, quanto qualitativo. Ordenamento
como pirâmide, do ponto de vista quantitativo quer dizer que em cima tem menos normas e
em baixo mais normas, evidente. Mas, existe uma consequência qualitativa: normas em menor
número são diferentes das que estão em maior número na base da pirâmide. Há um grau de
abertura maior dessas normas em cima dos que estão na base. Quanto mais para cima, mais
abertas, mais abstratas. Mais para baixo, mais concretas, específicas. Sentença em quanto
norma, precisa ter um fundamento de validade, uma outra norma. Em época de
neoconstitucionalismo, pós-positivismo, não há incompatibilidade de aplicação de princípios,
pois ele está obedecendo a pirâmide, aplicando diretamente a CF. A obediência hierárquica
resta intacta. Onde está o fundamento da CF? Por qual motivo precisamos obedecê-la. É fruto
do poder constituinte, do ponto de vista jurídico, nos atende, mas na teoria pura, esse
argumento não cabe, pois o poder constituinte apesar de jurígeno é um poder de fato, não é
um poder de direito, não é qualificado por nenhuma norma, ele simplesmente existe no mundo
dos fatos. O dever ser estaria fundamentado em um ser, o que implodiria toda a teoria pura do
direito, pois tudo poderia ser fundamentado em um fato, uma vontade fática. Kelsen, então,
termina criando a teoria da norma fundamental. Existe um dever ser além da CF, que
fundamenta a própria CF. Podemos pensar a CF no sentido jurídico-positivo (posta) e no
sentido lógico-jurídico (pressuposta). Tem que ser a norma pressuposta, porque se for posta,
quem é que pôs essa norma e se existe autoridade existe outra norma que conferiu a
autoridade, então conduziria ao infinito. Acima do direito posto, da CF, o que existe é uma
norma pressuposta que afirma: obedeça ao direito posto. Nenhuma preocupação com o
conteúdo do direito. Isso explica o funcionamento de uma ordem liberal, nazista, socialista,
qualquer conteúdo cabe aí perfeitamente. A única exigência é uma adequabilidade formal da
norma aos preceitos superiores. Crítica: Kelsen não introduziu nada de conteúdo, mas é
apressado dizer que ele não se preocupa com justiça, ele escreveu três livros sobre justiça. A
conclusão dele é que não se diz o que é justiça, logo ir pelo caminho da forma, do conteúdo.
Kelsen diz que todos os momentos da pirâmide são criação e aplicação do direito. Lei ordinária
é criação em relação as inferiores e aplicação das superiores e isso vale para qualquer norma,
inclusive sentença, etc. Salvo em dois momentos, na extremidade da base, onde se tem uma
pura aplicação do direito e lá em cima onde a constituição em sentido lógico-jurídico, pura
criação do direito, sem aplicação. Abaixo da sentença, atos de mera execução, está só
aplicando, “cumpra-se”. Kelsen subverte a lógica tradicional de quais as funções do Estado. Ele
diz que só existem duas funções no Estado, pois ele se confunde com o próprio direito, a
pirâmide é representação do próprio direito: criação e aplicação, independente de poderes,
vale para o executivo na função administrativa; no legislativo que cria e aplica; no judiciário,
que cria e aplica direito. Não são poderes substancialmente diferentes. Kelsen promoveu um
esvaziamento do conteúdo do direito. Falar em validade a partir de critérios materiais,
conteúdo, é bobagem. Comparação entre direito e moral. Direito e moral são ambos formas de
expressão de sistemas normativos, operando com dever ser, juízos prescritivos, no campo da
ética. A diferença é que a moral é incoercível, diferente do direito. Direito pode ser exigido,
força, apenas tem que cumprir. Diferentes mecanismos de derivação normativa,
encadeamento, relação entre as normas: direito do tipo dinâmico; moral, opera do estático. A
diferença está nos mecanismos de derivação normativa de um e outro, direito dinâmico; moral,
estático. Na derivação normativa de tipo dinâmico existem relações de fundamentação
diferentes das do ponto de vista estático; estático oferecem fundamentação tanto no plano
formal quanto moral; na dinâmica, só no plano formal. Preceitos morais, ex: “não mentir, não
fraudar” – princípio de que a pessoa deve ser honesta, ideia de veracidade, ponto em comum
entre esses preceitos
“Não ferir, não matar.” – amar ao próximo
E existe algo em comum entre o princípio de amor ao próximo e o de veracidade, para Kelsen
seria o princípio da harmonia universal, norma fundamental desse sistema moral.
Portanto, oferece fundamentação formal e material, todo o conteúdo do sistema está
anunciado na própria norma fundamental. Tudo fundamentado no princípio da harmonia
universal, forma e conteúdo. Por isso é estático, não há variação de conteúdo.
No Direito, “os filhos devem obedecer aos pais” como norma fundamental de “os filhos devem
dormir cedo”. A norma fundamental não se altera quando “saia do sofá”. Sistema normativo de
tipo dinâmico, porque aqui existe um processo de criação, de alteração do conteúdo que não
está anunciado na norma fundamental. Direito cria uma autoridade e o conteúdo é irrelevante,
diferentes tipos de derivação normativa. No direito, tipo dinâmico, demanda um processo de
criação, que dê essa fundamentação formal.
Trabalhamos com a dimensão interna da validade, de obediência a normas superiores. E as
ordens jurídicas com pretensão de validade em mesmo tempo e espaço? Dimensão exterior de
validade. Ex: crime organizado, máfia, ordens paralelas, dificuldade de decidir qual ordem a
seguir.
Não há comunicação de ser e dever ser, momento crítico da teoria pura do direito.
Aula dia 07/08/13
Kelsen - incomunicabilidade do ser e do dever ser – todo dever ser da norma se fundamenta em
outro dever ser, daí o artifício lógico da norma fundamental hipotética
Irredutibilidade do ser ao dever ser
Concessão sociológica a esse argumento. Validade externa, algumas dificuldades quanto a
fundamentação do próprio direito. Identificar qual a ordem jurídica válida quando existirem
duas ou mais ordens com pretensão de validade no mesmo tempo e espaço. Tema do
pluralismo jurídico, leitura sociológica. Mais de uma ordem com pretensão de vigência no
mesmo tempo e espaço. Se tempo e espaço são diferentes, não existe conflito. Ex: CF de 88 e
1891 – ordens distintas, não há conflito, o tempo é distinto. Também não há conflito entre
ordem do Brasil e da Alemanha, âmbitos espaciais diversos. O problema é quando tempo e
espaço coincidem. Itália, questão da máfia, organização articulada do ponto de vista formal e
material, existe uma ordem semelhante àquela da oficialidade, Estado paralelo, só não há o
reconhecimento oficial das suas disposições. Colômbia, as FARC. Crime organizado no Brasil,
favelas. Fenômenos semelhantes. A partir da Teoria Pura, que resposta seria dada a isso? Qual
seria válida? Aqui o que quer saber não é a validade interna, mas qual das ordens é aquela a ser
aplicada, válida, do ponto de vista externo? Não é conformidade com a CF, mas por qual motivo
a norma fundamental, a CF, deve ser obedecido em lugar de outro? Pergunta difícil de ser
respondida. Kelsen não trabalha com conteúdo, com ideia de justiça. Não se pode dizer que
essa ou aquela com base em critério material. Até porque o critério de justiça varia, não sendo
recepcionado por Kelsen. A ordem jurídica que deve ser considerada válida é a capaz de se
estabelecer enquanto ordem jurídica globalmente eficaz. O que ele diz é que a validade deriva
em certa medida da eficácia. E isso significa dizer que aquela separação inicial entre ser e dever
ser talvez não seja tão rígida assim. Eficácia é questão de fato, mundo dos fatos. Validade, de
direito, mundo das normas. O dever ser se fundamenta em alguma medida no mundo do ser,
dos fatos. Isso é mais crítico que o problema da norma fundamental. Ele reconhece que ser e
dever ser não estão tão separados assim. Kelsen parece jogar fora a coerência da teoria pura do
direito. Até recuperá-la a posteriori. O que ele diz é que uma norma é válida se pertencer a
ordem jurídica globalmente eficaz. Como se as normas tivessem como espelho a totalidade de
todas as normas do sistema. Independentemente de ser eficaz ou não, a ordem jurídica é que
precisa ser eficaz. A norma se olha no espelho e vê por trás dela uma ordem globalmente
eficaz, então é válida. A eficácia necessária não é pontual, daquela norma em si, mas da ordem
jurídica. Ex: ao sentenciar e condenar alguém por homicídio, o Juiz fundamenta no Código
Penal, mas ele está confirmando a ordem jurídica, reafirmando a eficácia global daquela norma
jurídica, em todo e qualquer ato praticado por ele. Todo o procedimento é confirmado,
confirma sua autoridade de juiz, reafirma a validade do concurso de juiz, reafirma regras
diversas. O mesmo serve para autoridade do executivo, legislados. Todos criam e aplicam
direito. Existem pontes, passagens entre ser e dever ser, mas isso não é suficiente para colocar
o aspecto fático acima da validade do direito. A ordem jurídica válida é aquela mais forte.
Bobbio: o direito tal como ele é, é expressão dos mais fortes, tão melhor se os mais fortes
forem mais justos. O problema é força, autoridade. No dia que os chefes do tráfico
conseguirem se organizar e amealhar certa simpatia popular, a ordem a ser obedecida é a
instituinte, seja lá o conteúdo que ela tenha. Isso é típico das revoluções. Texto de Lourival
Vilanova “Teoria da revolução, anotações à margem de Kelsen”. 2ª guerra mundial, França
ocupada, mas nunca deixou de ser Estado, nunca perdeu sua personalidade jurídica, porque o
poder insurgente nunca se estabeleceu como ordem jurídica globalmente eficaz. Houve
resistência, enquanto houver essa tensão, não é possível dizer que existe a ordem jurídica
globalmente eficaz. 1ª guerra do golfo, Iraque pretendeu anexar o Kuwait, resistência interna e
externa. O poder insurgente não se estabilizou. Não há critério de ordem justa, injusta, o
critério formal prevalece, a validade é mais importante. A única concessão à eficácia que Kelsen
faz é de uma ordem globalmente eficaz. As disfuncionalidades do sistema não representam
perda da validade, a eficácia global persiste e imuniza eventuais normais ineficazes.

Aula dia 09/08/13


É preciso que o conhecimento seja traduzido para um caráter científico na modernidade, para
que seja reconhecido. É possível pensar o direito a partir de uma dimensão científica, diz
Kelsen.
Aula passada, possibilidade de construir pontos de contato entre ser e dever ser, algo que
Kelsen tentou colocar em mundos distintos. Fatos e normas.
Qual a diferença entre direito como ciência e direito como norma? Como norma, está falando
do direito positivo, um conjunto de prescrições que tem nas fontes do direito suas maiores
expressões: lei, costume e jurisprudência, juízos do dever ser. Preocupação em prescrever
condutas, algo que não é função da ciência, pois. O cientista está preocupado com a descrição,
descrever fatos, metodológica e ordenadamente. O cientista experimenta e descreve. No
direito a postura é diferente, mesmo enquanto “cientistas”. No direito trabalhamos no plano
prescritivo, preocupado em enfatizar essa dimensão prescritiva e não a descritiva da ciência.
Linguagem prescritiva, típica do mundo do dever ser, de todas as fontes, lei, costume e
jurisprudência.
Obs: lei não é dever ser, é o texto onde encontramos o dever ser. A norma é o dever ser.
Norma é o juízo que extraímos após a observação dos elementos textuais.
Direito como ciência, preocupação com descrições, para o cientista do direito, linguagem
descritiva, a norma nada mais é do que um fato a ser descrito. Ele não olha para a norma com
um sentido de prescrição. Isso é fazer política em nome da ciência, pois ele só pode descrever.
Campo do ser na ciência do direito. A distinção é a forma como utilizamos da linguagem,
construção linguística. A da ciência é uma metalinguagem, acima da linguagem do dever ser,
típica do direito positivo. Kelsen então constrói a partir daí a imagem da moldura, para justificar
a interpretação do direito, dentro de limites estabelecidos pela ciência. O juiz e o advogado
devem preencher esse quadro, preencher a moldura. A ciência não vai dizer qual a melhor
intepretação, ela só diz que existem decisões variadas possíveis e o operador deve selecionar
uma delas, apontando qual a desejada para aquele caso concreto. Juízo prescritivo, de como
deve ser pintado o quadro. O cientista diz a moldura é esta e dentro dela todas são possíveis.
Mas, Kelsen ignora que a própria linguagem prescritiva possa interferir nos limites da moldura.
Sempre que o juiz decide de uma forma, ou outro poder cria e aplica o direito, a gente tem
novas possibilidades de arranjos que interferem nos limites da moldura. A moldura pode ser
maior, diferente, daquela apontada pela ciência inicialmente. Excesso de zelo na separação de
ser e dever ser, que acabam se relacionando. Função da ciência: como as coisas são. No direito
positivo: como devem ser. Quem está investindo de poder é que vai dizer qual o conteúdo do
direito. Assim, nos coloca em uma situação sem qualquer definição de conteúdo, é o desafio
kelseniano apontado por Tércio Ferraz. Não há critério para ir além desses limites,
estabelecendo conteúdo para o direito. Revela que o ato de decidir é um ato de vontade ou um
ato de conhecimento? Quando ele decide, está decidindo porque sabe que é melhor, ou
porque ele quer? Ela se estabiliza por ser fruto de conhecimento que a legitime ou por ser fruto
de uma autoridade legitimada pelo sistema? Oposição entre saber/conhecer e querer. Decidir é
ato de conhecimento ou de vontade? Toda e qualquer decisão envolve sobretudo um ato de
vontade, de um querer e essa passagem é a mais em sintonia com os debates atuais do
funcionamento do poder judiciário. Reconhecimento de Kelsen de que há um voluntarismo.
Consciente ou inconscientemente há a influência de fatores outros.
O esforço de Kelsen é de criar registros diferentes para o conhecimento jurídico, desfazendo
alguns mitos anteriores de que todo ato de decidir envolve uma cientificidade. Aquilo não é
ciência. Há conhecimento, mas há uma necessidade prescritiva na resolução de conflitos.
Compromisso com prescrição.
O custo disso foi precisamente o esvaziamento do direito de qualquer conteúdo. Não há
qualquer critério para dizer que uma ordem democrática ou liberal ou nazista é melhor ou pior
que as demais, são todas ordens, desde que obedecendo as diretrizes das normas superiores e
em última instância de uma norma fundamental, representante de uma ordem jurídica
globalmente eficaz. Critério formal de validade é introduzida pela teoria pura do direito.
As melhores tentativas de superação da teoria pura do direito aconteceram a partir do final da
2ª guerra mundial – pensamento jurídico contemporâneo. Marcos fundamentais, com esse
período. Pós-positivismo, direito enquanto valor. Novo desenho das preocupações que o direito
deve agora obedecer. Isso influencia o direito interno e o internacional. A partir daí, nascem
aqueles acordos internacionais em matéria de direitos humanos, ONU, Tribunais importantes.
Internamente, criação dos tribunais constitucionais, a partir do modelo germânico-austríaco,
europeu. Novidade: reaproximação entre direito e moral. A diferença entre o positivismo
clássico e o pós-positivismo é a necessidade de um conteúdo ético, compromisso com valores,
dignidade humana, para evitar, por exemplo, o advento do nazismo. Para o positivismo, o mais
importante é a lei, que se expressa com a ênfase na supremacia do código civil. Outra
característica do positivismo clássico, o poder mais importante é o legislativo, que elabora a lei.
Decisões no positivismo são tomadas a partir do princípio majoritário, dissenso se resolve com
o voto. Pós-positivismo, mudança, pois a aposta no modelo anterior fez com desaguasse no
nazismo. A expressão pós-positivismo é interessante porque ela diz aquilo que ele é contra,
aquilo que ele não é, não indica o que ele é. Hoje, novos parâmetros: a lei não é a expressão
mais relevante, que hoje passa a ser a constituição, não apenas como texto, mas como espaço a
tutela de valores inerentes a condição humana, como o princípio da dignidade da pessoa
humana. A lei passa a ser submetida a CF, vitória fundamental dos gregos sobre os romanos,
segundo Gustavo Tepedino, pois o pensamento publicista típico dos gregos volta com muita
força. Toda a leitura do direito civil hoje é publicista, como contratos com base na função social.
Outra: o poder legislativo que era a base cede espaço ao judiciário, legítimo intérprete da CF.
Supremacia do Judiciário, desenvolvimento da jurisdição constitucional, dando configuração de
importância a própria CF, uma antítese ao princípio majoritário, pois é a contrariedade a algo
que seria vontade da maioria. Ao declarar a inconstitucionalidade, está derrubando algo que foi
votado pela maioria dos parlamentares, representantes do povo. Desenvolvimento da
jurisprudência de valores nesse contexto de valorização da CF, função do intérprete a de
identificar os valores mais importantes da CF e zelar por eles. Essa foi a barreira de contenção a
eventuais ideais autoritários. Nem toda norma formalmente válida é válida se não cumprir
determinados aspectos sociais. Com a recuperação ética e moral do direito, uma disposição
adequada formalmente é inválida juridicamente se não se adequa a preceitos sociais. Kelsen
agora é recuperado, com o excesso de se tudo é dignidade humana, resgata-se a questão da
moldura, para dar maior segurança.
Essa resposta pós-positivista foi alemã, mas similar à de outros, como Itália, Espanha e Portugal,
levando ao pensamento jurídico nacional. A solução foi próxima, todos convergindo para uma
estrutura semelhante. O Brasil, a partir de 88, sobretudo, discurso em torno da efetividade da
CF. A CF passa a ser não apenas uma declaração de boas intenções, passa a ser uma norma que
deve ser concretizada socialmente.
K. Hesse – a força normativa da constituição – debate com Lassale, pois diz que a CF tem uma
força normativa própria, o direito também pode condicionar esses fatores de poder.
P. Haberle
Friedrich muller
Robert Alexy
Todos defendem um compromisso com a efetivação da CF. Alexy, distinção entre regras e
princípios, sendo um princípio mandado de otimização, precisando de aplicação no maior modo
possível, otimizados. Assim como Muleer quando diz qual o povo e a sua participação. Haberle
– CF interpretada não apenas pelos tribunais, mas pelo povo, vide amicus curiae, audiências
públicas.
Portugal – Canotilho, que trabalho com Hesse.
Cenário a tudo ser recebido no Brasil, sobretudo com a democracia. Referências aqui, embora
não se coloquem como pós-positivistas, Bonavides quando defende um Estado não de direito,
mas de justiça. José Afonso da Silva, quanto a aplicabilidade das normas constitucionais,
normas de eficácia plena, contida, limitada. Nos anos 90, alguns defenderam a dignidade
humana, etc, como único modo de se resolver conflitos, vide Barroso.
Obs: cuidado com as importações de experiências que não são nossas, a pretexto de realização
de democracia e cidadania no país. Até porque são seletivas, decisionismo, subjetivismo
consagrado a pretexto de uma valorização do conhecimento jurídico.
1ª ideia: O chamado pós-positivismo representa um momento de crítica do pensamento
jurídico e de rearticulação de seus fundamentos. Se no positivismo encontramos um
compromisso evidente com a valorização da lei, bem como, a atribuição de importância ao
poder legislativo e a adoção do princípio majoritário como critério de decisão, o pós-
positivismo traz para a Constituição e a sua interpretação realizada pelo poder judiciário, a
responsabilidade pela definição dos critérios juridicamente vinculantes, da mesma forma
desenvolvem-se técnicas contra majoritárias de decisão sobretudo no âmbito da jurisdição
constitucional. Este processo resulta na valorização de uma dimensão valorativa do direito em
decorrência de uma reaproximação entre direito e moral. A Constituição passa assim a ser o
centro de gravidade moral e ético de um ordenamento jurídico ao mesmo tempo em que
desenvolve-se uma jurisprudência de valores. Esse processo experimentado inicialmente na
Alemanha é reproduzido em países vizinhos, recém saídos de experiências autoritárias ou
totalitárias e chega ao Brasil, a partir da CF de 88.
Aula dia 16/08/13
Rawls – 1971 – “Uma teoria da Justiça” – Como se pode pensar uma sociedade marcada pela
diversidade? Oferecendo um modelo institucional em que seja possível compreender pessoas
livres e iguais. Experiência de uma filosofia política respondendo aos grandes dilemas da
sociedade contemporânea. Década de 70, guerra do Vietnã, renúncia de Nixon, crise nas
prestações sociais do Estado Americano, influenciam Rawls. Ele é um liberal norte-americano. O
pensamento dele estaria à esquerda da média americana, embora com manutenção da esfera
privada, proteção de direitos individuais, etc. Ele está mais próximo de uma social-democracia
europeia do que do conservadorismo. Teria que imaginar uma situação hipotética, ele é um
neocontratualista, reeditando aquela noção de contrato social de Rousseau, Hobbes, etc. Essa
dimensão contratual do pensamento liberal-clássico é reeditada, imaginando pessoas as mais
diversas possíveis reunidas, com missão de trabalho o seguinte: digam para você o que é uma
sociedade justa? Quem deve ser tratado de modo diferente? Essa situação inicial aconteceria a
partir de um véu da ignorância, essas pessoas não saberiam que posição ocupariam nessa
sociedade, o branco não saberia se seria branco ou negro, o empresário se seria rico ou pobre,
operário ou empresário. As pessoas então seriam cautelosas, comedidas, ao estabelecer um
tratamento diferenciado, pois não criaria situação vantajosa para um ou outro, pois poderia dar
sorte de ser bem sucedido ou não. Assim, ele não saberia se teria benefícios. O véu da
ignorância é uma condição preliminar para se imaginar uma sociedade justa, sem saber que
status, cargo, condição terão na sociedade que se projeta. Debaixo desse véu da ignorância,
estariam os princípios da justiça, formulados em decorrência da razão, princípios que
consagrariam: igualdade e a diferença. Eles são formulados de forma interessante, não apenas
reconhecem a igualdade nos moldes clássicos. A formulação dele é mais sofisticada,
reconhecendo que existe um pluralismo ético, diferentes concepções de vida, entendimentos
sobre o que é bom ou ruim, isso é uma característica da sociedade contemporânea, cada vez
tendo menos apoio em deus, religião, etc.
Rawls vai dizer que o princípio da igualdade é: todos tem iguais possibilidade de ter seu projeto
individual de vida, de bem comum, desde que cada um desses projetos seja compatível com
todos os demais. Dando resposta para todo e qualquer fundamentalismo, as pessoas que
querem se colocar como donos da verdade ou centro único da verdade, não cabe no projeto de
justiça como equidade. Limite que Rawls impõe. Devemos ser tolerantes com quem é
intolerante? Não. A tolerância tem limite, que é a preservação da própria tolerância. Essa ideia
de Rawls, que é bastante debatida, acabou sendo recuperada por Bush filho na implementação
de Guerra contra o Terror, combatendo o fundamentalismo islâmico. Igualdade como
consagração de um pluralismo, enquanto concepções individuais e não grupais de bem comum,
do que é justo. Todos tem a possibilidade de um projeto individual de vida, desde que não
destrua a pluralidade. Ele introduz o elemento diversidade já quando fala da igualdade e depois
trabalha no livro uma teoria da justiça, diferenças em sociedade podem ser legitimadas, desde
que se percebam 2 situações alternativas: quando a todas as pessoas tiverem oferecidas as
possibilidades de uma sociedade (então o fato de uma pessoa ser pobre, não é ruim, as
diferenças não são ruins, mas para que isso seja legítimo e de acordo com uma sociedade justa,
em um ponto inicial todos tenham iguais oportunidades, condições de alcançar). Então estamos
falando de diferença enquanto igualdade de oportunidades, ex: se uma pessoa é rica, essa
condição é legitimável na medida em que o indivíduo se lançou e se fez vencedor. Devemos ter
cuidado ao transportar a teoria de Rawls para o Brasil, as condições são muito distintas. Se
houver um favorecimento, então está violando o princípio. Ideia de “Ao vencedor, as batatas”
de Quincas Borba. Outra possibilidade de diferença é quando a diferença representar o maior
benefício para os menos favorecidos, reconhecendo que o modelo de igualdade de
oportunidades pode causar exclusão, então ideia típica do Estado social, ideia de que o Estado
deve compensar, fundamento da justiça distributiva, sistema de quotas, atuação positiva do
Estado, trazendo para uma situação de equiparação os que mais necessitam. Críticas a Rawls:
da vertente comunitarista (são norte-americanos), como Michael Sandel, Charles Taylor, todos
criticam Rawls a partir do seguinte argumento: para Rawls justiça vem antes de bem comum,
modelo essencialmente racional, exagerado, então ele cria uma abstração racional,
desconsiderando a dimensão histórica do bem comum. Dizem os comunitaristas: as pessoas
precisam antes definir o que é bem comum, para depois se falar em Justiça.
Habermas – 3ª vertente: caminho é articulação entre justiça e bem comum, enquanto
procedimento, democracia deliberativa, etc.
1ª IDEIA: o modelo de justiça como equidade em Rawls pressupõe uma reflexão em torno das
sociedades contemporâneas, estas sociedades são marcadas pelo pluralismo, que se reflete na
ausência de parâmetros metafísicos universais e também pela diversidade de concepções de
vida. Para Rawls, temos assim como desafio a construção de uma sociedade na qual as pessoas
sejam ao mesmo tempo livres e iguais. Para isso, Rawls cria a imagem do véu da ignorância
reeditando o argumento do contrato social. O véu da ignorância é assim uma situação
hipotética na qual as diferentes pessoas são chamadas a deliberar sobre os princípios que
devem orientar uma sociedade justa, é importante que essas pessoas sejam diferentes entre si
nos diversos aspectos possíveis, seja no plano ético, étnico, seja na dimensão do gênero,
religiosa, econômica, etc. Sob o véu da ignorância, Rawls acredita que as pessoas chegarão
naturalmente a 2 princípios de justiça, esses princípios seriam resultado de um certo
comedimento, cautela, no momento do estabelecimento de tratamentos diferenciados para os
atores sociais, já que o véu da ignorância impede o conhecimento da real condição a ser
ocupada por cada um na sociedade. O 1º princípio é formulado nos seguintes termos: todos
têm direito a manifestar e a implementar projetos de vida de acordo com a sua concepção de
bem, desde que cada projeto seja compatível com todos os demais, esse princípio é conhecido
como o princípio da igualdade em Rawls. Já a diferença, é formulada a partir de 2 subprincípios:
1º - como igualdade de oportunidades no qual as diferenças são admitidas desde que sejam
resultado de uma concorrência, cujas condições são igualmente admitidas a todos, com
paridade de armas; 2º - formulado a partir da consagração do maior benefício para os menos
favorecidos, política que inspira práticas estatais de justiça distributiva.
- Livro sobre teoria do Estado – evolução – Dallari; Bonavides - Livro Margarida Lacombe Camargo
“Hermenêutica e argumentação – uma contribuição ao estudo do direito”
- Kelsen: teoria pura do direito
- Rawls: uma teoria da justiça
- Sandel vídeo: “Justiça o que é fazer a coisa certa”
ATITUDE FILOSÓFICA E FISIOLÓGICOS
A atitude filosófica tem suas origens na cultura pueril de estranhamento, na constância da dúvida. O
fundamento para qualquer postura filosófica é o estranhamento do mundo, é a inquietação provocada pela
tentativa de controle e dominação de uma realidade estranha, marcada pelo medo. O que se busca, pois, a partir
de uma atitude filosófica, é uma tentativa de domínio daquilo que se desconhece, inerente à condição humana
de tentativa de controle de tudo que lhe aparenta ser ameaçador.
Com vistas a reduzir à inquietação humana é que surgem os mitos, os quais muito embora
apresentassem papel relevante no tocante à pacificação, por se basearem em meras crenças, pecavam quanto
à relativização. Tratava-se de narrativas apresentavam papel puramente explicativo, que até o século V a.c. não
traziam em seu bojo verdadeiramente uma explicação para os fenômenos que rodeavam os seres humanos,
baseando-se em aspectos sobrenaturais.
Justamente por se basear em crenças, essencialmente variáveis, é que os mitos sucumbiram perante a
filosofia. O surgimento desta confunde-se, na tradição ocidental, com as transformações sociais e econômicas
ocorridas nas colônias de pescadores do mar Jônico, localidade que funcionava como entreposto comercial,
permitindo intercâmbio de diferentes culturas. Houve, então, a relativização da mitologia, baseada em crenças, e
o aparecimento da filosofia, a qual nasce como uma necessidade e dar sentido aos fenômenos naturais a partir
de uma explicação de suas origens e consequências, por meio da demonstração. A filosofia, diferentemente da
mitologia, buscava a universalização de um saber, orientado por um rigor metodológico na construção de seus
argumentos. O que nota é que muito embora tenham uma mesma origem, a mitologia e a filosofia traçam
caminhos distintos.
A priori, a filosofia aparece em uma vertente natural. Os primeiros filósofos, também chamados de pré-
socráticos, se preocupavam com o mundo físico. Foram os primeiros pensadores que procuraram desenvolver
formas de explicação da realidade natural independentemente do apelo a divindades ou forças sobrenaturais,
rompendo com a tradição mítica. Por serem naturalistas, ficaram conhecidos como fisiólogos. Para estes, a
busca da explicação deveria ser focada no ser, na causalidade; buscava-se o elemento primordial inerente a
todo objeto (o arque), e cada ser seria resultado de uma combinação de elementos presentes, os quais dariam
sua especificidade.
Dois importantes fisiólogos foram Heráclito e Parmênides, os quais apresentavam correntes de
pensamentos rivais na filosofia grega. O primeiro seguia uma linha mobilista, acreditando na impossibilidade de
conhecer o ser das coisas, vistos que estas se encontram em constante mutação. Não seria possível, pois,
captar a essência das coisas. Sua concepção pode ser considerada dialética no sentido de que vê nos conflitos
entre os opostos a causa do movimento. Pode-se afirmar que Heráclito apresentava uma visão dinâmica,
fundada na multiplicidade. Parmênides, por seu turno, acreditava que apesar das mudanças, algo permanece,
sendo este a base e fundamento de cada coisa. Baseado em uma concepção de unidade (monos), foi
considerado filósofo do Ser, um dos percussores da metafísica. Em todo debate atual que se discute
fragmentariedade e unidade pode-se observar traços do debate entre os fisiólogos.

SÓCRATES E PLATÃO
A partir da implementação da política democrática e o fim da tirania na Grécia, há uma mudança no
pensamento filosófico existente, o qual deixa de focar nas angústias humanas para apresentar um viés mais
político e ético e de discussão. É nesse diapasão de mudanças institucionais que Sócrates insurge como um dos
filósofos mais importantes do mundo grego, muito embora nada tenha escrito, o que o torna deveras
emblemático. A ausência de obras escritas pelo filósofo e o registro de seus pensamentos por seus discípulos,
em especial Platão, faz com que se insurja o questionamento se realmente Sócrates existiu ou foi uma criação
de Platão.
Sócrates utilizava-se da filosofia para questionar, ironizar e perguntar, a fim de que o interlocutor não
tivesse argumentos para respondê-lo. Confrontando a consistência de seus próprios argumentos, o filósofo
entendia que o verdadeiro conhecimento e a verdade iam muito além de opiniões ou impressões a respeito de
determinada coisa. Distinguiam, pois, a doxa (opinião eventual sobre determinado tema cotidiano), do
conhecimento (fruto de uma rigorosa preocupação com o saber).
Sócrates apresentava uma profunda crença no sentido de que tudo aquilo que se diz deve ser posto à
prova, uma vez que o conhecimento só pode ser conhecido e adquirido se provado. Daí a conhecida máxima
“conhece-te a ti mesmo”. O filosofo se utilizava de uma técnica baseada no diálogo para fazer surgir as ideias, a
maiêutica, sendo esta a única forma de se alcançar a verdade. Uma de suas principais teses era o
reconhecimento da própria ignorância, famosa pela expressão “só sei que nada sei”. Para Sócrates, “a vida sem
reflexão não vale a pena ser vivida”.
Em razão de seu espírito inquieto e irônico, para muitos um desmoralizador, Sócrates foi acusado de
perturbador da ordem pública e profanador dos deuses, tendo sido condenado à morte a partir da ingestão de
cicuta. Além dos opositores políticos de Sócrates, havia também opositores teóricos, os sofistas, os quais muito
embora também valorizarem a retórica e a oratória, estes se preocupavam com os ganhos materiais, e não com
o compromisso da verdade, como Sócrates, que pagou com sua própria vida para alcançá-la em sua plenitude.
Os sofistas ofereciam o ensino da técnica do bem falar e da argumentação para todos aqueles que estivessem
dispostos a pagar, oferecendo os serviços de cidade em cidade, sem preocupação com a verdade e a coerência.
Para estes, a verdade era contextual
Apesar da importância de Sócrates na introdução da ética e das práticas de questionamento na filosofia,
é Platão, descendente da aristocracia ateniense e maior discípulo de Sócrates, que sistematiza o pensamento
filosófico. A influência de seu mestre em suas obras é marcante em seus diálogos socráticos, com estilo mais
dramático e inconclusivo, típico da filosofia socrática. Diferentemente de seu mestre, cuja filosofia era praticada
em praças públicas, Platão era mais reservado, recebendo as pessoas em sua academia, espaço fechado para
aqueles que desejavam aprender. Com uma prática diametralmente oposta a de seu sucessor, Platão se
resguarda para aqueles interessados em dialogar.
A matriz de pensamento de Platão baseava-se em dualidades, mais precisamente na existência de dois
mundos, os quais não se confundiam: o sensível e o supra-sensível. Cada pessoa deveria se libertar de tudo
aquilo que é informado pelos sentidos, uma vez que todos os males se dão em decorrência do do mundo
material, que seria traiçoeiro, ilusório. Dever-se-ia, então, desenvolver formas de compreensão da verdade a
partir do intelecto, do mundo supra-sensível, alcançado apenas a partir de abstrações, o qual seria o mundo
perfeito das ideias. Tal divisão é facilmente observada a partir da divisão entre o corpo e a alma, afirmando que
cada um deveria se libertar das amarras do corpo – origem de todos os males – e treinar o espírito, a mente,
para que alcance o mundo das ideias. Platão expôs seus pensamentos através da utilização da imagem dos
mitos, ilustrações metafóricas de sua forma de pensamento, merecendo destaque o mito da reminiscência e a
alegoria da caverna.
No mito da reminiscência, Platão afirma que tudo o que há de ser conhecido na vida já se encontra pré-
concebido na cabeça de cada pessoa. todos já conhecem de tudo em um momento pré-existencial, e no
momento do nascimento, quando ganha um corpo, tem sua mente turvada. Entende Platão que o processo de
aprendizagem nada mais é que relembrar, uma vez que ninguém aprende nada de novo. A partir da encarnação,
as ideias, já existentes na mente, vão ficando esquecidas, sendo preciso, portanto, um processo de relembra-
las. É com o continuo exercício do aprendizado, pois, que se pode alcançar o mundo perfeito das ideias.
A alegoria ou o mito da caverna, inserido no diálogo “A República”, consiste em uma imagem construída
para explicar a seu interlocutor o processo através do qual o indivíduo passa ao se afastar do senso comum em
busca da visão do bem e do saber. Trata do percurso vivido pelo prisioneiro que vive em uma caverna escura,
momento em que vê um feixe de luz, a saída da caverna. Inicialmente tem a sensação de cegueira, mas após
uma breve adaptação consegue enxergar tudo com mais intensidade, sendo esta a passagem do mundo
sensível para o supra-sensível. A partir da visão, torna-se um sábio, um filósofo, devendo retornar a caverna
para mostrar a seus companheiros o caminho para esse mundo ideal. Nesse diálogo, o filósofo, após voltar para
a caverna, é morto, o que faz surgir a reflexão sobre se o papel do filósofo é compartilhar ou guardar para si o
conhecimento, já que Sócrates, quando optou por compartilhar, foi morto.
Platão traz, ainda, a ideia de justiça. Ele formula seu modelo ideal de cidade, que seria o de cidade justa,
a qual contrastava com a cidade concreta em que vivia, Atenas, cujo sistema político era baseado em injustiças
e corrupções. Justamente para definir o que seria uma cidade justa, Platão passou a examinar o que seria
justiça, a qual, para este, seria compreendida com uma virtude tanto da cidade quanto de cada uma das pessoas
que a integra. Uma cidade justa, então, depende da existência de pessoas justas.
Em todas as cidades, para Platao, havia três variedades distintas de pessoas, as quais se diferenciavam
a depender de seus afazeres e de suas virtudes específicas: os guerreiros, detentores da coragem; os artesãos,
possuidores de temperança; e o sábio, dono da sabedoria. Para o filósofo, a virtude da cidade, que seria a
justiça, só poderia ser alcançada a partir da harmonização entre as virtudes de seus cidadãos, a depender da
função que desempenhavam. Do ponto de vista da afirmação política, Platão entendia que os sábios deveriam
gerir a coisa pública, pois a estes cabia orientar a população. Para muitos, se trata de uma postura elitista, mas
em verdade pode ser apenas mais uma forma encontrada pelo filósofo de trazer à tona a figura de Sócrates, tão
marcante em seu percurso, e reabilitar os sábios, que haviam perdido prestígio com a morte de seu mestre.
A filosofia em Platão resgata a tendência já inaugurada por Parmênides e confirmada por Sócrates, a
qual o conhecimento da verdade apenas pode ser alcançado através da razão, de um esforço de abstração das
ideias, noção esta que vai ser aperfeiçoada por Aristóteles.

ARISTÓTELES
Aristóteles apresentou significativa influencia no pensamento ocidental não apenas na seara filosófica,
como também na científica, literária e política. A diversidade de debates em que se envolveu demonstra a
influencia que teve nos mais diversos ramos do conhecimento. Aristóteles ficou conhecido pela sua capacidade
de sistematização e organização das manifestações de pensamentos anteriores a ele. É indubitável que o fato
de ser preceptor de Alexandre, o Grande, também influenciou na carga de conhecimento adquirida por
Aristóteles, sendo conhecido por muitos como “o filósofo”, dada sua tamanha importância.
A filosofia aristotélica desenvolveu-se em contraposição aos dualismos platônicos, os quais, segundo
ele, estabeleciam uma dicotomia insuperável entre a realidade material do mundo natural e a realidade abstrata
do mundo das formas. Aristóteles, contrariamente a Platão, que desenvolve seu pensamento a partir de
diálogos, centraliza seu pensamento no discurso. Ademais, preocupa-se com o entorno e a realidade física,
materialista, diferentemente de Platão, que foca no plano das ideias. Pode-se falar, então, em um idealismo
platônico em contraposição ao realismo aristotélico. Do ponto de vista estético, a grande distinção entre ambos
pode ser vista na Capela Sistina, em que ao passo que Aristóteles aparece com a mão para baixo, Platão está
com a mão virada para cima.
Grande contribuição de Aristóteles foi explicar a disputa envolvendo os monistas e mobilistas. Enquanto
Platão segue uma linha nitidamente monista, rejeitando qualquer possibilidade de conhecimento sensorial e
apostando na essência das coisas, que seria imutável; Aristóteles entende traz a ideia de movimento na
realidade das coisas. Para ele, as coisas, além de serem algo em ato, também o seriam em potência, os quais
juntos explicariam o movimento. As coisas, então, possuem perfeições momentâneas (ato), as quais podem
mudar em razão do que são em potência (ex: criança vira idoso). Para Aristóteles, o tempo opera de modo a
produzir modificações relevantes.
No tocante a noção de Justiça, Aristóteles, em “Ética à Nicômaco”, entende que justiça é virtude. Não a
virtude apontada em Platão, unidirecional, mas sob uma perspectiva de ponderação: tanto o excesso quanto a
falta são prejudiciais. Assim, a justiça seria uma virtude entre dois extremos. Aristóteles criou 3 modelos de
justiça: a) legal (relação das pessoas com o Estado), b) distributiva (relação do Estado com as pessoas), e c)
comutativa (modelo de relacionamento entre as pessoas em uma mesma situação). Aristóteles, então, pensa a
justiça a partir das relações existentes em uma sociedade, a qual apresentará diferentes fórmulas, a depender
dos agentes envolvidos na relação.

FILOSOFIA MEDIEVAL
Conhecida como idade das Trevas ou da Escuridão, leva essa denominação por não ter contribuído para
a afirmação de uma proposta fundada na razão, sendo um momento histórico cujo compromisso era com a fé, e
não com a razão. É visto pela história moderna como um período negativo sobretudo em razão da valorização
das explicações fundadas na crença na palavra revelada e na fé. Nesse período, a única maneira de alcançar a
felicidade seria através da fé, havendo forte influencia da Igreja Católica. O ideal de conversão através da fé e da
busca da felicidade tipicamente introduzidos pelo ideal do cristianismo, à época, foi mister na expansão do
Império Romano.
A ascensão da Igreja Católica e o advento do cristianismo baseou-se, em suma, em dois elementos,
quais sejam a predominância de uma explicação religiosa para a vida e a interferência de uma estrutura de
poder conhecida como ICAR. Tal ascensão, frise-se, se mostrou deveras relevante para a expansão do Império
Romano, posto que possibilitou a oferta da felicidade por meio de uma conversão oferecida por uma religião, que
seria própria do Império Romano. Trata-se de um período em que a ICAR se estabeleceu como estrutura de
poder dominante, determinando os padrões de conduta da época.
Nesse quadro, os padres eram os legítimos interpretes das escrituras sagradas, desempenhando papel
de destaque na Igreja. Diferentemente do período grego, a interpretação das obras divinas ocorriam dentro de
ambientes enclausurados, de monastérios, em que foi realizado um processo de apropriação seletiva do
pensamento antigo. Fala-se em um período de cristianização do pensamento clássico, em que a ICAR passou a
assumir um papel interpretativo das obras clássicas. Aqui não se fala em negação dessas obras, mas
reinterpretação da proposta inicial delas. Nesse processo, merecem destaque as figuras de Santo Agostinho e
São Tomás de Aquino.
Santo Agostinho é o primeiro grande pensador a elaborar uma síntese sistemática entre a tradição
filosófica grega, mais especificamente o platonismo, e o cristianismo. Ele desenvolve seu pensamento com
originalidade, retomando temas centrais da filosofia de Platão, como a reminiscência, o dualismo, a natureza do
bem, interpretando-os à luz da doutrina cristã. Santo Agostinho trata do dualismo tipicamente platônico ao
distinguir a cidade dos homens, permeadas das necessidades humanas e, portanto, imperfeita; da cidade de
Deus. Para o filosofo, o caminho para Deus passa por nosso interior, pela alma, parte mais elevada do homem
como ser criado a imagem e semelhança de Deus, havendo claramente a valorização da realidade interior
humana. Para se alcançar a perfeição da cidade de Deus, era necessária a constante interpretação e condução
da Igreja, o que legitimava a presença dos padres enquanto mediadores e intérpretes de Deus.
São Tomás de Aquino, por seu turno, se inspira em Aristóteles para desenvolver seu sistema tomista,
demonstrando ser possível uma leitura das obras aristotélicas sob a óptica cristã. Foi realizada, pois, uma fusão
entre a teologia e a filosofia, sendo ambas caminhos para se alcançar a verdade, muito embora cada uma
desempenhe um papel distinto. Entendia o filosofo que apesar da filosofia poder indicar aspectos que promovem
a aproximação com a verdade, apenas a teologia poderia demonstrá-la efetivamente, demonstrando claramente
a subordinação da primeira perante a segunda. Assim, para ele, quando a teologia e a filosofia apontassem para
caminhos distintos, a primeira deveria prevalecer.
Uma de suas contribuições mais efetivas foi a prova da existência de Deus através de ensinamentos
aristotélicos de separação do ser em ato e em potência. Para São Tomás, todos os seres são, em ato, seres
vivos, mas são Deus em potência. Ensina que é através do aperfeiçoamento da alma, por meio da fé, que a
presença de Deus é manifestada dentro de cada um.

MODERNIDADE
A ruptura do pensamento medieval e o advento da modernidade, bem como o esgotamento da proposta
da ICAR ocorreu, basicamente, em virtude de 3 planos significativos de mudanças:
a) Estético: se deu a partir do renascimento, cuja própria denominação já sugere a retomada de algo
esquecido. Afirma-se a valorização do ser humano, da condição humana tal como ela é. Houve uma
preocupação maior com as coisas simples da vida, com as situações cotidianas, o que pode ser
claramente observado nas obras de arte do período. Foram enaltecidas as ideias existentes no
período clássico, consoante o próprio nome do movimento já demonstra.
b) Religioso: ocorreu sobretudo em razão da reforma protestante e o luteranismo, o qual defendiam a
ideia de que a fé não depende de intermediários, tampouco de interpretação de terceiros. Esta
decorre de algo pessoal, sendo o contato com Deus direto, rompendo com a estrutura de poder ate
então vigente.
c) Técnica: consiste nas revoluções técnicas-científicas que foram de encontro aos dogmas
contemplados pela ICAR. Houve três principais manifestações (séculos XV, XVI e XVII), as quais
deram inicio à concepção de individualismo e o fortalecimento do antropomorfismo. A ruptura entre o
sujeito e o objeto também auxilia a ruptura do pensamento que ate então vigorava, formando as
bases fundamentais da filosofia moderna. Frise-se que esse individualismo se manifesta na política
através do liberalismo, no direito pelo constitucionalismo e na economia por meio do capitalismo.
Cada uma das transformações apontam para a afirmação de uma categoria fundamental e decisiva na
formação do pensamento moderno: o indivíduo. O renascimento valoriza o individuo enquanto forma, a reforma
protestante afirma que a fé passa pelo individuo, e a revolução técnica pela percepção que a razão é atributo do
individuo.

DESCARTES
René Descartes, apontado como o pai de modernidade, influenciou de forma decisiva a formação e
desenvolvimento do pensamento moderno. Vivendo em um período de revolução técnica e científica e transição
do medievo para a modernidade, Decartes apontou para a necessidade de encontrar o verdadeiro método
cientifico que colocasse a ciência no caminho correto para o desenvolvimento do conhecimento. Buscando a
afirmação de valores em oposição ao conhecimento fundado na fé, o pensador buscou firmar sua metodologia a
partir de padrões de conhecimento universalizáveis e confiáveis, incorporando tudo que havia sido tido como
verdade na esfera da dúvida, o que pode ser visto na conhecida expressão por ele cunhada “só sei que nada
sei”.
Uma das principais contribuições de Descartes à tradição epistemológica moderna foi a questão da
fundamentação da ciência como problema central, enfatizando à discussão da metodologia científica. O
pensador afirmava que enquanto existisse uma consciência que se afirmasse como instancia de pensamento
distinta da realidade conhecida, haveria uma efetiva possibilidade de conhecimento. Defendia, pois, a separação
entre o sujeito e o objeto em dois planos distintos, realizando uma ruptura definitiva entre ambos. No sentido
individualista, essa separação entre sujeito e objeto foi fundamental na construção de um ponto de vista
científico. A filosofia cartesiana ratifica a noção de individualismo, sendo fundamental na afirmação dos
parâmetros da subjetividade.
Em Discurso do Método, importante obra, Descartes estabelece as quatro regras do método, as quais
consistem na: a) regra da evidencia, que deve garantir a validade dos pontos de partida no processo de
investigação científica; b) análise, que indica que um problema a ser resolvido deve ser decomposto em suas
partes constituintes mais simples; c) síntese, que sustenta que uma vez realizada a análise, deve-se ser capaz
de reconstituir aquilo que se dividiu; e d) verificação, que alerta para a necessidade de se ter certeza que
efetivamente foram realizados todos os procedimentos devidos.

ESTADO
Consoante se observou, a modernidade se caracteriza pela busca por racionalização de exercício do
poder, que, na esfera política, culmina no Estado moderno como modelo de organização. O Estado Moderno
se diferencia das demais formas de organização política por apresentar unidade territorial, pessoal e formal
(povo, território e governo, qualificado pela soberania). O Estado Nacional, pois, se apresenta como uma
forma de racionalização do exercício do poder.
O primeiro modelo político de estado concebido durante a modernidade é o absolutista. Estes surgiram a
partir da decadência do período medieval, da época dos feudos, comandados pela nobreza ou senhores
feudais. Nesse período, o poder político era concentrado nestes, e não nas mãos do rei, cuja função era tão
somente conferir uniformidade territorial entre os feudos, o que caracterizava uma pulverização do poder.
Além da ausência de poder interno, os reis do período também sofriam pressão externa do sacro império
romano germânico, uma vez que o papa pretendia submeter sob sua autoridade os vários reinos europeus.
É diante desse quadro social que se fala na fundação do estado moderno, aparecendo o rei como figura
soberana na modernidade, a partir de alianças com a burguesia. Fala-se, pois, no conceito de soberania,
visto sob duas ópticas: interna, na luta contra os senhores feudais, e externa, contra o SIRG. No primeiro
caso, fala-se em uma verticalização do poder, no segundo, em uma horizontalização, visto que cada Estado,
enquanto soberano, apresenta independência e autonomia no seio externo. No plano interno, há
mecanismos de subordinação; no externo, de coordenação.
A ideia de racionalização do poder é construída, então, a partir do Estado Moderno, que se utiliza de
modelos universalizáveis.
Ao observar a linha evolutiva entre os modernos modelos de organização estatal,
verifica-se que há uma característica comum entre todos, que é o privilégio do modelo estatal
(unidade conceitual do Estado), a qual prevalece em todas as transformações políticas. Em um
primeiro momento, vigorava o Estado Absoluto, modelo político em que a vontade do rei
prevalecia sobre a coletividade, sendo a própria expressão da vontade divina, não podendo se
falar ainda, portanto, em um Estado de Direito. O Estado Absoluto decorreu da União de forças
entre a burguesia e do monarca contra a nobreza feudal, a qual detinha as relações de poder
da época.
O Estado Absolutista fundou-se na noção de soberania, já existente no período feudal,
observada a partir de dois planos: interno (sentido afirmativo de poder, manifestado de maneira
vertical, sobre aqueles que se encontram em situação de hierarquia e subordinação) e externo
(sentido negativo de poder, relacionando-se com a ideia de horizontalidade e coordenação), e
constituído pelos elementos povo, território e governo. Ocorre que, a partir do desenvolvimento
das atividades econômicas, a centralizada estrutura de poder passou a ser um óbice ao
crescimento da burguesia, que buscava um modelo político absenteísta. Houve, nesse
momento, uma verdadeira ruptura nas relações políticas e econômicas, mormente após as
revoluções liberais, a citar a Francesa, havendo a ascensão do Estado Liberal.
No Estado Liberal, a maior preocupação era em relação aqueles direitos hoje
conhecidos como de primeira dimensão, os clássicos direitos individuais (liberdadade,
propriedade). Trata-se de um modelo político criado para satisfazer os ideais burgueses da
época, em que não havia intervenção estatal nas relações econômicas, as quais eram guiadas
pela mão invisível do mercado, consoante preconiza Adam Smith. Período de forte
industrialização, o perfil institucional do Estado Liberal coadunava perfeitamente com o ideário
burguês, o qual não se preocupava com as condições laborativas dos trabalhadores, sendo
este o principal motivo para uma nova ruptura no modelo político, advindo o Estado Social,
também conhecido como Estado do Bem Estar Social (Welfare State). O Modelo liberal
Da passagem do Estado Liberal para o Social, não houve, verdadeiramente, uma
ruptura nas relações de poder, mas tão somente mudanças decorrentes das transformações
sociais. O Estado social, pois, nada mais é que um Estado Liberal com elementos sociais, o
qual surgiu em decorrência das reivindicações dos proletários, os quais buscavam melhores
condições de trabalho e de vida. Aqui, o Estado passa a assumir outros compromissos, como
os direitos de segunda dimensão, relacionados à saúde, educação, trabalho, previdência, lazer,
etc., passando as Constituiçoes, inicialmente com características liberais, passando a trazer os
direitos sociais, a citar as CF do México de 1917 e de Weimer em 1919. Trata-se de modelo
político eminentemente intervencionista.
Na conversão ocorrida entre o Estado Liberal e o Social, algumas noções passam a ser
alteradas. A propriedade privada, por exemplo, tratada como direito fundamental no Estado
Liberal, permanece no Estado Social, mas é vista a partir de outro prisma, o da função social.
Não mais se trata de direito absoluto, mas continua existindo, muito embora seu exercício
encontre limites impostos pelo Estado. Fale-se, ademais, na liberdade contratual, a qual, assim
como a propriedade privada, deixa de ser um direito absoluto, como o era no Estado Liberal,
em que a autonomia da vontade era plena. Esta, no Estado Social, cede a outros interesses,
que não aqueles meramente particulares, sofrendo limitações estatais. Por isso que se fala,
nesse período, em dirigismo contratual.
Cite-se, ainda, a separação de poderes, a qual era bem delimitada no Estado Liberal,
pois visava assegurar a manutenção da burguesia no poder. Esta ganha nova forma no Estado
Social, passando a ser uma capacidade normativa de conjuntura, a qual permite uma mescla
entre as funções e os poderes. Há uma especialização dos poderes, e uns passam a exercer a
função dos outros. Por fim, fale-se nas normas programáticas, fenômeno típico do Estado
social o qual não coaduna com os ideais do Estado Liberal, posto que este não apresenta uma
meta ou um objetivo a ser observado, uma vez que nesse modelo estatal não há interferência
na dinâmica social, se buscando tão só a manutenção do modelo político e econômico vigente.
O que se observa, nesse ínterim, é que não houve uma alteração substancial das
relações de poder, continuando a organização social a se guiar pelos fatores políticos e
econômicos. Deixa de se falar em uma burguesia mercantil ou econômica para se falar em
uma burguesia financeira, guiada pela óptica capitalista e individualista típica do Estado Liberal.
Apesar da mudança de discurso, o Estado Social mantém o liberalismo burguês, consagrado
desde a Revolução Francesa, não se podendo falar, portanto, em uma ruptura. Assim, na
tentativa de compatibilizar valores inconciliáveis, como as virtudes do modelo liberal (liberdade)
com as do social (igualdade), surge o Estado Neoliberal ou Contemporâneo, modelo em que há
uma redução da dimensão empresarial do Estado, ao mesmo tempo em que há um reforço na
dimensão regulatória.
Já assentadas breves considerações a respeito da evolução dos modelos políticos,
cabe trazer à lume o desenvolvimento do pensamento jurídico durante essas passagens. Sabe-
se que, o marco jurídico do Estado Liberal Clássico, eminentemente privatista, é a
promulgação do Código Napoleônico, o qual consagrou os ideais clássicos desse período.
Período em que nascem as constituições, a teoria do direito, nesse período, buscava organizar
e racionalizar as normas jurídicas, surgindo diferentes teorias de interpretação do direito.
A primeira dessas teorias que merece destaque é a Escola de Exegese, para quem a
atividade interpretativa do direito seria meramente literal, gramatical. Para essa escola, o juiz
não apresenta poder criativo, sendo mero bouche de la loi, o qual desvendaria um sentido já
presente no texto. Os exegetas, por entenderem que o Parlamento era o legitimo representante
do poder, a serviço da burguesia, entendiam que o direito se resumia a lei, concedendo uma
importância demasiada ao Poder Legislativo. Um dos maiores mitos da Escola de Exegese era
que o direito possuía uma resposta para todas as situações fáticas.
Com o tempo, todavia, observou-se a existência de lacunas no direito e, em razão da
vedação do non liquet, não podia o Judiciário se eximir de responder as questões por ausência
de lei. A Escola da Livre Investigação Científica, nesse ínterim, apresentou um certo avanço
em relação à Exegese por entender que nos casos de lacuna o Juiz estaria autorizado a criar o
direito, à margem do texto. Fale-se, ainda, na Escola do Direito Livre, cujo compromisso não
era com a fiel interpretação da lei, que não mais se apresenta como um referencial vinculante,
mas com a realização da justiça.
Dentre essas três escolas, podem ser apontadas algumas diferenças, a citar o
entendimento destas a respeito de quem é o sujeito competente para criar o direito. É fato que,
na Exegese, era o Legislativo, mas se reconhece, já no Direito Livre, o poder criativo do
Judiciário e a importância desse poder. Ora, quando se fala em papel criativo do intérprete do
direito há essencialmente um subjetivismo, pois cada individuo apresenta uma forma própria de
interpretar as fontes do direito, o que gera uma aparente dicotomia entre a segurança e a
justiça. Na Exegese, a ideia de justiça coaduna com a de segurança jurídica, posto que
consiste meramente em respeitar a lei, o que sofre alterações nas demais escolas posteriores.
Outro impacto das aludidas escolas se deram na teoria das fontes, vez que o costume, na
Exegese era fundamentalmente secundum legem, ao passo que na Livre Investigação
Científica passa a se falar no costume praeter legem, e na Escola do Direito Livre se consagra
o costume contra legem. O costume, assim como a lei, atualmente, é visto como fonte formal, a
diferença é que sua eficácia se dá antes de sua vigência.
Costuma-se pensar o direito a partir do binômio segurança (previsibilidade) e justiça, os
quais são dimensões inversamente proporcionais. Um dos maiores embates, na atualidade,
consiste na tentativa de conciliar esses dois ideais na modernidade. Robert Alexy, por exemplo,
afirma ser possível o controle objetivo e racional das decisões a partir da fundamentação de
valores. É difícil compreender o direito sem que se pense em segurança, ideia tipicamente
liberal que, embora permaneça em nossa atual CF, não deve ser o único a servir como
referencial ao direito, posto que apenas a preocupação com o controle tem suas desvantagens.
Quanto à justiça, trata-se de termo com alta carga de subjetividade, o qual muitas vezes tem
serventia tão somente para legitimação de discursos. O binômio, pois, segurança versus justiça
apenas apresenta uma falsa dicotomia na atualidade.
Apesar das diferenças, as três referidas escolas apresentam algo em comum: a
racionalidade. Todas se utilizam de um modelo axiomático-dedutivo, baseado em premissas
maiores, menores e na conclusão, que levam a uma decisão. A utilização da racionalidade
cumpre, antes de tudo, um papel político, uma vez que serve como blindagem de debates,
posto que não se discute argumentos baseados na razão. Assim, decorre da pretensão de
neutralidade inerente a todas as teorias a utilização de um método racional.
Quanto à questão das lacunas no direito, deve o magistrado assumir seu papel criativo
para colmatá-las. Nesses casos, a fim de identificar a norma concreta a ser aplicada no caso
concreto, pode-se recorrer aos princípios gerais do direito, ao costume, à analogia e à
equidade.
Os primeiros são princípios reconhecidos sobretudo no direito privado, nascendo da
preocupação civilística na consagração de direitos fundamentais. Estes não se confundem com
os princípios constitucionais, os quais se apresentam como verdadeiras normas a serem
aplicadas. Como servem para eliminar a impossibilidade de decisão, estes não se encontram
necessariamente positivados, sendo encontrados a partir de uma dupla operação, via indutiva,
através da busca pelo princípio geral, e via dedutiva, a partir de sua aplicação ao caso
concreto. Apesar de se tratar de um processo racional para aplicação do direito, quando da
utilização de um princípio geral do direito há uma carga de subjetividade por parte do
magistrado.
Os costumes consistem em uma fonte formal do Direito, e, assim como a lei, é o
invólucro por meio do qual se encontra um juízo do dever-ser. Decorre da conjugação de dois
elementos: o objetivo, decorrente da prática reiterada de atos, e do subjetivo, o qual representa
a convicção de que aquele ato precisa ser praticado, devendo conjugar ambos os elementos
para que sirva como mecanismo de integração do direito. Em razão da ampla subjetividade
existente em ambos os elementos, as práticas costumeiras devem ser reconhecidas pelos
Tribunais.
A analogia consiste em um método de integração do direito que determina a aplicação
de determinada norma para uma situação análoga, semelhante nos seus elementos
essenciais. Assim como os demais métodos, tal processo, muito embora pareça ser objetivo,
apresenta subjetividade intrínseca, sendo expressamente vedado em alguns ramos do direito,
como o penal. Por fim, a equidade traz um juízo de igualdade, de ponderação, sendo um dos
métodos mais subjetivos a ser utilizados pelo intérprete do direito, haja vista a decisão decorre
de um sentimento de equiparação, em que a decisão decorre de um pessoal sentimento de
justiça. Aqui, há um total abandono da subjetividade, pois decorre da manifestação de
pensamento individual.
Diante de uma lacuna, o magistrado pode utilizar-se da livre escolha para realizar a
integração do ordenamento jurídico. Trata-se de métodos essencialmente discricionários e
subjetivos, que buscam o controle de decisões diante das lacunas. O Direito, apesar de
apresentar uma pretensão de objetividade, não consegue ser.

Aula dia 02/08/13


Quando se fala em cientista, pensamos em alguém que faz experiências, não necessariamente
ele está resolvendo os problemas da humanidade. A função dele é observar e descrever o
resultado de seu universo escolhido, a partir de um método. Um Juiz faz ciência quando decide
um caso concreto? Sentença é produção científica?
Quando se chega na modernidade, preza-se pela cientificidade, logo o Direito só teria valor, se
houvesse uma leitura científica. Cabe a pergunta: o direito conseguiu fazer isso? Consegue se
estabelecer como ciência? Um sociólogo descreve um fenômeno, historiador, físico, químico,
todos descrevem. Mas, nós no direito temos um problema sério: trabalhamos com prescrições,
não descrições, o que dificulta o desenvolvimento de uma cultura científica nessa área.
Obs: monografias de Direito – cunho muito mais persuasivo do que descritivo.
No horizonte do pensamento contemporâneo, alguém se preocupou muito intensamente com
esse debate de Direito como Ciência. Lembrar de Kelsen, Teoria pura do direito, padrão de
cientificidade para o direito. Kelsen continua influenciando o pensamento contemporâneo, se
se quer superá-lo, precisa de um outro referência.
Teoria Pura do Direito – Preocupação de pensar o direito como ciência. Kelsen quer
distinguir direito como ciência e direito positivo. Estudar direito não significa estudar
metodologicamente um objeto. Ciência do direito x direito positivo. Se insurgir contra um
sincretismo metodológico. Pureza, depurar a teoria. Teoria pura do direito, não é teoria do
direito puro. Referencial metodológico científico para o direito, esse foi o objetivo de Kelsen.
Ideia fundamental que perpassa todos os capítulos de Kelsen, embora não seja ideia dele, é a
distinção entre ser e dever ser. Em todos os capítulos, essa ideia fundamental, essa oposição
estará. O argumento principal é de que não há comunicação entre o mundo do ser e o mundo
do dever ser. Todo dever ser fundamenta-se em outro dever ser. O mundo do ser refere-se ao
mundo dos fatos; o do dever ser, das normas; no mundo do ser, trabalhamos com descrições;
no mundo do dever ser, trabalhamos com prescrições; no mundo do ser, tudo que fazemos é
descrever fatos e se isso é verdade, o olhar que alguém tem não é igual ao olhar das normas,
uma descrição poderá ser verdadeira ou falsa, mundo do ser trabalha com juízos de verdade;
no mundo do dever ser, não se fala em verdadeira ou falsa, o juízo é o de validade. Direito
obedece a uma estrutura piramidal, o que indica tanto do ponto de vista quantitativo, quanto
qualitativo. Ordenamento como pirâmide, do ponto de vista quantitativo quer dizer que em cima
tem menos normas e em baixo mais normas, evidente. Mas, existe uma consequência
qualitativa: normas em menor número são diferentes das que estão em maior número na base
da pirâmide. Há um grau de abertura maior dessas normas em cima dos que estão na base.
Quanto mais para cima, mais abertas, mais abstratas. Mais para baixo, mais concretas,
específicas. Sentença em quanto norma, precisa ter um fundamento de validade, uma outra
norma. Em época de neoconstitucionalismo, pós-positivismo, não há incompatibilidade de
aplicação de princípios, pois ele está obedecendo a pirâmide, aplicando diretamente a CF. A
obediência hierárquica resta intacta. Onde está o fundamento da CF? Por qual motivo
precisamos obedecê-la. É fruto do poder constituinte, do ponto de vista jurídico, nos atende,
mas na teoria pura, esse argumento não cabe, pois o poder constituinte apesar de jurígeno é
um poder de fato, não é um poder de direito, não é qualificado por nenhuma norma, ele
simplesmente existe no mundo dos fatos. O dever ser estaria fundamentado em um ser, o que
implodiria toda a teoria pura do direito, pois tudo poderia ser fundamentado em um fato, uma
vontade fática. Kelsen, então, termina criando a teoria da norma fundamental. Existe um dever
ser além da CF, que fundamenta a própria CF. Podemos pensar a CF no sentido jurídico-
positivo (posta) e no sentido lógico-jurídico (pressuposta). Tem que ser a norma pressuposta,
porque se for posta, quem é que pôs essa norma e se existe autoridade existe outra norma que
conferiu a autoridade, então conduziria ao infinito. Acima do direito posto, da CF, o que existe é
uma norma pressuposta que afirma: obedeça ao direito posto. Nenhuma preocupação com o
conteúdo do direito. Isso explica o funcionamento de uma ordem liberal, nazista, socialista,
qualquer conteúdo cabe aí perfeitamente. A única exigência é uma adequabilidade formal da
norma aos preceitos superiores. Crítica: Kelsen não introduziu nada de conteúdo, mas é
apressado dizer que ele não se preocupa com justiça, ele escreveu três livros sobre
justiça. A conclusão dele é que não se diz o que é justiça, logo ir pelo caminho da forma, do
conteúdo. Kelsen diz que todos os momentos da pirâmide são criação e aplicação do direito.
Lei ordinária é criação em relação as inferiores e aplicação das superiores e isso vale para
qualquer norma, inclusive sentença, etc. Salvo em dois momentos, na extremidade da base,
onde se tem uma pura aplicação do direito e lá em cima onde a constituição em sentido lógico-
jurídico, pura criação do direito, sem aplicação. Abaixo da sentença, atos de mera execução,
está só aplicando, “cumpra-se”. Kelsen subverte a lógica tradicional de quais as funções do
Estado. Ele diz que só existem duas funções no Estado, pois ele se confunde com o próprio
direito, a pirâmide é representação do próprio direito: criação e aplicação, independente de
poderes, vale para o executivo na função administrativa; no legislativo que cria e aplica; no
judiciário, que cria e aplica direito. Não são poderes substancialmente diferentes. Kelsen
promoveu um esvaziamento do conteúdo do direito. Falar em validade a partir de critérios
materiais, conteúdo, é bobagem. Comparação entre direito e moral. Direito e moral são ambos
formas de expressão de sistemas normativos, operando com dever ser, juízos prescritivos, no
campo da ética. A diferença é que a moral é incoercível, diferente do direito. Direito pode ser
exigido, força, apenas tem que cumprir. Diferentes mecanismos de derivação normativa,
encadeamento, relação entre as normas: direito do tipo dinâmico; moral, opera do
estático. A diferença está nos mecanismos de derivação normativa de um e outro, direito
dinâmico; moral, estático. Na derivação normativa de tipo dinâmico existem relações de
fundamentação diferentes das do ponto de vista estático; estático oferecem
fundamentação tanto no plano formal quanto moral; na dinâmica, só no plano formal.
Preceitos morais, ex: “não mentir, não fraudar” – princípio de que a pessoa deve ser honesta,
ideia de veracidade, ponto em comum entre esses preceitos
“Não ferir, não matar.” – amar ao próximo
E existe algo em comum entre o princípio de amor ao próximo e o de veracidade, para Kelsen
seria o princípio da harmonia universal, norma fundamental desse sistema moral.
Portanto, oferece fundamentação formal e material, todo o conteúdo do sistema está anunciado
na própria norma fundamental. Tudo fundamentado no princípio da harmonia universal, forma e
conteúdo. Por isso é estático, não há variação de conteúdo.
No Direito, “os filhos devem obedecer aos pais” como norma fundamental de “os filhos devem
dormir cedo”. A norma fundamental não se altera quando “saia do sofá”. Sistema normativo de
tipo dinâmico, porque aqui existe um processo de criação, de alteração do conteúdo que não
está anunciado na norma fundamental. Direito cria uma autoridade e o conteúdo é irrelevante,
diferentes tipos de derivação normativa. No direito, tipo dinâmico, demanda um processo de
criação, que dê essa fundamentação formal.
Trabalhamos com a dimensão interna da validade, de obediência a normas superiores. E as
ordens jurídicas com pretensão de validade em mesmo tempo e espaço? Dimensão exterior de
validade. Ex: crime organizado, máfia, ordens paralelas, dificuldade de decidir qual ordem a
seguir.
Não há comunicação de ser e dever ser, momento crítico da teoria pura do direito.
Aula dia 07/08/13
Kelsen - incomunicabilidade do ser e do dever ser – todo dever ser da norma se fundamenta
em outro dever ser, daí o artifício lógico da norma fundamental hipotética
Irredutibilidade do ser ao dever ser
Concessão sociológica a esse argumento. Validade externa, algumas dificuldades
quanto a fundamentação do próprio direito. Identificar qual a ordem jurídica válida
quando existirem duas ou mais ordens com pretensão de validade no mesmo tempo e
espaço. Tema do pluralismo jurídico, leitura sociológica. Mais de uma ordem com
pretensão de vigência no mesmo tempo e espaço. Se tempo e espaço são diferentes, não
existe conflito. Ex: CF de 88 e 1891 – ordens distintas, não há conflito, o tempo é distinto.
Também não há conflito entre ordem do Brasil e da Alemanha, âmbitos espaciais diversos. O
problema é quando tempo e espaço coincidem. Itália, questão da máfia, organização articulada
do ponto de vista formal e material, existe uma ordem semelhante àquela da oficialidade,
Estado paralelo, só não há o reconhecimento oficial das suas disposições. Colômbia, as FARC.
Crime organizado no Brasil, favelas. Fenômenos semelhantes. A partir da Teoria Pura, que
resposta seria dada a isso? Qual seria válida? Aqui o que quer saber não é a validade interna,
mas qual das ordens é aquela a ser aplicada, válida, do ponto de vista externo? Não é
conformidade com a CF, mas por qual motivo a norma fundamental, a CF, deve ser obedecido
em lugar de outro? Pergunta difícil de ser respondida. Kelsen não trabalha com conteúdo, com
ideia de justiça. Não se pode dizer que essa ou aquela com base em critério material. Até
porque o critério de justiça varia, não sendo recepcionado por Kelsen. A ordem jurídica que
deve ser considerada válida é a capaz de se estabelecer enquanto ordem jurídica globalmente
eficaz. O que ele diz é que a validade deriva em certa medida da eficácia. E isso significa dizer
que aquela separação inicial entre ser e dever ser talvez não seja tão rígida assim. Eficácia é
questão de fato, mundo dos fatos. Validade, de direito, mundo das normas. O dever ser se
fundamenta em alguma medida no mundo do ser, dos fatos. Isso é mais crítico que o problema
da norma fundamental. Ele reconhece que ser e dever ser não estão tão separados assim.
Kelsen parece jogar fora a coerência da teoria pura do direito. Até recuperá-la a posteriori. O
que ele diz é que uma norma é válida se pertencer a ordem jurídica globalmente eficaz. Como
se as normas tivessem como espelho a totalidade de todas as normas do sistema.
Independentemente de ser eficaz ou não, a ordem jurídica é que precisa ser eficaz. A norma se
olha no espelho e vê por trás dela uma ordem globalmente eficaz, então é válida. A eficácia
necessária não é pontual, daquela norma em si, mas da ordem jurídica. Ex: ao sentenciar e
condenar alguém por homicídio, o Juiz fundamenta no Código Penal, mas ele está confirmando
a ordem jurídica, reafirmando a eficácia global daquela norma jurídica, em todo e qualquer ato
praticado por ele. Todo o procedimento é confirmado, confirma sua autoridade de juiz, reafirma
a validade do concurso de juiz, reafirma regras diversas. O mesmo serve para autoridade do
executivo, legislados. Todos criam e aplicam direito. Existem pontes, passagens entre ser e
dever ser, mas isso não é suficiente para colocar o aspecto fático acima da validade do direito.
A ordem jurídica válida é aquela mais forte. Bobbio: o direito tal como ele é, é expressão dos
mais fortes, tão melhor se os mais fortes forem mais justos. O problema é força, autoridade. No
dia que os chefes do tráfico conseguirem se organizar e amealhar certa simpatia popular, a
ordem a ser obedecida é a instituinte, seja lá o conteúdo que ela tenha. Isso é típico das
revoluções. Texto de Lourival Vilanova “Teoria da revolução, anotações à margem de Kelsen”.
2ª guerra mundial, França ocupada, mas nunca deixou de ser Estado, nunca perdeu sua
personalidade jurídica, porque o poder insurgente nunca se estabeleceu como ordem jurídica
globalmente eficaz. Houve resistência, enquanto houver essa tensão, não é possível dizer que
existe a ordem jurídica globalmente eficaz. 1ª guerra do golfo, Iraque pretendeu anexar o
Kuwait, resistência interna e externa. O poder insurgente não se estabilizou. Não há critério de
ordem justa, injusta, o critério formal prevalece, a validade é mais importante. A única
concessão à eficácia que Kelsen faz é de uma ordem globalmente eficaz. As
disfuncionalidades do sistema não representam perda da validade, a eficácia global persiste e
imuniza eventuais normais ineficazes.

Aula dia 09/08/13


É preciso que o conhecimento seja traduzido para um caráter científico na modernidade, para
que seja reconhecido. É possível pensar o direito a partir de uma dimensão científica, diz
Kelsen.
Aula passada, possibilidade de construir pontos de contato entre ser e dever ser, algo que
Kelsen tentou colocar em mundos distintos. Fatos e normas.
Qual a diferença entre direito como ciência e direito como norma? Como norma, está
falando do direito positivo, um conjunto de prescrições que tem nas fontes do direito
suas maiores expressões: lei, costume e jurisprudência, juízos do dever ser.
Preocupação em prescrever condutas, algo que não é função da ciência, pois. O
cientista está preocupado com a descrição, descrever fatos, metodológica e
ordenadamente. O cientista experimenta e descreve. No direito a postura é diferente,
mesmo enquanto “cientistas”. No direito trabalhamos no plano prescritivo, preocupado
em enfatizar essa dimensão prescritiva e não a descritiva da ciência. Linguagem
prescritiva, típica do mundo do dever ser, de todas as fontes, lei, costume e
jurisprudência.
Obs: lei não é dever ser, é o texto onde encontramos o dever ser. A norma é o dever ser.
Norma é o juízo que extraímos após a observação dos elementos textuais.
Direito como ciência, preocupação com descrições, para o cientista do direito, linguagem
descritiva, a norma nada mais é do que um fato a ser descrito. Ele não olha para a norma com
um sentido de prescrição. Isso é fazer política em nome da ciência, pois ele só pode descrever.
Campo do ser na ciência do direito. A distinção é a forma como utilizamos da linguagem,
construção linguística. A da ciência é uma metalinguagem, acima da linguagem do dever ser,
típica do direito positivo. Kelsen então constrói a partir daí a imagem da moldura, para
justificar a interpretação do direito, dentro de limites estabelecidos pela ciência. O juiz e
o advogado devem preencher esse quadro, preencher a moldura. A ciência não vai dizer
qual a melhor intepretação, ela só diz que existem decisões variadas possíveis e o
operador deve selecionar uma delas, apontando qual a desejada para aquele caso
concreto. Juízo prescritivo, de como deve ser pintado o quadro. O cientista diz a moldura é
esta e dentro dela todas são possíveis. Mas, Kelsen ignora que a própria linguagem prescritiva
possa interferir nos limites da moldura. Sempre que o juiz decide de uma forma, ou outro poder
cria e aplica o direito, a gente tem novas possibilidades de arranjos que interferem nos limites
da moldura. A moldura pode ser maior, diferente, daquela apontada pela ciência inicialmente.
Excesso de zelo na separação de ser e dever ser, que acabam se relacionando. Função da
ciência: como as coisas são. No direito positivo: como devem ser. Quem está investindo de
poder é que vai dizer qual o conteúdo do direito. Assim, nos coloca em uma situação sem
qualquer definição de conteúdo, é o desafio kelseniano apontado por Tércio Ferraz. Não há
critério para ir além desses limites, estabelecendo conteúdo para o direito. Revela que o ato de
decidir é um ato de vontade ou um ato de conhecimento? Quando ele decide, está decidindo
porque sabe que é melhor, ou porque ele quer? Ela se estabiliza por ser fruto de conhecimento
que a legitime ou por ser fruto de uma autoridade legitimada pelo sistema? Oposição entre
saber/conhecer e querer. Decidir é ato de conhecimento ou de vontade? Toda e qualquer
decisão envolve sobretudo um ato de vontade, de um querer e essa passagem é a mais
em sintonia com os debates atuais do funcionamento do poder judiciário.
Reconhecimento de Kelsen de que há um voluntarismo. Consciente ou
inconscientemente há a influência de fatores outros.
O esforço de Kelsen é de criar registros diferentes para o conhecimento jurídico, desfazendo
alguns mitos anteriores de que todo ato de decidir envolve uma cientificidade. Aquilo não é
ciência. Há conhecimento, mas há uma necessidade prescritiva na resolução de conflitos.
Compromisso com prescrição.
O custo disso foi precisamente o esvaziamento do direito de qualquer conteúdo. Não há
qualquer critério para dizer que uma ordem democrática ou liberal ou nazista é melhor ou pior
que as demais, são todas ordens, desde que obedecendo as diretrizes das normas superiores
e em última instância de uma norma fundamental, representante de uma ordem jurídica
globalmente eficaz. Critério formal de validade é introduzida pela teoria pura do direito.
As melhores tentativas de superação da teoria pura do direito aconteceram a partir do final da
2ª guerra mundial – pensamento jurídico contemporâneo. Marcos fundamentais, com esse
período. Pós-positivismo, direito enquanto valor. Novo desenho das preocupações que o
direito deve agora obedecer. Isso influencia o direito interno e o internacional. A partir
daí, nascem aqueles acordos internacionais em matéria de direitos humanos, ONU,
Tribunais importantes. Internamente, criação dos tribunais constitucionais, a partir do modelo
germânico-austríaco, europeu. Novidade: reaproximação entre direito e moral. A diferença
entre o positivismo clássico e o pós-positivismo é a necessidade de um conteúdo ético,
compromisso com valores, dignidade humana, para evitar, por exemplo, o advento do nazismo.
Para o positivismo, o mais importante é a lei, que se expressa com a ênfase na supremacia do
código civil. Outra característica do positivismo clássico, o poder mais importante é o
legislativo, que elabora a lei. Decisões no positivismo são tomadas a partir do princípio
majoritário, dissenso se resolve com o voto. Pós-positivismo, mudança, pois a aposta no
modelo anterior fez com desaguasse no nazismo. A expressão pós-positivismo é interessante
porque ela diz aquilo que ele é contra, aquilo que ele não é, não indica o que ele é. Hoje, novos
parâmetros: a lei não é a expressão mais relevante, que hoje passa a ser a constituição, não
apenas como texto, mas como espaço a tutela de valores inerentes a condição humana, como
o princípio da dignidade da pessoa humana. A lei passa a ser submetida a CF, vitória
fundamental dos gregos sobre os romanos, segundo Gustavo Tepedino, pois o pensamento
publicista típico dos gregos volta com muita força. Toda a leitura do direito civil hoje é
publicista, como contratos com base na função social. Outra: o poder legislativo que era a base
cede espaço ao judiciário, legítimo intérprete da CF. Supremacia do Judiciário,
desenvolvimento da jurisdição constitucional, dando configuração de importância a própria CF,
uma antítese ao princípio majoritário, pois é a contrariedade a algo que seria vontade da
maioria. Ao declarar a inconstitucionalidade, está derrubando algo que foi votado pela maioria
dos parlamentares, representantes do povo. Desenvolvimento da jurisprudência de valores
nesse contexto de valorização da CF, função do intérprete a de identificar os valores mais
importantes da CF e zelar por eles. Essa foi a barreira de contenção a eventuais ideais
autoritários. Nem toda norma formalmente válida é válida se não cumprir determinados
aspectos sociais. Com a recuperação ética e moral do direito, uma disposição adequada
formalmente é inválida juridicamente se não se adequa a preceitos sociais. Kelsen agora é
recuperado, com o excesso de se tudo é dignidade humana, resgata-se a questão da moldura,
para dar maior segurança.
Essa resposta pós-positivista foi alemã, mas similar à de outros, como Itália, Espanha e
Portugal, levando ao pensamento jurídico nacional. A solução foi próxima, todos convergindo
para uma estrutura semelhante. O Brasil, a partir de 88, sobretudo, discurso em torno da
efetividade da CF. A CF passa a ser não apenas uma declaração de boas intenções, passa a
ser uma norma que deve ser concretizada socialmente.
K. Hesse – a força normativa da constituição – debate com Lassale, pois diz que a CF tem uma
força normativa própria, o direito também pode condicionar esses fatores de poder.
P. Haberle
Friedrich muller
Robert Alexy
Todos defendem um compromisso com a efetivação da CF. Alexy, distinção entre regras e
princípios, sendo um princípio mandado de otimização, precisando de aplicação no maior modo
possível, otimizados. Assim como Muleer quando diz qual o povo e a sua participação. Haberle
– CF interpretada não apenas pelos tribunais, mas pelo povo, vide amicus curiae, audiências
públicas.
Portugal – Canotilho, que trabalho com Hesse.
Cenário a tudo ser recebido no Brasil, sobretudo com a democracia. Referências aqui, embora
não se coloquem como pós-positivistas, Bonavides quando defende um Estado não de direito,
mas de justiça. José Afonso da Silva, quanto a aplicabilidade das normas constitucionais,
normas de eficácia plena, contida, limitada. Nos anos 90, alguns defenderam a dignidade
humana, etc, como único modo de se resolver conflitos, vide Barroso.
Obs: cuidado com as importações de experiências que não são nossas, a pretexto de
realização de democracia e cidadania no país. Até porque são seletivas, decisionismo,
subjetivismo consagrado a pretexto de uma valorização do conhecimento jurídico.
1ª ideia: O chamado pós-positivismo representa um momento de crítica do pensamento
jurídico e de rearticulação de seus fundamentos. Se no positivismo encontramos um
compromisso evidente com a valorização da lei, bem como, a atribuição de importância
ao poder legislativo e a adoção do princípio majoritário como critério de decisão, o pós-
positivismo traz para a Constituição e a sua interpretação realizada pelo poder judiciário,
a responsabilidade pela definição dos critérios juridicamente vinculantes, da mesma
forma desenvolvem-se técnicas contra majoritárias de decisão sobretudo no âmbito da
jurisdição constitucional. Este processo resulta na valorização de uma dimensão valorativa
do direito em decorrência de uma reaproximação entre direito e moral. A Constituição passa
assim a ser o centro de gravidade moral e ético de um ordenamento jurídico ao mesmo tempo
em que desenvolve-se uma jurisprudência de valores. Esse processo experimentado
inicialmente na Alemanha é reproduzido em países vizinhos, recém saídos de experiências
autoritárias ou totalitárias e chega ao Brasil, a partir da CF de 88.
Sumário
1. Aula 14.02.2013 .................................................................................................................... 1
2. Aula 06.03.2013 .................................................................................................................... 5
3. Aula 07.03.2013 .................................................................................................................. 16
4. Aula 13.03.2013 .................................................................................................................. 17
5. Aula 14.03.2013 .................................................................................................................. 23
6. Aula 27.03.2013 .................................................................................................................. 25
7. Aula 03.04.2013 .................................................................................................................. 37

1. Aula 14.02.2013

Na tentativa de colocar uma lupa agora sobre determinados aspectos


desse projeto moderno, então vou discutir com vocês, do ponto de vista institucional e
político o que isso representa, ou seja, o que representa esse projeto moderno. Bom, a
gente sabe que existe uma forma peculiar de organização social e política que
caracteriza a modernidade, não é? Como é que as pessoas se organizam politicamente
na modernidade? Será que em tribos? Será que em feudos? Ou em cidades? Ou em
Estados? Parece que todas essas experiências são experiências, sem dúvida nenhuma,
do que a gente pode chamar de experiências conhecidas pela história, e por tanto,
válidas, de organização política e social. Uma tribo, por mais rudimentar que seja, é
uma forma de organização social, mas não dá pra dizer que uma tribo é o modelo por
excelência, o modelo típico de organização dos povos na modernidade. A
modernidade caracteriza-se pela construção de mecanismos de racionalização de
exercício do poder que culmina com o surgimento de uma forma até então
desconhecida de exercício de poder. Ou seja, esse modelo ao qual eu quero me referir
aqui, o modelo típico de organização política e social que a modernidade consagrou é
precisamente o Estado Moderno que, aliás, como tudo o que se refere à modernidade
é também um conceito em crise. Não é apenas a modernidade que está em crise. A
gente cansa de ouvir "crise da modernidade", "crise da racionalidade", "crise do Estado
Moderno". Mas de qualquer forma, o modelo de organização que a modernidade
consagrou, adotou como exemplar é, sem dúvida nenhuma, o chamado Estado
Moderno. Mas olha lá, o que é que tem de diferente o Estado Moderno, por exemplo,
de uma tribo? Ou uma polis? Ou de um feudo? Qual a diferença fundamental afinal de
contas? Porque é tão inovador esse modelo de organização afinal de contas? O que
tem de diferente? Porque se a gente olha bem, todos esses modelos que eu citei são
1
formas de organização política e social. Assim como a tribo, assim como o feudo, assim
como o Estado são formas de organização social. Mas o Estado introduz algumas
novidades que a história institucional até o momento da criação do Estado
desconhecia. Eu tô falando aqui de uma unidade que é, simultaneamente, territorial,
pessoal e formal. Ou seja, não há Estado sem a dimensão territorial, como não há
Estado sem a dimensão pessoal. Daí aquilo que a gente aprende lá em Teoria do
Estado, os chamados Elementos Constitutivos do Estado, que são: o elemento pessoal,
o elemento espacial e o elemento formal, aos quais a gente chama de povo, território
e governo. Esse governo normalmente qualificado pela soberania, que é, aliás, como
todos os conceitos que aí decorrem, conceitos que estão também em crise. O próprio
conceito de soberania está em crise. Aliás, a própria noção de povo está em crise
diante das questões relativas a um multiculturalismo, de uma fragmentação dessa
unidade nacional, e porque não dizer também, a própria ideia de jurisdição territorial
como algo mais fluido na época contemporânea, nos dias de hoje, no momento em
que experimentamos e percebemos essa dinâmica. Então, o Estado é uma realidade
consagrada pela modernidade e tem como função ou missão principal permitir o
exercício do poder de forma racional. Portanto a gente pode dizer que o Estado é fruto
desse espírito racionalista moderno que exige pautas ou padrões de exercício de poder
que ocorram dentro de limites racionais. Bom, e como é que isso surge? O primeiro
modelo de Estado conhecido pela modernidade ainda é o modelo absoluto. Talvez,
ainda não tenha o Estado nesse momento assumido aquelas feições que o
notabilizaram ao longo da modernidade. Talvez o modelo de Estado Liberal, o modelo
clássico de Estado Liberal, seja a imagem mais evidente, ou mais forte, do que é o
compromisso do Estado na modernidade. Mas talvez seja importante lembrar que a
primeira manifestação de Estado não é propriamente um Estado Liberal. Ou seja, a
gente já tem a definição de elemento pessoal, elemento espacial e elemento formal,
os elementos constitutivos do estado e, portanto, a proclamação do Estado e a
proclamação de soberania, a própria ideia de nacionalidade, territorialidade e tudo
que daí deriva desde a fundação do chamado Estado Absoluto. E talvez seja
importante a gente discutir como aconteceu esse processo de fundação do Estado
Moderno. Se a gente olhar para o que era a Europa no momento em que não existiam
os Estados Nacionais, os chamados Estados Modernos, a gente tinha uma situação em
que existiam unidades territoriais, os chamados reinos. Mas nesses reinos, quem é que
mandava? Se eu tô falando de reino então existiam reis e rainhas, castelos e tudo
aquilo mais que a realeza costumava cultuar. Mas aquilo que era fundamental talvez
faltasse para o rei, que era o exercício efetivo do poder. Quem mandava, e quem
exercia o poder era, neste contexto, eram os senhores feudais, a nobreza feudal,
sobretudo aquele mais poderoso. Quanto maior o número de vassalos (que possuísse
o maior número de cavaleiros e de soldados leais às suas causas era o mais temido, e
era quem exercia efetivamente o poder, porque ele podia invadir quem ele quisesse e
podia resistir com mais folga contra ataques provenientes dos outros feudos. Então a

2
gente tinha uma verdadeira pulverização, uma fragmentação do poder. A função do rei
era, única e exclusivamente, a de conferir uma certa unidade - muito precária, por
sinal - territorial, mas o poder mesmo quem exercia era o Senhor Feudal. E claro que
havia uma realidade semelhante nos reinos vizinhos, que passavam por uma
experiência idêntica de fragmentação do poder e de exercício pulverizado das diversas
formas de poder. Por isso tínhamos, aqui, nesse período, o desenvolvimento de
diversas manifestações de juridicidade, de direito, de acordo com os diversos feudos
(???). Para complicar ainda mais a situação do rei, aparece, em um certo momento,
uma pretensão de um Sacro-Império Romano-Germânico, ou seja, o Papa pretende
anexar, sob sua autoridade, todos os reinos cristãos na Europa. Então vejam: Se a
função única do rei era a de certa forma revelar uma unidade territorial e até isso ele
iria perder por conta de uma pretensão da Igreja Católica (o Sacro-Império Romano-
Germânico), então nem pra isso o rei serviria mais. E aqui é curioso, porque é neste
momento de tensa adversidade para o rei, que já não mandava nada do ponto de vista
do seu reino e agora via uma pretensão externa, que é fundado o Estado Moderno. Ou
seja: o rei, que a primeira vista perderia o pouco que já tinha, aparece como soberano.
Como é que isso foi possível? Isso foi possível a partir do desenvolvimento de alianças
estratégicas dele - o rei - com aqueles que mais adiante viriam a ser seus piores
inimigos: a então nascente burguesia europeia. Alguns séculos adiante, os burgueses
viriam a derrubar o próprio rei, mas neste momento eles foram fundamentais para
permitir, diante dessa aliança do rei com a burguesia a fundação e afirmação do Estado
Moderno. Do ponto de vista prático, o rei luta em duas frentes de batalha. Por isso que
se diz que o resultado desse processo se deu em virtude da luta de duas espadas: uma
luta para dentro do próprio reino, contra os senhores feudais; e para fora, contra o
Sacro-Império Romano-Germânico. Bem sucedido nessas lutas, ele afirma-se e aí nasce
a ideia de soberania. Vejam que não é por acaso que analiticamente a gente pode
decompor a soberania em duas dimensões. Não é que são duas soberanias, soberania
é uma só, mas a gente pode perceber que a soberania se manifesta de duas formas:
para dentro e para fora de um Estado. A gente tem então uma manifestação para
dentro, que se revela afirmativamente ou positivamente; e para fora, como uma
reação ou uma negação. Talvez isso explique o fato de que esse mesmo poder
soberano seja caracterizado no plano interno por uma verticalização do poder, um
escalonamento, uma estruturação do poder que é o que acontece até os dias de hoje
do ponto de vista do que é a afirmação do poder estatal, do poder soberano do
estado, que é um poder máximo, incontestável. E do ponto de vista de uma
manifestação externa, no plano horizontal. Por isso a gente diz que soberania é um
conceito que não admite graus. Soberania é um conceito que só existe se forem
atendidas as exigências referentes à possibilidade de exercício desse poder em direção
ao elemento pessoal e em direção ao elemento espacial. Só tenho soberania assim. Se
faltar qualquer desses elementos, ou seja, o modo de incidência desse poder em
direção a esses elementos, eu não tenho Estado, posso ter qualquer outra coisa menos

3
um Estado. Vejam que do ponto de vista de um direito interno nós temos aqui
claramente a definição de uma hierarquização, de uma subordinação do poder. Do
ponto de vista do Direito Internacional temos aqui uma coordenação. Isso significa que
nenhum Estado é mais soberano que o outro. Isso pode parecer uma loucura, né. A
gente de repente afirmar tão taxativamente que nenhum Estado é mais soberano que
o outro. Isso é uma argumentação, claro, eminentemente jurídica. Claro que
politicamente, economicamente, historicamente, socialmente, culturalmente ou por
qualquer outro critério que possamos adotar, os Estados são bastante diferentes entre
si. Mas do ponto de vista de uma fundamentação jurídica em virtude do poder, da
forma como o poder é exercido, todos os Estados são igualmente soberanos quando
conseguem a definição dos seus elementos constitutivos. Então é tão soberano, por
exemplo, a China, com mais de 1 bilhão de habitantes, acho que 1/5 ou 1/6 da
população do planeta, tanto quanto uma pequena ilha do Pacífico, chamada Nauru,
que tem uns 20 mil habitantes apenas. São igualmente soberanos. São Estados
soberanos. São Estados que possuem a definição elementar daquilo que se exige para
o exercício do poder na qualidade de Estado. Vejam, portanto, pessoal que esse
processo é um processo que leva à construção de um modelo de organização política
jurídica e social que tem atravessado séculos e tem, claro, sido modificado. Era isso
que eu queria conversar com vocês na nossa próxima aula, sobretudo essa passagem
do modelo de Estado Absoluto para o Estado Liberal e depois, na sua leitura Social, e
ver efetivamente o que aconteceu até chegarmos ao Estado Contemporâneo (talvez
um Estado Neoliberal, não sei como qualificar um Estado que mantém determinados
compromissos liberais mas se propõe a (???)). De qualquer forma, as matrizes
fundamentais são lançadas aqui, neste momento. Aqui existe já uma burocracia, uma
centralização de uma organização do poder. Existe já uma estrutura de um exército
controlado já pelo soberano, existe já toda uma estrutura burocrática que é típica de
qualquer modelo de Estado até os dias de hoje. Esse modelo é, portanto, um modelo
emblemático. Agora, uma coisa curiosa, que talvez seja importante a gente relembrar,
é que esse processo também se propôs a provocar uma identificação - já que estou
falando aqui de Estado-Nação - entre dois conceitos nem sempre facilmente
harmonizáveis: primeiro o conceito de Estado, que é um conceito jurídico e é um
conceito político; e segundo, o conceito de nação, que não é um conceito jurídico.
Pode ser até certo ponto político, mas não é, certamente, um conceito jurídico-
político. O conceito de nação é muito mais um conceito sócio antropológico do que
propriamente jurídico. É um conceito muito mais ligado à matéria do que à forma.
Uma nação é um grupo humano no qual encontramos, primeiro, objetivamente,
determinados elementos que identificam esse grupo. Quais são esses elementos
objetivos? Eles falam a mesma língua, falam de uma mesma forma, tem uma mesma
origem histórica, étnica, cultural, partilham de uma mesma religião... Enfim: traços
culturais, que por si só não são suficientes, porque, por exemplo, brasileiros e
portugueses falam a mesma língua, mas eu acho muito difícil que nós, enquanto

4
brasileiros, por falarmos a mesma língua que os portugueses, venhamos a nos sentir
como portugueses, me parece que isso está fora de cogitação. Então, esses elementos
objetivos são apenas indicativos de que ali provavelmente existe uma nação. Além
destes elementos objetivos, é preciso ainda uma dimensão subjetiva. Ou seja, é
preciso que aja um sentimento de pertinência ao grupo. É preciso que,
subjetivamente, cada pessoa se sinta pertencente a esse todo, aí eu tenho uma nação.
Também o ideal do Estado-Nação pretendeu promover essa assimilação entre uma
dimensão formal (jurídica) e uma dimensão material (sócio antropológica), de tal
forma que, para cada Estado teríamos uma nação, e vice-versa. Ou seja: O Estado seria
uma representação de uma organização política e institucional de um grupo nacional,
e a nação seria a base social e material dessa organização política. Então, essa
pretensão de correspondência entre Estado e Nação talvez tenha sido uma grande
aposta desse projeto moderno, que é difícil a gente defender nos dias de hoje. Todos
os Estados são Estados Plurinacionais. O reconhecimento da plurinacionalidade não é
tarefa simples nos dias de hoje. O Brasil é um Estado Plurinacional? A gente gosta
muito de apostar também nessa ideia da miscigenação, da cordialidade, mas não sei se
essa é uma questão muito bem resolvida não no nosso país. Talvez não seja uma coisa
tão latente, tão intensa, se a gente pensar, por exemplo, em um grande conflito
internacional, observem que, provavelmente, neste conflito em que pensamos, na sua
base existe a questão étnica e racial. Esse componente estava presente na I Guerra
Mundial, na II Guerra mundial, agora nessas recentes remodificações do mapa
mundial, com o esfacelamento da Iugoslávia, a questão da África, em Ruanda, por
exemplo, onde duas tribos diferentes, duas etnias diferentes se destruíram e mais da
metade do país foi eliminado numa sangrenta guerra civil. Enfim, este componente
étnico de fato é muito forte e a pretensão de unificação disso nos Estados
Contemporâneos não é algo tão facilmente discutível. Bom, mas a ideia principal é
tentar mostrar pra vocês que esse modelo nada mais é que uma resposta a essa
pretensão de racionalização quanto ao exercício do poder. Na fase do Estado Absoluto,
talvez ainda seja muito intensa a luta da ideia de razão como forma de organização do
poder e as questões religiosas, que ainda permanecem. Por exemplo, um rei
absolutista muitas vezes se coloca como o próprio representante de Deus na terra.
Mas de todo modo, isso representa, do ponto de vista de uma caminhada em direção à
secularização, e à organização em padrões nacionais, um passo importante.

2. Aula 06.03.2013

Bom, pessoal, eu queria nesse nosso encontro de hoje, eu queria conversar com vocês
sobre algo que eu acho que já tive até oportunidade de começar a falar. Eu acho que na última
aula antes da prova a gente começou a conversar sobre as origens do Estado, não foi assim? E,
na verdade, o que eu queria era dar sequência a esse argumento; eu mostrei pra vocês que no
horizonte da modernidade um dos imperativos de racionalização do exercício do Poder levou
5
ao surgimento do chamado Estado Moderno/ Estado Nação, que surge, enquanto estado
absoluto, portanto, naquele momento, a formatação sobre a forma e o modo do exercício do
poder resultava em um modelo absolutista, mas ali já estavam presentes todos os elementos
da teoria clássica do estado, enfim a definição territorial, portanto a noção de jurisdição
territorial, a ideia de nacionalidade, enquanto elemento plano do estado, a ideia de soberania,
enfim, com todos as repercussões que ela implica, enfim, tudo isso já estava bem definido,
bem organizado. E o que eu queria tentar trabalhar hoje é justamente essa passagem, do
modelo de estado absoluto, para o modelo seguinte, que viria a ser um modelo bem diferente
e talvez seria uma etapa decisiva no que se refere a essa implantação desse modelo racional,
né, do ponto de vista do Direito, o que veio com o Estado absoluto é definitivamente
incorporado à nossa tradição jurídica.

Bom, se a gente olha então para a dinâmica, né, o que é que acontecia efetivamente
aqui, a gente lembra que a burguesia, é, no momento em que o Estado Absoluto é fundado, a
burguesia foi decisiva para a fundação do próprio Estado Moderno, no que se refere a uma
afirmação do poder contra a nobreza feudal, foi importante a burguesia estar perto do rei, mas
o problema é que, com a dinâmica absolutista efetivamente instalada, a gente tem a grande
dificuldade de, de certa forma, explicar ou de manter [interrupção]. Bem, então eu dizia que a
burguesia, que havia sido decisiva na formatação desse Estado Moderno, em um certo
momento começa a ser um entrave para a estrutura do poder absolutista e vice-versa, né?
Porque o que acontece é que se vocês tem, vejam lá, um Estado absoluto, que pode, portanto,
fazer o que absolutamente bem entenda, porque, afinal de contas, não há nenhum referencial
de limite ao exercício do poder, não é? Por exemplo, não há a noção de Estado de Direito, não
há, portanto, uma noção de direitos fundamentais, então o que decorre disso é que ninguém
tem direito a absolutamente nada, a não ser o próprio rei, o próprio monarca, que pode
mandar matar, pode mandar prender, pode mandar despojar uma pessoa de seus bens, e,
nessa hipótese, a quem reclamar? Não há instância de reivindicação possível, porque o rei,
monarca absoluto, tudo pode. E vejam que tudo o que o rei faz é interpretado sempre como
algo bom em si, como algo que é, enfim, revertido, necessariamente, em benefício da
coletividade, já que a vontade do rei é a própria vontade do Estado. Então dá pra a gente
imaginar que, numa estruturação como essa, é terrível para os interesses de uma burguesia
mercantil, que começa a ganhar uma dimensão, uma projeção significativa, já que ela não
pode planejar o seu futuro. Ou seja, quem trabalha em determinada oficina não sabe se vai
continuar lá e nem por quanto tempo vai continuar lá, porque pode, a qualquer momento,
chegar um emissário do rei e dizer: olhe, daí que aqui agora vai ser outra coisa, que o rei não
quer que funcione. Um outro exemplo é que, enfim, a taxação, enfim, as cobranças por parte
do Estado eram absolutamente variáveis e, assim, impossíveis de serem apreendidas dentro de
uma lógica racional que permita o planejamento dos lucros. Então vejam que isso chega a um
momento crítico, e esse momento crítico é justamente quando o Estado absoluto começa a ser
um grande entrave para a burguesia. E vejam, a burguesia, de aliada inicial com o Estado, ou
seja, o monarca, passa a ser agora o seu pior inimigo. E a gente tem nesse horizonte, portanto,
uma crise, que leva a uma ruptura com o Estado absoluto e à afirmação de novos
compromissos sociais. Funda-se, assim, o chamado Estado Liberal clássico, que é um Estado
construído e formatado para atender aos interesses da burguesia. Do ponto de vista
estritamente jurídico, a gente pode dizer que o que importa para o Estado Liberal é,

6
sobretudo, é a garantia e a defesa da chamada “esfera privada”, que é construída a partir do
estatuto normativo dos direitos individuais. Pessoal, eu diria que esse é o ponto zero da
história do chamado Estado de Direito. O Estado de Direito na Modernidade, portanto, nasce
justamente com o Estado Liberal e com a afirmação do constitucionalismo, que também é filho
desse momento aqui, né, a gente vê aqui dois marcos históricos importantes: a Revolução
Francesa de 1789, mas antes dela, em 1776, como movimento na América do Norte para a sua
Independência. Então a gente tem manifestações que aconteceram no contexto americano,
mas também no contexto europeu, e a Revolução Francesa, talvez por ter repetido algo que já
era uma experiência aparecida no continente americano, talvez tenha ganhado uma projeção
de uma universalização que permitiu ser ela, essa experiência francesa, talvez um padrão, uma
referência fundamental, eu diria, até os dias de hoje. Vejam que a Declaração, por exemplo, da
ONU, de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, ela tem, de certa forma, uma
perspectiva de resgatar muito do que a Revolução Francesa já havia anunciado em 1789. Mas,
enfim, esse modelo de Estado, pessoal, é portanto um modelo que valoriza o quê? Vamos lá:
marcos fundamentais: 1776, Independência Norte-Americana e 1789, Revolução Francesa.
Qual o compromisso desse Estado? Quase que fundamentalmente com os direitos individuais,
que são: direito à propriedade, direito à vida, direito à liberdade [nas suas várias
manifestações: liberdade de opinião, liberdade de expressão, de locomoção etc.], e ainda o
direito à privacidade. Vejam que são, portanto, direitos que são afirmados enquanto trunfos
que permitem afastar o Estado diante de uma eventual pretensão de ingerência nesse espaço
que é individual, privado e particular. E o amparo constitucional desses direitos é bastante
significativo, porque ele consegue, né, cada indivíduo, retirar uma fundamentação do próprio
exercício dessas prerrogativas daquele mesmo documento, daquela mesma norma que tira o
poder de qualquer pessoa que, no âmbito do Estado, o exerça. Então, do ponto de vista de
uma paridade, a gente tem aqui a afirmação muito importante, muito relevante de uma
possibilidade no sentido de afastar, enfim, pretensões que não sejam individuais ou que não
sejam do interesse do indivíduo. Pois muito bem, esse modelo de Estado é o modelo que eu
diria perfeito para os interesses da burguesia. É um Estado, portanto, ausente, um Estado que
não se mete em absolutamente nada, talvez a expressão econômica disso seja justamente a
ideia de uma mão invisível, em que o Estado, o que tem que fazer, é assistir de longe aquilo, o
mercado se autorregula através das próprias regras inerentes à oferta e à procura, enfim, esse
é o modelo de Estado que não se mete em absolutamente nada. Todas as obrigações do
Estado, portanto, que eventualmente tenha são obrigações negativas, ou seja, implicam em
um não fazer. O Estado, portanto, fica afastado da área social e econômica, e, por isso, esses
direitos individuais são direitos – costuma-se assim serem referidos – direitos prestacionais
negativos.

Muito bem, esse modelo de Estado é perfeito, como eu disse agora há pouco, para a
burguesia, porque se a gente tem um Estado, vejam só, que não se mete em nada, e que a
própria dinâmica social se encarrega de fazer com que as coisas funcionem, sem qualquer
intervenção estatal, sem qualquer interferência estatal, é razoável, pessoal, admitir quem
antes era membro de uma burguesia mercantil e que, portanto, talvez, né, produzisse lá seus
artigos de couro, calçados etc., que em pouco tempo começa a produzir mais e em maior
velocidade. Ou seja, eu estou falando aqui de algo que viria a ser fundamental e decisivo para
a compreensão desse percurso, que é a chamada Revolução Industrial, que é favorecida,

7
evidentemente, pelo próprio formato institucional que o Estado assume nesse momento.
Talvez a Revolução industrial não tivesse acontecido, ou talvez não tivesse acontecido tão
rapidamente, se o Estado não tivesse assumido esses compromissos sociais que ele assumiu.
Então a burguesia mercantil converte-se rapidamente em burguesia industrial e, convertendo-
se em burguesia industrial, aquelas pessoas que estão efetivamente com a “mão na massa”,
produzindo os bens, passam agora a ser, simplesmente, os detentores dos meios de produção,
ou seja, os grandes capitalistas, os grandes industriais, que, para tal, precisam de quê?
Contratar pessoas para, sob a sua orientação, fazer o que, antes, eles faziam sozinhos. Então
existem, vejam lá, aqui o processo industrial leva, necessariamente ao desenvolvimento de
uma nova categoria, que era desconhecida nas origens do Estado Liberal. Ou seja, os
trabalhadores, os operários, enfim, o proletariado. E vamos agora lembrar de algo que é
importante para a gente entender esse processo. Se o Estado é um Estado ausente, um Estado
absenteísta, um Estado que não se mete em nada, um Estado que não regula nada, e a gente
tem agora um processo de intensa industrialização, o que é que vocês acham que aconteceu?
Os caras chegaram lá e disseram: “você, olhe, trabalhe duas horinhas aqui pra mim e depois vá
para casa descansar. Volte depois de amanha!”. Né? Era assim que acontecia? Evidente que
não, não é nem razoável pensar nisso. O Estado não se mete em nada, portanto, era gente
trabalhando dez, vinte horas por dia; homens, mulheres, crianças, idosos trabalhando em
igualdade de condições nos ambientes mais desumanos e inóspitos possíveis. Afinal de contas,
o Estado é um Estado Liberal, clássico, ausente, enfim, que não se mete em nada e que tudo se
resolve por si mesmo. Dá pra imaginar, então, o tamanho da instabilidade social que
naturalmente surge de uma condição como essa. Ou seja, se a gente não tem, efetivamente, a
possibilidade de conter ou de impor limites ao lucro a partir do próprio Estado, quem vai fazer
isso? Esses movimentos sociais, portanto, esses movimentos operários, portanto, decorrentes
do processo de industrialização acabaram também sendo decisivos para promover um
segundo corte nessa nossa historia e a fundação de um novo modelo de Estado, de um novo
modelo constitucional, de um novo modelo de discurso constitucional e, por que não dizer, de
novos compromissos sociais e econômicos. Funda-se, assim, agora, o Estado Social, que é um
Estado que também tem marcos históricos importantes que a gente pode identificar:
Constituição do México 1917 e Weimer, na Alemanha. E esse Estado é um Estado, portanto,
que assume uma postura bem diferente da postura do Estado Liberal Clássico. Para começar,
não é mais o Estado uma instância de poder que assiste de longe às coisas acontecerem. Passa
agora esse Estado a ser um Estado que não apenas se aproxima da dinâmica social e
econômica, mas se envolve efetivamente naquilo que acontece, quanto ao desenvolvimento
econômico, em seu interior. Então vejam que o Estado Social é também conhecido como o
Estado intervencionista, Estado de Bem Estar ou Welfare State – são denominações sinônimas
para designar esse tipo de modelo, ele representa, talvez, um momento fundamental de
percepção de uma impossibilidade de continuar ausente das relações econômicas. Passa então
a se preocupar com os chamados direitos sociais, que são: direito a saúde, educação,
trabalho, previdência, lazer etc. Para garantir esses direitos, o Estado precisa intervir; precisa
adotar estratégias intervencionistas. Por isso que a gente tem aqui modelos diferentes de
intervenção. Essa intervenção, ela acontece.. aí eu tenho dois livros para recomendar aqui: o
primeiro seria Do Estado Liberal ao estado Social – de Paulo Bonavides [...]; um segundo, talvez
um pouco mais focado naquilo que eu vou agora conversar com vocês, é um livro do Eros
Roberto Grau, que, enfim, foi Ministro do Supremo até pouco tempo, mas quando ele

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escreveu esse livro ele ainda não era Ministro, acho que nem imaginava que viria a ser
Ministro do Supremo. Enfim, é um livro que foi publicado logo depois da promulgação da
nossa Constituição de 1988, e é um comentário sobre a ordem econômica na nossa
constituição. Então traz várias formas de intervenção, de forma bem detalhada, é um livro que
eu recomendaria para quem tem interesse específico em aprofundar esse debate. Mas, enfim,
para garantir esses direitos, o Estágio adota algumas estratégias de intervenção. Uma delas é a
chamada intervenção no domínio econômico, e a segunda, a chamada intervenção sobre o
domínio econômico. A diferença fundamental entre essas duas formas de intervenção,
pessoal, quando o Estado intervém no domínio econômico, ele está atuando em pé de
igualdade, ou seja em paridade de situação com o particular. Em outras palavras, está
assumindo a condição de empresário, está tornando-se um empresário. Qual a finalidade
disso? Por que ele vai virar um empresário? Porque, vejam, a presença de um Estado, com
tudo o que ele representa no desempenho de uma atividade econômica, é um fator
importante de regulação do mercado e de pressão do preço pra baixo, e da qualidade para
cima. Vamos pensar numa possibilidade, numa situação hipotética: ônibus. Uma empresa
privada cobra quanto, pessoal? Dois e vinte e cinco, né? Chega o Estado e diz: olha, eu vou
oferecer o mesmo serviço, cobrando apenas 50 centavos. Vejam aí. Se o Estado fizesse isso,
como o fez durante muito tempo, quando mantinha empresas justamente para garantir o
acesso de um número muito grande de pessoas aos serviços que eram inacessíveis, enfim,
através apenas da iniciativa privada, é, se o Estado fizesse isso, o que aconteceria? A gente
teria uma demanda muito maior, levando em consideração a dinâmica do mercado, uma
demanda muito maior de pessoas interessadas em utilizar o serviço público. Evidente, porque
é mais barato. O que significa, pessoal, que só haveria uma justificativa para que o empresário
particular, agora, mantivesse o preço nesse patamar de dois e vinte e cinco. Qual seria essa
justificativa? Se a qualidade fosse muito maior. Ou seja, é fácil de se imaginar que a gente
tivesse uma demanda muito grande, portanto, ônibus lotados, regularidade talvez não tao
intensa, então o particular poderia dizer, o meu é dois e vinte e cinco, mas eu tenho ônibus de
três em três minutos, você não vai passar mais de três minutos no ponto de ônibus, e todos
tem lugar para pessoas sentadas e ar-condicionado, por isso eu cobro dois e vinte e cinco.
Porque se for para oferecer o mesmo serviço que o Estado oferece, não se justifica cobrar tao
mais caro, quase cinco vezes mais caro. Então percebam que a presença do Estado nesses
termos é um fator importante de pressão do preço para baixo, porque não dá para aumentar o
preço com uma concorrência dessas, né? Ou pelo menos, né, para aumentar o preço é preciso
ter alguma coisa que justifique, né? E pela qualidade, para cima, porque é preciso ter alguma
coisa diferente, se não, não tem justificativa nenhuma para que isso acontece. Esse é o modelo
de intervenção, portanto, no domínio econômico em que o Estado vira empresário, torna-se
empresário e compete com o particular, como se fosse mesmo o particular, submetendo-se às
mesmas regras do jogo que o particular. A segunda situação é chamada de intervenção sobre o
domínio econômico, quando o Estado, aí, permanece na condição de príncipe, soberano. O
que é que ele vai fazer, o Estado aqui? Ele vai simplesmente regular, enfim, estabelecer as
regras do jogo. Um exemplo disso aqui: vamos imaginar que eu seja o Prefeito do Recife hoje,
e eu quero criar um polo de desenvolvimento turístico no Bairro do Recife, como já aconteceu
há um tempo atrás, né? parece que a coisa anda meio esquecida, não mudou nada, por causa
dessas questões políticas mesmo, mas, enfim, vamos imaginar que seja essa a intenção, né,
quero criar um polo de desenvolvimento turístico no Bairro do Recife. Para isso, eu preciso ter

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lá, o que? Tenho que ter livrarias, restaurantes, o que mais? Cafés, o que mais? Lojas,
empresas, enfim, o que atrai turistas, não é? Limpeza? É, aí seria uma função dele mesmo né,
mas do ponto de vista da criação de um ambiente atrativo para um turista, certamente esses
serviços são interessantes. E aí o Prefeito diz o seguinte: eu vou conceder, por exemplo,
isenção fiscal durante trinta anos para aquele empresário, desses setores que eu defini como
prioritários, para se instalarem aqui nessa área. Tá certo. Se eu sou dono, por exemplo, da
Saraiva Mega Store e eu quero inaugurar uma nova unidade no Recife, né, que é que eu vou
fazer? Eu sei que eu posso fazer no Shopping Rio Mar, posso fazer em Boa Viagem, posso fazer
na Madalena, posso fazer em qualquer lugar da cidade. Mas, se eu escolher o Bairro do Recife,
eu vou ter 30 anos sem pagar nada para o Município. Veja como atrai, fica bem atrativo, né?
Essa forma de indução, é forma de intervenção no domínio econômico, porque o Estado
começa a estimular um determinado tipo de atividade do seu interesse. Tem outro exemplo
clássico. Esse todo mundo vai lembrar, porque é bem recente. Lembram em 2008, no governo
Lula, a Grécia estourou [...exemplo da crise - “marolinha” segundo Lula. Estimulou o consumo
interno, reduzindo o IPI, inicialmente, para a linha branca, depois estimulando o setor
automotivo].

Esse modelo de Estado Social tem umas questões interessantes. Porque vejam,
imaginem vocês, o Estado Liberal é um Estado pequeno, né? É um Estado mínimo. O Estado
Social, ele cresce, se agiganta mesmo, criando empresas, participando de empresas, abrindo
mão de receita tributária, isso tem um custo, não tem não? Vejam só, se o Estado está criando
uma empresa e competindo com o particular em uma situação até deficitária, tá perdendo
dinheiro, não está não? Se está abrindo mão de receita tributária, também está perdendo
dinheiro, não está? Então eu pergunto: onde fica o orçamento geral do Estado? E o dinheiro
para, por exemplo, construir hospital, escola, estádio bonito para a Copa do Mundo? De onde
vem esse dinheiro, se o Estado não tem mais? Está todo comprometido em outras questões?
Esse modelo de Estado Social é um modelo que não se sustenta, porque ele acumula déficits
em cima de déficits, e isso provoca uma crise desse modelo. E temos, por isso, desde os anos
oitenta, talvez uma nova lógica inspirando a formatação desse nosso Estado na modernidade.
Eu diria que isso começa mais ou menos a partir do final da Segunda Guerra Mundial, e com
mais força a partir dos anos oitenta, talvez com a clareza definida do que é preciso fazer para
recuperar uma agilidade perdida porque o Estado parecia um elefante, um paquiderme, e por
isso mesmo não consegue se mexer. E esse novo modelo de Estado qual é, pessoal? Exato,
esse é o Estado neoliberal que introduz novas pautas também para o direito e para o
constitucionalismo. A gente pode perceber claramente que aqui a gente fala de reforma do
Estado, isso tudo é feito através de Emendas constitucionais, a gente percebe o compromisso
com a redução do tamanho do Estado, com, por exemplo, flexibilização de relações laborais,
que mais? Eficiência, introdução do princípio da eficiência na Administração pública né, isso foi
até Emenda 19, né? Portanto num momento bem mais antigo do que a gente está vivendo
hoje. Mas vocês percebam que essa preocupação é uma preocupação típica de Estado que visa
recuperar uma agilidade perdida, que busca recuperar algo que, em algum momento ele tinha
ou, pelo menos, era uma situação desconfortável, e ele precisa combater. O grande desafio de
um Estado como esse, pessoal, consiste fundamentalmente em garantir aquele direito lá de
liberdade, típico de um Estado Liberal, ao mesmo tempo em que ele consegue garantir as
conquistas do Estado Social. Essas conquistas importantes de igualdade, elas não podem ser

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esquecidas, porque elas fazem parte do patrimônio efetivamente conquistado por toda a
humanidade. E liberdade e igualdade não são tao facilmente harmonizáveis, né? Daí a gente
pode fazer um debate sobre isso daqui a alguns instantes. Mas eu queria, só para tentar fechar
essa parte aqui, dizer pra vocês que, como consequência imediata disso, a gente percebe uma
redução da dimensão empresarial do Estado. Cada vez menos o Estado tem empresas, e aí
vem as privatizações, que fazem parte mesmo dessa lógica neoliberal, ou seja, o que antes era
do Estado agora é a iniciativa privada, e com todos os problemas que decorrem disso daí, né?
Porque, afinal de contas, não vai ser mais o Estado que vai garantir, que vai ter aquele plano
de saúde legal bancado por ele para seus funcionários, agora o empresário vai fazer isso, e
será que vai ser exatamente igual? E os direitos e as condições de trabalho serão as mesmas
que existiam quando o Estado era o prestador do serviço? Acontece isso né? Então essas
questões implicam imediatamente uma redução da dimensão empresarial e, em
contrapartida, um aumento ou um fortalecimento da dimensão regulatória. E aí é onde estão
as agências, né não? Porque tem agência para tudo: ANAC, ANEEL, ANS, ANVISA, enfim,
basicamente o que vocês imaginarem, todos os setores tem uma agência que se ocupa,
basicamente, dessas questões. Essa é a situação, pessoal. Esse é, basicamente, o cenário.

Agora eu queria tentar mostrar para vocês uma outra questão importante aqui. A gente tem
como compatibilizar liberdade e igualdade? Vocês conseguem perceber pelo menos a tensao
entre liberdade e igualdade? Ou não? Bem, Dworkin tem uma fórmula, né? É uma tentativa,
não é o único que consegue, ou que pelo menos tenta ter uma resposta para isso. Porque esse
é o nosso dilema contemporâneo, sobretudo em virtude de um certo disalento em relação às
estratégias intervencionista. Mas ao mesmo tempo em que isso acontece, é preciso garantir
determinados valores pelo próprio Estado. Bom, o que é que eu posso dizer para vocês? Eu
posso dizer o seguinte: me parece que liberdade e igualdade convivem de forma, eu diria,
problemática, já que, quanto mais liberdade, menos igualdade e vice-versa. Se eu disse: todo
mundo é livre aqui para fazer o que quiser, não é? Certamente vão ter pessoas que vão, no
exercício natural de suas atividades, fazer coisas que, a princípio não dá nem pra imaginar.
Mas, se eu disse: “todos são iguais”, o comportamento tem que ser o mesmo, a gente
padroniza, não é? E eu perguntaria para vocês então, se vocês tivessem que escolher entre um
país que consagra a liberdade e um país que consagra a igualdade, qual vocês escolheriam? É
melhor ser livre, ou é melhor ser igual?[...] Deixa eu dar um exemplo a vocês. Todo mundo
concorda que nós vivemos em um país que privilegia a liberdade, sim ou não? Sim. Nós temos
a liberdade como direito fundamental e, felizmente, desde a Constituição de 1988, que já é a
terceira Constituição mais longeva da nossa História – felizmente, não é? Nós temos liberdade
há tanto tempo, que talvez nós não saibamos o que seja viver sem liberdade. Isso significa,
pessoal, que, por exemplo, todos vocês escolherem livremente fazer o curso de Direito, foi ou
não foi? Não houve nenhuma interferência do Estado, do Poder Público. […] Ninguém foi
forçado a fazer o curso de Direito, você escolhe fazer o curso que quer, não é assim? Viva a
liberdade, né? Pois bem, num país que privilegia a igualdade – e aqui eu estou falando da
experiência soviética – você chega na idade de se matricular em um ensino superior – todas as
universidades são do Estado, vamos lembrar disso, aqui no nosso país nem todas são do
Estado – aí você chega à idade de se matricular em um ensino superior e diz: quero fazer
Direito. O que é que o Estado vai dizer? Vai dizer:

 “Tu queres fazer o quê, rapaz?”

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 “Quero fazer Direito!”
 “Pois você não vai fazer Direito não.”
 “Por que eu não vou fazer Direito?”
 “Porque eu sou o Estado, e estou dizendo a você que daqui a cinco anos eu não vou
precisar de gente formada em Direito não. Vou precisar de dinheiro, vou precisar de
médico. Se você quiser fazer qualquer um desses dois, está valendo, mas Direito você
não vai fazer não.”
Isso é bom ou ruim? É ruim? É bom ser livre e escolher o que quer fazer, não é isso?
Vamos lá, vamos ao reverso da medalha. Todo mundo escolheu fazer Direito, viva a liberdade.
Depois de cinco anos, e vocês estão perto de concluir esses cinco anos, nenhum de vocês tem
a certeza de que terão uma colocação no mercado, é ou não é pessoal? Esse é o país da
liberdade. Se quer uma colocação, corra atrás, o problema é seu. Já no país da igualdade, você
não pode escolher o curso que quer fazer, mas, em compensação, você vai, depois de 5 anos,
ter um emprego lá, uma colocação garantida, vai estar atuando, fazendo alguma coisa com
aquela habilitação que você recebeu. E agora, o que é que é melhor? […] O que eu quero dizer
para vocês é que essa atuação é difícil de ser resolvida mesmo. Porque não dá para imaginar,
um país que privilegia a liberdade é um país que incentiva a produção como nenhum outro.
Mas ele normalmente é ruim no que se refere à distribuição. Ele cria a exclusão, cria a
pobreza, cria a marginalidade. Já um país que privilegia a igualdade, é um país que é ótimo no
que se refere à distribuição, é um país que distribui como ninguém, mas ele é péssimo no que
se refere ao estímulo à produção. Então talvez essa seja a grande fórmula buscada por talvez
boa parte da esquerda do mundo inteiro hoje, né? Desde a queda do mundo de Berlim, afinal,
como a gente pensar um Estado que combine produção e distribuição? Como fazer isso? Qual
o modelo mais adequado? A gente vai discutir um monte dessas teorias aqui, a partir desse
momento, dessa segunda etapa do nosso curso aqui, eu vou tentar discutir justamente isso.
Mas esse é o contexto.

Para encerrar, eu queria fazer com vocês somente mais um outro, enfim, estabelecer
um outro olhar sobre a distinção entre Estado Liberal e Estado Social. Talvez o argumento
fique mais claro. Ou seja, vamos tentar colocar uma lupa aqui e olhar mais de perto o que
aconteceu. Vamos lá. No estado liberal: propriedade privada. Existe ou não existe, pessoal?
Existe, e ela é importantíssima! É um dos direitos mais importantes que foram afirmados no
horizonte do Estado Liberal. Vejam lá a figura do John Locke, que inclusive tem uma
contribuição importante discutindo a propriedade, a gente estudou aqui na faculdade, em
Direitos Reais, né isso? Portanto, a propriedade privada é plena e absoluta. No horizonte do
Estado social, existe propriedade? Ou ela desaparece? Propriedade privada, né? Ela existe ou
não? Existe! Mas ela é a mesma coisa? Posso fazer o que eu quiser com a minha propriedade?
É plena ela? Não é, né? A propriedade agora atende pelo nome de função social, ou seja, é
como se o Estado dissesse assim: “você pode ter a propriedade que você quiser, pode
conseguir pelos seus méritos, enfim, isso não é problema meu. Mas, cuidado com o que você
vai fazer com essa propriedade, porque se você der a ela uma função que não seja compatível
com os meus interesses, eu vou lá, tomo a sua propriedade, e vou fazer com ela o que eu bem
entender. E na nossa Constituição existe uma infinidade dessas situações de desapropriação:
desapropriação para fins de reforma agrária, por descumprimento do plano diretor, por
plantação de psicotrópicos, está tudo lá. Portanto a gente tem agora a ideia de função social.

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Tudo isso decorre, é claro, da presença do Estado na economia, tudo isso decorre,
efetivamente, dessa virada, no sentido de que o Estado, se antes ele era ausente, agora ele
está presente e atento ao que está acontecendo, não é? Outra diferença importante: liberdade
contratual e autonomia da vontade, que é também algo importante no Estado Liberal. Eu
posso contratar quem eu quiser, com quem eu quiser, do jeito que eu quiser, claro, se o meu
contratante também queira, né? Afinal de contas, um contrato, ele é um encontro de
vontades, não é? E bem, em um Estado Social a autonomia da vontade desaparece ou não?
Não, né? Ela permanece lá. Vejam que, se no Estado Liberal a gente tem autonomia da
vontade, liberdade contratual regida pelo princípio pacta sunt servanda, no horizonte do
Estado Social a autonomia da vontade não desaparece, ela permanece, da mesma forma,
regida pelo pacta sunt servada, enfim, enquanto expressão da liberdade, tudo isso, está tudo
lá, só que, se no Estado Liberal ela é ampla dessa forma, no Estado Social ela é reduzida, a
margem de exercício dessa autonomia da vontade é estreitada, limitada ou, se preferirem,
dirigida. Daí falarmos em dirigismo contratual, que é típico desse modelo de Estado Social. Ou
seja, o Estado dirige a liberdade contratual, e eu não posso contratar mais com quem eu
quiser, do jeito que eu quiser. Isso é evidente, por exemplo, nas relações laborais, no Direito
Trabalhista, um dos princípios mais elementares do Direito do Trabalho: o dirigismo
contratual, a presença permanente do Estado limitando as situações lá. Então, se aparecer
alguém pra você e disser: olha eu estou precisando de um dinheiro, e eu quero trabalhar 20
horas por dia pra você, e você disser: ah, que ótimo! Eu estou disposto a trabalhar as 20 horas
que você merecer pelo seu trabalho. Se houver concordância minha e da outra pessoa, ainda
assim, esse contrato é um contrato irregular. Ele não tem o menor valor. Porque o Estado não
permite que isso acontece.

Outro exemplo: separação de poderes de um Estado Liberal é também uma conquista


importantíssima, no sentido de que, vocês bem sabe, eu vou falar no grande barão de
Montesquieu, uma das grandes percepções aqui para que os direitos individuais fossem
garantidos, era preciso fragmentar o poder, que era até então exercido de forma absoluta.
Com essa fragmentação, os poderes são agora independentes e incomunicáveis. Portanto, o
Poder Legislativo é uma coisa, o Poder Executivo é outra coisa, e o Poder Judiciário é outra
coisa. Até porque, palavras do próprio Montesquieu, sempre que houver concentração do
poder em mais de um pessoa, de uma mesma instância, haverá uma tendência irreprimível ao
abuso. Isso é da própria natureza humana, que ele já detectava desde aquela época, não é.
Bom, no horizonte do Estado Social a gente falar agora de capacidade normativa de
conjuntura, ou seja, auqi a gente tem poderes que, se antes estavam afastados, se aproximam
de uma forma tal que se interpenetram . O sistema agora seria, mais ou menos, como vasos
comunicantes, em que os três poderes exercem as três funções do Estado, ainda que apenas
um desses se especializasse em apenas uma das funções, então você teria funções típicas e
atípicas, como vocês bem conhecem lá na teoria constitucional. Então a gente tem uma outra
reposta para a dinâmica social.

Por fim uma outra coisa importante aqui nesse processo. Normas programáticas. Onde
é que existe isso, no Estado Liberal ou no Estado Social? O Estado Liberal não precisa prometer
nada, não precisa fazer nada, tudo o que ele tem que fazer é ficar quieto na dele e deixar as
coisas acontecerem. A promessa de transformação, a criação de uma meta ou de um objetivo
a ser perseguido pelo Estado, se parece muito mais com o modelo de Estado Social, não é,

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daquele Estado que intervém nas atividades econômicas para alcançar esses objetivos. A nossa
Constituição tem, no artigo 3º, uns que são maravilhosas, não é? Objetivos da República
Federativa do Brasil. Alguém lembra deles? Quais são? Construir uma sociedade livre, justa e
solidária; erradicar a pobreza; reduzir as desigualdades sociais e regionais; enfim, isso são
metas. Vejam que colocaram na Constituição, isso tem um significado importantíssimo. Porque
não são metas de partidos políticos nem de governos. São metas de Estado. Então não importa
quem está lá. Se é FHC, se é Lula, se é Dilma, ou quem quer que seja. Essas são pautas que
vinculam a todo e qualquer agente público, toda e qualquer pessoa que atue em nome do
Estado. A gente às vezes parece que esquece um pouco dessa questões também – isso vale
pro Judiciário, isso vale pro Legislativo, e isso vale pro Executivo também, nas suas funções,
nas diversas funções - e isso é típico também do Estado Social, de um Estado que quer
transformar a realidade, que busca criar um outro padrão de realidade na qual ele atua.

Pois muito bem, por que que eu fiz isso agora, pessoal? Porque eu quero perguntar a
vocês: mudou alguma coisa? Do Estado Liberal pro Estado Social? Mudou ou não mudou?
Mudança grande ou pequena? Grande? Tá. Vamos sair da lupa agora e olhar para o todo: a
gente tem aqui três momentos importantes, a gente analisou só dois. Três momentos
importantes:

Momento numero 1, momento número 2 e momento número 3. Eu queria perguntar para


vocês em qual ou em quais desses momentos a gente encontra uma ruptura com o passado?
Vão pensando aí e me digam. […] Pessoal, o que eu quero dizer com mudança fundamental
aqui pode ser respondido da seguinte forma: quem antes mandava, continua mandando?
Talvez essa seja a chave para a gente responder a essa pergunta. Então, quem mandava no
Estado Absoluto? O rei. O rei manda no Estado Liberal? Não. Mas aí eu não posso perguntar a
vocês, não existem ainda reis e rainhas até os dias de hoje? E aí? Vejam, o que muda, pessoal,
é certo, existem reis e rainhas nos dias de hoje, mas desde o advento das revoluções
burguesas, desde o advento do constitucionalismo, os reis e rainhas estão debaixo do pé da
burguesia, porque eles não podem mais fazer tudo o que eles querem como faziam no Estado
Absoluto. Os poderes dos reis e rainhas são limitados, são estabelecidos por uma constituição.
Portanto, o poder não é mais deles. Porque a constituição não é mais deles. A criação da
constituição é da burguesia liberal, que construiu esse Estado com base nos seus interesses.
Certo? Então aqui tem sim uma grande mudança. E nos demais? Aqui, no Estado Liberal, quem
manda é a burguesia. E no Estado Social, quem é que manda? Me parece que aqui, quem
manda no Estado Social, é ainda a burguesia. E aqui, no Estado Liberal. A mesma burguesia,
que aqui é uma burguesia mercantil [Estado Liberal], aqui é uma burguesia industrial [Estado
Social] e aqui é uma burguesia, sei lá, financeira, vamos chamar assim [Estado Neoliberal]. Mas

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é uma burguesia do mesmo jeito que era nesse Estado Liberal originário. Vocês sabem por que
eu estou dizendo isso, pessoal? Eu estou dizendo isso, por algo muito simples, que eu quero
deixar muito claro: falar em Estado Social, pessoal, não é a mesma coisa que falar em Estado
Socialista. Neste a gente encontra uma mudança, porque não existe mais propriedade privada;
não existe modo de produção, enfim, bancado por particulares; é tudo do Estado. Mas só que
esse modelo não chegou muito longe. 1989 talvez tenha sido o momento crítico e decisivo
para a configuração dessa leitura .[?].. Em 89 cai o muro de Berlim, desintegra-se a União
Soviética, e o contraponto durante muito tempo existente a essa lógica de produção capitalista
se esfumaça. Tem um japonês em Havard, o Francis Fukuyama, já ouviram falar dele? Escreveu
um livro em que ele disse: “Chegamos ao fim da história. Capitalismo venceu; nada de novo vai
acontecer daqui por diante.” Vê que coisa. “Não adianta pensar em nenhum modelo de
desenvolvimento econômico, porque tudo vai se resumir à lógica capitalista.” Claro que ele
recebeu e até hoje recebe muitas críticas, né? Mas aqui sim, a origem é a mesma. Aqui vai
estabilidade produzida pelos movimentos sociais, os movimentos operários, que levaram, por
um lado, a uma radicalizaçao da igualdade, despontando o Estado Socialista, e, de outro lado,
a uma incorporação do discurso da igualdade pela própria lógica capitalista, que fundou o
Estado Social. É como se o Estado Social fosse um Estado Liberal em busca de legitimação. [...]
Talvez isso explique a dificuldade do Estado Social em se afirmar enquanto tal, porque os
compromissos continuam a ser compromissos liberais, na sua essência. E eu acho interessante.
O próprio governo Lula, pessoal, ninguém, no mundo, pode dizer que é um governo burguês,
pelo menos quanto à origem da sua candidatura, nasceu nos movimentos sociais do Brasil, ne?
No ABC, na fábrica lá, na metalurgia. Portanto a candidatura nasceu dos movimentos sociais e
ganhou credibilidade, tentou três, quatro vezes, conseguiu se eleger. E uma coisa curiosíssima,
se a gente comparar os investimentos, na área social do governo Lula e o investimento, isto é,
o dinheiro destinado ao auxílio a bancos, este último foi pelo menos 10 vezes maior. Não é
incrível isso? E isso não é porque ele queira, é porque é necessário para o sistema financeiro
funcionar, se não vai estourar tudo. Então existem, pessoal, questões aqui que, ao meu ver,
relativizam e muito a noção de direito, de soberania, constituição. Quem é o titular do poder
constituinte, afinal de contas? “É o povo soberano..” essa conversa mole de novo. Um
exercício para vocês, só para vocês pensarem sobre isso: a Emenda 45, que todo mundo deve
conhecer, melhor que eu, a famosa reforma do Judiciário, de 2004, ela introduz uma série de
modificações no nosso sistema jurídico, certo? Comparem a Emenda 45, só ela, com o
Documento Técnico n. 319 do Banco Mundial . Já ouviram falar desse? Não? Anotem! Vale a
pena, pessoal. O Documento Técnico n. 319 é o diagnóstico do Banco Mundial sobre o
funcionamento do Poder Judiciário na América Latina e no Caribe. É isso. E o que ela
estabelece é uma série de problemas que são, curiosamente, enfrentados ou resolvidos,
inclusive no que se refere às sugestões que o documento oferece, um documento técnico e a
Emenda 45 praticamente reproduz essas sugestões, e que isso é meio sugestivo, não é? E o
Poder Constituinte? De onde veio isso aí? Isso veio de algum lugar. E, naturalmente, essa é
uma pesquisa interessante, para vocês aí, todo mundo já terminando o curso, fica talvez para
um mestrado, etc. […]

O que eu quero aqui dizer para vocês, para resumir, encerrar, é que a gente está aqui diante
de um paradoxo, não é verdade.? Porque a defesa, se somente tem uma transformação no
momento número 1, a defesa do Estado Social paradoxalmente é a defesa de uma lógica

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liberal burguesa, não é? E isso é terrível. E, porque que eu estou dizendo tudo isso? Porque
esse modelo de racionalização, compromisso com a verdade, tecnicismo, com organização do
Estado, da forma de exercício do poder, tal como havia acontecido ao longo da nossa
modernidade, talvez seja um compromisso fundamental, daquele projeto iluminista do qual eu
falava em aulas passadas, e que procurei já, de início associar capitalismo com protestantismo,
com cientificismo. Na verdade a gente tem, de fato, desdobramentos nítidos em todo esse
processo. E que vários chamam a atenção. Tudo isso é criação humana. Nada disso está na
natureza. Nada disso está nas árvores, está nos frutos que a gente colhe e se alimenta. Tudo
isso é criação histórica, e, portanto, situada em determinado contexto, e atende a
determinados interesses. Então, falar em verdade, falar em tecnicismo pode ter também os
seus comprometimentos, e era isso que eu queria passar na aula de hoje.

3. Aula 07.03.13

Uma das consequências da organização racional do poder na modernidade é a


criação do estado enquanto unidade indivisível articulada entre três elementos constitutivos:
um elemento humano, um elemento espacial e um elemento formal. Este modelo surge
enquanto manifestação de um poder absoluto e nesse quadro não há ainda nenhum traço de
uma cultura propriamente constitucional ou limitadora do exercício do poder. Esta conquista
evolutiva seria devida, sobretudo, ao fortalecimento institucional da burguesia mercantil, a
qual cuidou de formatar e desenhar um perfil especifico de exercício do poder. Este modelo
viabilizado pelo sucesso das revoluções liberais, notadamente a revolução francesa, consagra a
noção de direitos individuais, direitos estes destinados ao estabelecimento e delimitação de
uma esfera privada. Trata-se aqui da afirmação de direitos tais como liberdade propriedade,
privacidade, dentre outros, que em comum apresentam a característica da consagração de
prestações negativas por parte do estado. O estado converte-se assim em uma estrutura de
poder absenteísta, alijada das relações econômicas e sociais. Este modelo de estado acaba por
acelerar o processo de industrialização e, com isso, a burguesia mercantil converte-se em
burguesia industrial.
Em decorrência da industrialização da produção, sobretudo em virtude das
reinvindicações operárias diante de um estado ausente, observamos uma transformação no
discurso constitucional, notadamente naquilo que se refere ao papel do estado na
consagração e na garantia de direitos. Temos aqui a afirmação de novos direitos, tal como
acontece com o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à previdência social, dentre outros,
que em comum apresentam as características inerentes a prestações positivas. Este modelo de
estado também conhecido como estado de bem estar social, "welfare state" ou,
simplesmente, estado intervencionista, tem como marca fundamental a constante presença
nas relações econômicas e sociais. Daí as várias estratégias intervencionistas, dentre elas as
formas de intervenção no domínio econômico e as formas de intervenção sobre o domínio
econômico.
As duas modalidades interventivas acabam por comprometer as contas do estado já
que a intervenção demanda recursos. Ausência de disponibilidade financeira acaba por
imobilizar o estado. Daí o cenário contemporâneo de readequação do estado, do direito e das
constituições às demandas da contemporaneidade, dentre elas, a suposta exigência de

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agilidade e eficiência do estado ao mesmo tempo em que os compromissos sociais são
mantidos e eis um novo modelo que vem sendo gerado nos nossos dias, conhecido como
estado neoliberal. Dentre as consequências deste modelo, encontramos a redução da
presença do estado na economia, atuando como empresário, e um fortalecimento da
dimensão regulatória, provocando um reforço das estratégias de intervenção sobre o domínio
econômico.
Em uma análise conclusiva, podemos perceber que o constitucionalismo e o estado
de direito, na modernidade, surgem enquanto resposta a uma necessidade institucional de
consagrar os interesses burgueses. As transformações experimentadas pelo estado a partir do
constitucionalismo liberal representam pouco mais do que uma busca por legitimação.

4. Aula 13.03.2013

Eu queria, pessoal, hoje, tentar caracterizar com vocês as duas pautas ou padrões que
aparecem com muita foça no pensamento jurídico moderno. Quando o Direito é pensado na
Modernidade, para o que ele efetivamente se volta? Quais são os valores ou qual é a pauta ou
agenda que o Direito tem a partir do advento da Modernidade? Então eu queria começar
precisamente a partir da construção daquele Estado pós-revolucionário, portanto aquele
modelo de Estado que é configurado com o liberalismo, que deixa como legado na área
jurídica o Constitucionalismo, sem dúvida, mas as constituições no modelo liberal não tem a
mesma importância que tem a lei, não é? A lei termina sendo, logo após a Revolução
Francesa, uma das formas mais importantes da manifestação do Direito, se não a forma, por
excelência do Direito. Daí a associação positivista entre três ideias que são bem diferentes:
Direito, Lei e Texto. São coisas que não traduzem exatamente a mesma ideia, mas aparecem
em nosso imaginário. Isso terminou sendo construído de forma muito sólida, de forma que a
gente sempre pensa em lei, que a lei esgota todo potencial de manifestação do Direito; e que
o Direito, por sua vez, só é Direito se tiver uma base escrita; e coisas desse gênero.

Muito bem, eu queria, então, nesse caminho, tentar caracterizar com vocês o que
efetivamente acontece logo depois da Revolução Francesa. Quando teve a Revolução
Francesa, quem é que estava no poder agora? A burguesia. E, evidentemente, as formas de
exercício do poder são revestidas, sobretudo, de uma preocupação legislativa. Daí a
importância que tem o Parlamento no horizonte de um Estado Liberal clássico, e a fonte de
manifestação do Direito, por excelência, é precisamente o produto da atuação parlamentar.
Por isso mesmo a lei termina sendo uma fonte importante nesse jogo.

Ok. Mas, do ponto de vista da Teoria do Direito, o que é que se desenvolve do ponto
de vista de orientação metodológica para como interpretar o Direito, como aplicar o Direito. O
que é que aconteceu depois da Revolução Francesa? Alguém se lembra disso?

Dentre as várias escolas jurídicas modernas, talvez essa, que eu vou agora contar,
tenha sido emblemático pelo que ela representa até hoje quanto padrão analítico do papel dos
Poderes na interpretação do Direito. Eu estou falando especificamente da escola da Exegese,
portanto, fundamentalmente, a escola da exegese tem o compromisso de limitação do poder

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de criação de juízes e tribunais. Por que isso? É evidente. Se a burguesia se faz representar no
Parlamento, e se a lei, enquanto expressão jurídica, é algo que tem importância, é claro que
para quem for interpretar essa lei é preciso que exista uma contenção, uma limitação em
eventuais processos criativos. E, sobretudo, o risco aqui era de que os juristas simpáticos à
causa absolutista anteriormente vigente pudessem colocar em risco as conquistas da
população. Por isso a escola da Exegese se preocupa, sobretudo, com a consagração de
métodos que a gente bem conhece, fundados na análise literal, ou seja, na análise textual,
gramatical de cada palavra que integra a lei, já que o que deve ser respeitado e observado na
hora da interpretação e da aplicação do Direito é, sobretudo, a vontade do legislador, ou seja,
aquilo que o legislador fixou como sendo o padrão fundamental de juridicidade. Portanto,
vejam, existe uma explicação do ponto de vista do jogo de poderes que de certa forma mostra
o que efetivamente se desejava com a limitação do poder judiciário e a necessidade de se
manter estritamente fiel aos termos do texto.

Bom, existe aqui uma grande crença embutida nisso. A grande crença de que o Direito
enquanto texto, ou seja, o Direito legislado tem resposta para tudo. Vocês bem sabem que não
cabe a um juiz simplesmente dizer “não posso decidir porque não há previsão”, ou seja, se ele
não consegue decidir é porque, de certa forma, ele não soube identificar no texto a resposta
para um caso concreto que surge de sua apreciação, de sua análise.

Essa questão torna-se um tanto quanto problemática a partir do momento em que se


desenvolve um discurso em torno de lacunas. Ou seja, talvez a plenitude pretendida pela
escola da Exegese talvez seja uma ilusão, já que eventualmente podem existir situações em
que o texto, o código, a lei inteira, todas as leis não tenham encontrado mesmo, não tenham
previsto uma situação que é submetida à apreciação do juiz, e ele tem que decidir. Aliás, esse é
um dos princípios dogmáticos elementares, como a gente bem sabe. Se a lei não existe ou
enfim se não existe resposta evidente, o juiz não pode simplesmente dizer: “olhe meu filho, vá
para casa, ligue para o seu deputado, mande-o legislar, quando ele tiver resolvido, você volta”.
Isso não é plausível. Ou seja, o juiz, se falta texto, se falta lei, se falta norma, ele que crie, ele
que viabilize a aplicação do Direito, para que ele possa exercer a jurisdição, jurisdicer, dizer o
Direito, enfim, naquele caso concreto. Vejam que, do ponto de vista do ele representa, nesse
quadro aqui, a gente tá dizendo aqui que é perfeitamente possível agora conceder liberdade
de criação para o juiz, não é pessoal? Vejam que isso era algo que não era, de certa forma,
visto com bons olhos pelos teóricos da escola da Exegese. Nesse caso, porem, nesse caso em
que estivermos eventualmente diante de lacunas, cabe ao intérprete, para exercer a sua
função jurisdicional, cabe então a possibilidade de proceder a uma livre investigação científica,
com objetivo de colmatação de lacunas. Vejam que, de uma forma geral, todos os cânones
das normas da exegese continuam ainda fortemente consagrados mesmo diante da livre
investigação científica. A grande novidade aqui é, primeiro, o reconhecimento de que o texto
não tem resposta para tudo, ou seja, o código não tem resposta para tudo, existem, portanto,
questões, que demandam uma criação. Portanto, vejam que a gente tem aqui, de certa forma,
uma atenuação da rigidez daquele compromisso textual, compromisso com o texto, com a
vontade do parlamento, e, sobretudo, a possibilidade mesmo de conceder que ao intérprete
que crie o Direito.

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Bom, uma terceira escola que eu quero trazer pra vocês aqui talvez radicalize esse
argumento. Eu quero falar aqui da Escola do Direito Livre, que traz como grande parâmetro
decisório que o intérprete não concorde com o texto, não concorde com a lei, mas com o
Direito enquanto expressão de uma justiça. Em suma, se a Justiça puder ser alcançada através
do texto, tá ótimo, tá tudo legal! Mas, se o referencial de Justiça a ser analisado estiver fora do
texto, o texto cede, e o que importa é o referencial de Justiça que o intérprete tem para o caso
concreto. Ou seja, o compromisso do intérprete não é com a lei, mas com a Justiça. Por isso
que ele está livre para criar e adaptar o Direito.

Vejam que a gente tem aqui algumas coisas interessantes também que eu queria
trabalhar com vocês. Primeiro, do ponto de vista da teoria das fontes do Direito a gente tem
algo bem importante aqui também. Por exemplo, eu falei da Lei o tempo inteiro, mas daí eu
pergunto para vocês: e o costume? O costume tem espaço nessas escolas aqui? A propósito, o
costume é fonte formal ou fonte material do Direito? (...) É fonte formal! Costume é uma fonte
tão formal do Direito quanto a lei. Vocês sabem qual a diferença entre o costume e a lei?
Algumas diferenças, como a vigência e a eficácia, são bem evidentes, não é isso? Porque, na
lei, a vigência é a priori e a eficácia é a posteriori, mas no costume essa lógica é invertida, no
costume a eficácia é a priori e a vigência é a posteriori, ou seja, não há lei eficaz que não seja
vigente, como não há costume vigente que não seja eficaz. Ou seja, pessoal, o costume, assim
como a lei, encerra uma norma, um dever ser, porque a lei não é a norma, a lei é apenas uma
fórmula textual a partir da qual a gente encontra um juízo de dever ser. Assim como acontece
com qualquer pratica costumeira, a gente encontra na prática costumeira também um juízo de
dever ser a partir da conjugação de dois elementos: um objetivo e um subjetivo. O elemento
objetivo é a prática reiterada de atos ao longo do tempo. E o elemento subjetivo é a opinio
iuris vel necessitati, aquela intuição da obrigatoriedade. Não basta que seja repetido o ato ao
acaso, é preciso que haja aquele sentimento de que a conduta é devida, né? Aquele
sentimento de que aquilo que é praticado é fruto de uma prática obrigatória. Mas vejam, por
que eu estou dizendo tudo isso? Porque do ponto de vista da consagração da teoria das fontes
do Direito, cada uma dessas escolas tem um compromisso com UMA espécie de costume.
Assim, a escola da Exegese tem um compromisso com o chamado costume secundum legem, o
costume segunda a lei. A Livre Investigação Científica tem um compromisso com o chamado
costume praeter legem, aquele costume para suprir a lacuna da lei. E a escola do Direito Livre
tem um compromisso com o costume contra legem, aquele costume contrário à lei. Vejam,
portanto, que do ponto de vista da teoria das fontes, cada uma dessas escolas representa a
valorização ou o compromisso com UMA fonte em detrimento das demais. Por exemplo, na
Escola da Exegese, a gente encontra a lei como fonte principal, mas isso não significa que
outras escolas não possam valorizar, como acontece, por exemplo, com a Escola do Direito
Livre, o costume mesmo, prática costumeira mesmo, diante da própria lei, né? Certo pessoal?
Está claro, não está?

Bom, uma outra análise, do ponto de vista de uma axiologia jurídica, de uma análise
dos valores que cada uma insere. Um dos debates fundamentais enfrentado pelo pensamento
jurídico moderno, eu diria que esse é um problema que até os dias de hoje permanece muito
vivo. Vocês vão identificar muitas preocupações do ponto de vista teórico que vocês por
ventura tenham, como esse debate que eu vou propor. É o debate Segurança vs Justiça. A
gente está habituado a colocar esses dois valores em tensão, de forma que quanto mais

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segurança, menos justiça, e vice-versa, quanto mais justiça, menos segurança. A gente fala em
segurança como previsibilidade, como controle do acaso. E justiça como a realização, enfim,
do Direito, para cada caso concreto, diante de suas especificas características. Bom, eu posso
dizer então que a Escola da Exegese tem compromisso com o valor da segurança, pessoal? Isso
parece bem claro e evidente, ne? Parece bem claro que quando o legislador coloca como
padrão fundamental de juridicidade, evitando qualquer processo de ação por parte do
Judiciário, ele está preocupado em controlar, não é? E um controle, portanto, de algo que
possa reverter conquistas, enfim, que estão lá configuradas. Pode-se dizer que a Escola do
Direito Livre tem compromisso com a Justiça? E talvez seja importante lembrar que, do ponto
de vista desse debate, dessa tensão, justamente a Escola da Livre Investigação Cientifica talvez
traga um retrato do caráter tencionário mesmo desses dois valores quando postos em
confronto. Porque a investigação autorizada para juízes e tribunais suprirem lacunas, vejam lá,
é livre desde que orientada por padrões científicos. Ou seja, existe liberdade, mas essa
liberdade não é plena. Não é plena a ponto de permitir a criação aleatória do Direito. Ela só é
válida, só é legítima se existir uma informação, ou seja, um controle científico do processo
decisório. Então vejam que isso é bem interessante, não é? A gente pode perceber, portanto,
que o pensamento moderno, ele insiste em algumas constantes, umas formas, que, eu diria
para vocês, isso permanece até hoje. Quem quer que leia, por exemplo, o Robert Alexis, na
teoria da argumentação, que é uma teoria Moderna, no sentido de que tem compromisso com
a razão moderna, vai encontrar a mesma dificuldade no que se refere à articulação entre
segurança e justiça. O que é a teoria, por exemplo, da argumentação de Alexis se não a
afirmação de que é possível aplicar o Direito de forma controlada, ou seja, mesmo quando o
Direito se transveste de valores, como acontece, por exemplo, com os direitos fundamentais,
não é isso? Então a teoria do Alexis é, na verdade, uma teoria que propõe oferecer um modelo
de aplicação justa do Direito, e, ao mesmo tempo em que essa justiça pode ser realizada, ela
pode ser controlada, portanto ela não foge ao padrão de segurança. E esse não foi um
problema só de Alexis, eu falei dele porque eu sei que todo mundo aqui o conhece, mas
qualquer teoria da argumentação tem, como sua base, essa preocupação.

Pois bem, pessoal, eu gostaria de fazer uma pergunta para vocês. Existem diferenças
ideológicas entre essas escolas? Conseguem perceber aqui? Eu estou tentando demonstrar
para vocês desde o começo que a noção de um caráter, ou de um referencial explicativo pra o
Direito, por exemplo, a partir da escola da Exegese, do Direito Livre ou da Livre Investigação
Científica, qualquer que seja, implica, necessariamente, em legitimar papéis e funções para as
fontes do direito, para poderes do Estado, não é? Vocês conseguem perceber aqui, por
exemplo, uma disputa entre poderes por trás disso aqui? Conseguem perceber, né? Na escola
da Exegese, por exemplo, a gente tem aqui a clara afirmação de uma superioridade do
Parlamento, do Poder Legislativo. Quando a gente vai para a Escola do Direito Livre, a gente
tem aqui o protagonismo atribuído não mais ao Poder Legislativo, mas agora ao Poder
Judiciário. Portanto, vejam, ideologicamente existe compromisso de cada uma dessas leituras
do Direito. Mas, apesar disso, posso dizer a vocês que existe algo que está presente em todas
elas, e que talvez seja a marca do pensamento moderno. Bom, conseguem visualizar isso antes
de eu responder? Eu estou, desde o início, caminhando para apontar o que diferencia. Agora é
importante a gente tentar ver que talvez elas não sejam tão diferentes assim, talvez existam
compromissos que estejam muito próximos e que todo o esforço da teoria seja o de

20
demonstrar as diferenças talvez para legitimar diferentes projetos de poder para o Direito, etc.
Conseguem perceber? O que identificaria todas essas escolas a despeitos dessas diferenças
todas? (...) Bom, dizendo de uma forma mais direta, pessoal, talvez seja um falso dilema,
Segurança vs Justiça, para começar. E digo a vocês por que. No horizonte da Escola da Exegese
a gente visualiza claramente o compromisso da Escola e do Direito com a segurança. Perfeito.
A gente não teve dificuldade em enxergar isso. Mas, que tal a gente pensar que talvez em uma
sociedade pós-revolucionária, homogênea como era a sociedade francesa então, falar em
segurança talvez possa ser a representação maior de uma justiça possível naquele contexto,
não parece? Não faz sentido isso? Ou seja, ser justo é, sobretudo, prestigiar a segurança, ou
seja, prestigiar e impedir o retorno de uma estrutura absolutista. Isso é justiça.

O que eu estou querendo dizer é que segurança e justiça, no momento em que a


Escola da Exegese se afirma como tal, andam de mãos dadas, não há esse divórcio, essa
separação, que só começa a aparecer de forma mais clara quando essa sociedade, antes
homogênea, começa a se fragmentar e a se pulverizar em interesses diversos, certo? E a escola
do Direito Livre, que, aparentemente, só tem compromisso com a Justiça, talvez consagre um
referencial importante de segurança, à medida que a segurança que se pode esperar é com a
aplicação da Justiça no caso concreto. E ser, portanto, justo nisso, é controlar, de alguma
forma, o acaso. A garantia de que a justiça possa ser realizada seria uma forma de controle do
acaso. Ou seja, isso aqui talvez seja uma grande falácia, uma grande mentira criada pelo
pensamento moderno. Mas isso não é só. O que eu quero dizer é que existem outros fatores
que, internamente, ou seja, se você entrar nas entranhas de como o raciocínio jurídico é
construído rumo á aplicação do direito, vocês vão ver que vai estar presente, tanto em uma
quanto em outra, e nas que eu não coloquei aqui, como por exemplo, a jurisprudência dos
conceitos, que representa outros compromissos, mas que, no fundo, são variações em torno
de uma mesma preocupação. Ou seja, uma constante é essa lógica axiomático-dedutiva que é
consagrada invariavelmente por essas escolas. Ou seja, aquele encadeamento de premissas,
premissa maior, premissa menor, conclusão, isso está presente na Escola da Exegese, a
premissa maior é a lei, a premissa menor é o fato, e a conclusão é o dever ser que se obtém a
partir da conjugação dessas premissas. E isso está na Livre Investigação Científica da mesma
forma e também no Direito Livre, claro que a premissa maior no Direito Livre não é a lei, mas o
conceito de Justiça, o conceito transcendente de justiça que se tenha e que viabilize, em cotejo
com os fatos, chegar no dever ser concreto. Ou seja, pessoal, esse apego lógico, axiomático-
dedutivo diz muito do pensamento jurídico moderno. Sabe por quê? Porque, se vocês
observarem, são bem diferentes do ponto de vista jurídico, do ponto de vista ideológico, do
ponto de vista da afirmação de poderes, né? Mas, de alguma forma, todas elas buscam a sua
legitimação através de uma estrutura racional, dedutiva, isso é típico da modernidade. E a
pergunta que a gente poderia fazer é: Por que esse apego à razão se, no final das contas, essa
mesma razão pode legitimar ideologicamente diferentes modelos de Direito e de Estado? Ou
seja, a razão é mesmo neutra, ou será que ela cumpre um papel nesse jogo aí? O que é que
vocês acham? (…) É uma forma eficiente de se eximir de responsabilidade. Segurança é
importante para o Direito? Ou Justiça é mais importante? Isso não é uma resposta difícil. O
que eu quero ponderar é que, quem quer que esteja preocupado com segurança,
evidentemente estará preocupado com algo que tem e que pode perder. Eu quero saber:
quem não tem nada, por que vai querer segurança? Quem não tem nada quer mais a loucura

21
mesmo, não é isso? Então o discurso em torno de segurança, que, de certa forma, a ideia de
razão consagrada pela modernidade traz, revela um compromisso muito claro com a
manutenção de uma certa situação, de uma certa conquista, que eu já caracterizei para vocês
no começo como uma conquista tipicamente liberal, não é, com a situação para que ela
permaneça como está. Então só se preocupa com questões como controle, segurança,
previsibilidade, quem tem algo a perder. Eu não sei se a gente consegue se dar conta disso.
Afinal de contas, o discurso de Direito no qual a gente se envolve é um discurso tao
esquizofrênico e acho, às vezes, alheio a esse debate, que às vezes a gente toma como ponto
de partida essas questões que já são dadas como se já fossem oferecidas pela natureza, e não
como se fosse fruto também de um processo de construção, não é? Isso tudo aqui é
construído. Isso tudo aqui é, claro, consagrado como natural, como normal, mas que é fruto de
uma construção, e que tem implicações, portanto, ideológicas e evoluídas. Mas se a gente for
para os manuais de Direito, nada disso é problematizado. Porque o ponto de partida, o
referencial inicial é algo que é posto além disso aqui, portanto isso aqui é posto para trás, não
há mais o que discutir. Então é isso, vamos ver o que a gente faz com Justiça a partir desse
diferencial. Vamos ver o que a gente faz com Direitos sociais a partir do que é dado de
antemão, enfim, são questões importantes, não é?

Então agora vamos anotar algumas ideias no caderno:

“O pensamento jurídico moderno tem apresentado uma certa variedade de teorias


destinadas a explicar o papel do Direito e do Estado diante da sociedade. A primeira escola
surgida no contexto pós revolucionário tem nos parâmetros da Escola da Exegese a sua
principal consagração. Para a Escola da Exegese, não cabe ao intérprete criar Direito que não
esteja consagrado textualmente na legislação. Este referencial esconde a crença na plenitude
da lei, significando que todas as respostas para problemas apresentados a um intérprete estão
previstos pela lei.

Esta percepção começa a ser relativizada a partir da constatação de que o Direito,


enquanto expressão legislada, pode apresentar lacunas. Em tal hipótese, é autorizado ao
intérprete o exercício de uma livre investigação científica.

Uma terceira formulação teórica entende que o compromisso do intérprete não é


exatamente com a lei, mas com a Justiça. Por isso, na Escola do Direito livre, é possível
perceber um amplo poder criativo por parte do intérprete.

Apesar dos claros compromissos ideológicos, e apesar das diferenças quanto à


definição do papel de cada um dos poderes do Estado, bem como das fontes consagradas por
cada modelo, existe uma constante que vincula todas estas formulações a uma mesma forma
de pensamento. Esta constante é dada pela presença da lógica axiomático-dedutiva em cada
uma destas escolas.”

22
5. Aula 14.03.2013

Bom, vamos lá, então, aproveitar esses minutos que nos restam... É, bem, na aula passada,
vocês viram que eu tive a preocupação de tentar mostrar pra vocês que, de alguma forma,
mesmo a teoria de uma pretensão de neutralidade cumpre uma função ideológica, cumpre um
papel de certa?[...] de definição das atribuições de cada um dos poderes do estado e que isso
varia em virtude das diferentes funções teóricas e apesar disso existe uma constante, algo que
permanece invariavelmente que é a busca de uma blindagem ou pelo menos de uma tentativa
de tentar construir defesas contra críticas a partir da noção de um referencial de
racionalidade. Bom, eu queria hoje tentar mostrar pra vocês, no que se refere ao processo de
colmatação de lacunas, de que forma enfim a subjetividade também aparece. Então, quais são
as fórmulas que a gente normalmente que a gente utiliza para colmatar uma lacuna. Quando o
juiz encontra lacuna, o que é que ele faz? Ele tem que decidir, já que ele não pode se eximir de
resolver ou, de, enfim, de exercer jurisdição, mesmo que falte texto legal que oriente a sua
decisão. Então, ele vai criar. Mas essa criação é orientada por determinados parâmetros. Quais
são eles? O que é que um juiz, enfim, que técnicas, que formas, que modelos, que moldes, ele
pode utilizar pra promover a formatação da ... pode ser a partir da ...?

[resposta] Analogia?

É, essa seria uma forma de integração, né. Mas existem outros modelos, como, por exemplo, a
aplicação... Vamos lá, da analogia, da equidade, mas também da aplicação do costume e dos
princípios gerais do direito. [anota no quadro: analogia, princípios gerais do direito, costume e
evidentemente a equidade] Bom, a analogia é um processo objetivo de aplicação de uma
norma a uma situação por ela não prevista e que tenha algum padrão objetivo pra aplicar por
analogia uma norma e numa situação a outra? Bom, pelo que a gente aprende, a analogia
consiste fundamentalmente na aplicação de uma norma N a uma situação Y de tal forma que
essa aplicação só é possível porque a situação X prevista pela norma N é análoga a Y. Vamos
tentar fazer uma decomposição. Vamos imaginar que a norma N previu expressamente a
situação X e, portanto, ela é aplicável a X. Quanto a Y, não há previsão. Não há previsão de
texto normativo. Muito bem. Vamos supor que a situação X é composta pelos elementos a, b,
c, d, e, f. E a situação Y, é composta pelos elementos a, b, c, d, g, h. Pergunta é: Eu posso
aplicar então por analogia a norma N que previu a situação X para a situação Y?
Evidentemente que tem que ser diferentes, porque se X fosse igual a Y, então, a norma previu
a situação. Posso ou não posso? E agora? O que vocês me dizem? A gente tem, portanto, em
cada situação, seis elementos, quatro deles são elementos comuns e dois deles são elementos
diferentes, que diferenciam cada uma dessas situações. Cabe a aplicação da analogia? Bem, é
impossível dar essa resposta a priori porque isso vai depender de um processo de construção,
ou seja, se a, b, c e d que são, portanto, elementos comuns forem os elementos essenciais,
que definem tanto X quanto Y, eu posso sim aplicar a analogia. Mas se os elementos que
definem X e Y forem justamente os elementos que os diferencia ... e, f, g h h ... não cabe a
aplicação da analogia. O que eu quero dizer com isso é que existe um amplo espaço de
construção aqui e de manifestação da subjetividade porque se eu quiser legitimar a aplicação
da analogia, eu vou reforçar a importância dos elementos comuns e minimizar os elementos
que diferenciam as duas situações. Por outro lado, se eu quiser rejeitar a analogia, o que eu

23
vou fazer é justamente enfatizar esses dois elementozinhos aqui em cada situação e afastar ou
minimizar esses elementos comuns, ou seja, a analogia não é um procedimento objetivo de
aplicação de uma norma a uma situação que seja objetivamente análoga, ou seja, essa
equivalência ou essa possibilidade de aplicação, ela é fruto de um processo de construção,
portanto, de manifestação de uma subjetividade. Segunda situação. Os Princípios Gerais do
Direito. O que são os princípios Gerais do Direito? E agora? A gente ouve falar de princípios o
curso inteiro, introdução, direito constitucional, direito empresarial, etc., tudo tem princípios,
mas o que é o princípio geral do direito afinal de contas? Se vocês já não cansaram de ouvir
falar em princípio geral do direito. Eu pelo menos acho que princípio diz muito menos do que a
gente imagina. Eles terminam sendo aquele motor pra resolver tudo: “segundo princípio tal”,
inventa-se o princípio e tá tudo certo. Mas o que é um princípio geral do direito para o
pensamento jurídico? Não confundam o princípio geral do direito com o princípio positivado.
Essa aqui é uma leitura típica da tradição civilística, portanto, na tradição pós positivista, liga à
tradição pós segunda guerra mundial, de vinculação do direito sobretudo a valores. Os
princípios são expressões de valores que adquirem uma carga normativa própria. Toda uma
formação alexiana, que eu já falei de Alexy ontem, mas enfim a formação alexiana coloca
princípios como dados de otimização porque eles precisam ser realizados, ou seja,
concretizados, já que eles são normas, são verdadeiras expressões do dever ser. Esse princípio
aqui não tem essa leitura. Princípio Geral do Direito é aquele princípio que a gente encontra a
partir de uma dupla operação. Primeira a partir de uma indução e, depois, a partir de uma
dedução. Então, o PGD, que a gente aprende no início do nosso curso, funciona como uma
estrela polar ou um norte que orienta a decisão, orienta a aplicação do direito naqueles casos
em que existem as lacunas. Então, como é que eu encontro o PGD? Eu tenho uma situação X
que a princípio não foi regulado ainda por nenhum texto normativo, mas eu posso identificar
uma série de outras situações que tem características bem parecidas com essa e que tem uma
certa identidade fática e jurídica e que a partir disso podem então inferir que estão situações
são orientadas, reguladas, por um princípio geral do direito, uma norma que supostamente
serve de matriz para colmatação desse tratamento jurídico [?] então eu posso a partir disso
encontrar o princípio geral do direito depois disso eu volto e aplico pra essa situação concreta.
Vejam que eu tenho aqui uma operação de ida, de inferência e, portanto, de indução, e,
depois, eu tenho de volta, de dedução, aplicando para o caso concreto, por isso, a gente diz
que o PGD, ele, na verdade, não tá escrito, não é um princípio positivado, que tem uma base
textual, mas funciona como uma espécie de norte metodológico a orientar a estratégia de
aplicação do direito. Esse processo de inferência, de dedução, ele é um processo objetivo
também? Me parece que não. Assim como na analogia, é nítida a possibilidade aqui de
interferência, ainda que exista uma tentativa de controle a partir de uma operação racional, é
nítida a possibilidade aqui de criação e de uma interferência que não pode ser exatamente
compartilhada de uma forma objetiva. É algo que é fruto de uma subjetividade que interpreta,
que, portanto, dialoga especificamente, que pode variar de juiz pra juiz, evidentemente. Bom,
e o costume, o que dizer do costume? Já conversei um pouco com vocês ontem e disse que o
costume é, enfim, caracterizado como norma jurídica, mas que na prática reiterada de atos ao
longo do tempo aliada a um sentimento de obrigatoriedade. Mas eu pergunto, quantas vezes é
preciso na prática, seja considerado obrigatório? Quantas vezes? Duas, quatro, mil? O
costume, pessoal, ele precisa ser provado. Quem quer que pretenda deduzir a sua pretensão
em juízo amparado num costume, precisa provar justamente isso, que é uma prática reiterada

24
de atos que não é praticada ao acaso, mas com um sentimento de obrigatoriedade. Já que em
via amparada na lei, não precisa provar existência da lei. Ou seja, o costume ele torna-se válido
enquanto norma a partir do momento em que ele é reconhecido pelos tribunais, ou seja, o juiz
se deixa convencer de que existe ... portanto isso é uma norma ... esse processo é
evidentemente um processo também que não tem nada ou quase nada de objetividade no
sentido de que também é fruto de um processo de construção argumentativa. E, finalmente, a
equidade, não precisa nem chamar a atenção pra isso, a equidade é um sentimento de justiça,
ou seja, um sentimento de justiça, de justa medida, de ponderação, de moderação, de
equiparação, que também não é lá algo objetivo. Resumindo, as formas de integração do
direito, as formas de colmatação de lacunas do direito são extremamente permeáveis À
subjetividade, essa a conclusão inicial. Uma segunda conclusão, a própria identificação da
lacuna não é algo objetivo, uma determinada situação pode ser submetida a um juiz e ele dizer
"isso daqui eu decido com base na lei tal", e a mesma situação para um outro juiz, pode este
dizer, "não existe previsão legal portanto eu posso criar aqui", usando analogia, equidade, seja
lá o que for. Portanto, o processo de identificação lacuna em si é permeável de subjetividade.
Segundo, a escolha pelo método ou pela forma de colmatação da lacuna também é
absurdamente subjetiva porque pode escolher entre a analogia, o princípio geral do direito, o
costume, não existe nada que obrigue a uma utilização progressiva de uma para outra. Escolhe
livremente. O próprio processo em si, a analogia, a equidade, etc., ele próprio é também
permeável à subjetividade. Resumindo, apesar do esforço da teoria moderna em esconder
essas brechas na subjetividade, apesar da ênfase num controle, na ênfase na objetividade, na
possibilidade de universalização de um padrão decisório, resta evidente que existem amplos
espaços de manifestação de uma subjetividade que no final de contas é uma preferência
pessoal, consciente ou inconsciente, não interessa, mas que tem problemas no que se refere a
uma universalização. Isso é uma coisa que, enfim, chama atenção para o pensamento jurídico
moderno. A ausência de reflexão sobre qual é o espaço da subjetividade, qual o espaço da
manifestação da pessoa enquanto ser que pensa e evidentemente enquanto ser humano estar
absolutamente suscetível a interferências externas e, mais do que isso, qual é o papel político,
qual o papel enfim que cumprem cada uma dessas formas de decisão dentro de uma
sociedade. O que eu acho que é conveniente o juiz decidir, eximindo-se de responsabilidade.
De, por exemplo, dizer: "olha, eu decido assim porque eu quero". No final das contas, é muito
isso, principalmente em sede de jurisdição constitucional. Muitas vezes o que a gente percebe
é uma estratégia de transferir a responsabilidade ou pra lei ou pra técnica ou pra uma
instância qualquer que não é a sua própria vontade, o seu próprio querer. E, dessa forma, o
pensamento jurídico moderno contribui em muito para a continuação desse mito de que um
juiz, ao decidir, está fazendo ciência. É meio esquizofrênico. A gente se mata de estudar numa
faculdade de direito, num centro de ciências jurídicas, pra ter uma habilitação que nos permite
entender e dominar essa técnica de decisão, pra passar num concurso, e, quando passa num
concurso, isso não adianta, decide-se como quer. É preciso aprender linguagem específica pra
quê? Cínico.

6. Aula 27.03.2013

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Bom, se eu estou bem lembrado, eu conversei com vocês no nosso encontro sobre o
pensamento jurídico moderno e o modo como esse pensamento jurídico foi construído tendo
em vista de uma legitimação de qual é a postura do jurista, a postura, enfim, do legislador,
[dos povos?] ... exegese, livre investigação científica, história do direito jurídico, e a gente viu
que cada uma delas cumpre um papel importante no que se refere a definir padrões de ação
para cada um dos poderes, enfim, legitima determinadas fontes do direito como válidas ou
talvez superiores às demais como acontece por exemplo com a exegese colocar a lei acima de
qualquer outra fonte do direito, mas a gente começa a perceber que o costume ganha espaço
com a livre investigação científica até chegar naquele ponto culminante onde a lei já não tem
importância nenhuma, o que importa efetivamente é um sentimento de justiça que pode bem
viabilizar uma aplicação no direito a partir de uma, enfim, de um costume contra a lei, contra
legem inclusive...

Bom, o que eu queria conversar com vocês hoje sobre uma referência importante. Por que é
que a gente já sabe que, apesar dessas diferenças todas, existe uma constante, eu tentei
mostrar isso pra vocês, que é a insistência numa lógica somático-dedutiva e, portanto, de certa
forma, pensando no compromisso com a racionalidade, no compromisso com a razão, ou seja,
qualquer modo de pensar o direito, qualquer forma de raciocínio só é válida, só tem respeito
se ela for traduzida em termos racionais. E o que eu queria conversar com vocês hoje, pelo
menos começar a conversar já que em uma aula só é impossível dar conta desse tema, é talvez
o ponto máximo da racionalidade no direito que a gente encontra, talvez, com a formalização
empreendida por Kelsen na sua Teoria Pura do Direito.

Esse é o nosso tema da aula de hoje. É tentar ver de que forma a gente pode pensar o direito
também como ciência. Aliás, eu queria perguntar para vocês: Direito é ciência? Ou não?
[risadas] É. É ou não é? Bom, a gente tem aqui de fato um Centro de Ciências Jurídicas, o CCJ.
Formalmente, a gente tem um estabelecimento de um compromisso com a ciência. [Aluno:
Que ciência é essa que com uma penada do legislador...?] Bom, mas essa é que é a questão.
Será que por ciência do direito, ela confunde-se com a ideia de Direito como norma? Ou seja, a
ciência do direito é a própria norma? Como é que é isso? Me parece que essa é uma discussão
importante e me parece que a gente está muito mal resolvido quanto a isso também. Apesar
de a gente passar cinco anos num CCJ para a gente ter uma formação pretensamente
científica, no final da história, a gente tem dúvidas quanto a nossa própria condição de
cientista. Isso é muito interessante, a gente não consegue diferenciar de forma muito clara o
fazer do cientista com o fazer de um operador do direito.

Afinal de contas, existem, na prática, diferenças evidentes. Vamos lá, vamos pensar no
cientista, qual é a imagem que a gente tem do que um cientista faz? Se a gente pensa num
cientista, a gente pensa num cara de branco, vestido de jaleco num laboratório fazendo
experimentos. E fazer experimentos significa, sobretudo, observar. Sobretudo olhar o que
acontece diante de modificações que ele introduz no seu espaço, no seu objeto, certo? Vamos
lá, se a gente pensa dessa forma, a gente pode perceber que a função do cientista é sobretudo
com a descrição de fenômenos, de algo que ele pode observar de forma controlada. É o que o
cientista faz.

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Na área do Direito, o que é que nós fazemos? Qual é o compromisso de alguém que tenha
formação jurídica? A gente tem um compromisso de descrever o quê? Eu diria que o nosso
compromisso é sobretudo com a prescrição. Ou seja, ao invés de a gente trabalhar com juízos
de fato - a gente não diz as coisas como são -, a gente tem a preocupação em dizer as coisas
como elas devem ser. Portanto, a gente tem uma preocupação que não é propriamente
descritiva, mas prescritiva.

Vejam, pessoal, isso é tão interessante que a própria forma como nós nos olhamos, enquanto
pessoas que têm formação jurídica, ela não consegue dar conta de quando estamos
prescrevendo e de quando estamos descrevendo. Esse é um problema que eu percebo
inclusive na pós-graduação, no mestrado e doutorado das turmas aqui. E ,com muito mais
razão, na graduação, né. Por exemplo, esses trabalhos que vocês estão fazendo, que fizeram,
defenderam, etc. Os trabalhos de conclusão de curso, são trabalhos científicos por quê? Qual é
a nota científica deles? [Por que tem uma] pesquisa? Pesquisa no Direito é uma coisa
engraçada. A gente reúne fulano disse isso, beltrano disse aquilo e eu acho isso. É assim que a
gente faz pesquisa. Uma boa pesquisa tem 10 fulanos, 10 beltranos e um eu que acha alguma
coisa. Mas, pessoal, os trabalhos de vocês, eu tenho quase certeza, estão preocupados em
resolver uma coisa. Sempre resultam em um dever ser, em uma prescrição de alguma coisa.
Como algum modelo de acesso à justiça, por exemplo. Uma nova forma de conceber uma
tributação mais ágil, célere, o que for.

Pensem no tema de vocês e vocês vão ver que vão ver que deve ter coisas bem parecidas com
isso. E eu, sinceramente, acho que esse tipo de trabalho que a gente faz aqui, que tem a
forma, muitas vezes, de um trabalho acadêmico, de uma monografia, com todos os elementos,
agradecimentos, dedicatória, etc. Ela poderia muito bem, arrancados todos esses elementos
que dão a cara de uma monografia, e ser vertida, por exemplo, em um parecer, não é? Podia
ser um parecer, podia ser, enfim, qualquer coisa nesse sentido. Ou seja, o que eu quero
mostrar é que não é por acaso que, na nossa área do direito, a gente tem pouquíssimo
incentivo à pesquisa [continuamente?]. Compare o pessoal de física e o pessoal de direito. Isso
vale para todos os níveis, a nível de graduação, pós- graduação, professores inclusive, né. ... Os
currículos dos professores mais tops no direito no Brasil e comparar com os professores mais
tops da Física no Brasil, é piada, né.

Ou seja, a nossa área é uma área de fato bastante, é, mal resolvida, quanto a essas questões e
eu vou tentar, a partir da aula de hoje, tentar mostrar pra vocês que existe uma contribuição
importante, uma contribuição relevante. Ao mesmo tempo em que é importante, é
absolutamente polêmica, porque isso teve um custo muito alto do ponto de vista de uma
purificação de uma depuração mesmo, né, do método que se estuda o direito que é
justamente com Kelsen e a sua Teoria Pura do Direito. Eu diria que Kelsen parte de uma
grande ambição que é a de construir um status de ciência para o Direito. Veja, se a era
moderna, se a modernidade é a era da racionalidade e é a era da cientificidade, qualquer
conhecimento só é digno de respeito se ele for científico. Se ele puder ser traduzido em
termos de uma ciência, certo? Eu diria que essa talvez tenha sido a maior contribuição de
Kelsen, ele vai dizer: sim, a gente pode pensar o Direito de duas formas. Podemos pensar o
Direito como norma, portanto, o Direito com seu compromisso com prescrição, mas podemos
pensar também o Direito como ciência. Podemos pensar o Direito, também, como descrição.

27
Ou seja, como instância descritiva. Essa distinção fundamental, portanto, entre ser e dever ser,
entre mundo dos fatos e mundo das normas é fundamental. Eu diria que é o centro de
gravidade da própria teoria pura do direito. Não é dele essa distinção, Kelsen. Isso já vem de
Kant, mas ele aproveita, se apropria disso e constrói a partir disso um status de cientificidade
absolutamente original para o Direito. Pra começar, no mundo do ser, a gente tem algumas
preocupações que não são exatamente as mesmas preocupações que existem no mundo do
dever ser. Pra começar, o mundo do ser trabalha com fatos. O mundo do dever ser trabalha
com normas. O que implica numa seleção de valores, ou seja, de escolhas, né. É preciso
entender que toda norma seleciona dentre várias possibilidades aquela que é mais desejável.
Por isso, o dever ser estabelece qual é a conduta, qual é o valor, qual é a postura, enfim, a ser
adotada.

-Professor, todo dever ser é um ser também?

-Como assim? Me explica.

-[explicação inaudível]

-O que Reale vai dizer na teoria tridimensional é que o direito é um fenômeno que, ao mesmo
tempo, implica em uma apreciação de uma dimensão fática, de uma dimensão valorativa e de
uma dimensão normativa. Ou seja, o Direito, portanto, ele não se exaure em uma dimensão
fática, ou... Vou dar um exemplo bem simples pra você. Se a gente pensar numa sentença
judicial, existe uma preocupação normativa, não existe? Por que uma sentença é sempre uma
definição sobre como deve ser aplicado o Direito. Concordam ou não? Mas isso parte de uma
apreciação de uma situação fática. Aliás, pra ser bem explícito no argumento, eu posso
lembrar pra vocês que toda e qualquer petição tem lá: dos fatos, do direito, do pedido. Ou
seja, os fatos estão lá. O problema é saber como a norma incide sobre esse fato, ou seja, como
esse fato será qualificado pela norma. Então, talvez essa seja a leitura.

Mas o que eu quero mostrar é que existem duas formas pra qualquer pessoa emitir juízos. Ou
a gente emite juízos de realidade, ou a gente emite juízos de fato, desculpa, juízos de valor.
Então o juízo de realidade é o juízo de fato. Eu digo como as coisas são. A FDR é bonita, por
exemplo. Esse é um juízo de fato. O juízo de valor envolve um dever ser. Eu diria: a FDR deve
ser bonita. Esse dever ser não é "um eu acho que ela deve ser bonita". É um dever ser
enquanto prescrição, ou seja, ela tem que ser, necessariamente, transformada em algo bonito,
belo aos olhos de quem a admire, certo? Pra isso, se isso fosse uma norma - a FDR deve ser
bonita - a gente teria que ter uma estrutura administrativa permanentemente dedicada a
cuidar da beleza da FDR. Conseguem perceber essa distinção entre juízo de fato e juízo de
valor?

Então, vamos lá. Se a gente percebe, então, essa distinção, a gente pode, então, dizer que o
mundo do ser opera com verdade. O crivo de aferição de um juízo de fato é a verdade. Um
juízo de fato será, portanto, verdadeiro ou falso. Por exemplo, a FDR é bonita. Isso é
verdadeiro ou é falso. Será verdadeiro se houve ruma correspondência com isso que o
enunciado descreve e a realidade. Ou falso se essa correspondência não houver. Já juízos de
dever ser, juízos prescritivos, são submetidos a critérios que não são exatamente critérios de
verdade. uma norma é verdadeira, pessoal? Nunca, né? Uma norma será válida ou não.

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Portanto, o critério de aferição aqui é o da validade, não da verdade. Portanto, aqui [anota no
quadro] a gente trabalha com descrição e aqui a gente trabalha com prescrição.

Muito bem. O pressuposto fundamental de Kelsen, portanto, é exatamente, primeiro, essa


separação entre esses dois mundos, realidades distintas: o mundo do ser e o mundo do dever
ser. O mundo dos fatos e o mundo das normas. Claro que o mundo das normas,
genericamente, aqui, vejam só, é o mundo da Ética, que compreende também o Direito, além
da Moral, e de toda e qualquer dimensão normativa. Enfim, de dever ser, de juízo que a gente
possa valorar. Tá claro até aqui?

O que Kelsen faz na sua Teoria Pura do Direito é uma purificação, pessoal, do método de
estudo do Direito. Isso é importante porque a pureza qualifica, pessoal, não o Direito, mas a
Teoria. Não é o Direito que é puro, mas a Teoria. Ou seja, Teoria Pura do Direito. Portanto, o
que Kelsen reivindica é um método próprio e específico de investigação e do conhecimento do
Direito. Atenção que isso é importante: o grande ponto e que talvez tenha gerado um grande
incômodo em Kelsen, no sentido de perceber a necessidade de uma discussão mais efetiva
desse método do Direito, é uma percepção de que havia um sincretismo metodológico. Tá lá
no prefácio da TPD. Ou seja, o Direito, ele é conhecido, ele é estudado, um fenômeno jurídico,
às vezes com método na historia, às vezes com método na política, da filosofia, mas nunca
com um método próprio. E se a gente não consegue afirmar, vejam lá, um método específico
que define um objeto e, portanto, criando aquela tríade fundamental do pensamento
moderno: sujeito, objeto e método. Eu não tenho conhecimento científico e, se eu não tenho
conhecimento científico, nosso conhecimento é um conhecimento inferior, enfim, menor aos
olhos dessa lógica cientificista moderna.

O que é que ele faz? Ele procura depurar o método de estudo do Direito e criar, portanto,
tirando tudo que não seja efetivamente aplicável a essa realidade jurídica. E criar, a partir
disso, uma metodologia específica e que, finalmente, permite a afirmação de um status de
cientificidade para o Direito. Eu vou levar algumas aulas pra chegar lá. Eu quero apenas
começar a introduzir esse debate em vocês pra ver o que acontece. Seria uma espécie de ...
[pressuposto, princípio?] de Kelsen, que será em duas ou três aulas, sei lá quantas a gente vai
ter pra conversar sobre isso.

Pra começar, o primeiro pressuposto kelseniano é de que todo dever ser fundamenta-se em
um outro dever ser. Vejam, essa distinção está presente em tudo. Na Teoria da Norma Jurídica,
na Teoria do Ordenamento Jurídico, nas relações entre direito interno e direito internacional,
enfim, está presente em várias e várias passagens da Teoria Pura do Direito. Mas esse
pressuposto da irredutibilidade do dever ser ao ser significa que nenhum dever ser, nenhuma
manifestação normativa, portanto, pode estra fundamentada em outra instância que não seja
uma outra norma. Ou seja, norma fundamenta-se em norma. Nunca uma norma pode estar
fundamentada em um fato. Portanto, vejam, separaram-se esses dois mundos. E a gente vai
ver que esse é um problema crítico na Teoria Pura do Direito. Daqui a uns encontros a gente
vai ver porque exatamente isso acontece.

É dessa ideia inicial que Kelsen constrói a imagem que talvez tenha notabilizado a sua TPD, que
é a imagem de uma estrutura piramidal. Que também não é dele. A pirâmide é de Merkel e ele
também se apropria para a criação da sua TPD. E se ele diz, então, que o Direito é uma

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pirâmide, ou seja, o Direito enquanto ordem jurídica, do ordenamento jurídico enquanto
conjunto normativo, ele tá dizendo coisas importantes. Primeiro, está dizendo que existem
diferenças qualitativas e quantitativas, vejam só, entre as diferentes espécies normativas que
estão compondo o ordenamento jurídico. Pra começar, quantitativamente, a gente tem menos
normas em cima e mais normas em baixo. Mas o que vai permitir, não só que uma norma seja
colocada em cima ou em baixo, é a sua qualidade, ou seja, a sua dimensão qualitativa. Por que
as normas que estão em cima são normas abertas, ou seja, mais porosas. Enquanto as normas
que estão embaixo são as normas mais concretas. Normas aquelas que tem uma definição
mais específica de uma situação concreta.

Primeira conclusão dessa estrutura piramidal é que a gente tem uma variação em qualidade e
em quantidade das normas que compõem o ordenamento jurídico.

Mas, muito bem, a gente pode então, encontrar diferentes escalões normativos. Por exemplo,
uma sentença é uma norma? É um dever ser? É um dever ser concreto, né? Que resulta na
interpretação do Direito diante de circunstâncias fáticas. Olha o fato aí de novo aparecendo.
Mas é um dever ser e, se é um dever ser e se todo dever ser fundamenta-se em outro dever
ser, qual é o fundamento de uma sentença? Onde é que está o fundamento de uma sentença?

-Nas normas?

-Quais normas? Por exemplo, quando um juiz sentencia uma situação lá, que é um caso de
homicídio, o que é que ele está fazendo efetivamente? O que é que ele tá aplicando? A
princípio, bem especificamente, o art. 121 do CP. Matar alguém, pena de 6 a 20 anos.
Inclusive, ela aparece lá, textualmente, na fundamentação da decisão. Em todas as situações
que compõem o caso concreto em que está sob sua análise. Portanto a gente pode dizer que a
sentença é aplicação de uma norma superior. No nosso caso, uma lei ordinária, né. O CP tem
um, é um Decreto Lei formalmente, mas, enfim, ele foi recepcionado como Lei Ordinária, né.
Assim como a gente poderia encontrar uma decisão fundamentada também em uma Lei
Complementar. E eu diria que, de qualquer modo, Kelsen não teria grande dificuldade em, por
exemplo, explicar esse fenômeno, dessa euforia principiológica, pra usar uma expressão de
Humberto Ávila - aliás, um dos nomes cotados para o nosso STF. Ele diz essa euforia
principiológica, reivindicando a força normativa para as regras.

Mas o que acontece efetivamente é que, se a gente pensa, a jurisprudência hoje, no Brasil,
parece que adota esse pan-principiologisma, ou seja, aplica-se praticamente direto princípios
constitucionais para situações concretas. Dignidade humana, princípio da igualdade, enfim,
qualquer princípio que vocês imaginarem aí. Kelsen não teria nem nessa situação dificuldades,
eu imagino, de explicar e fundamentar a sua visão do que é o ordenamento jurídico. Mas, em
última análise, portanto, esse dever ser que fundamenta todo o ordenamento jurídico é a
Constituição. Então, a sentença fundamenta-se em uma LO, que, por sua vez, fundamenta-se
na CF ou [no exercício, numa regulamentação à LC]. Sempre uma norma superior. Até que a
gente chega no ponto crítico da Teoria do Ordenamento Jurídico em Kelsen que é a pergunta,
a resposta para a pergunta crucial: se todo o dever ser fundamenta-se em outro dever ser e, se
a CF é um dever ser, onde está fundamentada a CF?

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Deixa eu fazer uma pergunta a vocês. Vamos esquecer que a gente tá conversando sobre
Kelsen. E se um pequeno sobrinho de 12 anos, por exemplo, pergunta-se pra vocês, que estão
se formando no curso de Direito: por que eu tenho que obedecer a Constituição? Como é que
vocês iam responder? [silêncio]

-Já que tá todo mundo obedecendo... [risadas]

-Já que tá todo mundo obedecendo, eles obedecem também, né? Mas eu não acredito que um
sobrinho de 12 anos ia provocar esse silêncio em vocês. É uma pergunta tão simples. Por que a
gente tem que obedecer à CF.

-Por que, se não obedecer, há uma sanção.

-Tudo bem. A gente pode dizer que tem que obedecer porque tá todo mundo obedecendo e,
se não obedecer, a gente vai ter problema. Mas do ponto de vista de uma crítica, de alguém
que percebe: ó, essa ordem jurídica é uma ordem injusta. Por que que eu tenho que obedecer
ela? Uma resposta possível e que seria plausível para a gente se organizar e compreender o
funcionamento do Direito: a gente tem que obedecer a CF, primeiro porque ela é fruto de uma
vontade soberana. Segundo porque existe um tal de poder constituinte que criou tudo isso
aqui e esse poder é um poder que vincula e que nos obriga. Essa resposta é uma resposta
plausível ou não? Vocês acham que essa não é a forma pela qual pelo menos a gente raciocina
e pensa, por exemplo, em temas de legitimidade, etc. Sim ou não? Sim.

Mas Kelsen nunca poderia admitir isso. Kelsen jamais poderia dizer que a gente tem que
obedecer à CF porque a CF é fruto de um poder constituinte. Por um motivo muito simples.
Por que o poder constituinte, apesar de ser um poder jurígeno ?, ou seja, apesar de ser um
pode capaz de gerar o Direito, de criar o Direito, ele é um poder de fato. Não é um poder de
Direito. Isso significa que, se Kelsen dissesse que a gente tem que obedecer a CF porque a CF
está fundada no poder constituinte, estou fundamentando uma norma, um dever ser, em um
fato, em uma manifestação do mundo do ser. E, portanto, comprometendo esse pressuposto
inicial de separação entre ser e dever ser. Se eu dissesse isso, eu poderia, então, perguntar: se
a CF fundamenta-se em um fato por que é que a LO tem que se fundamentar em uma norma?
Ela pode se fundamentar em um fato. Uma sentença também. Por que não? Ou seja, para
Kelsen, isso implicaria na destruição da coerência interna da TPD. Por isso ele vai pelo caminho
mais difícil e que é um dos caminhos mais criticados na sua TPD.

O que ele vai dizer? Não, a CF, assim como qualquer norma do ordenamento jurídico,
fundamenta-se sim em outra norma. Só que essa norma não é uma norma posta. É uma norma
pressuposta. Ou seja,é aqui que ele cria a chamada Teoria da Norma Fundamental, que é,
necessariamente, uma norma pressuposta. Ela é um artifício lógico, sem o qual não dá pra
pensar a coerência do ordenamento jurídico. Não dá pra pensar a coerência interna do
ordenamento jurídico, enfim, do conjunto de normas que compõe esse acervo que a gente
chama de Direito Positivo.

Então ele vai dizer o seguinte: a gente pode pensar a CF de duas formas. Em sentido lógico-
jurídico e em sentido jurídico-positivo. CF em sentido lógico-jurídico é a CF é a norma
pressuposta. E a CF em sentido jurídico-positivo é a norma posta. Tem um livro do Eros Grau

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que brinca com essa dualidade kelseniana. Direito posto ao Direito Pressuposto. É uma
brincadeira no título do livro, mas é uma alusão direta a essa distinção. Por que essa norma
tem que ser pressuposta? Por que não posta? Toda norma que é posta é posta por uma
autoridade. E se existe uma autoridade capaz de por uma norma, de positivar uma norma, é
por que essa pessoa foi investida por uma norma anterior de poder para tal. Ou seja, de
autoridade. E, se existe essa outra norma, existe outra autoridade. Enfim, a gente ia subir ao
infinito e nunca íamos chegar a uma solução. Kelsen vai pelo caminho mais complicado, que
lhe rendeu inúmeras críticas, mas mantém a coerência interna da sua TDP.

Um outro aspecto importante. O que se refere às funções do Estado. Vocês sabem que Kelsen
identifica Direito e Estado. Para Kelsen, Direito e Estado são a mesmíssima coisa, ou seja, o
Estado é o seu próprio Direito repartido em esferas de competência. Então, se você quiser
conhecer um Estado conheça o seu Direito. E esse é mais um aspecto diferente da teoria
tradicional. Ele tem um livro, Teoria Geral do Estado e do Direito, em que esses argumentos
aparecem mais intensamente do que na própria TPD. Mas ele vai dizer o seguinte: se a gente
pensar na teoria clássica do Estado, quais são as funções do Estado? O que ele faz? O modelo
de tripartição de poderes, ele faz o quê? Ou ele executa, ou seja, administra, ou ele legisla, ou
ele julga. Isso dá origem aos três poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Kelsen vai dizer:
nada disso. Só existem duas funções do Estado. Que são criação e aplicação do Direito. Só. Ou
seja, ou o Estado cria Direito ou ele aplica Direito. E ele, então, com esse argumento, procura
projetar essa ideia na sua visão piramidal. Ele vai dizer, olha, qualquer momento que eu tomar
na pirâmide será, simultaneamente, criação e aplicação do Direito. Ou seja, se eu tomar, por
exemplo, uma LO, ela é criação para todas as normas que estão abaixo dela, mas ela é também
aplicação das normas superiores. Isso vale para a própria sentença que é criação, para tudo
que se fundamenta em uma sentença, e também é aplicação de todas as normas que estão
acima dela. Ou seja, toda norma é, simultaneamente, fundante e fundada, resultante de um
processo de criação e aplicação do Direito. Salvo em dois momentos especialíssimos. Primeiro,
na extremidade superior, onde a gente tem um momento de pura criação, não é aplicação de
absolutamente nada. É esse momento, de encontrar a CF em sentido lógico-jurídico. É criação
pura e simples. E, lá em baixo, eu diria, abaixo da própria sentença, por que a sentença é
fundamento para os atos de mera execução. Aquele despacho - cumpra-se - é claro que todos
os atos que apoiam-se nesse dever ser são fundados, portanto. São resultado de um processo
de aplicação. Então, a gente vai ter a pura criação lá em cima e, aqui em baixo, a pura
aplicação. Os chamados atos de mera execução, que não são criação de absolutamente nada.
Mas, todos os outros momentos que eu trabalho na pirâmide, serão, ao mesmo tempo,
criação e aplicação.

Isso é interessante por que permite, talvez, ultrapassar uma imagem, que a gente vai trabalhar
com ela também na aula próxima, de que só o juiz cria o Direito. A gente, quando estuda
Kelsen, lembra da história da moldura, que o ato de preencher, enfim, que a moldura é um ato
de vontade, etc. E só o juiz faz isso, só ele cria o direito? Não. Se isso aqui de Kelsen é verdade,
todos os atos normativos, produzidos no âmbito de um Estado, são decorrentes de um
processo de criação. Esteja ele no âmbito do Poder Judiciário, do Poder Executivo ou do Poder
Legislativo. Os três Poderes criam e aplicam Direito simultaneamente. Isso é importante, a
gente perceber que o ato de criação do Direito não é apenas por via judicial. A gente tem os
três poderes, enfim, atuando nesse sentido.

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Muito bem. O que mais eu posso dizer sobre isso aqui? Isso é uma grande teoria da validade,
né. No final das contas, talvez seja essa a grande importância de discutir Kelsen nos dias de
hoje. Eu tenho impressão de que Kelsen é tão criticado, tão combatido, quanto pouco lido.
Muita gente fala em formalismo kelseniano, geometria [?]... Ele é mesmo. Ele é formalista
mesmo. O que me parece é que falta, efetivamente, disposição de ultrapassar a TPD. Por que,
se Kelsen tá morto, me parecem que esqueceram de sepultá-lo. E, se esqueceram de sepultá-
lo, é preciso a gente discutir por quê? Afinal de contas, tudo que se propõe a discutir novos
referencias para a teoria do Direito, partem justamente de Kelsen. Se fosse alguém
insignificante, ele não ia ser sequer citado, ter sua importância cogitada.

-O senhor mencionou a Teoria Tridimensional. Ela é uma crítica a essa teoria de Kelsen.

-É. Em certo sentido, ela é uma tentativa também de demonstrar que o Direito é algo mais que
a dimensão normativa, ou seja, não é apenas o dever ser que fundamenta o dever ser na sua
forma. Por que isso é uma teoria formal do Direito. O que é o Direito válido pra Kelsen? É um
Direito que está em conformidade com as prescrições mais superiores do ordenamento
jurídico. Pra Reale, talvez a gente tenha outras preocupações pra conferir validade ao Direito
seria importante a dimensão fática e a dimensão valorativa. Bom, é uma tentativa. Não sei se é
uma tentativa que, no final das contas, consegue dar conta do fenômeno jurídico, mas é uma
tentativa. Mais uma, existem várias outras.

A propósito, eu perguntaria a vocês, para todos que criticam Kelsen, que dizem que é um
formalismo, eu pergunto a vocês: o que é uma norma válida? O que é que a vida forense, que
muitos de vocês já tem, indica como sendo uma norma válida? Vocês me dizem.

-Quando o judiciário reconhece aquela norma?

-E se o juiz não reconhecer? Ela deixa de ser válida?

-Ela não deixa de ser norma, mas assim...

-Essa é uma leitura realista, né, do realismo, talvez, de Oliver Wendel Holmes, etc. Direito
válido é o Direito aplicado nos tribunais.

-Não necessariamente, mas, assim, quando o senhor falou "o que seria uma norma válida?"...?

-É, o que seria uma norma válida?

-Bom, se ela for constantemente ... pelos tribunais?

-Sim, mas a norma é válida por isso?

-Não é propriamente, mas é parte do sistema ... se ela não tem aplicação?

-Aí é um problema de eficácia.

-... um juiz não considera uma norma correta.

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-Um só não, né. Tem que ser todos pra não reconhecer. Muitos juízes entendem que
determinadas normas não são, enfim, aplicáveis. Mas nem por isso ela deixa de ser válida. Por
que eu chamo atenção. Eu chamo atenção é que, apesar de todas as críticas, de tudo o que se
diz de Kelsen, me parece que a gente trabalha muito perto desse conceito de validade ainda
kelseniano. Me parece que, infelizmente, ou felizmente, não sei, a teoria jurídica não superou,
não soube superar, este referencial que é uma teoria formal da validade. Aqui, pessoal, o que
é um direito válido, uma norma válida pra Kelsen? É uma norma justa? Não. Não tem nenhuma
preocupação com justiça aqui. O que é curioso porque Kelsen escreveu três livros sobre
justiça. O que é justiça, o problema da justiça e a ilusão da justiça. Três livros grandes. Mas
aqui não tem nenhuma consideração de conteúdo. Isso explica e fundamenta um direito, por
exemplo, com preocupações liberais? sim. Com preocupações sociais? Sim. Explica um Direito
nazista? Sim. Sem dúvida. Cabe pra toda e qualquer formulação de conteúdo jurídico. Já que o
compromisso da teoria é com forma, não com conteúdo. Enfim, é um esquema. Ou uma caixa
em que se coloca qualquer conteúdo, pronta pra portar qualquer conteúdo. Esse talvez seja a
maior crítica a Kelsen: por ter vivido em uma época em que foi testemunha do nazismo, talvez
sua contribuição, se não efetivamente no sentido de contrariar ou de demonstrar que o Direito
precisa de um conteúdo, pelo menos quanto a isso, ele silenciou. Talvez seja essa uma crítica
biográfica importante. Mas rigorosamente, eu não acredito que Kelsen tenha sido simpático à
causa nazista. Até por que ele viveu os últimos anos de sua vida na Califórnia, fugindo do
nazismo. De todo modo, são críticas que existem por aí.

Bom, só pra gente encerrar por hoje, deixa eu tentar fazer aqui com vocês uma apreciação
de como Kelsen procede a esse esvaziamento do Direito. Vamos lá. Vamos pensar, por
exemplo, no Direito e na Moral, que são dois sistemas normativos. Dois domínios
normativos diferentes. Vou já definir pra vocês a conclusão e aí a gente vai preencher o
argumento. Pra Kelsen, Direito e Moral são diferentes em virtude do modo como as
estratégias ou as derivações normativas acontecem. Ou seja, na Moral, a derivação
normativa é de tipo estático. No Direito, é de tipo dinâmico. Ou seja, Moral e Direito
diferenciam-se em função do modo como as normas oferecem fundamentação umas às
outras dentro do sistema. Ou seja, na Moral, essa forma de derivação entre as normas é de
tipo estático e, no Direito, a forma de derivação é de tipo dinâmico. Eu sei que isso talvez
seja um conceito um tanto quanto incompreensível, a priori, mas fiquem com a ideia que eu
vou tentar mostrar pra vocês como isso acontece e depois a gente retoma o argumento.

É o seguinte. Vamos pensar em preceitos morais. Dentre eles, aquele que diz que a gente não
deve mentir e aquele que diz que a gente não deve fraudar. Vamos pensar em outros preceitos
morais, como, por exemplo, não ferir e também não matar. Tudo isso é exemplo dele, não tem
nada meu aqui, é apenas uma descrição dos próprios exemplos trabalhados pelo Kelsen. Bom,
haveria por acaso, algo em comum, entre não mentir e não fraudar que nos autorizasse a
admitir a existência de uma norma superior fundamentando esses dois preceitos? Pra
começar, todo mundo aqui concordar que isso aqui é preceito moral, né? Não mentir, não
fraudar, não ferir, não matar, etc. Mas haveria uma norma superior, uma norma acima desses
dois preceitos que pudesse nos oferecer aqui uma fundamentação pra esses dois preceitos?
Sim ou não? O que é vocês encontrariam se a gente fosse procurar essa norma? No que
eventualmente estaria fundamentada a norma que diz que a gente não deve mentir e, ao

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mesmo tempo, essa norma deveria fundamentar a norma que diz que a gente não deve
fraudar. Encontra alguma coisa? Talvez a ideai do princípio da veracidade ou, a gente pode
dizer, da boa fé. Que é algo muito caro ao Direito também, não é? Mas talvez o princípio da
veracidade, da honestidade, não é. Talvez essa ideia seja exatamente do fundamento - vejam
lá como a gente vai começando a construir uma estrutura piramidal - o fundamento de
validade desses dois preceitos morais. Bom, assim como fizemos aqui, vamos tentar encontrar
uma norma ou um preceito moral que fundamente não ferir e não matar. O que supostamente
poderia inspirar esses dois preceitos e dar fundamentação a eles?

-A vida humana?

-Talvez algo mais específico, mas não tanto a ponto de confundir com esses dois preceitos que
seria a ideia de que deve-se amar ao próximo. Quem ama ao próximo fere? Mata? Também
não, né? OK, vamos agora encontrar a norma fundamental desse nosso sistema moral, ou seja,
a gente busca agora a norma que seja o fundamento de validade, simultaneamente, do
preceito de acordo com o qual a gente deve ser verdadeiro e deve também amar ao próximo.
Qual seria essa norma fundamental?

-Não fazer pra outro o que você não gostaria que fizessem com você?

-O que mais?

-[pergunta inaudível] ... amar ao próximo ... Onde é que tem isso?

-Isso é um sistema moral. Não tem nada de jurídico aqui. Ainda que o Direito se aproprie de
muitos desses conteúdos. Aliás, vocês sabem qual é a relação entre Direito e Moral? Tem
questões que são tipicamente morais que interessam ao Direito. Mas tem questões com as
quais o Direito lida que não interessam à Moral. Por exemplo, prazo pra contestação. Isso é
moral ou imoral? É irrelevante. Por que o sinal é vermelho e não azul? Não tem conteúdo
moral. É um mundo diferente. O mundo do Direito é um mundo diferente. Para a Moral,
portanto, ela opera nessa forma que eu tô tentando caracterizar. Depois, quando eu mostrar o
Direito, vai ficar claro o que eu quero fazer com vocês. A norma fundamental, pessoal, desse
nosso sistema seria o princípio de que as pessoas, todos devem viver em harmonia com o
universo, certo? Essa seria nossa norma fundamental de um sistema moral. Isso aqui é a
representação de como funciona um sistema moral. Aqui a gente tem, assim como no Direito,
diferentes escalões normativos, com diferentes graus de especificação. Lembra que eu disse a
vocês que, na estrutura piramidal, a gente tem diferenças quantitativas e qualitativas? Isso
permanece aqui na Moral.

Porém, existe uma diferença aqui enorme entre o Direito e a Moral. Que é o fato de todo esse
conteúdo estar presente nessa norma fundamental aqui. Vamos lá, quem vive em harmonia
com o universo, é verdadeiro? Ou mente? [discussão da turma: não se pode ser honesto o
tempo inteiro] Mas isso não é fruto de uma forma de ver que a gente possa dizer que é
propriamente harmoniosa. Quem desconfia, quem tem medo, receio da reação alheia... E aí eu
tô partindo do pressuposto que todos se conduzem da mesma forma, evidentemente. Talvez
seja esse seu argumento. Se todos agissem dessa forma, teríamos uma harmonia universal.
Agora, viver em harmonia com o universo, implica em ser verdadeiro. Amar ao próximo, não

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mentir, não fraudar, não ferir, não matar. O que eu quero dizer é que todo esse conteúdo é
subsumível na norma fundamental. Tudo o que a gente tem aqui é um processo de
detalhamento, portanto, conteúdo está definido estaticamente.

Aí está a derivação normativa do tipo estático, certo?

Vamos pro Direito agora. Vou dar um exemplo pra vocês. Imaginem que depois de um longo
dia de trabalho, chegando em casa às 22h, você encontra seu pequeno filho pulando em cima
do sofá. Você abre a porta e diz: meu filho, o que é isso? Ele vai dizer: estou brincando! Vocês:
a essa hora? Vá dormir! Ele pode, resignadamente, parar de pular no sofá e ir dormir. Mas ele
pode ser dado ao gosto da argumentação e perguntar: mas, papai, tá tão bom, por quê, só um
pouquinho! E só há uma forma de encerrar a discussão. Como se encerra a discussão? Quais
são as várias formas? Em última análise, o argumento inapelável é o argumento da autoridade:
vai dormir agora porque eu sou seu pai e estou mandando. Pode ser que o pai seja dado ao
convencimento, mas, se não tiver jeito, só tem essa forma de encerrar a conversa: eu to
mandando e ponto final. Pois bem. Nesse caso, a gente tem uma norma fundamenta: os filhos
devem obedecer aos pais. E, lá em baixo, a gente tem o comando: os filhos devem dormir
cedo. Perfeito.

Vamos imaginar uma segunda situação agora. Depois de um longo dia de trabalho, 22h, 23h da
noite, você chega em casa e encontra seu pequeno filho pulando no sofá. Você pergunta: meu
filho, o que é isso? Eu estou brincando, papai. E o pai diz, mas, meu filho, a essa hora? Saia daí,
quem vai pular no sofá sou eu. E o pequeno filho pode, resignadamente, sair do sofá e deixar
que o pai pule. Mas ele pode ser dado ao gosto da argumentação e dizer, papai, você é muito
grande, vai quebrar o sofá. Só tem uma forma de encerrar a conversa, qual é? Sai daí agora por
que eu sou seu pai, estou mandando e quem vai pular agora sou eu. Atenção, a norma
fundamental é a mesma. Por que se o problema é obedecer aos pais o que quer que o pai diga
- vá dormir; agora é minha vez ou, então, vamos pular juntos em cima da mesa de vidro - , tá
valendo. A norma fundamental é a mesma. Percebam alguma coisa se perde aqui entre a
norma fundamental e o comando lá em baixo. Ao contrário do que acontece aqui na Moral por
que todo esse conteúdo é mantido. O que a gente tem é só um processo de detalhamento, de
especificação. Isso não existe aqui. Essa é a derivação normativa de tipo dinâmico por que
alguma coisa precisa acontecer aqui no meio, ou seja, há um processo de criação aqui no meio
que vai fazer com que essa norma lá em baixo ganhe o seu conteúdo. Então, vocês acharam
graça, mas eu posso dizer que o fato de um pai mandar um filho se jogar pela janela, por
exemplo, talvez possa ser interpretado enquanto metáfora como a própria organização de um
direito nazista, que não tem o menor compromisso e, até mesmo, desprezo, pela condição
humana. Seria, guardadas as suas devidas proporções, uma situação como essa. Pois bem, o
Direito trabalha dessa forma. Cria, portanto, uma autoridade e o conteúdo da norma, ou seja,
o comando é o que menos interessa. O que interessa é a manutenção de uma estrutura de
poder e de autoridade que deve ser obedecida, independentemente de ser justa, injusta, boa,
ruim, etc.

Portanto, só pra retomar e a gente encerrar por hoje, o Direito, esse esvaziamento de
conteúdo que Kelsen opera no Direito, é fruto de uma percepção de que a norma fundamental
na moral, vejam só, que orienta-se pela derivação normativa de tipo estático, oferece uma

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dupla fundamentação. Uma fundamentação de forma, mas também de conteúdo. Já o Direito,
que se orienta como mecanismo de derivação normativa de tipo dinâmico, nele, no Direito, a
norma fundamental oferece única e exclusivamente a fundamentação formal. Não há
fundamentação de conteúdo. Esse, portanto, é o resultado desse processo de esvaziamento
do conteúdo do Direito. E essa, portanto, é um dos grandes problemas da TDP que, parece-me,
ser emblemática. Afinal de contas, o que é um Direito justo? Como a gente pode construir um
referencial de validade a partir de ... da ideia de justiça? Essa é uma discussão que a gente vai
ter na próxima semana quando eu quero trabalhar com vocês a ideia de dimensão externa, de
validade externa já que a gente trabalhou hoje com a noção de validade interna. Pra no final,
encerrar com o polêmico debate sobre se o Direito é ou não é ciência e o que Kelsen tem a
contribuir com isso.

7. Aula 03.04.13

Olha pessoal, eu conversei com vocês na aula passada sobre a construção do Kelsen enquanto
proposta de compreensão metodológica do Direito. A gente viu que o grande esforço de
Kelsen, no final das contas, é em demonstrar algo que é importante fundamental, talvez, para
a compreensão do que seja até a própria perspectiva de um olhar cientifico sobre o Direito é
que ele parte da distinção entre ser e dever ser. Eu diria que o tema da aula de hoje vai no
sentido de tentar colocar à prova esse postulado kelseniano a partir do que ele próprio indica
[critica?]. Portanto, eu não pretendo sair do pensamento kelseninano, mas seguir as
orientações do próprio Kelsen e tentar ver até que ponto ele manteve esse postulado, né. E a
minha opinião, pessoal, esse é um momento crítico da TPD. Eu diria que é o momento mais
crítico da TPD do que, inclusive, a ultra criticada TNF. Existe uma conexão entre esses dois
temas, mas, ao meu ver, essa possibilidade de comunicação que ele constrói com ser e dever
pra mim é muito mais problemática.

Pra começar, Kelsen constrói uma grande teoria da validade, a gente discutiu isso na aula
passada. A gente discutiu o que é uma norma válida, etc. Talvez pensar em validade no Direito
seja, de alguma forma, pensar nessas relações internas, nessas relações intra ordenamento
jurídico, no interior de cada ordenamento jurídico. Se se quer saber o que é uma norma válida,
é uma norma que foi elaborada, enfim, produzida de acordo com as normas superiores do
sistema. Até o limite máximo da norma fundamental, até a Constituição seja lá em que sentido
a gente tome a Constituição. No sentido lógico jurídico, no sentido jurídico positivo, não
importa, é sempre a Constituição o teto.

Mas uma questão que parece importante responder também é a questão da validade não no
plano interno, mas a validade no plano externo. O que significa perguntar o seguinte, pessoal,
porque uma ordem jurídica, que é encabeçada ou fundada em uma norma fundamental,
porque é ela própria válida? Essa pergunta é particularmente importante quando a gente
trabalha com situações de pluralismo jurídico. Já devem ter ouvido falado no tema, sobretudo
nas aulas de Sociologia. Aliás, eu diria que esse é o momento em que Kelsen se aproxima, de
fato, de uma abordagem tipicamente sociológica. Quando eu falo de pluralismo jurídico,
pessoal, eu estou falando da pretensão de validade, de mais de uma ordem jurídica, no mesmo

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tempo e no mesmo espaço. Todos aqueles debates dos anos 90 sobre Direito Alternativo,
Direito Oficial, Direito Extra Oficial, e manifestações alternativas de juridicidade, de certa
forma se inspiram muito na questão de que, talvez, essa pretensão de monopólio da jurisdição
estatal seja insuficiente para dar conta da complexidade contemporânea.

E Kelsen, ele próprio, já se preocupava com isso. Na prática, traduzindo para a nossa situação,
vamos supor que eu tenho, então, um sistema 1, encabeçado por uma Norma Fundamental 1
e, concorrendo com ele, eu tenho o Sistema 2, encabeçado por uma Norma Fundamental 2.
Exemplos clássicos disso aqui. Eu posso lembrar a vocês, sobretudo no contexto europeu, o
que é que acontece com a máfia. A máfia, vocês sabem, é uma organização relativamente
sofisticada. Existem estruturas bem parecidas com o que é o ordenamento jurídico estatal.
Existem autoridades, existe hierarquia, escalonamento, diretrizes, normas, enfim, bem
parecido com o que acontece num Estado.

Pra não ir muito longe, a gente pode ir pra América Latina. A gente pode pensar na Colômbia,
nas Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia - FARC. E, talvez, para ficar bem mais perto
da nossa realidade, a gente pode pensar no crime organizado no Brasil. Ainda que,
ultimamente, o Direito oficial, a orientação oficial do Direito, tenha feito algumas ofensivas em
direção aos morros, sobretudo do Rio de Janeiro a ponto de, por exemplo, ser cenário da
novela das 09h o Morro do Alemão. O que mostra que existe talvez uma mudança nesse
quadro. Mas ainda existem espaços que são impenetráveis pelo Direito estatal e que é
exatamente, talvez, a representação do que eu quero dizer. A gente tem duas ordens
normativas distintas com diferentes orientações e muitas vezes conflitantes. Eu acho
particularmente emblemático a gente perceber o que acontece...

Vamos lá, nas favelas do Rio de Janeiro. Lembram como aquele jornalista foi morto?
Colocaram ele em pneus e incendiaram. É curioso. Isso foi o que aconteceu de fato. Mas como
isso foi narrado pelos meios de comunicação? Assassinaram Tim Lopes? Foi assim? Ninguém
usou a palavra julgamento, não? Lembram da história? Que Tim Lopes teria sido descoberto
numa reportagem investigativa pelo chefe do tráfico e foi julgado pelos chefes do tráfico e foi
condenado à morte daquela forma. Eu acho curioso. Exatamente, esse era o ponto que eu
queria discutir. Por que aquilo é um julgamento? E, bom, do ponto de vista do que seria um
julgamento tradicionalmente reconhecido pelo Direito oficial aquilo, certamente, não foi um
julgamento. Mas aquilo foi noticiado e foi mesmo válida como julgamento à luz do próprio
Direito extra estatal, um Direito que configura ordem jurídica paralela.

Nesse contexto, uma pergunta importante a gente precisa fazer: qual é a ordem jurídica que
deve ser considerada como válida? A ordem jurídica estatal ou a extra estatal? A ordem
jurídica do estado italiano ou a da máfia? Ou a ordem jurídica colombiana ou a das FARC? Ou a
ordem jurídica do estado brasileiro ou a do crime organizado, enfim, do que acontece em uma
realidade afastada desse referencial? Qual é a ordem jurídica, afinal de contas, válida? Me
digam vocês e por quê?

-Aquela que tem mais força para se impor sobre a outra?

Esse argumento talvez indique o caminho percorrido por Kelsen. Porque, no final das contas,
veja que a TPD é uma teoria formal. Não há qualquer referência a conteúdo. Então não eu

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posso dizer que a ordem jurídica ser considerada como válida é aquela ordem jurídica estatal,
por que ela é melhor, mais justa. Aliás, esse critério de melhor ou pior, justa ou injusta envolve
um juízo de valor que, vocês sabem, Kelsen não se preocupa com isso. Não posso dizer que a
ordem jurídica é a estatal porque é a mais justa. Então esse é um caminho que não dá pra
gente encontrar na TPD e isso é profundamente angustiante. Por que isso nos coloca num
relativismo absoluto. Ou seja, se eu perguntar, fizer uma enquete no nosso meio: qual é o
Direito melhor? Qual o que a gente deve obedecer? O da favela ou o do Estado, o do asfalto?
Provavelmente, qual seria a resposta? Quem duvida que a resposta tenderia a consagrar as
manifestações de jurisdicidade do asfalto? Mas, se eu fizer essa mesma pergunta na Rocinha,
no Alemão, etc. O referencial de quem é amigo de quem é inimigo é outro. Certamente, a
lógica da forma como se organiza a sociedade nesses espaços indicaria que talvez o Direito
mais justo, o mais desejado e o Direito a ser obedecido e, por isso mesmo, um Direito válido, ...
[interrupção de Ricarda] Certamente, eu dizia que, certamente, se a gente fizer essa pergunta
na favela, a resposta seria outra porque o referencial de justiça, de poder, de força e de
autoridade é muito diferente na favela e no asfalto. Por exemplo, vocês acham que um
menino que mora no Alemão, na Rocinha, etc., vocês acham que ele almeja fazer um curso de
Direito? "Eu quero ser Juiz Federal!". Vocês acham plausível isso? Pode acontecer, mas eu
acho pouco provável. Esse talvez seja um desejo nosso, né. Do nosso meio porque todo mundo
aqui quer ser Juiz Federal, Procurador da República e ganhar seus 20, 30 mil real e paz. Além
de ser referencial de inteligência, de brilho jurídico, eternamente pra sociedade brasileira. Eles
querem ser, esses jovens, eles querem ser é chefes do tráfico. Por uma razão muito simples, o
referencial de poder, de autoridade que eles têm, é do chefe do tráfico, do dono do morro que
diz quem sobe, quem desce, a hora do recolhimento, é aquele que tem acesso às melhores
roupas e bens diversos, sapatos, carros, etc. É aquele que tem as meninas mais bonitas do
pedaço, enfim, ele é aquele, sempre aquele cara que - tem até um complexo de gênero
interessante aí, né, porque normalmente o chefe é O chefe e nunca A chefa. tem até nessa
novela agora uma traficante de pessoas que é A chefa -, mas, enfim, o que acontece no final
das contas, é que são referenciais diferentes.

E, para Kelsen é impossível, de fato, dizer que uma ordem jurídica tem que ser observada em
detrimento da outra porque ela é melhor, mais justa, enfim. Não há critério material. A
solução que Kelsen dá é simples. Ele vai dizer: a ordem jurídica válida ou a ordem jurídica a ser
obedecida é aquela ordem jurídica capaz de se apresentar como ordem jurídica globalmente
eficaz. Você sabe o que Kelsen tá dizendo com isso? Vou dizer de novo. A ordem jurídica a ser
obedecido, portanto, a ordem jurídica válida, é aquela ordem jurídica capaz de se apresentar
como ordem jurídica globalmente eficaz. Sabem o que é isso? Kelsen está dizendo que a
validade, vejam só, portanto, uma dimensão tipicamente normativa do dever ser, a validade
depende da eficácia global da ordem jurídica. Ou seja, a eficácia não é uma manifestação
normativa. Toda norma tem pretensão de eficácia, mas nem toda norma é eficaz. Ou seja, a
eficácia é uma manifestação do mundo do ser. Vejam que aqui, Kelsen está construindo
pontes entre ser e dever ser. Ele está dizendo, se ele separou no início, o mundo do dever ser
do mundo dos fatos e, de forma praticamente obcecada, manteve essa coerência, ele faz
desse ponto uma importante concessão sociológica. Reconhecendo que a validade depende
sim da eficácia.

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Agora, prestem atenção. Quando ele está praticamente jogando fora a sua TPD, a coerência,
ele recupera. Por que quando ele diz que a validade depende da eficácia ele tá dizendo que a
validade de uma norma depende da eficácia global do ordenamento jurídico a qual ela
pertence. Não da eficácia pontual da norma. Explico melhor. É como se cada norma tivesse
como imagem refletida em um espelho a totalidade do ordenamento jurídica. Como se ela
olhasse pro espelho e visse a ordem jurídica a qual ela pertence. Então, ela pode ser ineficaz,
mas se a ordem jurídica a qual ela pertence é globalmente eficaz, então, ela é válida.
Perceberam como Kelsen fez? Ele não subordina a validade à eficácia. Pelo contrário, ele
subordina a eficácia à validade. Então, quando a gente pensa que ele vai jogar fora toda a sua
coerência, ele recupera e traz de volta a força novamente, certo?

Então, vejam, pra encerrar esse argumento, eu poderia dizer a vocês, então, pessoal, que isso
é muito forte. Quando a gente pensa em ordem jurídica globalmente eficaz, a gente pode
encontrar alguns indicativos disso também em algumas passagens da TPD. Exemplo, quando o
juiz decide que uma pessoa praticou homicídio, ele tá aplicando que norma? É o tal art. 121,
CP. O juiz quando decide, portanto, está aplicando art. 121, CP? Ninguém duvida disso, ne?
Mas, vejam, quando a gente pensa em ordem jurídica globalmente eficaz, o que a gente tá
pensando aqui é que, em todo e qualquer momento em que o Estado fala, seja através da
legislação, seja através da jurisdição, seja através da Administração. Lembram daquilo que eu
falei da aplicação e criação do Direito na aula passada? que tudo representa criação e
aplicação do Direito? Bom, sempre que o Estado fala nesses momentos, portanto,
administrando, legislando ou julgando, ele está afirmando a força global da ordem jurídica a
qual esse agente pertence. Ou seja, o juiz quando decide num caso de homicídio, ele não está
aplicando apenas o CP. Ele está aplicando um conjunto imenso de normas, dentre elas, as
normas procedimentais, as normas de processo penal, que definem o caminho até chegar
aquele momento; está reafirmando sua autoridade como juiz, ou seja, reafirmando aquelas
normas referentes ao concurso ao qual ele se submeteu e foi aprovado, desde o edital até
todo esse procedimento; está reafirmando a divisão de competências, enfim, ele reafirma, a
cada instante, globalmente, toda a ordem jurídica.

- Professor, não é meio perigoso esse entendimento kelseniano? Porque, no caso da favela, o
ordenamento eficaz globalmente é o extra estatal e o estatal seria do...

-Não necessariamente. Existe uma zona, um momento de disputa aí. Existe uma disputa, uma
tensão. O que é que eu quero dizer com isso. Quando você diz que é perigoso, eu entendo. Eu
acho que entendo. Você diz, bom... A gente pode tá dizendo que a ordem jurídica eficaz pode
ser a da favela.

-E ordenamento estatal não seria válido naquele território.

-Kelsen considera sim. Ele considera exatamente isso que você tá dizendo. Pra ele não
interessa se é perigoso, ou se não é perigoso, ou se é justo, injusto, não interessa. Ou seja,
para Kelsen, se todos os chefes do tráfico resolverem mobilizar a população mais próxima a
descer o morro e tomar conta do poder, tá valendo. Se não houver resistência, veja que muda
completamente a orientação do Direito dominante. Se não houver resistência, qual é a ordem
jurídica agora que se impõe com mais força, como globalmente eficaz?

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-É o caso da guerra civil? Em que o povo mudaria o governo?

-Exatamente. A noção de quem é amigo e de quem não é muda. A noção de quem é criminoso
e de quem não é, muda completamente. Eu não sei que tipo de acordo seriam necessários
para que isso fosse viabilizado. Mas é isso mesmo que Kelsen tá dizendo.

-Mas, então, e no caso de Kelsen considerar que, naquele território o ordenamento


globalmente eficaz seria o extra estatal, o chefe lá poderia dizer: nesse território aqui, o meu
ordenamento é válido, eu não posso ser punido por uma coisa que fiz nesse território [...]

-Deixa eu dizer uma coisa pra vocês. Primeiramente, em política, não há espaço vazio. Ou seja,
é tudo uma questão de ocupar. O que eu quero dizer é que essas manifestações diferentes das
manifestações estatais só existem diante da ausência do Estado. No momento em que o
Estado se faz presente, pode haver mais ou menos dificuldade de se impor, eu não sei, afinal
de contas, nesse jogo como é que isso aconteceria. Mas, no momento em que há resistência,
no momento em que essa resistência se intensifica, nós não podemos dizer que há, ainda, uma
ordem jurídica definida como globalmente eficaz. Existe um espaço sobre disputa jurisdicional.
É a melhor definição.

Isso vale para o Direito Internacional. Por exemplo, por que é que a França não desapareceu
como Estado durante a II Guerra Mundial. A França não foi invadida por Hitler? Houve ou não
resistência. Houve. A França não desapareceu porque houve resistência. Houve, enfim, um
enfrentamento do invasor. É verdade, de fora, o General de Gaulle comandou a resistência de
fora do país. Mas a ordem jurídica nazista não conseguiu se impor como globalmente eficaz
naquele momento. A mesma coisa aconteceu na Guerra do Golfo nos anos 90. Sadam Hussein
já era presidente do Iraque e resolveu que ia ter uma passagem para o mar para escoar a sua
produção de petróleo e resolveu invadir o Kuwait. Houve reação comandada pela ONU
naquele momento, tudo nos procedimentos multilaterais do Direito Internacional. Mas,
naquele momento, a ordem jurídica emergente, enfim, a do Iraque, não conseguiu subjugar a
jurisdição do Kuwait.

Vejam pessoal, eu tô falando aqui de uma coisa muito importante do ponto de vista da Teoria
Constitucional, que é a Teoria da Revolução. Isso é uma revolução, uma mudança efetiva de
orientação a partir de uma manifestação ou de uma, enfim, de uma manifestação de força.
Aliás, eu indicaria pra vocês a leitura de um livro, na verdade, um artigo, que foi publicado nos
anos 80 na revista de ... legislativa [?]. A velha e conceituada revista da federal. O artigo é de
autoria de um autor pernambucano, bastante conhecido, antigo catedrático, Lourival Vilanova.
O título do trabalho é assim "Teoria da Revolução: anotações à margem de Kelsen". E essa é a
discussão.

Bom, pra encerrar, então, eu queria só, talvez, retomar a questão do Direito como ciência que
foi bem polêmica também. E deixar vocês talvez com mais ideias pra pensar do que
propriamente pra concluir alguma coisa. Seria uma tentativa de fazer uma conclusão de tudo
isso aqui e tentar mostra pra vocês que, de acordo com esse pensamento que Kelsen traz da
TPD, a gente tem algumas referências importantes pra pensar o Direito como Ciência. Isso tem
um custo muito alto no sentido de que à ciência cabe única e exclusivamente descrever o seu
objeto. Não é compromisso, portanto, de um cientista, diria Kelsen, prescrever absolutamente

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nada. Ou seja, o cientista, por descrever fatos, ele está operando no mundo do ser. Qualquer
cientista está a descrever fenômenos. Nada mais que isso. Nós juristas temos dificuldades com
isso porque nós estamos vivendo num mundo de prescrições, num mundo de dever ser. Mas
eu posso dizer pra vocês que esse é um exercício.

Por exemplo, se vocês pensarem em um rato de laboratório. Por que o rato está num
laboratório e o que é que o cientista faz com ele? Ele tá lá e está observando o
comportamento do ratinho, não é? Ele observa o comportamento do ratinho a partir das
diferentes substâncias que ele injeta no animal. Ele pega uma substância que tem tais
propriedades, injetou e o rato teve tal e tal reação. E ele narra tudo isso e publica essa
narração. Tá aí já uma publicação importante para, enfim, os índices da CAPES. E ele sai
percorrendo todas as substâncias, vermelha, azul, amarela, etc. Com, enfim, diferentes
propriedades e, cada uma delas, o resultado é uma publicação e um novo índice lá pra CAPES.

A gente não trabalha muito assim. Pra gente produzir um artigo na área jurídica é complicado.
Exige, às vezes, um esforço de criação, inovação. Exatamente por isso porque a gente tem uma
leitura muito ambiciosa do que é fazer ciência. Ciência é uma coisa muito simples. Imagine que
um cientista tenha a seguinte hipótese: eu vou administrar a substância preta e o rato deve
morrer. Isso é uma hipótese, não é? Depois de experimentar inúmeras substâncias, eu posso
pegar uma e fazer com que ele morra, é ou não é? Mas, no final das contas, ele pode não
morrer. E se ele não morrer? A minha hipótese não foi confirmada, mas o fato de ele não ter
morrido não significa que o meu trabalho descrição não tem importância ou não tem
relevância. EU vou exatamente narrar: eu esperava que ele morresse por isso e por isso, mas
não aconteceu. Pois bem, o que a gente faz em Direito é matar o rato a pauladas. Quando a
gente diz assim: o rato deve morrer. A gente administra a substância preta. O ratinho fica
elétrico, mas não morreu. Pego um pedaço de pau e mato ele, pronto, ele morreu. Porque a
gente trabalha num plano do dever ser, quando confunde ciência com... Acho que já contei
essa história pra vocês, inclusive.

Mas é fundamental perceber que, do ponto de vista da TPD, são diferentes níveis de
linguagem. A ciência só existe se ela puder ser construída a partir de um referencial descritivo.
O problema da operação do Direito é um problema de prescrição, a linguagem das fontes. É a
linguagem, enfim, do juiz, do promotor, do advogado, etc. Para o cientista, [...] tão somente
descrever fenômenos. E esse é um exercício difícil pra quem é educado a pensar
prescritivamente. Eu reconheço. Não é um problema nosso, da nossa instituição, mas é um
problema da nossa cultura jurídica. Bom, eu acho que posso colocar um ponto final da
disciplina.

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