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Clovis Gorczevski
Edison Botelho
Mônia Clarissa Hennig Leal
BREVE INTRODUÇÃO
Os autores
........................................................................................................................................... pág.
4. TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
Mônia Clarissa Hennig Leal
Este livro, não tem como objetivo trazer novas idéias ou levantar novas
teses e teorias. Pretende ser uma ferramenta de trabalho, servir como um facilitador para a
compreensão do fenômeno estatal e da sociedade política. Para tanto, procuramos de forma
resumida, clara e objetiva apresentar uma síntese do surgimento e da evolução do Estado,
até sua concepção nos dias atuais, sua estrutura interna e sua situação no mundo
globalizado. É nosso desejo facilitar e, principalmente despertar em nossos alunos o
interesse pelo tema, portanto, embora procurássemos seguir o conteúdo programático das
disciplinas de Ciência Política, Teoria do Estado e Teoria da Constituição, não se esgotam
aqui os questionamentos.
Os autores.
1 O SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO
1.1 As origens
1
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. Porto Alegre-Rio de Janeiro: Globo. 1991. p. 98.
2
Ensina Bobbio que o conceito de estado de natureza não era desconhecido, mas foi Hobbes que fez dele um
elemento essencial do sistema, adotando-o como ponto de partida; imitado depois por Pufendorf, Locke,
Rousseau e tantos outros. BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. 2ª ed. Brasília: UnB. 1998.
3
WARD, L., Sociologie Pure, Paris: Giard Brière. 1906, p. 58, Apud AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do
Estado. Op. Cit. p 101.
grupo vitorioso impôs a um grupo vencido, com o único fim de organizar o domínio do
primeiro sobre o segundo e resguardar-se contra rebeliões internas e agressões externas”4.
Os críticos desta teoria concordam que a guerra e a dominação dos povos é um modo de
formação de novos Estados; não é, contudo, a origem do Estado. Todos os tratados de
sociologia nos ensinam que nos primeiros estágios da evolução o vencedor sempre matava
o vencido; era, na verdade, um rito religioso dos povos mais atrasados sacrificar aos
guerreiros derrotados. Já em uma fase posterior, por interesses econômicos, que somente as
sociedades relativamente desenvolvidas compreendem, os vencidos tem sua vida poupada
em troca de seu trabalho para os vencedores. A exploração econômica dos grupos vencidos
é um fato que somente se verifica em fases posteriores à evolução social.
4
OPPENHEIMER, Franz. Der Staat, 4a ed, Stuttgart, 1954, p 5, Apud BONAVIDES, Paulo Paes de Andrade.
Ciência Política, 10a ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 64.
Autores modernos têm defendido a Teoria da Formação Histórica do
Estado, defendendo a idéia de que são três os modos pelos quais historicamente, se formam
os Estados: Modo Originário, Modo Secundário e Modos Derivados. Para Maluf6,
“extinguiram-se os agrupamentos primitivos oriundos de uma ordem natural primitiva e
sobre seus escombros ergueram-se os Estados do modo atual. Na sua maioria, representam
estes o renascimento ou a reformação dos velhos agrupamentos existentes, extintos, mas
conservando muitas vezes o nome e as tradições, porém, ostentando nova configuração
política”. Para estes pensadores, o Modo Originário de surgimento de um Estado, se
confunde com sua própria formação social, mas se distingue em aspectos essenciais. Dar-
se-ia quando, sobre um território que não pertencia a nenhum Estado, uma população se
organizou politicamente, por impulso espontâneo de suas forças sociais e psicológicas.
Atenas e Roma seriam exemplos típicos desta formação originaria. Evidentemente, no
mundo atual é praticamente impossível este processo de formação. O surgimento pelo
Modo Secundário pode ocorrer de duas formas: quando um Estado de divide, o que permite
a formação de outros Estados (servem como exemplo os inúmeros Estados surgidos com a
dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS), ou quando dois ou
mais Estados se unem para formar um novo Estado (como Zanzibar e Tanganica, que se
uniram em 1964 formando o Estado da Tanzânia). Como Modos Derivados, temos o
exemplo dos Estados Americanos que se formaram pela colonização da Espanha, Inglaterra
e Portugal, dos quais se independizaram7.
5
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. Op. Cit. p. 107.
6
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 10ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias. 1989.
7
Muitos autores, especialmente os internacionalistas, apresentam grande sub-divisão quanto aos modos de
surgimento histórico dos Estados. O modo secundário, que seria pela União ou Divisão, está sub-dividido em
União Real, União Pessoal, Federação ou Confederação. A Divisão de Estados se sub-divide em Divisão
Nacional ou Sucessoral, enquanto que os modos derivados se sub-dividem em Colonização, Concessão de
Direitos de Soberania ou Atos de Governo.
Estado coincide com o momento preciso em que ele é provido de uma Constituição”. Para
Azambuja,9 do ponto de vista exclusivamente jurídico, ou melhor, formalístico, a teoria é
aceitável, pois têm como objeto determinar com precisão o momento legal em que o Estado
começa a existir como pessoa de direito. Nesta linha, para o Direito Internacional Público o
nascimento jurídico de um Estado se dá no momento em que os demais Estados o
reconhecem como pessoa de direito internacional.
8
Apud AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. Op. Cit. p. 111.
9
Idem. p. 112.
10
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense. 2002. p. 21.
Reino de Petra, Reino dos Gassânidas, Reino de Hira, etc. Todos tendo como governantes
um legítimo representante dos deuses, muitas vezes ele próprio um deus.
1.2 O Feudalismo
11
Martin ensina que as instituições do Império Romano não faziam referencia a um modo de vida, e sim a
uma relação bilateral estabelecida entre o individuo e a sociedade. “La ciudadanía romana contenia el
presupuesto normativo básico de la condición civil moderna: reconocía la pertenencia del individuo a la
comunidad en virtud de una relación bilateral de Derecho entre el ciudadano y el Estado, excluyente en la
medida en que diferenciaba legal y politicamente al ciudadanos del no ciudadano, pero inclusiva en el
sentido de que convivía con el resto de identidades colectivas participadas por la comunidad civil, que no
debían ser necesariamente identidades universalistas”. (MARTÍN, Nuria Belloso. “Hacia una Ciudadanía
Renovada”In Los Nuevos Desafios de la Ciudadania. Burgos: Servicio de Publicaciones de la Universidad de
Burgos. 2001. p. 4)
12
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. Op. Cit. p.123.
Os reis bárbaros - francos, hunos, godos, estrogodos, visigodos,
lombardos, vândalos, suevos, anglos e saxões - uma vez completada a dominação dos
vastos territórios que integravam a órbita de hegemonia do extinto império Romano,
passaram a distribuir cargos, vantagens e privilégios a seus chefes guerreiros, o que
resultou na fragmentação do poder. Como eram imensos os territórios e impossível a
manutenção de sua unidade sob um comando central único, criaram uma hierarquia
imperial de condes, viscondes, marqueses, barões e duques, que dominavam determinadas
zonas territoriais como concessionários do poder jurisdicional do Rei. Em compensação se
comprometiam a defender o território, dar ajuda militar, pagar tributos e manter o principio
de fidelidade ao Rei. O senhor feudal era o proprietário exclusivo das terras, e todos os
habitantes seus vassalos. Exercia as atribuições de chefe de Estado, decretava e arrecadava
tributos, administrava a justiça, expedia leis, promovia guerras. Era um monarca absoluto
em seus domínios13.
13
Analisando a estrutura jurídica do feudo, Pérez-Prendes refere-se a ‘necessidade’. Para ele, a fim de atingir
a máxima estabilidade e segurança possível naquele tempo histórico, se unem naturalmente os vassalos,
configurando o contrato do feudo, mediante mútua obrigação de fidelidade, porque não são os vassalos
simples elementos, possuem o caráter de intensidade-estabilidade necessário para a relação que se
instrumenta: o nascimento de um contrato bilateral, que cria obrigações para ambas partes. O vassalo deve
tanta fidelidade e lealdade a seu senhor como este para com seu vassalo. ( PÉREZ-PRENDES, José Manoel.
Instituiciones Medievales. Madrid: Sintesis, 1997, p. 53-54).
14
HELD, David. La Democracia y el Orden Global. Barcelona-Buenos Aires-México: Paidós, 1997, p. 54.
ocidentais.15 O direito que os regulava se originava de diferentes fontes de produção
jurídica e estava organizado em diversos ordenamentos jurídicos – que em geral eram
originários e autônomos, como o dos feudos, das comunidades, das corporações. A
jurisdição pertencia ao senhor da terra e era exercida sobre todas as pessoas que ali viviam.
Não havia a noção de interesse público em punir os delitos, assim o direito acusatório
pertencia a pessoa lesionada, ou, em caso de morte, a seus descendentes. O sistema
processual era ‘acusatório’, dotado das seguintes características: necessidade de iniciativa
por parte da vítima, igualdade de direitos entre as partes e formalismo, que se destinava
unicamente a satisfazer o interesse individual do lesionado. Evidentemente estamos nos
referindo aos nobres, aos cavalheiros e aos homens livres; os membros das classes servis
estavam inteiramente submetidos a vontade de seus senhores e as medidas punitivas
exercidas.
15
O conceito de direito vulgar foi introduzido por Enrique Brunner em 1880 quando ao estudar a história da
documentação romana e germânica, aplicou ao direito uma analogia filológica, o latim vulgar falado nas
províncias, que apresentava já muitos dos germes que dariam lugar mais tarde as línguas românicas. (PÉREZ-
PRENDES, José Manoel. Instituiciones Medievales Op. Cit. p. 26-32).
16
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 21a ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p.
69.
Na verdade, as condições começaram a criar-se a partir do século XI, com
o aumento da produtividade econômica dos feudos e a expansão das vilas e cidades, que
determinam uma nova dinamização das atividades e da vida social, oportunizando o
crescimento do comércio e a organização dos ofícios em Corporações. O crescimento das
cidades produz o desenvolvimento de jurisdições municipais, com regras próprias e outras
formas de juízo. No período entre os anos 1000 e 1300, vão se formando vários elementos
essenciais ao Estado Moderno. Foi se fortalecendo também o poder dos Reis que
começaram a impor-se, inclusive na administração da justiça. Lembra Gonzaga17 que o
meio inicial para dominar as cortes senhoriais consistiu na criação de recursos das decisões
proferidas nos feudos; surge a apelação ao Rei, o que, desde logo, obrigou a adoção de
processos escritos. Também neste período se desenvolve o intercâmbio com o oriente,
especialmente a partir das cruzadas, o que dá início a uma nova classe social: a burguesia.
As entidades públicas, ensina Strayer18, cada uma com seu núcleo básico
de gentes e de terras, adquiriram legitimidade pelo fato de se manterem ao longo de muitas
gerações. Estabeleceram-se instituições permanentes para assuntos financeiros e jurídicos.
Surgiram grupos de administradores profissionais; nasce um organismo central de
coordenação, a chancelaria, com uma equipe de funcionários extremamente qualificados.
Estes administradores profissionais constituíam um número muito pequeno, mas eram
auxiliados por funcionários eventuais – fundamentalmente por religiosos, barões de menor
expressão, cavaleiros e ricos burgueses. Muitos estavam dispostos a trabalhar por um
período como administradores de terras, agentes financeiros, administradores locais,
registradores ou juízes, como forma de ganhar favores reais e aumentar seus rendimentos.
Mas ao lado destes trabalhadores eventuais, havia homens que consagravam a maior parte
de seu tempo à profissão de administrador público e seu número aumentou
consideravelmente à partir do século XIII.
17
GONZAGA, João Bernardino. A Inquisição em seu Mundo. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 25.
18
STRAYER, Joseph R. On the Medieval Origins of the Modern State. Princeton: Universit Press. 1969. p.
39-40.
consolidado no Corpus Juris Civilis, que havia caído no esquecimento, o que fez com que
os juristas compreendessem o quanto os costumes medievais eram rudimentares e
inconfiáveis - Salamanca, Paris, Coimbra e Oxford. Mas, sem dúvida, o Cisma na igreja
promovido por Urbano VI e Clemente VII (1378-1417), foi definitivo para o surgimento do
Estado Moderno. Com a eleição, em 1378, de Urbano VI, apoiado e reconhecido pelo
Imperador do Sacro Império e a eleição pelos franceses de Roberto de Genebra, que adotou
o nome de Clemente VII e estabeleceu sua sede em Avigon, com cada Papa nomeando seus
próprios cardeais, cada monarca se aliou a um Papa, visando essencialmente seus interesses
políticos. Isto minou as bases do poder clerical, dando oportunidade ao surgimento de um
novo poder, em especial com os acordos bilaterais firmados entre a Igreja e os Estados,
onde a primeira reconhecia a soberania dos últimos, com isso diz Leal, “se institui uma
sociedade de homens que já se movimentam com suas próprias pernas, independentemente
do auxílio de Deus”19.
19
LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado. Cidadania e Poder Político na Modernidade. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1997, p. 47.
20
STRAYER, Joseph R. On the Medieval Origins of the Modern State. Princeton: Universit Press. 1969. p.
63-65.
desenvolvimento de um sistema de Estados soberanos. A soberania implica na
independência perante toda e qualquer potência estrangeira e na autoridade absoluta sobre
os homens que vivem dentro de determinado território. Neste período não se sabia bem
quem era independente e quem não era, pois não haviam limites claros e em muitas zonas
as autoridades se sobrepunham.
21
Idem. p. 16-17.
patrimonial; o Senhor é identificado com o território e tudo que o integra. No Estado
moderno, a identificação do Senhor é com a soberania, portanto com o próprio Estado.
Strayer23 apresenta ainda outra importante característica: os Estados europeus combinaram,
em certa medida, as virtudes dos impérios e das cidades-estado. Eram suficientemente
vastos e poderosos para terem excelentes possibilidades de sobrevivência, e, ao mesmo
tempo, não tão vastos a ponto de não manter a coesão. Assim conseguiram integrar, ou pelo
menos envolver no processo político, boa parte de seus habitantes e criar, nas comunidades
locais, um certo sentimento de identidade comum. Conseguiram mais de seus povos - quer
no que diz respeito à atividade política, quer no tocante à lealdade - do que os antigos
impérios, sem contudo, terem alcançado a participação total que caracterizava uma cidade
como Atenas.
22
GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel. Porto Alegre: L&PM Editores. 1980. Apud STRECK,
Lenio Luis e MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 3ª ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora. 2003. p. 24-25.
23
STRAYER, Joseph R. On the Medieval Origins of the Modern State. Op. Cit. p. 18.
24
Se para alguns autores o Estado Moderno surge com o tratado de Westphalia, em 1648 pondo fim a Guerra
dos Trinta Anos e consagrando o princípio da igualdade entre os Estados, por outro lado, não são poucos os
que identificam em Frederico II de Suábia seu fundador, isto em razão de que ele ter implantado na Sicília,
em pleno século XIII, um Estado que já apresentava características plenamente modernas: governo
rigidamente centralizado, com burocracia complexa, superação da dispersão feudal-estamental e com o
monopólio do Estado na distribuição da justiça.
25
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant, 2ª ed. São Paulo: Mandariam.
2000. Op. Cit. p. 18-19.
jurídicas de origem legislativa; 2) unificação de todos os ordenamentos jurídicos superiores
e inferiores ao Estado no ordenamento jurídico estatal, cuja expressão máxima é a vontade
do príncipe. Para Bobbio, este processo de unificação se desenvolveu em duas direções: na
liberação operada pelas monarquias absolutas em relação aos poderes superiores e na
absorção dos ordenamentos jurídicos inferiores. O ordenamento jurídico aparecerá, então,
como produto desta nova realidade: o Estado. Será este novo poder, incontestável, quem
dirá o Direito e o positivará. Este deixa de ser algo “natural” e passa a ser produto da
racionalidade. Seu conteúdo deixará de ser inerente a natureza das coisas; passará a se
produzido pelo poder soberano e aplicado por seus representantes. O Estado, portanto, se
atribui e assume a obrigação de dizer o Direito e de dar a tutela jurisdicional. Passa, então, a
harmonizar os conflitos, as tensões e as contradições da sociedade, a estabelecer os
parâmetros para a ordem, o direito, a justiça, a segurança, a liberdade e a propriedade. Se
transforma pois, em uma poderosa organização que regra a vida social, impelido pela
racionalidade instrumental. Se constitui no arcabuz legal-institucional que mantém e
articula o monopólio da racionalidade. Como ensina Held26, no centro da idéia de Estado
Moderno se encontra uma ordem impessoal, legal ou constitucional, delimitando uma
estrutura comum de autoridade, que define a natureza, a forma do controle e a
administração de uma determinada comunidade.
1.3.1 O Absolutismo
26
HELD, David. La democracia y el orden global Op.Cit. p. 60.
27
WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado. Op. Cit. p. 25.
poderes na pessoa do rei; b) o Estado é territorial e nacional (surge a consciência de nação e
nacionalidade); c) o Estado se reveste de um poder supremo e ilimitado; d) o processo da
secularização, marcando a separação entre Estado e Igreja; e) se materializa um conceito de
direito laicizado, produto da generalidade, dessacralização e racionalização burguesa; f) se
desenvolve o mercantilismo econômico e a chegada da economia monetária. Para Weber,
um único instituto serve para definir o Estado, assim como toda associação política: a força,
e não seu conteúdo28. Todo Estado se fundamenta na força disse Trotsky, e Weber, citando-
o de forma literal, lhe da toda razão, ressaltando, contudo, que a violência não é o
instrumento único do Estado, mas lhe é específico. No passado sim - diz o pensador – a
violência foi um meio inteiramente normal entre os mais distintos grupos.29 O Estado
Moderno racionalizou o emprego da violência ao mesmo tempo em que o fez legítimo.
Valendo-se de tais reflexões, Max Weber afirma que uma associação política obrigatória
com uma organização contínua, se chamará ‘Estado’, nos termos em que sua equipe
administrativa assume com êxito a monopolização do uso legítimo da força física para
reforçar sua autoridade30, e o definiu como: “uma associação de domínio, que tratou, com
êxito, de monopolizar, dentro de um território, a violência física legítima como meio de
domínio e que, para esse fim, reuniu todos os meios materiais nas mãos de seu dirigente e
expropriou todos os funcionários feudais que anteriormente deles dispunham por direito
próprio, substituindo-os pelas hierarquias supremas”. 31
28
Apud BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. Op. Cit.
29
Idem
30
WEBER, M., Basic concepts in sociology. New York: The Citadel, 1964, p. 119, In AGUIAR, Roberto. A.
R. (de), Direito, Poder e Opressão. São Paulo: Alfa-Ômega, 1990, p. 43.
31
WEBER, M. O Político e o Cientista. Lisboa: Presença, 1979, p. 17.
32
BARROSO, Pérsio Henrique. Constituinte e Constituição. Curitiba: Juruá. 1999. p. 29.
como conseqüência do primeiro elemento, é o fato de que existe, para a execução e garantia
do sistema imposto, um corpo de funcionários, com a função de usar a violência física,
quando seja necessário. Com isso pode-se verificar que a estrutura do Estado esta garantida
por um tipo de Direito, ainda que um Direito primasiadamente punitivo, com o objetivo de
garantir, de qualquer forma, a coesão do novo status quo do novo Estado.
33
“Maquiavel não parte de um sistema filosófico, como fará Hobbes, para explicar a natureza do homem.
Incrédulo, ele não se baseia no pecado original e no dogma da natureza decaída” (CHEVALIER, J-J.,
História do Pensamento Político. Tomo I, Rio de Janeiro: Guanabara, 1982, p. 266).
34
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Círculo do Livro S.A. s/d. p. 52.
35
Idem. p. 72.
36
Idem. p. 108.
crueldade, a mentira, desde que consiga atingir seu objetivo. Todos os meios que lhe sejam
úteis no exercício do poder são admissíveis e justificados. Fernández Pardo37, referindo-se
ao pensamento de Maquiavel, disse que ele “faz da política um objeto de desejo e um
palanque para a satisfação de suas paixões. Em suma, um espaço onde objetivar sua
vontade”. É um político que faz da decisão a instância suprema do exercício político. Para
Bobbio38, em termos políticos, o maquiavelismo, assim entendido, chega a formar parte da
teoria da razão de Estado, que acompanhou a consolidação do Estado absoluto. Como
‘razão de Estado’, deve-se entender que o Estado possui suas próprias razões, que o
indivíduo desconhece. Em nome de tais razões, o Estado pode atuar de maneira diferente
daquela que o individuo deveria comportar-se nas mesmas circunstâncias. Dito de outro
modo, a moral do Estado, ou seja, daqueles que detêm o poder supremo sobre os outros
homens, é diferente da moral dos indivíduos comuns. O individuo possui obrigações que o
soberano não possui. A teoria da razão de Estado é, portanto, outra maneira de firmar o
absolutismo do poder do soberano, o qual não está obrigado a obedecer nem as leis
jurídicas nem as morais. Identificado inicialmente como um manual de técnicas de
despotismo ou de defesa da tirania, e condenado pela Igreja, Maquiavel foi glorificado
como herói nacional pelo povo italiano durante o movimento de unificação da Itália. Sua
doutrina não foi somente o sustentáculo do absolutismo monárquico que surgiu no início do
mundo moderno. Em pleno século XX ressurgiu nos Estados autoritários; Mussolini
reconheceu em Maquiavel um precursor do fascismo, enquanto Gramsci via em suas teorias
uma antecipação da teoria do partido do proletariado.
37
FERNÁNDEZ PARDO, C. A., (organizador) Teoria Política y Modernidad: del siglo XVI al siglo XIX.
Buenos Aires: Entro Editor de América Latina, 1977. p. 12.
38
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant, Op. Cit. p. 23.
39
WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado. Op. Cit. p. 25.
burguesia em função de interesses comuns, com o passar do tempo, tais interesses foram se
afastando mais e mais uns dos outros. Roth40 distingue o Estado Moderno do feudal por
três elementos principais: primeiro, se institui a separação entre a esfera pública, dominada
pela racionalidade burocrática do Estado, e a esfera privada, domínio dos interesses
pessoais; segundo, o Estado Moderno dissocia o poder político (poder de dominação
legítima legal-racional) do poder econômico (que possui os meios de produção e os meios
de subsistência), que se encontravam reunidos no sistema feudal e, terceiro, o Estado
Moderno realiza uma estrita separação entre as funções administrativas e políticas, fazendo-
se autônomo da sociedade civil.
40
ROTH, A-N, “O direito em Crise: Fim do Estado Moderno?” In Direito e Globalização Econômica.
(Organizador: José Eduardo Faria) São Paulo: Malheiros. 1996,. p.16.
41
STRAYER, Joseph R. On the Medieval Origins of the Modern State. Op. Cit.. p.115-116.
científicos, aproximou-se da lógica, física, matemática e geometria. Privou da companhia
de Descartes, Galileu Galilei e outros grandes pensadores de sua época. Dedicou grande
parte de seus estudos à questão do direito natural
Preocupado com a já fragmentada unidade do Estado, em 1640 põe-se na
defesa do Rei Carlos I contra um levante liberal sustentado por ricos comerciantes
burgueses que contestam o poder aproveitando-se do conflito entre protestantes e católicos
e a intromissão político-administrativa da coroa. É neste episódio que busca inspiração para
sua obra Elementos da Lei Natural e Política. (somente publicada em 1650). Diante da
manifestação dos revoltosos, Hobbes se vê obrigado a refugiar-se em Paris onde publica
Sobre o Cidadão (1642) e O Leviatã (1651).
Embora jusnaturalista, é considerado o precursor do positivismo
jurídico, pois como explica Bobbio, Hobbes adota a doutrina do direito natural não para
limitar o poder civil, mas para reforçá-lo. Usa meios jusnaturalistas para alcançar objetivos
positivistas. “A mesma idéia pode ser expressa de outra forma, dizendo que Hobbes é um
jusnaturalista ao partir e um positivista ao chegar”.42 Ocorre, diz Leal, que Hobbes parte da
assertiva de que antes da formação da sociedade política organizada, existia uma situação
de caos e desordem entre os homens, inviabilizando a própria existência, o que o afasta dos
teóricos que até então garantiam que o homem se caracterizou por seu um animal político e
social por natureza43. Para Hobbes, ao contrário, o homem se distingue dos animais sociais,
como as abelhas e as formigas, por exemplo, por não possuir instinto social. Ele não é
sociável, afirma, e somente o será por acidente. Então, no estado da natureza a situação era
de absoluto caos e desordem entre os homens, o que inviabilizava a própria existência. A
natureza humana é perversa, egoísta e perniciosa diz, e todo homem é concorrente do outro;
ávido de poder sob todas as formas. Concorrência, má-fé, desconfiança recíproca, avidez de
glória e fama tem por resultado a guerra perpétua de cada um contra cada um e de todos
contra todos. Para Hobbes, “homo homini lupus” – o homem é o lobo do homem, então
“bellum omnium contra omnes” – é guerra de todos contra todos. Não há qualquer
possibilidade de criar-se uma sociedade organizada com o homem em estado de natureza.
Mesmo existindo leis naturais, não há qualquer garantia de que serão seguidas. A única
42
BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Op. Cit. p. 41.
43
LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado. Cidadania e Poder Político na Modernidade. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora. 1997. p. 68
salvação para o homem é a criação de um poder superior, cada um deve renunciar ao direito
absoluto que tem sobre todas as coisas em favor de um soberano, que ao herdar o direito de
todos terá um poder absoluto e ilimitado. Assim, por medo de seu semelhante e da
insegurança perpétua, o homem desiste do direito total, de livre postura e livre agir,
renuncia a seus direitos, transferindo-os a um soberano que em troca lhe garantirá
segurança.
Para Hobbes assim surgiu o Estado, que agarra para si o poder e a
violência que os indivíduos detinham quando na natureza e, coercitivamente, impõe regras
que irão nortear o campo social. O soberano cria o direito positivo e os indivíduos são
obrigados a obedecê-lo. Isto significa que somente existe um direito: aquele imposto pelo
soberano, o direito positivo. Assim, a segurança e as obrigações se tornaram eficazes: todos
sabem que quem não cumprir a lei será punido. Bobbio resume assim o pensamento
hobbesiano: “de uma concepção totalmente pessimista do estado da natureza, como a de
Hobbes, só podia derivar uma exaltação do homo artificialis, isto é, do poder político, na
qual o indivíduo resumir-se-ia no súdito, quase sem deixar resíduo”.44
O Estado de Hobbes, detém o monopólio do aparato legal, ele é fonte
única do direito. Ele não reconhece direitos preexistentes, ele os cria. A única lei oriunda do
direito natural que permanece é a de obedecer ao soberano. Este Estado, de poderes
ilimitados, transforma-se no grande Leviatã45.
44
BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Op. Cit. p. 172.
45
Grande monstro mitológico devorador de homens – Crocodilo, descrito na Bíblia, Livro de Jó, cap. 40-41.
46
BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Op. Cit. p. 75.
natureza e o estado de guerra, os quais, embora já tenham sido objeto de confusão por
algumas pessoas, estão muito distantes um do outro: um é um estado de paz, benevolência,
assistência e conservação recíprocas; o outro, um estado de hostilidade, maldade, violência
e mútua destruição”47. Entretanto, mais tarde reconhece que “por falta de leis positivas e de
julgamento por parte da autoridade a que se possa apelar, o estado de guerra, uma vez
iniciado, perdura”48. Ocorre que Locke estava frente a duas fortes correntes: de um lado
Hobbes – para quem o estado da natureza era um estado de guerra, de outro Pufendorf –
para quem ao contrário, era um estado de paz. A posição de Hobbes era pouco aceitável e
antipática aos teólogos, enquanto se a de Pufendorf fosse absolutamente verdadeira, porque
os homens sairiam do estado da natureza? Diante desta dificuldade real, diz Bobbio49, é
natural que Locke fosse tentar uma solução intermediária onde o estado da natureza não é
um estado de guerra, mas pode tomar este rumo e ocorrendo tal transformação se torna
difícil reconduzi-lo ao estado de paz original. Se os homens fossem sempre racionais
bastariam às leis da natureza - que estabelecem que “ninguém deve prejudicar a outrem em
sua vida, saúde, liberdade ou propriedade” - contudo isso nem sempre acontece; no estado
da natureza, reconhece Locke, “algumas pessoas transgridem os limites, usurpando direitos
de outrem, prejudicando-se mutuamente...”. Então, o estado da natureza não é
essencialmente mau, mas apresenta inconvenientes. “Ao percebermos, em um certo ponto,
que suas desvantagens superam as vantagens, torna-se necessário abandona-lo”. Daí
conclui: “reconheço plenamente que o governo civil constitui o remédio apropriado”. Mas
lembra que o homem, desde o estado de natureza foi proprietário legítimo e inconteste de
sua vida e de sua liberdade – liberdade no sentido “de organizar seus atos e dispor de seus
bens como julgasse conveniente, dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir licença ou
depender da vontade de qualquer outro homem”, - o que significa: o direito de agir à sua
própria vontade, sem restrições nem coações. Os homens nascem iguais e nenhum tem
poder sobre os demais, portanto os homens são livres para agir, tendo como único limite a
lei da natureza. Esta e outras tantas situações preexistem ao Estado, portanto estão
consumadas na ordem do mundo e não podem ser alteradas. O poder civil, portanto, está
47
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Cap. III, § 19 e Cap. IX, § 123. Apud BOBBIO,
Norberto. Locke e o Direito Natural. Op. Cit. p. 117-181
48
Idem
49
BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Op. Cit. p. 179.
impedido de alterar ou inovar neste campo, pois sua constituição ocorreu exclusivamente
para satisfazer as necessidades humanas (de segurança e estabilidade) e assegurar os
direitos do indivíduo. Ele foi criado de modo convencional, momento em que o homem
abre mão de sua liberdade ilimitada para delegar poder à autoridade pública, que assume a
tarefa de proteger os direitos naturais. Portanto este é o poder e o limite do Estado. Caso ele
transgrida o limite de sua competência, perde a legitimidade, consequentemente sua função,
pois os homens não abririam mão de seus direitos, seus bens e sua liberdade do estado de
natureza colocando grilhões em si mesmos, sem a garantia de rompimento do acordo, para
a preservação de seus direitos naturais, até porque os direitos que constituem a natureza
humana são inalienáveis. Os homens renunciaram unicamente ao direito de defesa e de
fazer justiça, para conseguir que os direitos inalienáveis fossem melhor garantidos.
Em resumo, para Locke, (a) os direitos do homem derivam da lei da natureza,
que é a expressão da vontade de Deus e são universais, isto é, estendem-se a todos os
homens, independente de sua condição social; (b) Deus ofertou o mundo a todos os
homens, em iguais condições. Os homens trabalharam e o fruto de seu trabalho é sua
propriedade; (c) para preservar e garantir esses direitos os homens se reuniram em
sociedade e convencionaram a criação do Estado; (d) a função do Estado é proteger e
garantir os direitos naturais dos homens, não o fazendo, perde sua legitimidade e a
convenção pode ser rompida. O que se observa é que para Locke, “a finalidade máxima e
principal que buscam os homens ao reunir-se em Estados ou comunidades, submetendo-se
a um governo, é a de salvaguardar seus bens; esta salvaguarda era muito incompleta no
estado de natureza”50.
O que se verifica é que ao contrário de Hobbes, para quem o Estado é a única
fonte do direito, não reconhecendo direitos fora dele, sendo tudo uma convenção, para
Locke o direito que o homem tem sobre si mesmo traz como conseqüência o direito sobre
as coisas, sendo então naturalmente proprietário e não graças a uma convenção. Deve-se
observar que o conceito de propriedade em Locke tem um sentido muito amplo,
englobando não somente os bens materiais, mas o próprio corpo, a vida, a liberdade, a
consciência.
50
FERNÁNDEZ-LARGO. Antonio Osuna. Teoría de los Derechos Humanos. Conocer para practicar.
Salamanca: San Esteban - Madrid: Edibesa. 2001. p. 91.
Assim, se para Hobbes o indivíduo acata o poder e entra em sociedade por medo
de seu semelhante, para Locke isto se dá para garantir seus interesses, seus bens e seus
direitos. É claro que a primeira razão pela qual o homem abandona o estado de natureza e
se reúne com os outros no estado civil, submetendo-se a uma autoridade é o desejo de
conservar sua vida, um dos primeiros direitos naturais, mas o homem não constituiu o
Estado somente para conservar sua vida, mas também para conservar outro direito natural
fundamental que é a propriedade. O estado civil nasce, portanto, segundo Locke, do desejo
que os homens tem de conservar os direitos naturais fundamentais, ou seja, a vida e a
propriedade51. Assim Locke se opõe a Hobbes apresentando uma teoria antagônica ao
absolutismo do Leviatã. O homem livremente agregou-se em sociedade para garantir
segurança pessoal e proteger seus bens (vida, liberdade, propriedade) e este é o limite e a
função do Estado. Para Dias52, o objetivo principal de Locke “era proteger o indivíduo
contra o poder ilimitado do governo ou de outros indivíduos”. Usando o direito natural ele
fixa os limites deste poder. Os homens devem ser livres para escolher sua forma de vida,
seu governo e sua própria comunidade.
Contudo, Hobbes e Locke estão de acordo que o interesse individual é, e
deve ser o propulsor da sociedade. Concordam que a propriedade privada é a base de toda
sociedade e que o único Estado legítimo é o que surge de um livre contrato entre os
cidadãos e que a única razão de existir do Poder Estatal reside em assegurar o cumprimento
da leis53.
51
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. Op. Cit. p. 60.
52
DIAS, Maria Clara. Os Direitos Sociais Básicos. Uma investigação filosófica da questão dos direitos
humanos. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2003. p. 33.
53
ANTÓN, Joan et al. El liberalismo. Madrid: Tecnos. 1996. p. 193.
educação, literatura e poesia, a filosofia de Rousseau encontra-se em dois discursos: Sobre
as Ciências e as Artes e Sobre as Origens da Desigualdade.
Como se disse, neste período recorrer ao estado de natureza é lugar
comum para explicar a origem e as bases da sociedade. Mas para Rousseau, ensina Leal54, o
estado de natureza não tem a mesma função que seus predecessores. Para os iluministas,
defensores do direito natural, os homens no estado de natureza são livres e iguais. Nenhum
é dotado de poder de comandar os outros. Portanto a autoridade política não tem origem
natural, ela deriva de uma convenção, da qual os homens se despojam de uma parte de sua
soberania em benefício de um terceiro. Assim, diz Rousseau: “Uma boa constituição será
aquela que garanta a liberdade e a desigualdade natural dos homens”. Pufendorf afirmava
que os homens na natureza eram dotados de razão e sociáveis, por isso uniram-se para sair
daquela condição infeliz; para Locke os homens se uniram para garantir direitos que já
possuíam; Hobbes afirmava que o homem na natureza não era sociável, era ávido e
orgulhoso em constante guerra com os outros assim, temendo seu semelhante, criou o
Estado.
Rousseau recusa estas concepções do estado de natureza. Para ele o
homem no estado de natureza não é nem sociável, nem dotado de razão, nem egoísta ativo.
Para Rousseau, os demais pensadores pecaram ao atribuir ao homem natural, características
que só surgiram com a sociedade, como o egoísmo, a razão, a paixão, a sociabilidade. Para
ele o homem natural é desprovido de todas as características do homem social; ele é
solitário, independente e ocioso por natureza, somente se agita para satisfazer suas
necessidades naturais, seus sentidos são proporcionais a suas necessidades; ele não tem
sequer consciência de ser homem. “Na natureza não há nenhuma espécie de relação entre
os homens, conseqüentemente não conheciam a vaidade, nem a consideração, nem a
estima, nem o desprezo, não tinham a menor noção do teu, e do meu, nenhuma idéia de
justiça”. Assim, nem a linguagem, nem a razão, nem a família, nem o trabalho, nem a
propriedade, nem a moral são naturais ao homem; são criações posteriores.
Paradoxalmente, o homem natural é superior aos animais apenas por sua nulidade, por sua
ausência de determinações. Não possuindo nenhuma característica exclusiva, pode adquirir
todas. Para construir a evolução do homem, Rousseau parte daqui acrescentando as duas
54
LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado. Cidadania e Poder Político na Modernidade. Op. Cit. p. 86
características que julga distinguirem o homem dos outros animais: a liberdade da vontade
e a perfectibilidade.
A desigualdade entre os homens surge com os progressos no seio do
próprio estado de natureza. A descoberta da metalurgia, o desenvolvimento da agricultura,
a divisão de trabalho estão na origem da propriedade e da desigualdade. Mas, nesta fase o
homem já está se desfigurando. O bom selvagem, o estado de natureza como um estado de
bondade pura já não existe mais. A civilização arruinou o homem. “No estado de natureza o
homem não conhece mais que os prazeres simples e inocentes. O homem é bom por
natureza; a sociedade o corrompe”. Agora a ganância, o ciúme, a inveja e a violência
imperam. A sociedade nascente deu lugar ao mais horrível estado de guerra. Ricos e
pobres possuem interesses conflitantes entre si e esta nova situação força os ricos
proprietários a conceberem “um projeto de empregar a seu favor as próprias forças que os
atacavam, de fazer seus adversários seus defensores de lhes dar instituições que lhes fossem
tão favoráveis quanto eram contrárias ao direito natural.” A instituição desta proteção deu-
se por um pacto de associação, feito, evidentemente, em favor de quem dos mais fortes,
pois “o mais forte não será para sempre o amo e senhor se não transformar sua força em
direito”.55 Assim, buscou-se encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com
a força comum das pessoas os bens de cada associado onde, cada um, unindo-se a todos,
não obedeça senão a si mesmo e permaneça livre como antes. Esta associação, instituída
por um ‘Contrato Social’, é que cria o Estado. Assim “o homem perde sua liberdade
natural de direito ilimitado a tudo que deseja e ganha em troca a garantia e a segurança da
liberdade civil e da propriedade que possui”56
Para Fortes57, a teoria de Rousseau é, sob vários aspectos, uma síntese de
Hobbes e Locke, pois para Rousseau, o contrato social é “uma associação de seres humanos
inteligentes, que deliberadamente resolvem formar um certo tipo de sociedade, à qual
passam a prestar obediência mediante o respeito da vontade geral”. O contrato social, ao
considerar que todos os homens nascem livres e iguais, encara o Estado como objeto de um
contrato no qual os indivíduos não renunciam a seus direitos naturais, mas ao contrário,
55
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrat social ou principis du droit politique. Versão espanhola El Contrato
Social. Barcelona: Edicomunicaciones. 1994. p. 31.
56
Idem. p.42.
57
FORTES, Luiz Roberto Salinas. In www.culturabrasil.pro.br. Acessado em 02.05.2006.
entram em acordo para a proteção desses direitos, que o Estado é criado para preservar.
Então, o Estado é a unidade, e como tal expressa a “vontade geral”, porém esta vontade é
posta em contraste e se distingue da “vontade de todos”, a qual é meramente o agregado de
vontades, o desejo acidentalmente mútuo da maioria. Ocorre que a institucionalização do
convívio social, na verdade se consubstancia no processo de persuasão, desencadeado por
aqueles que mais se beneficiam com esta associação: os ricos. Esta é a forma que Rousseau
apresenta o surgimento do Estado.
58
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucion. 2ª ed. Madrid:
Tecnos, s/d. p. 212-245.
59
Idem p. 217.
60
Idem
61
BOBBIO, Norberto. “Kant e le due libertà” In Da Hobbes a Marx. Napoli: Morano, 3a ed. 1974, p. 147.
62
HUMBOLDT, Wilhelm Von. Os Limites da Ação do Estado. Liberty Classics. 2004. Rio de
Janeiro:Topbooks. s/d. p. 135.
liberdade dos cidadãos e sugere instrumentos para frear este papel, pois “seria correto dizer
que a liberdade da vida privada sempre cresce na exata proporção em que declina a
liberdade pública”63, assim, qualquer interferência do Estado em assuntos particulares
deveria ser absolutamente condenada. Defende que o objetivo básico de todo governo é
abster-se de buscar a felicidade e o bem-estar para os cidadãos. “A felicidade para a qual o
homem está simplesmente destinado não é nenhuma outra além daquela que suas próprias
energias buscam para ele”. O único setor onde o Estado faz-se necessário é na garantia da
segurança individual, deve, portanto, limitar sua atuação ao que for necessário para a
segurança interna e externa, não restringindo a liberdade individual sob nenhum pretexto.
“O Estado deve abster-se de todo esforço por interferência positiva no bem-estar dos
cidadãos, e não dar nenhum passo além do necessário para garantir-lhes a segurança mútua
e a proteção contra inimigos externos, visto que, nenhum outro objetivo deveria constituir
motivo para imposição de restrição à liberdade”64. Depreende-se de seu pensamento que
toda intervenção do Estado induz a uma artificialidade que leva a uma violação da
originalidade natural. O desenvolvimento, a realização pessoal e a própria auto-estima são
desvirtuadas. Em resumo, para Humboldt a razão não pode desejar para o homem qualquer
outra condição além daquela em que cada indivíduo desfrute da mais absoluta liberdade
para desenvolver-se a si mesmo a partir de suas próprias energias, em sua perfeita
individualidade, restrito apenas aos limites de seus direitos. Para Perez Luño, é a partir de
Humboldt que o Estado de Direito vai perdendo sua pretensão a um caráter formal-racional,
para ir aproximando-se de um conteúdo político concreto e expressamente manifesto: a
ideologia liberal.65
63
Idem. p. 136
64
Idem. p. 180.
65
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucion. Op. Cit. p.212-
245.
66
MALUF, Sahid., Teoria Geral do Estado. Op. Cit. p. 139.
artigos, que estabeleciam os princípios de liberdade individual, autorizava o porte de armas
aos cidadãos para que pudessem defender seus direitos constitucionais. Foi precisamente
este sistema de liberdade, defendida pelas armas, que recebeu, na época, a denominação de
liberalismo. Especificando os direitos essenciais, o Bill of Rights firmava os seguintes
princípios: (1) o Rei não pode, sem o consentimento do Parlamento, cobrar impostos, ainda
que seja sob a forma de empréstimos ou contribuições voluntárias; (2) ninguém poderá ser
perseguido por haver-se recusado a pagar impostos não autorizados pelo Parlamento; (3)
ninguém poderá ser destituído de seus juízes naturais; (4) o Rei não instituirá, em hipótese
alguma, jurisdições excepcionais ou extraordinárias, civis ou militares; (5) o Rei não
poderá, em nenhuma circunstância, alojar em casas particulares, soldados ou marinheiros.
67
Entre os traços que comumente identificam o Estado Liberal, Wolkmer cita: a) a ascensão social da
burguesia enriquecida; b) consagração do individualismo e da tolerância; c) descentralização democrática e
separação dos poderes; d) principio da soberania popular e do governo representativo; e) supremacia
constitucional e o império da lei; f) doutrina dos direitos e garantias individuais; g) existência de um
liberalismo econômico, movido pela lei de mercado e com a mínima intervenção estatal (Wolkmer, Antonio
Carlos. Elementos para uma crítica ao Estado. Porto Alegre: Antonio Sergio Fabris Editor. 1990. p. 25).
68
HELD, David. La democracia y el orden global Op. Cit. p. 21.
Do ponto de vista eminentemente político ensina Dallari69, o liberalismo
se afirma como doutrina somente no século XIX, mais especificamente a partir de 1859,
com a publicação da obra de John Stuart Mill, ‘A Liberdade’70. Adepto entusiasta do
jusnaturalismo Mill, o maior filósofo inglês do século XIX, com inequívoca influência do
pensamento de Humboldt, questiona a natureza e os limites do poder que a sociedade pode
legitimamente exercer sobre o indivíduo. Defensor da liberdade individual, afirma que a
interferência do governo nos assuntos privados é quase sempre equivocada e condenável.
Para ele o único propósito aceitável de se exercer legitimamente o poder sobre qualquer
membro de uma comunidade, contra sua vontade, é evitar dano aos demais. “Seu próprio
bem, físico ou moral não é garantia suficiente”. Ninguém pode ser compelido a fazer ou
deixar de fazer algo por ser melhor para ele, porque o fará feliz, porque, na opinião dos
outros, fazê-lo seria sábio ou mesmo acertado. No que diz respeito ao indivíduo, “sua
independência é, de direito absoluta. Sobre si mesmo, sobre seu corpo e mente, o indivíduo
é soberano”.71 Para Mill, seja qual for a forma de governo nenhuma sociedade é livre se tais
liberdades não existirem em caráter absoluto e sem reservas. Afirma que “cada um é o
guardião adequado de sua própria saúde, seja física, mental ou espiritual. A humanidade
ganha mais tolerando que cada um viva conforme o que lhe parece bom do que compelindo
cada um a viver conforme pareça bom ao restante”.72 Referindo-se expressamente a
doutrina de Humboltd ratifica a idéia de que cada indivíduo deve imprimir em seu modo de
vida e na condução de seus interesses, algo do seu próprio julgamento, ou do seu caráter
individual. Como conclusão, Mill apresenta três objeções fundamentais à interferência do
Estado na sociedade: a) ninguém é mais capaz de conduzir qualquer negócio, ou determinar
como ou por quem deverá ser conduzido, que aquele que tem interesse pessoal. Assim, “a
coisa a se fazer será provavelmente mais bem feita pelos indivíduos do que pelo governo”;
b) ainda que os indivíduos não realizem tão bem os negócios que desejam, ainda assim é
melhor que eles o façam, não o governo, como elemento de sua própria educação; c) a que
considera a mais convincente de todas, se refere ao grande mal de se aumentar o poder do
Estado sem necessidade, pois, “toda função que se acrescenta às já exercidas pelo governo
69
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado.Op. Cit. p. 275-278.
70
MILL, John Stuart. A Liberdade/Utilitarismo. São Paulo Martins Fontes. 2000.
71
Idem. p. 18.
72
Idem. p. 22.
promove maior difusão de sua influência sobre as esperanças e medos, e transforma, mais e
mais a parte ativa e ambiciosa do público em dependentes do governo, ou de algum partido
que pretenda chegar ao governo”.73
Streck lembra também, que foi com o Estado liberal que se desenvolveu
uma nova concepção da função jurisdicional, a partir de certos princípios que
representavam a própria negação do que ocorria no período absolutista. Em lugar de juizes
leigos, escolhidos dentre os nobres, juízes profissionais, capazes de dominar uma técnica
elaborada; em lugar de juízes interventivos, quase sempre politicamente comprometidos,
juizes reativos e imparciais. Esta nova postura reabilitou o Judiciário aos olhos do povo que
deixa de considerá-lo uma longa manus da realeza e abriu o caminho para torná-lo um
poder independente, ao lado do executivo e do legislativo.
73
Idem. p. 165-168.
74
BARROSO, Pérsio Henrique. Constituinte e Constituição. Op. Cit. p. 21.
75
As idéias do filósofo inglês John Locke (1632-1704) são fundamentais para as revoluções liberais do
século XVIII. Sua influência é visível na teoria da separação de poderes de Montesquieu, no iluminismo
francês e na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. (Ver MARTINS, C. E. e
MONTEIRO, J. P. “Vida e Obra”. In LOCKE, John Ensaio acerca do entendimento humano. Coleção Os
Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996).
desenvolvem-se novas técnicas de poder, surgindo a dominação legal em lugar da
dominação pessoal. Mas, com a ascensão da burguesia surgiram também as críticas a este
modelo, por transformar a cidadãos teoricamente livres em monetariamente escravizados. O
que ocorre é que, com a revolução industrial surge um cidadão até então desconhecido: o
operário de fábrica; e o aparecimento das máquinas produziu o desemprego em massa.
Cada máquina introduzida na indústria, jogava na rua milhares de desempregados. O
trabalho humano passa a ser negociado como mercadoria, sujeito a lei da oferta e da
procura. O operário se vê compelido a aceitar salários ínfimos e a trabalhar quinze ou mais
horas por dia para ganhar o mínimo necessário à sua sobrevivência. Por outro lado, fortunas
imensas se acumulavam nas mãos dos dirigentes do poder econômico. Enquanto o Estado
Liberal a tudo assiste de braços cruzados, limitando-se a cuidar da ordem pública. 76
76
Segundo Dallari, no Estado Liberal a valorização do individuo chegou ao ultra-individualismo que ignorou
a natureza associativa do homem e deu margem a um comportamento egoísta, altamente vantajoso para os
mais hábeis, os mais audazes ou menos escrupulosos. Ademais, a concepção individualista da liberdade
impede ao Estado de proteger aos menos afortunados, foi a causa de uma crescente injustiça social, pois,
concedendo-se a todos o direito de ser livre, não assegurava a ninguém o poder de ser livre. Na verdade, sob o
pretexto de valorização e proteção da liberdade, o que se assegurou foi uma situação de privilégio para os
economicamente mais fortes. (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. Op. Cit. p.
277-278).
surgiu também no meio da luta de classes, normalmente o Estado é a classe dominante,
economicamente mais poderosa, que por seu intermédio se converte também em classe
politicamente mais forte e adquire novos meios para submeter e explorar a classe
oprimida”.78
Neste contexto, a igualdade jurídica é vista como uma falácia que permite
mascarar a dominação de classes. Marx detecta a separação entre a vida econômica do
homem (a posição do homem nas relações de produção) de sua figura jurídica de cidadão, o
que faz desta uma abstração. As contradições do Estado Liberal apontadas pelo marxismo,
são determinantes para sua transformação. Este modelo de dominação não teria lugar na
nova realidade que se desenha com o fim do modelo político liberal no fim do século XIX.
77
MARX, C. y ENGELS, F. Das Kommunistische Manifest. Edição espanhola El Manifiesto Comunista.
Barcelona: Edicomunicación. 1998.
78
ENGELS, F. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 11 Ed. São Paulo: Civilização
Brasileira. 1987. p .196.
79
Idem p. 108.
80
BARROSO, Pérsio Henrique. Constituinte e Constituição. Op. Cit. p. 23.
países do velho esquema liberal: a necessidade de regulação da economia pela atuação do
Estado (uma grande heresia do ponto de vista do liberalismo clássico). A verdade é que o
individualismo, assim como a neutralidade do Estado Liberal de Direito, não podiam
satisfazer as exigências de liberdade e igualdade dos setores sociais e economicamente mais
fracos. Para Perez Luño81 a aparente neutralidade política que, ante as transformações
sócio-econômicas, adotou o Estado Liberal de Direito, se traduziu em uma série de
conflitos de classe que, a partir da segunda metade do século passado e no início do atual,
mostraram ser insuficientes às liberdades burguesas quando se inibe o reconhecimento da
justiça social.
81
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucion. Op. Cit. p. 223.
82
Idem
83
QUADROS DE MAGALHÃES, J. L., Direitos Humanos: sua história, sua garantia e a questão da
indivisibilidade. São Paulo: Juarez, 2000, p. 30.
para diversos Estados europeus. Mas para Martinez de Pinsón84, foi a crise econômica de
1923 que evidenciou as limitações e contradições do primeiro capitalismo, um capitalismo
selvagem, desigual e injusto, e a Segunda Guerra foi o momento ideal para testar novas
estratégias que superaram o velho Estado liberal. E, mesmo reconhecendo a existência de
antecedentes afirma que o Estado Social não seria possível sem o contexto de crise geral e
global do capitalismo e sem as soluções propostas nos anos trinta para resolver os
angustiantes problemas sociais, políticos e econômicos85.
84
MARTÍNEZ DE PISÓN, J., “El final del Estado Social: Hacia qué alternativa”. In Revista Sistema 160.
Colección Politeia. Madrid: Sistema, 2001, p. 75-93.
85
Referindo-se a teoria econômica de Keynes e o trabalho de Beveridge (1942) que definiu as bases de um
modelo público de previdência social em substituição ao sistema privado de mutualismo.
Martín86, desde o fim da Segunda Guerra Mundial até a crise econômica dos anos setenta,
houve uma significativa redução das desigualdades sociais e econômicas, ao menos nos
países desenvolvidos da Europa.
86
MARTÍN, Nuria Belloso., “Igualdades Injustas o Igualdades Justas: Breves Apuntes Sobre el Post-
Liberalismo”, In Júris Poiesis, Revista Jurídica da Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro:UES, 2000. p.
15.
87
WOLKMER, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado. Op. Cit. p. 26.
88
Julios-Campuzano, explica de forma didática: A fórmula política do Estado Social de Direito, supôs um
crescimento espetacular das funções do Estado com o correspondente aumento das elites tecnocráticas na
estrutura burocrática estatal. Na medida em que o Estado se expandia foi surgindo uma nova elite social de
especialistas e tecnocratas cujo poder decisório na adoção de acordos e na execução de políticas públicas foi
erosionando paulatinamente o princípio democrático e adonando-se do espaço reservado a legitimação das
decisões na vontade majoritária. Tratou-se, certamente, de um dos efeitos mais perversos do Estado benfeitor
que, no afã de virtualizar os espaços de liberdade com doses crescentes de igualdade, terminou afastando
amplas zonas da liberdade que pretendia conquistar. E continua o professor Sevilhano, a conformação
fortemente hierárquica dos partidos políticos permitiu que este processo se consolidasse, pois com freqüência,
as estruturas partidárias foram blindadas frente as aspirações democráticas da militância e da cidadania. Deste
modo, os mecanismos de representação da vontade popular ficaram obstruídos na medida em que se produziu
uma fratura entre representantes e representados, pois a cúpula dirigente dos partidos, com freqüência, deixou
de representar os interesses dos governados e se erigiu em porta-voz de um grupo reduzido, cada vez mais
isolado do resto da cidadania, com interesses específicos da classe: a classe política enquanto setor
diferenciado da sociedade. Esta mecânica de representação gerou uma fratura entre governantes e governados,
entre a elite dirigente, que ocupava cargos políticos, e os cidadãos, cujas possibilidades de acesso democrático
Por tudo isso, e especialmente pela impossibilidade de equilibrar os
vultosos gastos públicos – pois o Estado Social criou direitos à aposentadoria, ao seguro
desemprego, a saúde gratuita, ao ensino gratuito, a férias remuneradas, a um salário mínimo
ou mínimo vital e quando aumentou o número de velhos, o desemprego, o custo da
medicina, a carga do sistema de benefícios sociais se fez muito pesada. O Estado chegou ao
limite de suas possibilidades e já não era possível aumentar os tributos, dando início aos
debates sobre a extensão e os limites dos benefícios sociais. As demandas populares
crescentes e a evolução gradual do capitalismo mercantil e industrial para a prática de um
capitalismo financeiro e monopolista, sustentado por grandes corporações transnacionais,
levaram ao fracasso as políticas de bem-estar social, causado em grande parte pelo custo do
capital dirigido ao suporte dos gastos públicos que dificultava sua reprodução, aliado a
eclosão do mundo soviético, que permitiu o surgimento dos velhos princípios do
liberalismo, sob uma nova roupagem: o neoliberalismo. Neste sentido, lembra Martinez de
Pisón89, que um dos aspectos mais surpreendentes da teoria e do debate político nos últimos
tempos, é a coincidência entre conservadores, liberais, e a esquerda marxista na tese sobre a
crise e o fim do Estado Social. Mas, considerando que as funções do Estado Social foram
adequadamente cumpridas, isto faz com que seu desaparecimento não seja tão fácil, até
porque ainda são visíveis e chocantes os efeitos de seu desmonte, dando lugar a um Estado
mais débil e omisso.
90
MIRANDA. Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Op. Cit. p. 23.
91
GIDDENS, Anthony. La tercera via. La renovación de la socialdemocracia, Madrid: Taurus, 1999, p 18.
92
“Um escritor”, citado por Giddens, Anthony. Op. Cit. p. 24.
93
MARSLAND, D. Welfare or welfare state? Basingstoke: Macmillan, 1996, p. 197.
94
CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia & Estado Contemporâneo. 3ª ed. Curitiba: Juruá. 2005. p.
234-235.
social absorve a poupança interna impedindo sua utilização na atividade produtiva. O outro
aspecto é mais filosófico, já que entende o Estado de Bem-Estar como uma ameaça à
liberdade individual ou, pelo menos, inibidor da livre iniciativa. Os cidadãos, ao se
acostumarem com a ampla proteção do Estado, perdem a capacidade de competição e o
estímulo ao trabalho e tornam-se menos aptos para assumir os riscos e obterem vantagens
num mundo competitivo.
95
CORREAS, Óscar. “El neoliberalismo en el imaginario juridico” In Direito e Neoliberalismo. Elementos
para uma leitura interdisciplinar. Agostinho Ramalho Marques Neto et all, Curitiba: EDIBEJ, 1996, p. 7.
Para Comblin97, obstinado crítico do neoliberalismo, “a liberdade de
mercado não significa que os Estados Unidos querem abrir o seu mercado a todas as
nações, mas que todas as nações devem abrir seus mercados aos Estados Unidos”.
Enquanto a receita imposta aos demais Estados, se refere principalmente a desestatização
de empresas públicas, entregando-as à iniciativa privada; a privatização também dos
serviços públicos como aposentadoria, saúde, educação transportes, correios; redução ou
supressão dos sindicatos e organizações de trabalhadores e desintegração de associações
independentes. Para o modelo, segundo Comblin, somente o indivíduo isolado é realmente
livre.
96
MARTÍNEZ DE PISÓN, J. “El final del Estado Social: Hacia qué alternativa”. In Revista Sistema. Op. Cit.
p. 83.
97
COMBLIN, José. O Neoliberalismo. Ideologia dominante na virada do século. Petrópolis: Vozes, 2000, p.
18-24.
98
Depois da renuncia de Fujimori, foi eleito, em 03 de junho de 2001, Alejandro Toledo, obstinado defensor
do livre mercado, da política neoliberal e da globalização.
99
O Uruguai era a única exceção na onda de privatizações que varreu a América do Sul nos anos 90. Em 19
de janeiro de 2001, o presidente Batle publicou por decreto a chamada Lei de Urgência, feita para
desregulamentar setores da economia e desmontar os monopólios nas mãos do Estado. A lei abriu o capital
das estatais a investidores privados, inclusive estrangeiros e distribuiu concessões públicas em áreas como
telefonia, combustíveis, portos, ferrovias e cassinos. E, não se pode esquecer que, diferentemente de muitos
países as estatais uruguaias eram motivo de orgulho da população, a maioria possuía índices de aprovação
superior a 70%. (“Um país a Venda”. In Revista Veja, Ed. 07 de março de 2002, p.56).
100
No México, o Partido Revolucionário Institucional – PRI manteve-se no poder por 71 anos, embora
acusado de inúmeras fraudes eleitorais. Trata-se de um partido que se proclama centro-esquerda, entretanto
seus últimos governantes, em especial Ernesto Zedillo (1994-2000), sempre adotaram políticas econômicas
neoliberais. Em 02 de julho de 2000, foi eleito Vicente Fox, pelo partido de Ação Nacional (centro-direita).
Embora Fox tenha demonstrado simpatia pelos rebeldes Zapatistas (grupo guerrilheiro de tendência marxista),
e ser um político comprometido com as causas sociais, em seus discursos sempre deixou muito claro sua
tendência de manter a política econômica do país – liberal.
continente. Para Comblin101, este apoio popular tem várias razões, e cita especialmente a
frustração provocada pelos governos populistas e porque na América Latina as expectativas
populares são fracas; os pobres não esperam nem exigem muito das autoridades, o Estado
de Bem-Estar nunca foi completo. Mas estas conclusões valem para América Latina e ainda
assim com reservas, não justificam a eleição de Batle no Uruguai, onde a economia sempre
foi estável nem a eleição de neoliberais no Chile, país com os melhores índices econômicos
da América Latina102; tampouco justificam o expressivo apoio popular ao neoliberalismo na
Europa.
101
COMBLIN, José. O Neoliberalismo. Ideologia dominante na virada do século. Op. Cit. p. 72.
102
Desde a década de 70, enquanto os regimes de força instalados na América Latina (Brasil, Argentina,
Uruguai, Paraguai, Bolívia y outros) apregoavam uma política protecionista e nacionalista, o Chile de
Pinochet se abria (economicamente) ao mundo. Com a saída do ditador, os governos democráticos que o
sucederam, mantiveram a política econômica neoliberal. Apesar do sonho frustrado de converter-se em um
tigre econômico, as sinais de prosperidade no Chile são visíveis: Seu PIB cresce em media 7% al ano desde o
inicio dos anos 90; neste período mais de 2 milhões de chilenos deixaram a linha de pobreza, o que representa
uma ascensão social de 15% da população; o analfabetismo caiu de 6,3% a 4,5%, a mortalidade infantil foi
reduzida em 1/3 do que era na década de 80 e a esperança de vida equivale a do primeiro mundo (75 anos).
103
GEORGE, Susan. Informe Lugano, Barcelona: Içaria-Intermón Oxfam, 2001, p. 22
logro intelectual, é sim uma forma revolucionária e milenar e uma fonte de esperanças. A
aspiração ao bem estar material aqui e agora é mais poderosa – por que não dizer mais
veraz – que as promessas do comunismo ou da religião, que prometem a gratificação em
um radiante futuro ou em outra vida. Nestes confrontos, a reação e o estrondo do mercado
sempre ganhará dos coros terrenos ou celestiais do paraíso prometido104. Ao menos, um
pouco nos tranqüilizam e nos confortam as palavras de Bobbio: “o Estado Liberal é o
pressuposto não só histórico, mas jurídico do Estado Democrático”, para concluir que “é
pouco provável que um Estado não liberal possa assegurar um correto funcionamento da
democracia, e de outra parte é pouco provável que um Estado não democrático seja capaz
de garantir as liberdades fundamentais”.105 Neste sentido também Reynold afirma que “O
liberalismo e a democracia nasceram juntas. Ele é o espírito, ela é a forma. Só se separam
artificialmente, graças às confusões sobre os sentidos dos dois termos, às distorções
infringidas à história”. 106
104
Idem, p. 23.
105
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia – Uma defesa das regras do jogo. Trad.de Marco Aurélio
Nogueira, São Paulo: Paz e Terra, 5ª ed. 1992, p. 20.
106
In CORRÊA, Oscar Dias. O Sistema Político-Econômico do Futuro: O Societarismo. Rio de Janeiro:
Forense Universitária. 1994. p. 36.
do contrato social, o desrespeitam, em detrimento das liberdades individuais. Defende a
idéia de um Estado-mínimo, com a única função de proteger os direitos individuais e não
para obter condições de igualdade entre os indivíduos, nem mesmo para alcançar objetivos
políticos de uma maioria, com a limitação dos direitos individuais. Seguindo o pensamento
de Locke, propõe um direito natural reduzido a “inviolabilidade da pessoa”. Pretende
limitar as possibilidades e faculdades do Estado, que não possui o direito de erigir-se em
estado socializador de bens nem mesmo promotor da justiça social, uma vez que ele não
possui possessão natural sobre nada ou ninguém, pois todos os títulos residem
exclusivamente no ser humano.
Em suas conclusões Nozick afirma que somente um Estado mínimo respeita os
direitos invioláveis das pessoas, com a dignidade que isso pressupõe. “Tratando-nos com
respeito ao acatar nossos direitos, ele nos permite individualmente ou em conjunto com
aqueles que escolhemos, determinar nosso tipo de vida, atingir nossos fins e nossas
concepções de nós mesmos…”107. Em seu entendimento qualquer outro modelo de Estado,
que não o Estado-mínimo, viola os direitos da pessoa. Para Nozick os direitos naturais têm
sempre absoluta prevalência sobre os poderes do Estado. Assim, “somente um Estado-
mínimo é moralmente legítimo, inspirador e certo ... nenhum Estado mais extenso poderia
ser moralmente justificado, pois qualquer um deles violaria (violará) os direitos do
indivíduo”.108 Em resumo: todo Estado que ultrapasse as fronteiras do Estado mínimo é
imoral e ilegítimo; em termos práticos, redistribuir a riqueza é um ato imoral. Quanto aos
direitos humanos são os direitos de liberdade, mas sem garantia de defesa nem proteção. A
jurisdicidade destes direitos somente acontece através da organização política, que não é
produto de um hipotético contrato, mas de uma complexa e progressiva organização por
parte de grupos que vão introduzindo instituições de proteção jurídica com sucessiva
complexidade, até chegar a formação do Estado que, formalmente, não é mais que um
organismo de proteção e segurança mas todo o conteúdo dos direitos humanos deriva da
situação pré-estatal e está fundado na radicalidade do indivíduo e de sua liberdade.
107
NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1994. p. 357.
108
Idem
Estado Omisso Estado Interventivo Estado Mínimo
Sociedade Livre Sociedade Assistida Sociedade Autônoma
Economia de Mercado Intervenção Estatal na Economia de mercado
Nacional Economia global
A desigualdade é natural Redução da desigualdade Aceitação da desigualdade
social
Função do Estado: Função do Estado: Bem Função do Estado: Garantias
Segurança Estar Social Mínimas
Direito Natural Direito nacional-social Direito Internacional
Lex Mercatória
1.4. A Cidadania
109
Apud CARVALHO, A. Dardeau de. Nacionalidade e Cidadania. São Paulo: Freitas Bastos. 1956. p. 295.
110
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20a ed. 2001. São Paulo: Malheiros p.
345.
111
CARRACEDO. José Rubio. Ciudadanía, Nacionalismo y Derechos Humanos. Madrid: Trotta. 2000. p. 10.
112
MANZINI-COVRE, Maria de Lourdes. O que é cidadania. São Paulo: Brasiliense. 7a ed. 1998. p. 9.
decentemente”.113 Bem lembra Peirano114, que os próprios cientistas políticos encontram
dificuldades para definir cidadania. Mesmo reconhecendo o fenômeno como resultado de
um processo histórico, há uma tendência à simplificação, que discorre sobre os direitos do
cidadão.115
113
DIMENSTEIN, Gilberto. O Cidadão de Papel. 20a ed. São Paulo: Ática. 2002. p. 22.
114
PEIRANO, M.G. “Sem lenço e sem documento. Reflexões sobre a cidadania no Brasil”. In Sociedade e
Estado. Brasília: UnB. 1986.
115
Como para Dimenstein: “Cidadania é o direito a ter uma idéia e poder expressá-la. É poder votar em quem
quiser sem constrangimento. É processar um médico que age com negligência. É devolver um produto
estragado e receber o dinheiro de volta. É o direito de ser negro, índio, homossexual, mulher sem ser
discriminado. De praticar uma religião sem ser perseguido”. DIMENSTEIN, Gilberto. O Cidadão de Papel.
Op. Cit. p. 22.
116
ARAÚJO, J. A Estévez. “Una Nueva Ciudadania” In Para que algo se cambie en la Teoría Jurídica.
MARTÍN, Nuria Belloso (coordinadora) Burgos: Servicio de Publicaciones de la Universidad de Burgos.
1999. p. 138.
117
WARAT. Luis Alberto. “Ciudadania y Derechos Humanos de la Otredad”. In MARTIN, Nuria Belloso.
Los Nuevos Dasafios de la Ciudadania. Burgos: Servicio de Publicaciones de la Univesidad de Burgos. 2001.
Op. Cit. p. 9.
118
DULCE, Maria José Fariñas. Globalización, Ciudadania y Derechos Humanos. Madrid: Instituto de
Derechos Humanos “Bartolomé de las Casas”. Universidad Carlos III de Madrid: Dykinson. 2000. p. 37
natural, se trata de uma construção metafórica que surge como conseqüência de processos
históricos de negociação, mediante a qual se estabelece um duplo vínculo de caráter
abstrato entre os ‘cidadãos’ e sua organização jurídico-política: de um lado o Estado
protege seus cidadãos, de outro, os cidadãos participam da criação e da direção da atividade
jurídica e política do Estado.
119
MARTIN, Nuria Belloso. “Un’approssimazione alla cittadinanza sociali: alcune proposte”. In Annali del
Seminario Giuridico. 2001-2002. p. 665.
120
DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna. 1999. p. 13.
Constituição francesa de 1791, feita pouco depois da Declaração de Direitos de 1789,
contrariando a afirmação de igualdade de todos, estabeleceu que somente os cidadãos
ativos poderiam votar e serem eleitos para a Assembléia Nacional. E, para ser cidadão
ativo, era necessário além de ser francês, ser do sexo masculino, proprietário de bens
imóveis e ter uma renda mínima elevada. As mulheres, os trabalhadores e os pobres foram
excluídos da cidadania ativa. Então, cidadão poderia definir-se simplesmente como
membro de uma comunidade. Era a cidadania ativa que lhes atribuía direitos. O mesmo
ocorria na Espanha. Até por volta de 1878, somente eram reconhecidos como cidadãos
eleitores os varões maiores de 25 anos, com dois anos de residência fixa num determinado
lugar e que pagassem a Fazenda Pública o mínimo de 25 pesetas anuais como imposto
territorial ou 50 como imposto industrial. Isto atingia a 5,1% da população121.
121
MORENO, Isidoro. “Derechos Humanos, Ciudadania e Interculturalidad”. In DÍAZ, Emma Martín y
SIERRA, Sebastian de la Obra. Repensando la Ciudadania. Sevilha: Fundación El Monte. 1998. p. 21.
sujeito monumental: a classe operária. Mais tarde, com Lênin, a classe operária dá
surgimento a outro sujeito monumental: o partido operário. Mas como ensina Santos123: “se
nos termos em que foi formulada, a subjetividade coletiva da classe tendeu a destruir a
subjetividade individual dos seus membros, a titularidade política do partido, nos termos
em que foi formulada, tendeu a destruir a titularidade política individual da cidadania”. Na
verdade a tensão entre a subjetividade individual e a cidadania se resolveu pela destruição
de ambas.
122
MAGALHÃES. José Luiz Quadros de. Direitos Humanos. Sua história, sua garantia e a questão da
indivisibilidade. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2000. p. 9.
123
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. O Social e o Político na pós-modernidade. São Paulo:
Cortez. 1999. p. 242.
124
“I pensatori comunitaristi hanno sottolineato che il cittadino delle società complesse non può essere
inteso al margine dei vincoli sociali che lo constituiscono come soggetto. Sono questi valori morali, culturali
o religiosi quelli che devono determinare le politiche pubbliche e il tessuto normativo di queste società”.
MARTÍN, Nuria. “Un’approssimazione alla cittadinanza sociale: alcune proposte. In Annali del Seminario
Giuridico. 2001-2002. p. 675.
125
RUIZ MIGUEL, A. Derechos Humanos y Comunitarismo. In Doxa, 12 (1992). p. 87.
126
MARTÍN, Nuria. “Un’approssimazione alla cittadinanza sociale: alcune proposte. In Annali del Seminario
Giuridico. 2001-2002.
dos interesses particulares”. Em linhas gerais Martin nos apresenta duas idéias básicas do
núcleo do republicanismo. A primeira é a concepção antitirânica, contrária a toda
dominação, pois reivindica a liberdade e a vida em um Estado livre, assim como a defesa de
certos valores cívicos como a coragem, a honestidade, o patriotismo, a prudência, a
igualdade, o amor, a justiça, a solidariedade, a nobreza, enfim, o compromisso com a sorte
dos demais. A segunda idéia é que o republicanismo oferece novas formas de organizar a
sociedade. O que se observa é que na concepção republicana, toda idéia de cidadania está
centrada na participação política do indivíduo. Cidadão é aquele que tem uma inserção na
comunidade política, não há referências aos demais princípios e garantias fundamentais.127
O que temos aqui é um cidadão que somente ocupa o lugar de cidadão quando em uma fila
para exercer seu poder político, que como diz Warat é simplesmente o cínico exercício de
votar128. Neste sentido, com propriedade lembra Silva: “Cidadão, no direito brasileiro, é o
indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas
conseqüências”129. Carvalho diz que, no Brasil, cidadania designa uma faculdade específica
do nacional: a faculdade de gozar e exercer direitos políticos. “Cidadão, portanto, seria o
brasileiro que tem direitos políticos”130. Por fim, veja-se a garantia constitucional expressa
no inc. LXXIII do artigo 5º “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular
que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural...”. Como
se comprova a cidadania? O parágrafo 3° da lei n° 4.717 de 29.06.1965, esclarece: “a prova
da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral ou com documento
que a ele corresponda”.
127
Idem p. 25.
128
WARAT. Luis Alberto. “Ciudadania y Derechos Humanos de la Otredad”. In MARTIN, Nuria Belloso.
Los Nuevos Dasafios de la Ciudadania. Burgos: Servicio de Publicaciones de la Univesidad de Burgos. 2001.
p. 9.
129
SILVA, José Afonso da. Curso de Direitos Constitucional Positivo. 20ª ed. São Apulo: Malheiros. 2001. p.
345.
130
CARVALHO, A. Dardeau de. Nacionalidade e Cidadania. São Paulo: Freitas Bastos. 1956. p. 294.
131
GARCIA, S. y LUKES, S. Ciudadania: justicia social, identidad y participación. Madrid: Signo XXI,
1999. p. 1.
(1) pertencer a uma determinada comunidade política (normalmente um Estado); (2)
possuir direitos desta comunidade, assim como a obrigação de cumprir certos deveres, e (3)
contribuir na vida pública desta comunidade através da participação.
2. ASPECTOS ESTRUTURAIS DO ESTADO
132
GRUPPI, Luciano. Tudo Começou com Maquiavel. As concepções de Estado em Marx, Engels, Lênin e
Gramsci. 8.ª ed. Porto Alegre e São Paulo: L&PM Editores, 1987, p. 7.
133
Roberto Luiz Silva alerta que são estes elementos que distinguem um Estado de uma Organização
Internacional. SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 164.
134
FRIEDE, Reis. Curso de Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Teoria Constitucional e relações
internacionais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p.49
135
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 71
136
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 5.ª ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 82.
Povo
Junto aos termos povo e população surgiu o termo “Nação”, que possui
dois prismas: o primeiro seria em sentido cultural, onde há uma identidade desta natureza,
formando um laço entre os seus componentes, mas não se firmando vínculos jurídicos ou
políticos; o segundo em uma noção jurídica e política, onde tais laços culturais, ultrapassam
as relações sociais, pois além de se identificarem entre si, formam uma identidade com o
Estado a que pertencem e estabelecem vínculos jurídicos e políticos.141
137
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2000, p. 314 et seq.
138
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2000, p. 334.
139
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. Op. cit.,p. 65.
140
FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do Estado. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 38.
141
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p.. 95-96.
142
FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do Estado. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 39.
Quem assim o determina é o ordenamento do Estado, que também pode estabelecer a
naturalização, que é o processo que concede a nacionalidade a um estrangeiro.
Território
143
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p.37.
144
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 13.
145
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2000,Op. Cit. p. 299.
146
FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do Estado. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2001,Op. Cit. p. 36.
onde há um território há um poder estatal147. De outra forma, deve-se lembrar que o poder
do Estado também se dá sobre todos os que estão em seu território,na definição da
nacionalidade, quando se adota o critério do “jus soli”.
O território não se restringe à superfície148, podendo se observar sete partes que o compõe:
solo; subsolo; espaço aéreo; mar territorial; embaixadas; navios e aviões militares em
qualquer lugar; navios e aviões de uso comercial ou civil em espaço não pertencente a outro
Estado.149
O mar territorial é a extensão do solo sob o mar, ou, como nas palavras de
Bastos, “a plataforma continental é aquela porção do solo marinho que apresenta idêntica
constituição geológica à dos terrenos não coberto pelas águas”.151 Ainda que delimitado tal
conceito, a delimitação do mar territorial constitue uma polêmica. Antigamente o critério
seria o alcance das armas (“usque armorum potestas”), tendo o poderio bélico como
delimitador concreto de tal distância. Hoje isto não é possível, sobretudo pois as armas já
não encontram fronteiras, cabendo aos tratados e ordenamentos jurídicos nacionais definir o
alcance da plataforma continental. No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro esta
questão é regulada pela lei n.° 8.617 de 4 de janeiro de 1993.
147
FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do Estado. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 36.
148
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 13.
149
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 5.ª ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003,p. 82.
150
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 14.
151
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1986,Idem. p.
15.
autoridade do país creditado.” Ou seja, mesmo estando em um outro país, o local onde se
estabelece uma embaixada é reconhecido como território do Estado desta embaixada,
submetendo-se ao ordenamento jurídico. Portanto, dentro de um país, toda embaixada é
considerada território de outro Estado.
Soberania
152
ROQUE, Sebastião José. Direito Internacional Público. São Paulo: Hemus, 1997, p. 217.
153
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p.37.
154
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1986 p. 24.
155
SOBERANIA. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São Paulo: T. A. Queiroz, 1998, p.
494.
A soberania é concebida em duas dimensões: jurídica e política.156
Figueiredo157 recorre à história, explicando que “quem detém o poder necessita sempre de
uma justificação político-jurídica que alicerce sua pretensão”. Ou seja, faz-se mister tanto
de instrumentos jurídicos quanto políticos, portanto, de poderes de fato e de aparato
jurídico para exercer sua vontade. Na verdade, não por uma realização da autoridade, mas
por uma questão de atingir o objetivo primordial do Estado, que é a ordem social, que se
concretiza por meio de um ordenamento jurídico e de uma estrutura de poder e comando.
156
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005,Op. Cit. p.
80.
157
FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do Estado. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 32.
158
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 80.
159
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2000,Op. Cit. p. 364.
160
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 5.ª ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003,p. 78.
161
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 30.
162
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 80.
163
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 5.ª ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 82.
poder, de caráter incontestável e incontrastável, exercido pelo Estado no seu território e
sobre uma população, lhe permitindo “criar, executar e aplicar o seu ordenamento jurídico
visando o bem comum”164.
164
FILOMENO, José Geraldo Brito. Op. Cit
165
CHÂTELET, F.; DUHAMEL, º PISIER-KOUCHNER, E. História das Idéias Políticas. Trad. Carlos
Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p. 47.
166
MATTEUCCI, Nicola. Soberania. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO,
Gianfranco Dicionário de Política. Vol. II. 5.ª ed. São Paulo: UnB, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
2004, p. 1179.
167
VIEIRA, Liszt. Direito, Cidadania, Democracia: Uma Reflexão Crítica. In.: Revista Direito, Estado e
Sociedade nº 9. Disponível em: <http://sphere.rdc.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/revista/online/
rev09_listz.html>. Acesso em: 21 ago. 2005.
168
CORRÊA, Darcísio. A Construção da cidadania. Reflexos Histórico-Políticas. Ijuí: Unijuí, 2000, p. 60.
constituinte”169, ou seja, seu poder de constituir a sociedade e o Estado (ex parte populi).
Assim sendo, o Estado também deve obedecer a leis e ser sujeito de deveres. Conforme
Granrut: “Même si l'État est maître du droit, il doit également s'y soumettre. C'est le droit
qui organise ses pouvoirs et qui protège l'individu contre la tout-puissance de l'État.”170
Assim, além de sede do poder, também é o destinatário, nesta visão atual da soberania
É ainda com a pena de Bodin171 que a teoria sobre a soberania toma traços
definitivos, onde a caracteriza como indivisível e perpétua. Hoje estas características são
aclaradas e completadas, como pela doutrina de Dallari172, que as lista como sendo quatro:
una, indivisível, inalienável e imprescritível. A soberania é una pois se constitui como um
poder único e unitário, ou seja, o Estado é um só, assim como o é o povo e seu território,
sendo, portanto, uno o seu poder. O Estado possui uma única soberania. Por conseqüência é
indivisível, não se admitindo partes distintas desta soberania. É inalienável pois, o povo é o
titular da soberania e não transfere a sua titularidade, mas apenas o seu exercício, através do
Estado. Imprescritível, pois não se limita pelo tempo, não perecendo no decurso dos anos.
FORMAS DE GOVERNO
Bobbio173 explicita que este estudo nos leva a uma tipologia apresentadas
em dois aspectos: descrito e prescritivo, respectivamente. O primeiro elabora uma
classificação das formações políticas existentes na história; enquanto que o segundo
169
MATTEUCCI, Nicola. SOBERANIA. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de Política. Vol 2. São Paulo: Unb, 2004, p. 1185
170
“Embora o estado seja principal do direito, também tem que se submeter. É o direito que o organiza e lhe
dá poder e protege o indivíduo contra o abuso do estado.” [tradução nossa] Granrut, Claude du. La
Citoyenneté Européenne. Une application du principe de subsidiarité. Paris: LGDJ, s/d, p. 39.
171
CHÂTELET, F.; DUHAMEL, O. PISIER-KOUCHNER, E. História das Idéias Políticas. Trad. Carlos
Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p. 47.
172
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005,Op. Cit. p.
81.
173
BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 10.ª ed. Trad. Sérgio Bath. Brasília: UnB, 2000, p.
31 et seq.
expressa um julgamento de fato, estabelecendo um quadro comparativo com juízo das
melhores e piores formas de governo.
Desenvolvimento Histórico
Formas Puras:
174
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 204.247
175
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Op. cit., p. 433.
176
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001,p. 204.
- Aristocracia: um governo puro de um grupo de pessoas;
- Democracia: um governo puro de todas as pessoas, ou melhor, do povo.
Formas Impuras:
- Tirania: um governo impuro de uma só pessoa;
- Oligarquia: um governo impuro de um grupo de pessoas;
- Demagogia: um governo impuro de todas as pessoas, ou melhor, do povo.
177
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001,p. 205.
178
Neste sentido: DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva,
2005, p. 146.
Contribuindo para este estudo, Maquiavel foi categórico, afirmando que
“Todos os Estados, todas as dominações que tiveram e têm império sobre os homens foram
e são repúblicas ou principados”179. Propôs uma teoria das formas evidenciando os ciclos
iniciados pela anarquia, que redundaram em principados e monarquias, bem como uma
espécie de manual para “o Prioncípe”, para que este alcançasse a ordem do governo, da
ordem e por conseguinte, do Estado.
República e Monarquia
179
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Antonio D’Elia. São Paulo: Círculo do Livro, s/d, p. 37.
180
FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do Estado. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 59.
181
MONARQUIA. SOUSA, SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São Paulo: T. A. Queiroz,
1998, p. 358.
A história nos trás diferentes formas de Monaquia, com destaque para as
três seguintes:
– Absoluta: caracterizada pela concentração de poder sobre o soberano
e pela irresponsabilidade, pois este não atende a limites jurídicos, sendo considerado acima
do Estado e do Direito, desconsiderando o primado do Direito. Muitas vezes é considerado
também como autoridade religiosa, ou de origem divina. O governo não segue a lei, mas a
vontade da autoridade;
– Constitucional: é caracterizada pela responsabilidade do soberano,
em vista da obediência ao primado do direito, submetendo-o ao ordenamento jurídico e às
limitações jurídicas constitucionais;
Democracia e
Autocracia
A democracia é um ideal que pretender dar ao governo a maior proximidade possível com a
vontade da coletividade, estabelecido a partir da reação ao absolutismo e a construção de
uma soberania popular, onde o poder do Estado é fundado na Sociedade. Os valores
tutelados pela democracia são a liberdade, a responsabilidade, a igualdade e a participação.
Valores inerentes a condição de governo conduzido pelo povo.183
182
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 213.
183
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 146.
Esta se firma principalmente na República, chegando a ser um sinônimo
para alguns doutrinadores, porém, diante do advento da monarquia parlamentar, em que o
governo é realizado pelo primeiro ministro, que, em conjunto com outros órgãos e
instituições, imprime um caráter democrático a este espécie de monarquia.
184
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 156.
185
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 156.
186
STOPPINO, Mario. Ditadura. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.
Dicionário de Política. Vol. I. 5.ª ed. São Paulo: UnB, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004, p. 373.
187
AUTOCRACIA. SOUSA, SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. Op. cit. p. 49.
que estabelece tais restrições. Portanto, se diz um governo de poder amplo, total e
ilimitado.188
188
STOPPINO, Mario. Ditadura. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.
Dicionário de Política. Vol. I. 5.ª ed. São Paulo: UnB, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004 p. 372.
189
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 5.ª ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 117.
190
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 209.
191
AUTOCRACIA. SOUSA, SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. Op. cit. p. 49.
192
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 5.ª ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003,p. 118.
totalidade dos bens,193 inclusive do pensamento individual, haja vista que não é possível um
Estado totalitário sem uma ideologia sistemativamente propagada pelo governo.194 É o que
pregou o líder italiano fascista, Benito Mussolini (1883-1945): “tutto nello Stato, niente
contro lo Stato, nulla al di furo dello Stato” (tudo no Estado, nada contra o Estado, nada
fora do Estado).195 Por isso não se confunde com as demais formas de autocracia, pois
impõe-se, aqui, uma onipresença do Estado na sociedade,196 eliminando inclusive as
individualidades.197 Bastos afirma que “o Estado Totalitário caracteriza-se por absorver no
seu todas as manifestações da vida social e, até mesmo, individual.”198
193
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 249.
194
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2000, p. 432.
195
TOTALITARISMO. SOUSA, SOUSA, J. P. G. de et al. Dicionário de Política. Op. cit. p. 432.
196
TOTALITARISMO. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São Paulo: T. A. Queiroz, 1998,
p. 432.
197
STOPPINO, Mario. Totalitarismo. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. II. 5.ª ed. São Paulo: UnB, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
2004, p. 1248.
198
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 66.
199
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 249.
200
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 245.
201
STOPPINO, Mario. Ditadura. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.
Dicionário de Política. Vol. I. 5.ª ed. São Paulo: UnB, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004, p. 368.
202
STOPPINO, Mario. Ditadura. In.: Dicionário de Política. Vol. I. 5.ª ed. São Paulo: UnB, Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 2004,p. 372.
absolutismo. O governo absoluto coloca a autoridade como detentor único do poder
público, confundindo autoridade e Estado em uma figura única. Assim, o poder conferido a
autoridade não conhece limites nem responsabilidades. Não tem caráter temporário, como a
ditadura, nem onipresente, como o totalitarismo. Historicamente os governos absolutos se
estruturaram através de monarquias. Aliás, não sendo constitucionais, as monarquias
tendem ao absolutismo, pois a hereditariedade e a vitaliciedade fazem do soberano uma
pessoa distinta do povo.
Democracia
Direta Semi-Direta Indireta
Democracia Autocracia
Responsabilidade Irresponsabilidade
Parlamentarismo
Desenvolvimento Histórico
203
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 295.
204
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 9.ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2005, p. 305.
205
Não se trata de um produto teórico único, mas um conjunto de teorias que postas em prática formou o
presidencialismo, como se verá adiante.
206
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 5.ª ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 186.
207
PARLAMENTARISMO. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. Op. cit. p. 400.
208
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 298.
Em 1213, o Rei João Sem-Terra, por pressão dos barões209, convocou
“quarto cavaleiros discretos”210 de cada condado, que não eram pares do reino e, portanto,
não tinham ligação direta com o rei, para com eles deliberar sobre questões do reino.
Retomava-se, assim o costume dos grandes conselhos, de forma a interligar o rei e os
barões, tentando arrefecer as revoltas quanto aos desmandos do rei. João Sem-Terra, em
1215, foi obrigado, pelos barões, a instituir direitos, através da Magna Carta Libertatum.
Esta lista de deveres do rei, instituía liberdades ao povo, sobretudo aos barões e mantinham
o conselho, gérmen do Parlamentarismo, obrigando a representação.
209
No feudalismo, por conseqüência do subenfeudamento, os barões eram os senhores feudais que
efetivamente tinham o poder sobre a terra e os servos. Ainda que considerados como a parte mais baixa da
nobreza, os barões dominavam o poder econômico em diversos reinos.
210
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005,. p. 232.
211
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 232.
212
PARLAMENTARISMO. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. Op. cit. p. 400.
buscou fundamentar seu governo em uma origem divina, aumentou o caráter absolutista,
esvasiou e depois dissolveu o Parlamento diversas vezes.
O segundo Stuart foi seu filho, Carlos I, também de natureza despótica, que
acabou por ser obrigado a assinar a Petition of Rights, em 1628. Desde sua instituição, foi
firmado o costume de se ratificar a Magna Carta pelos reis que assumiam o trono. O Rei
Carlos I não obedecia aos ditames deste documento, causando a ira dos nobres e ao
parlamento. Assim, o Parlamento conseguiu impor a Petition of Rights
Em 1679 foi editado o Act of Habeas Corpus, que regulamentava este instrumento de
defesa da liberdade contra ato arbitrário. Mesmo após a elaboração da Petition of Rights,
que visava aumentar as ainda tímidas garantias, os monarcas não atendiam aos pedidos de
habeas corpus, tornando letra morta as leis existentes e que cuidavam desse instituto.
Elaborado pelo Parlamento e sancionado pelo rei, ninguém poderia ser mantido preso sem
que fosse logo conduzido à presença de um tribunal.
213
BURNS, Edward McNall. História da Civilização Ocidental. Trad. L. G. Machado, L S. Machado e L. V.
Vallandro. 2.ª ed. Porto Alegre: Globo, 1970, 522.
214
Idem.
215
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 85.
216
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 85.
instalava uma monarquia parlamentar, eliminando com o tempo os vestígios da monarquia
absoluta.
Com a morte de Guilherme III (de Orange) e a rainha Ana, foi erigido o
“ato de estabelecimento, em 1701, o rei Jorge I, da dinastia Hanôver, que por sua vez era
alemão, sendo a Inglaterra e seu idioma um desconhecido. Isto dificultou o governo do rei,
que passou a ser apenas um elemento figurativo. Depois de 36 anos de reinado, sobreveio o
reinado de 33 anos de seu herdeiro, Jorge II, que seguiu o exemplo de seu pai.
217
Marcelo Figueiredo chama de Executivo de representação. FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do
Estado. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 98.
218
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 236.
219
FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do Estado. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 98.
220
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p.304.
221
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 5.ª ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 189.
222
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 236.
De qualquer forma o Chefe de Gabinete necessita da maioria parlamentar
para ser eleito. Todavia só governa se mantiver esta maioria a seu favor223, ou que pelo
menos que não lhe seja contra. Em regra, o Chefe de Governo não tem mandato fixo,
podendo terminar seu mandato se perder a maioria no parlamento, ou por voto de
desconfiança. Como as eleições para o parlamento são periódicas, o Primeiro-Ministro
pode perder sua maioria. Neste caso, alguns regimes determinam a perda automática do
cargo, devendo haver eleições para o novo chanceler, pois tal chefe de Estado não teria
condições de governar, por falta de suporte político no parlamento. Em outros sistemas
parlamentaristas este Chefe de Gabinete não perderia seu cargo automaticamente, mas
estaria correndo o risco de perder seu mandato através de um voto de desconfiança. Ou
seja, o Parlamento aprova um voto de desconfiança, que, conforme as regras adotadas,
poderá propor um pedido de demissão, ou impor a demissão do Chefe de Governo.
223
MENEZES, Aderson. Teoria Geral do Estado. 8.ª ed. Rio de Janeiro: Foresne, 199, p. 308.
224
FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do Estado. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 99.
também ser considerado como um sistema em que o poder Executivo está submetido ao
Poder Legislativo.226
Presidencialismo
Ainda que não tenha sido erigido através de um longo processo histórico, o
presidencialismo não é fruto de uma criação teórica única, porém, é uma construção das
idéias democráticas e libertárias norte-americanas, em repulsa ao modelo monárquico de
governo, buscando realizar a República, através de um sistema garantisse a democracia e a
soberania da vontade popular. Assim, no século XVII, ao construir sua República, os norte-
americanos elaboraram um sistema de governo que seguisse a teoria da Separação de
Poderes, com uma autoridade única, porém limitada e com mecanismos que assegurasse a
soberania popular. Assim criou-se o presidencialismo.227
225
MENEZES, Aderson. Teoria Geral do Estado. 8.ª ed. Rio de Janeiro: Foresne, 199, p. 307.
226
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 83.
227
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 240.
228
PASQUINO, Gianfranco. Formas de Governo. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola;
PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. I. 5.ª ed. São Paulo: UnB, Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2004, p. 518.
Para garantir tais responsabilidades e evitar que a instituição de um órgão
único e unipessoal para gerir a república sofresse a concentração de poder, restabelecendo
um governo autocrático, como nas monarquias absolutas, o presidencialismo norte-
americano, modelo para os demais que surgiram, criou o sistema dos freios e contrapesos
(“checks and balances”)229, como forma de manter a separação dos Poderes e a limitação
da autoridade, segundo a soberania popular. Este sistema estabelece uma estrutura de
governo e de poder que permite a vigilância recíproca entre os Poderes230. Assim, ainda que
Presidência e Congresso sejam órgãos autônomos231, atendendo aos Poderes Executivos e
Legislativos, respectivamente, o Presidente está sujeito ao Congresso e vice-versa. Tanto o
Presidente tem poderes sobre a atuação do Congresso, quanto o contrário.
229
Ver o item 2.5.2, O Princípio da Separação de Poderes.
230
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 5.ª ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 189.
231
PARLAMENTARISMO. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. Op. cit. p. 400.
projetos; terá poder de vetar a maioria dos projetos de lei, pois em regra o processo
legislativo depende da sanção do Presidente da República.
Não se deve confundir tal sistema com uma dependência dos Poderes.
Azambuja232 lembra que o presidencialismo é caracterizado pela independência, “mas
colaboram e se limitam reciprocamente”. Destarte, o sistema dos freios e contrapesos
mantêm a Separação dos Poderes, ao mesmo tempo que garante fiscalização recíproca e
conjunta dos Poderes, buscando eliminar os perigos da concentração de poder, promovendo
uma atuação conjunta.
Governo de Assembléia
232
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 296.
233
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 244.
234
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 245.
235
PASQUINO, Gianfranco. Formas de Governo. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola;
PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Op. cit., p. 521.
representação proporcional da consistência dos diversos partidos e funciona com
revezamento periódico rotativo do presidente do Conselho.” Sousa et. all inclui o fato do
órgão colegiado não responder politicamente ao Legislativo.236
236
GOVERNO COLEGIADO. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. Op. cit. p. 249.
237
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 296.
componentes do Conselho Federal, buscando uma representatividade dos grupos políticos.
Por fim, tem-se o Presidente da República, que exerce a função de Chefe de Estado, eleito
pela Assembléia Federal anualmente.239
FORMAS DE ESTADO
Assim, este estudo está estruturado de forma que sejam analisados cinco
temas em destaque: o Estado Unitário, o Estado Composto, o Estado Federal, a
Confederação de Estados e a União Européia.
Estado Unitário
238
GOVERNO COLEGIADO. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. Op. cit. p. 249.
239
GOVERNO COLEGIADO. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São Paulo: T. A.
Queiroz, 1998, p. 249.
governo, pois em sua estrutura não há divisão de poderes, ou repartição da soberania que
permita identificar mais de um Estado em seu interior.240 Azambuja241 concorda, afirmando
que Estados simples são aqueles que não há divisão em partes internas que mereçam o
nome de Estado, nem estão unidas por um vínculo de sociedade. Ou seja, mesmo que haja
divisões internas de território, com administração própria, não há divisão da soberania,
sendo esta exercida pela autoridade central, não havendo autonomia das autoridades
inferiores.
Este tipo de Estado é assinalado pelo poder central, que exerce, com
exclusividade, as funções legislativa, executiva e judiciária.242 Azambuja243 explicita que “o
tipo puro do Estado Simples é aquele em que somente existe um Poder Legislativo, um
Poder Executivo e um Poder Judiciário, todos centrais, com sede na capital.” Não se trata
de um Estado autocrático, onde todas estes poderes estão concentrados, mas refere-se a
centralização dos poderes estatais. Portanto não há uma descentralização do poder,
distinguida nos Estados composto.244
240
PANSARDI, Mário Artur. Iniciação ao Estudo do Direito. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1972, p. 205.
241
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 363.
242
ESTADO UNITÁRIO. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São Paulo: T. A. Queiroz,
1998 p. 217.
243
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 364.
244
Kelsen não se refere a essa dicotomia entre Estados unitários e compostos, mas a Estados centralizados e
descentralizados, que corresponderiam àqueles, respectivamente. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e
do Estado. Op. cit., p. 432 et seq..
245
ESTADO UNITÁRIO. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São Paulo: T. A. Queiroz,
1998, p. 217.
administradas por órgãos administrativos secundários247, executando os comandos do
governo central. Ou seja, pode haver uma descentralização, mas apenas administrativa, não
política.248
Estado Composto
246
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. Op.
cit., p. 244.
247
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 365.
248
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. Op.
cit., p. 244.
249
MENEZES, Aderson. Teoria Geral do EstadoOp. Cit., p. 185.
250
Neste sentido: KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. 432 et seq..
251
MENEZES, Aderson. Teoria Geral do Estado. 8.ª ed. Rio de Janeiro: Foresne, 199, p. 186.
252
PANSARDI, Mário Artur. Iniciação ao Estudo do Direito. Op. cit., p. 205.
253
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 363.
Dentre as formas compostas são assinaladas: a união pessoal de Estados; a
união real de Estados; a união incorporada de Estados; e a Federação. A Federação é a
principal forma composta de Estado, compreendendo a mais disseminada união de Estados
na atualidade e, por isso tratada em um item à parte. Além destas, alguns autores incluem a
Confederação de Estados, que não representa a formação de um Estado com os elementos
requisitados, pois inexiste soberania. Tal tema também será tratado adiante, após estudo
sobre Estado Federal.
254
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001 p. 367.
255
UNIÃO DE ESTADOS. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São Paulo: T. A. Queiroz,
1998, p. 539.
256
PANSARDI, Mário Artur. Iniciação ao Estudo do Direito. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1972, p. 207.
257
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 367.
258
PANSARDI, Mário Artur. Iniciação ao Estudo do Direito. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1972, p. 207.
geraram a união, geralmente se desfazendo com a interrupção da linha sucessória259 ou
vínculo entre os soberanos. Por isto acaba sendo precária tal união, podendo ser desfeita a
união, perdurando enquanto permanecerem as causas originárias260.
Também pode se dar pela linha sucessória dos monarcas263, mas neste caso
não há a possibilidade de quebra do vínculo, pois os dois Estados se fundem em um só.
Contudo, existiram casos de união real de repúblicas, como dos Estados de Tanganica e
Zanzibar, “sob o nome de Tanzânia, desde 1964”264. Ademais, tem-se os exemplos das
uniões reais monárquicas: Brasil e Portugal (1815-1822); Austria e Hungria (1867-1918);
Suécia e Noruega (1815-1905); Dinamarca e Islândia (1918-1944).
259
UNIÃO DE ESTADOS. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São Paulo: T. A. Queiroz,
1998, p. 539.
260
PANSARDI, Mário Artur. Iniciação ao Estudo do Direito. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1972, p. 207.
261
UNIÃO DE ESTADOS. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São Paulo: T. A. Queiroz,
1998, p. 539. AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 367.
262
o termo real vem da palavra latina “res”, que significa coisa.
263
PANSARDI, Mário Artur. Iniciação ao Estudo do Direito. Porto Alegre: Livraria Sulina, 1972, p. 208.
264
UNIÃO DE ESTADOS. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São Paulo: T. A. Queiroz,
1998, p. 539.
Azambuja265, “resulta da fusão de dois ou mais Estados independentes para formar um
novo Estado, conservando aqueles virtualmente a designação de Estados ou reinos”, pois de
fato ao incorporarem-se, deixam de existir como Estados, figurando apenas
protocolarmente, sem subsistirem poderes soberanos, ou autonomia política. Resta aos
Estados originários autonomia administrativa e a designação anterior, de reino ou república,
de caráter honorífico.266 O melhor exemplo é o da Grã-Bretanha, que incorporou a
Inglaterra, a Escócia e a Irlanda do Norte, que se mantiveram apenas como reinos, sendo
governadas pela Grã-Bretanha, que é o Estado soberano.
Estado Federal
Estado Federal tem sua denominação tirada do termo latino “foedus”, que
significa aliança, união, tratado de união. Na verdade, a federação é uma união de Estados,
porem, seu liame se dá de forma constitucional, formando um terceiro Estado, chamado de
União, que é o Estado Composto. Este Estado Federal é uma “entidade política soberana,
formada pela união constitucional de Estados, que a integram com poderes autônomos”.267
265
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 367.
266
UNIÃO DE ESTADOS. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São Paulo: T. A. Queiroz,
1998, p. 539.
O Estado Federal é fruto direto da formação histórica dos Estados Unidos
da América, não sendo um “resultado de modelos teóricos” 268, mas da construção de uma
aliança de Estados, que, ao se tornaram independentes, desejavam a união, ainda que não
fosse de forma tão absoluta como um Estado unitário, nem tão frágil, como uma
confederação. O primeiro instante da formação do Estado Federal norte-americano ocorreu
com a formação de uma confederação269 norte-americana, em 1781, criada após a
independência das treze colônias norte-americanas, em 1776. No entanto, a união
confederativa não atendia os interesses norte-americano, pois possuía a fragilidade de
qualquer tratado, que pode ser encerrado com a vontade das partes e não tem força
normativa obrigatória, dependendo da ratificação dos Estados-membros e, por conseguinte,
dos ordenamentos pátrios. Logo a federação tornou-se a opção segura para a união dos
Estados norte-americanos, já que “os laços estabelecidos pela confederação eram
demasiado frágeis e que a união dela resultante era pouco eficaz” 270. Neste sentido afirma
Sousa et alli271: “o mecanismo da Confederação, revelou-se ineficaz, pois era desprovido de
aparelhamento executório, de recursos financeiros e de instrumentos coercitivos para,
quando necessário, reduzir à obediência os Estados confederados”.
267
ESTADO FEDERAL. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São Paulo: T. A. Queiroz,
1998 p. 211.
268
SOBERANIA. MATTEUCCI, Nicola. In. BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G.. Dicionario
de Política. Trad. Carmen C. Varriale... [et al]. Vol. II. 5.ª ed. Brasilia: Universidade de Brasilia: São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000, p. 1186.
269
Ver o item seguinte.
270
DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit , p. 257..
271
ESTADO FEDERAL. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. Op. cit. p. 211
A construção do Estado norte-americano, com a convivência de dois níveis
de poder, formando único Estado, acabou se tornando modelo de Federação, onde se
coabita dois níveis de soberania e os Estados membros detêm autonomia para a gestão em
seu território, possuindo a União soberania externa e interna. Ou seja, o Estado Federal é
um Estado Composto, onde os Estados-membros constitui uma descentralização política,
em face da sua autonomia. Kelsen273 aduz que é o grau de descentralização que diferencia o
Estado Unitário do Federal, pois na descentralização federal, as unidades inferiores
possuem autonomia política, conduzindo-se, enquanto que na descentralização do Estado
unitário as unidades inferiores possuem apenas uma autonomia administrativa, executando
os comandos do poder central.
272
Neste sentido: DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva,
2005, p. 256. ESTADO FEDERAL. SOUSA, J. P. G. de et al. loc. cit.
273
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Op. cit., p. 451.
274
FILOMENO, José Geraldo Brito. Op. cit., p. 87.
275
“O adjetivo estadual refere-se aos Estados-membros, e federal ao Estado composto.” AZAMBUJA, Darcy.
Teoria Geral do Estado. Op. cit. p.371.
estadual. Assim, além do poder central, denominado União, os Estados-membros também
envergam os três Poderes. Contudo, é mister esclarecer, que o Legislativo é exercido no
âmbito federal, criando normas para toda a federação, e no âmbito estadual, criando normas
para o respectivo Estado-membro. Tanto as normas federais, quanto as estaduais compõe o
ordenamento jurídico do Estado Federal, que é um só. Persiste apenas uma ordem jurídica
composta por fontes jurídicas federais e estaduais.
276
“No Estado federal não apenas a competência legislativa é dividida entre a federação e os Estados
componentes, mas também a competência judiciária e administrativa.” KELSEN, Hans. Teoria Geral do
Direito e do Estado. Op. cit., p. 456.
277
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. Op.
cit., p. 251.
instabilidade de grande vulto, transformando o Estado Federal em uma situação transitória.
A manutenção da soberania e do território de um Estado Federal deve ocorrer da mesma
forma que um Estado Unitário, onde não há a possibilidade de parcelamento do território,
do povo e da soberania.
278
Sobre a Casa dos Representantes, ou Câmara dos Deputados, e a Casa dos Estados, ou Senado, ver:
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Op. cit., p. 454.
279
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p.375.
Alemanha. Zimmermann280 os nomeia como a “tríade clássica” do federalismo por
agregação, visto terem iniciado seu processo através de uniões confederais, tendo adotado,
então, uma união federativa, através de pactos constitucionais, garantindo a sobrevivência
de uma nova e mais forte unidade federativa. É o que Baracho281 chama de “federalismo
por associação”, citando Benoit Jeanneau.
280
ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrátivo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
1999, p. 54.
281
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p.
146.
282
Ibidem.
283
ZIMMERMANN, Augusto. Op. cit., p. 54.
284
FIGUEIREDO, Marcelo. Op. cit., p. 120.
285
FEDERALISMO. SOUSA, J. P. G. de et al. Op. cit., p. 230.
No processo norte-americano há uma clara resistência dos Estados-
membros quanto à centralização de poderes pela União. Segundo Zimmermann286: “os
Estados-membros dos sistemas federais por agregação, que, portanto, exerciam soberania
anterior à composição federal, apresentam, em geral, uma maior resistência à centralização
política”.
Confederação de Estados
286
ZIMMERMANN, Augusto. Op. cit., p. 54.
287
ZIMMERMANN, Augusto. Op. cit., p. 56.
288
FEDERALISMO. SOUSA, J. P. G. de et al. Op. cit., p. 230.
integração de Estado, através de um tratado internacional, buscando um resultado comum,
sem natureza constitucional, também não sendo indissolúvel. Conforme Filomeno289” trata-
se, portanto, de uma união efêmera, porque admissível a secessão, ao contrário do que
ocorre na federação.” Sendo um tratado o instrumento que une os Estados confederados,
fica garantido que cada signatário preserve sua soberania, liberdade e independência,
podendo a qualquer momento desligar-se da confederação. 290
289
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria do Estado e Ciência Política. Op. cit., p. 86.
290
DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit , p. 257.
291
CONFEDERAÇÃO. LEVI, Lucio. In. BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G.. Dicionário de
Política. Trad. Carmen C. Varriale... [et al]. Vol. I. 5.ª ed. Brasilia: Universidade de Brasilia: São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000, p. 218-219.
292
Loc. cit.
293
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. Op.
cit., p. 252.
União Européia e Federação
294
Deve-se lembrar que a União Européia é composta por Estados soberanos consolidados, diferente das treze
colônias que constituíram a federação americana. FEDERAÇÃO. LEVI, Lucio. In. BOBBIO, N.;
MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G.. Dicionario de Política. Trad. Carmen C. Varriale... [et al]. Vol. I. 5.ª ed.
Brasilia: Universidade de Brasilia: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000, p. 484.
295
QUADROS, Fausto de. Direito das Comunidades Européias e Direito Internacional Público. Contributo
para o estudo da natureza jurídica do direito comunitário europeu. Coimbra: Almedina, 1991.p. 120.
Outro dado de sua organização sui generis é o caráter constitucional de seu
Tratado (1992), como afirma Ana Maria Guerra Martins296, lembrando que a constituição
da União é contratual, “produto de um pacto inicial entre os Estados membros”, através de
um tratado, sendo também uma “constituição em formação”. Deve-se recordar que o
modelo de integração que adota a constituição como instrumento de união é a federação,
mas que também não pode ser definida, ainda, como uma constituição federal.
296
MARTINS, Ana Maria Guerra. A Natureza Jurídica da Revisão do Tratado da União Européia. Lisboa:
Lex, 2000, p. 377.
297
D’ARCY, François. União Européia. Instituições, políticas e desafios. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer
Stiftung, 2002, p. 122.
298
UNIFICAÇÃO EUROPÉIA. LEVI, Lucio. In. BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G..
Dicionario de Política. Trad. Carmen C. Varriale... [et al]. Vol. I. 5.ª ed. Brasilia: Universidade de Brasilia:
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000, p. 1273.
299
BAREL, Bruno. CIDADANIA EUROPÉIA: a dupla cidadania dos cidadão dos Estados-membros da
União Européia e a identidade nacional. Trad. Naiara Posenato. In.: DAL RI JUNIOR, Arno; OLIVEIRA,
Odete Maria de. (org). Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais – egionais – globais. 2.ª
ed. Ijuí: Unijuí, 2003, p. 333.
qualquer dos Estados-membros, garantido-lhes direitos comuns. Tal prerrogativa é
compartilhada pelas integrações federalistas300.
Assim, parece ser mais coerente adotar uma posição mais conservadora e
ver que o atual estágio da União Européia não de federação de Estados, lembrando que o
processo de integração não está finalizado e, portanto a federação, pode ser vista como uma
próxima etapa, mas não a atual realidade. Os elementos intergovernamentais estão
presentes no seio da União e ainda lhe resta alguns elementos, que por hora são de
competência dos Estados, como a soberania militar, que lhe permitiria a completa
independência de política exterior.303 Neste sentido Paulo Borba Casella entende que a
União Européia “se propõe como objetivo médio a progressiva integração econômica entre
300
Neste sentido: KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. 458.
301
CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Manual de Direito comunitário. 4.ª ed. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 2004, p.363 et. seq.
302
BORGES, José Souto Maior. Curso de Direito Comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 85-87
303
UNIFICAÇÃO EUROPÉIA. LEVI, Lucio. Loc. Cit..
os Estados-membros, tem como fim último a unificação política”.304 Logo parece inevitável
a previsão de uma união política.
Federação Confederação
Indissolúvel Solúvel
304
CASELLA, Paulo Borba. União Européia: instituições e ordenamento jurídico. São Paulo: LTr, 2002, p.
215.
efetiva da soberania popular. A estrutura de poder deve se realizar segundo um modelo que
prestigie o domínio do poder pelo seu titular, o povo, e que seu exercício seja limitado e
controlado por este.
Desenvolvimento histórico
305
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 218.
306
FIGUEIREDO, Marcelo. Teoria Geral do Estado. Op. cit. p. 14.
307
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 74.
308
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 177.
Conduto, Azambuja309 critica tal definição, posto que todas as atribuições eram delegadas a
Assembléia, constituindo a magistratura e os juízes apenas delegados, não sendo
propriamente, portanto, uma divisão de poderes.
309
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 177.
310
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 218.
311
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 41.ª ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 177.
312
SEPARAÇÃO DOS PODERES, TEORIA DA. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. Op.
cit. p. 483.
313
SEPARAÇÃO DOS PODERES, TEORIA DA. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São
Paulo: T. A. Queiroz, 1998, p. 484.
314
MATTEUCCI, Nicola. Constitucionalismo. In.: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de Política. Op. cit., p. 248.
315
SEPARAÇÃO DOS PODERES, TEORIA DA. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São
Paulo: T. A. Queiroz, 1998, p. 484.
conjunto de poderes públicos organizados harmonicamente, de tal forma que não haja
concentração, mas um exercício que privilegie a soberania popular. Desta feita,
Montesquieu distingue três espécies de poderes, que chama de potencias: potência
legislativa, potência executiva e potência de julgar.317
316
BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 10.ª ed. Trad. Sérgio Bath. Brasília: UnB, 2000, p.
136.
317
CHÂTELET, F.; DUHAMEL, O. PISIER-KOUCHNER, E. História das Idéias Políticas. Trad. Carlos
Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p. 66.
318
SEPARAÇÃO DOS PODERES, TEORIA DA. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São
Paulo: T. A. Queiroz, 1998, p. 484.
319
CHÂTELET, F.; DUHAMEL, º PISIER-KOUCHNER, E. História das Idéias Políticas. Trad. Carlos
Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p. 66.
Para Aristóteles, ainda que as funções fossem exercidas por órgãos diferentes, o poder
continua uno.320
Poder uno
Freios e contrapesos
Independência e harmonia
320
SEPARAÇÃO DOS PODERES, TEORIA DA. SOUSA, J. P. G. de et al. In: Dicionário de Política. São
Paulo: T. A. Queiroz, 1998, p. 484.
321
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Trad. Daniela B. Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p.
286.
nestes casos lhes garante a funcionalidade da soberania popular, da eletividade e da
temporariedade, evitando concentração de poder e retorno a hereditariedade, vitaliciedade e
autocracia.
3.1 A globalização323
322
CRISE, como define Gramsci, “consiste justamente no fato de que o velho não morre e o novo não pode
nascer”. Ensina Barroso que é uma situação intermediaria entre dos modelos, portanto, possui como
característica a transitoriedade. É sempre um rito de passagem que, por conseqüência, não é pacífico nem
tranqüilo, daí ligar-se a idéia de ruptura, de quebra da ordem. Convivem ao mesmo tempo o velho, em
decadência e o novo, em gestação. Uma crise pode ter graus variados de intensidade. Assim será operatória se
restringe-se ao funcionamento de um determinado sistema, ao passo que se estrutura, quando recai sobre a
própria natureza do sistema. De qualquer maneira, as crises são sempre contextuais e relacionais, o seja, não
ha uma crise isolada em um determinado setor que não tenha reflexo em outros domínios. (AGUIAR, R. A
Crise da Advocacia no Brasil, 2a ed. São Paulo: Alfa-ômega, 1992, p. 17; BARROSO, Pérsio Henrique.
Constituinte e Constituição. Curitiba: Juruá. 1999. p. 31-32.)
323
Muitos autores tem discutido o termo “globalização”. Surgem definições terminológicas distintas, análises
lingüísticas e a defesa de termos como “internacionalização”, “mundialização”, “transnacionalização” e
outros. Optamos por manter o termo globalização por entender que é o mais acertado. Ademais, trata-se
apenas de uma discussão terminológica sobre o mesmo processo. Em uma única página da internet encontra-
se 274 menções ao termo “globalização” em diversas obras publicadas. O problema, diz Martins, é que esta
literatura parece estar produzindo mais desentendimentos que avanços conceituais. Estes desentendimentos
vão desde a definição da natureza e da importância do fenômeno à desqualificação do que possui de novo e
até a simples e pura negação de sua existência. Não há dúvidas que existe um uso ideológico da globalização,
mas isto não significa que o fenômeno se destitua de originalidade histórica ou que não exista. (MARTINS, L.
“Globalização: a importância do fenômeno”. In A Globalização entre o Imaginário e a Realidade. Serie
Pesquisas, São Paulo: Fundação Adenauer Konrad. 1998. p. 47).
324
RICUPERO, Rubens. “A década de 80 e a crise da América Latina”. In MOISÉS, José Álvaro (org.) O
Futuro do Brasil. A América Latina e o fim da guerra fria. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1992. p. 17
Europeu se abate então um formidável vendaval que conduz a lutas emancipacionistas e
raciais, culminando com as declarações de independência de Estados como a Ucrânia,
Letônia, Lituânia e tantos outros; Na Polônia, a vitória do Solidariedade e a formação do
primeiro governo não-comunista em 40 anos; na Hungria, o pluralismo partidário e a
adesão dos comunistas à Internacional Socialista; na Alemanha Oriental, a queda de um
regime sinônimo de rigidez e imobilismo e a derrubada do Muro de Berlim; na Bulgária e
Checoslováquia, a substituição dos dirigentes de linha dura.
325
Os encontros de cúpula para desarmamento iniciaram na década de 70 com Nixon e Brezhnev, entretanto,
se intensificaram e produziram resultados positivos a partir do Reagan e Gorbachov.
326
FONSECA, Eduardo Gianetti. Caderno Especial do Jornal Folha de São Paulo. Edição 02.11.1997. p. 3.
A idéia de globalização não é nenhuma novidade, e não se trata de uma
palavra da moda mas a síntese do que vem ocorrendo no mundo a partir dos anos 90. Afinal
o comércio é tão velho como o mundo, os transportes intercontinentais rápidos existem a
várias décadas e as empresas multinacionais prosperam a mais de um século e a televisão,
os satélites e a informática são invenções dos anos 40/50.327
327
Para o sociólogo Octávio Ianni, a história mostra haver raízes da globalização no Império Romano. Para
ele o exemplo mais apropriado é o cristianismo, pois o Papa até hoje percorre o mundo para reafirmar o
projeto de globalização da Igreja Católica. (palestra realizada no Instituto Latino Americano de Estudos
Avançados da Universidade Federal do Rio Grande do Sul). A mesma opinião manifesta o economista
argentino Juan Carlos Cachanosky: “globalização é um termo novo para algo tão antigo que remonta ao
Império Romano”, ressaltando que a diferença é a tecnologia (Entrevista ao Correio do Povo. ed. 11.11.1997,
p. 18). Também o antropólogo Renato Ortz afirma que “a globalização é um processo que tem raízes no
passado, mas no presente mostra sua originalidade, tendo no neoliberalismo sua ideologia predominante” (“A
globalização tem raízes no Império Romano”. Correio do Povo. ed. 28.04.1997. p. 13). A verdade é que a
história do ocidente mediterrâneo e da cristandade medieval está cheia de tentativas imperialistas com
pretensões mundiais – mundo aqui entendido como delimitado pelos limites conhecidos e ocupados pelas
potências dominadoras do momento. Os Romanos, a Santa Sé, os Estados nascentes da Idade Média,
Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Alemanha, tiveram todos, a seu tempo, tais pretensões (ARNAUD, A-
J, O Direito entre a modernidade e a Globalização. Rio de Janeiro: Renovar. 1999. p. 7).
Não podemos deixar de lembrar aqui as palavras de Marx e Engels em seu Manifesto Comunista de 1848:
“Graças a exploração do mercado mundial, a burguesia deu um caráter cosmopolita a produção e ao consumo
de todo mundo. Arrancaram a indústria de sua base nacional.... As velhas industrias nacionais foram
destruídas e estão destruindo-se continuamente. São suplantadas por novas industrias, cuja instalação se
converte em um problema vital para todas as nações civilizadas, por industrias que já não empregam matéria
prima do país, mas matérias primas ventidas nas mas longínquas regiões do mundo e cujos produtos não são
consumidos somente no próprio país, mas em todas as partes do globo”. (MARX, K. y ENGELS, F. Das
Kommunistische Manifest. Op. Cit. p.100).
328
MOORE, Mike. “Entrevista Especial”. Revista Veja. Edição 1.653. 14 de junho de 2.000. p. 11
Desde que o homem é homem há trocas comerciais. Não estamos inventando a roda. No
começo dos anos 30 o volume do comércio internacional em relação ao PIB mundial era
maior que o de hoje”.
329
FERRANDÉRRY, J.L. Le point sur la mondialisation. Paris: Presses Universitaires de France. 1996. p. 3.
330
PACHECO, P.M., “Transformaciones económicas y función de lo político en la fase de la globalización”
In Mundialización econômica y crisis político-jurídica,. Anales de la Cátedra Francisco Suárez. Universidad
de Granada, n° 32/2005. p. 103.
331
THESING, Josef. “Globalização, Europa e o Século 21”. Conferência proferida em 18.11.1997 na
Academia Teológica Católica de Varsóvia, Polônia. In A Globalização entre o Imaginário e a realidade.
Série Pesquisas. n° 13. São Paulo: Fundação Adenauer Konrad. 1998. p. 5.
ofertas de produtos e de trabalho e modernas possibilidades de comunicação. Nos
diferentes países, os mercados e a produção tornam-se cada vez mais interdependentes.
Através da dinâmica do comércio de bens e serviços e através dos movimentos de
tecnologia, surgem no mundo todo novas estruturas de poder”. Também neste sentido é o
pensamento de Macedo Júnior332, que descreve a globalização como uma nova fase para
onde caminha o capitalismo mundial, marcada pela transformação dos arranjos
institucionais (econômicos e políticos), hábitos, cultura e apreensão teórica de um mundo
anteriormente inexistente.
332
MACEDO JUNIOR. Ronaldo Porto. “Globalização e Direito do Consumidor” In Direito Global.
(coordenadores: Carlos Ari Sundlfeld e Oscar Vilhena Vieira). São Paulo: Max Limonad. 1999. p. 227.
1. Alteração dos padrões de produção e do mercado de trabalho. Os novos
sistemas de especialização flexível e a fábrica global tornaram mais fáceis a produção local
em muitas partes do mundo, o que permite a terceirização e a sub-contratação, dando
surgimento a uma nova relação de trabalho. As empresas, mais dinâmicas e o mercado cada
vez mais integrado tendem a usar unidades autônomas, de produção, menor, mais flexível,
mais especializada e sub-contratam grande parte do trabalho de outras empresas. Esta
utilização de mão de obra mais flexível implica também uma tendência de tornar o emprego
de tempo parcial e inseguro.
333
In CHONCHOL, Jacques. Hacia donde nos lleva la Globalización? Santiago de Chile: LOM. 1999. p.31.
334
Segundo Capella Hernández, nos anos setenta o número de empresas multinacionais não passava de umas
poucas centenas. Em 1997 eram mais de 40.000. As duzentas multinacionais mais importantes possuem um
volume de negócios superior a quarta parta da atividade econômica mundial, ainda que empreguem apenas
18,8 milhões de pessoas, o que é menos de 0,75 da mão de obra do planeta. Ademais, em 1992, apenas setenta
destas empresas interviram na metade das vendas em todo o mundo (CAPELLA HERNÁNDEZ, J.R.
Transformaciones del derecho en la mundialización. Op. Cit. p. 94).
5. Expansão da democracia liberal e dos conceitos neoliberais – dando
ênfase ao mercado privado, a redução do papel dos Estados e o livre comércio -
influenciaram substancialmente toda a política não apenas ocidental, mas da antiga União
Soviética e da própria China.
335
LAMOUNIER. Bolívar. Gazeta Mercantil. p. A-3. ed. 26.11.99
336
ANDRADE, Manoel Correia de. Apud DANTAS, I. Direito Constitucional Econômico: Globalização &
Constitucionalismo. Curitiba: Juruá. 1999. p. 108.
passa por uma fase histórica e que caminha para a união e integração de vários Estados e
nações. Os arautos da globalização prenunciam que a nova ordem mundial caminhará até a
formação de uma aldeia global, onde sob a autoridade de uma única autoridade – o mercado
– todos os povos se confraternizarão e viverão felizes, em níveis sócio-econômicos e em
situações políticas ideais. Alcançar-se-ia um novo estágio da modernidade, onde a
sociedade abandonaria suas tradições e crenças e se integraria psicológica e culturalmente.
É verdade que o mundo nunca foi tão pequeno e encolhe cada vez mais
por causa da tecnologia. A indústria da informática e da telecomunicação vive uma
explosão sem precedentes, o que acarreta baixo custo e sua conseqüente popularização.
Paralelamente se começa a esboçar uma convergência entre a infra-estrutura de
comunicação e a indústria, à medida que ambas se digitalizam. É essa a conjunção que
torna possível um mundo globalizado, o que condenará à morte a localização geográfica.
Com os novos satélites, desaparecerão os pontos negros de comunicação, o planeta inteiro
estará apto a comunicação por celular. As teleconferências progredirão, as pessoas
participarão interativamente de congressos internacionais sem sair de sua casa, se fará
cirurgias a distância, se dará consultoria, aulas, notícias de qualquer ponto do planeta. Tudo
isso, evidentemente, tem um custo, como veremos a seguir.
337
CHONCHOL, Jacques. Hacia dónde nos lleva la globalización? Op. Cit. p. 11.
E, segundo o Relatório do Programa de Desenvolvimento Humano da
ONU os perdedores não estão somente nos países pobres. Mais de 100 milhões de pessoas
vivem abaixo da linha da pobreza nos países desenvolvidos. Em alguns países, como na
Inglaterra e EUA, esse número tem aumentado. Os países da União Européia ficaram mais
ricos nos últimos anos, num percentual de 50% a 70%. A economia cresceu muito mais que
a população. Mas, para onde foi este aumento da riqueza? Nos Estados Unidos o
crescimento econômico somente beneficiou os 10% mais ricos da população. Estes 10%
ficaram com 96% do aumento da riqueza. Na Alemanha os benefícios às empresas
aumentaram, desde 1979 em 90%, enquanto que os salários médios aumentaram em 6%.
Entretanto, os impostos incidentes sobre os salários dobraram nos últimos 10 anos,
enquanto que os impostos por atividade empresarial foram reduzidos à metade: somente
representam 13% da arrecadação global; em 1980 representavam 25% e antes, em 1960,
35%338.
338
Fonte: BECK, Ulrich. Que és la Globalización? Falácias del globalismo, respuestas a la globalización.
Barcelona-Buenos Aires-México: Paidós. 1999. p. 21.
problemas e deverão contentar-se com um pouco mais que pão e circo. A discussão é como
manter os supérfluos 4/5 da população entretidos, às custas do esforço de 1/5 de
privilegiados. Está absolutamente fora de questão o engajamento social das empresas
privadas, já sobrecarregadas pela concorrência mundial. Outras organizações que cuidem
dos desempregados. Os debatedores esperam uma forte colaboração de fundações
beneficentes, dos voluntários de serviços sociais, das comunidades de bairros e grêmios
desportivos de toda espécie, assim como de eventuais alianças entre estes grupos339.
339
MARTIN, H-P & SCHUMANN, H. A Armadilha da globalização. São Paulo: Globo. 1997. p. 7-12.
340
AGUIRRE, Mariano. Los días del futuro. Barcelona: Acaria. 1995. p. 22/25
341
MARTIN Hans-Peter & SCHUMANN Harald. A Armadilha da Globalização. Op. Cit. p. 275/281.
entre as beneficiadas. Graças a generosidade belga, as filiais locais tornaram-se as mais
lucrativas do mundo. Mais atrativa ainda é a oferta da Irlanda que oferece aos que
administram seus negócios a partir de um escritório nas docas de Dublim. De cada dólar
ganho formalmente, através de uma sucursal na Irlanda, apenas 10 centavos vão para o
erário. Nos palácios de vidro que circulam o antigo porto da cidade, se instalaram as filiais
de mais de 500 empresas multinacionais: a Mitsubishi, o Chase Manhattan, todos os
grandes bancos e seguradoras européias, até a administração da incalculável fortuna da
Associação Creditícia Evangélica ocupa lugar ali. Até 1994, somente empresas alemãs
deixaram de pagar ao fisco Alemão mais de 25 bilhões de marcos utilizando a atalho da
Irlanda. A perda da arrecadação ocorre em todos os Estados. O império Siemens recolhia
até 1991, praticamente a metade de seus lucros aos cofres públicos dos 180 Estados onde
mantinha filiais. Em 4 anos, esta quota encolheu para apenas 20%342.
342
Idem. p. 279
343
A multinacional coreana Sansung, por exemplo, recebeu do Ministério da Fazenda Britânico 100 milhões
de dólares para a instalação de uma indústria eletrônica no norte da Inglaterra, investindo 1 bilhão de dólares.
Isto saiu muito barato ao governo britânico. Estados e regiões que desejam receber unidades industriais terão
que investir muito mais. Para a instalação da fábrica de carros pequenos da Mercedes-Benz em Lorena, os
contribuintes da União Européia e da França se comprometeram com 1/4 dos investimentos por meio de
subvenções diretas. Se adicionarmos as isenções fiscais, a participação do Estado chega a 1/3 do investimento
total, e sem direito a voto na administração da empresa. No Alabama, EUA, a Mercedes-Benz pagou somente
55% dos custos incidentes para a instalação de uma nova unidade de produção, mas comparando com a
isenção total de impostos por 10 anos que a General Motors negociou em 1996 chega a ser modesta a
participação do Estado. A Índia não somente oferece aos empresários estrangeiros salários baixos, como
facilita o acesso aos satélites, autoriza sem problemas qualquer produção, concede isenções fiscais por varias
décadas e permite, inclusive, a diminuição de garantias sociais. MARTIN Hans-Peter & SCHUMANN,
Harald. A armadilha da globalização. Op. Cit. p. 280/285.
344
AGUIRRE, Mariano. Los días del futuro. La sociedad internacional en la era de la globalización. Op. Cit.
p. 65.
capacitação da mão de obra, o preço da mesma, a pressão política e social dos sindicatos, a
conflituosidade social, as políticas impositivas do Estado ou a região, a situação geográfica
dos recursos naturais, o regime de investimentos e as normas ambientais) e comercializar
(nos mercados mais abertos e com maior capacidade aquisitiva, com melhor infra-estrutura
e onde se obtenha preços melhores.
345
RAMOS. Alexandre Luiz. “Direitos Humanos, neoliberalismo e globalização” In SILVA, Reginaldo
Pereira (org.) Direitos humanos como educação para a justiça. São Paulo: Ltr. 1998. p. 68
346
Guilherme Johanpetter In “Globalização e Competitividade”. Zero Hora. Caderno de Economia p. 2.
17.03.1996.
Como conseqüência, a noção de soberania, mais uma vez é submetida a
uma revisão. Para Seitenfus e Ventura347, duas características da globalização devem ser
destacadas: primeiro, que é de sua própria essência que o processo desconheça fronteiras
nacionais, introduzido a desteriorialização das atividades de produção e consumo. Em
segundo, as decisões do mundo global se devem a centros de interesses privados,
independentes, autônomos e dotados de um poder real, cuja natureza e intensidade,
transcende o tradicional poder dos Estados. A globalização, lembram, contesta a
exclusividade do exercício da soberania do Estado sobre um determinado território. A lex
mercatória, os códigos de conduta e os acordos multilaterais para a proteção de
investimentos e de patentes estrangeiras, por exemplo, podem incorporar-se, na prática, a
todos os Estados, inclusive aqueles que não participaram de sua realização. Externamente, a
globalização obriga ao Estado a adotar uma agenda distinta para suas atividades
internacionais. O Estado, segundo o modelo clássico, representava politicamente o país. Ao
conceder exclusividade à economia e privatizar as atividades produtivas remanescentes dos
Estados, a globalização conduz as relações externas de concorrência, de cooperação ou de
afrontamentos, para uma arena onde as forças privadas predominam.
347
SEITENFUS, R. e VENTURA, D. Introdução ao Direito Internacional Público. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora. 1999. p. 183.
348
CASTELLS, M. La era de la información: Economía, Sociedad y Cultura. Volumen II. Madrid: Alianza.
1998. p. 282.
democrática em um sério problema349. E como bem lembra Chonchol350, o pensamento
dominante hoje é o pensamento globalizante e neoliberal, cujas idéias básicas são:
349
CASSEN, B. “Vivier son el GATT” Cuatro Semanas/Lê monde diplomatique, junio 1993, p. 13. Apud
AGUIRRE, Mariano. Los dias del Futuro. La sociedad internacional en la era de la globalización.
Barcelona: Icaria Antrazyt. 1995. p. 151.
350
CHONCHOL, Jacques. Hacia dónde nos lleva la globalización? Op. Cit. p. 63.
351
HEILBRONER, Robert. Visiones del Futuro. El pasado lejano, el ayer, el hoy y el mañana. Barcelona –
Buenos Aires-México: Paidós. 1996.
principal de organização socio-econômica ao longo do século XXI - ao menos nos países
desenvolvidos - uma vez que não existem pistas de um possível modelo sucessor. Para o
autor é plausível que todos os capitalismos imagináveis do futuro possuam as três
características que estabeleceram a identidade da ordem social na história: (a) uma ampla
confiança nos mercados como mecanismo que guia a atividade econômica privada; (b) a
presença da sociedade em dois âmbitos distintos - um reservado para as funções
governamentais e o outro para a atividade econômica privada - e, (c) combustível global,
uma dependência da expansão dos capitais privados.
Tudo isso leva a sociedade a dar alguns passos para trás quanto aos
avanços alcançados nas relações de trabalho no curso do último século: a semana de 40
horas, aumento dos salários de acordo com o custo de vida, o direito a férias remuneradas,
aposentadoria, assistência social, inclusive a um salário mínimo. Como lembra Aguirre352,
em nome da modernização e adaptação às novas circunstâncias, se modificam as leis para
cortar o seguro desemprego, as pensões, facilitar a contratação por curtos períodos de
tempo e aliviar as responsabilidades dos empregadores; trata-se de uma transformação
regressiva do Estado Social. Ante esta tendência, os sindicatos reagem com uma política de
resistência, tratando de defender, em primeiro lugar, aos que tem emprego.
352
AGUIRRE. Mariano. Los dias del Futuro. La sociedad internacional en la era de la globalización. Op.
Cit. p. 147/148.
países que até agora pagavam pensões, tratam de reformar o sistema, diminuindo os
benefícios e conduzindo as pessoas que estão em idade de trabalhar a contratar seguros
privado353. O que se vê é que os Estados estão impotentes frente aos fenômenos da
globalização, e se adaptam às linhas econômicas impostas pelo mundo globalizado.
Acontece, diz Estefanía, que a essência da globalização é o processo pelo qual as economia
nacionais se integram progressivamente à econômica internacional, de modo que sua
evolução dependerá, cada vez mais dos mercados internacional e menos das políticas
econômicas governamentais354.
353
MARTIN, Hans-Peter & SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. Op. Cit. p.287.
354
ESTEFANÍA, J. La nueva economia.. La globalización. 1996. p. 14. Apud DANTAS, Ivo. Direito
Constitucional Econômico: Globalização & Constitucionalismo. Curitiba: Juruá. 2000. p. 114.
355
CHONCHOL, Jacques. Hacia donde nos lleva la globalización? Op. Cit. p. 96.
356
BECK, Ulrich. Qué es la globalización? Falácias del globalismo, respuestas a la globalización.. Op. Cit
com as guerras, com a taxação injusta de impostos, com a falta de educação e com os
privilégios de grupos internos. Assim é o pensamento de Lewis357. Para ele, é demagogia
política dizer que o desenvolvimento econômico, crescente, o aumento da produtividade, a
globalização e a abertura dos mercados, são bons apenas para a classe média e para os mais
ricos e que nada trazem de positivo para os pobres. A evidência é contrária. É a de que o
progresso beneficia aos pobres numa taxa ao menos igual senão pouco maior que os ricos.
O que determina quem terá maior proveito das oportunidades de crescimento são as
políticas internas adotadas. Lafontaine e Müller, depois de apresentar uma série de
vantagens e benefícios da globalização para a Alemanha e para seus trabalhadores
concluem: “A globalização não é nenhuma desgraça. A globalização oferece aos países
mais oportunidades que riscos. Por isso afirmamos: nenhum medo da globalização”358.
3.1.2 As Resistências
As lutas, as manifestações e alianças contra a globalização são
absolutamente estéreis, pois se trata de negar o óbvio, geralmente por aqueles que estão
contra o que desconhecem inteiramente. Como dissemos a globalização não é uma
ideologia ou um programa econômico e sim um processo e que não apresenta nenhuma
novidade já que quando o primeiro grupo sedentário procurou manter relação com outro
357
Lewis, B. Diretor Presidente da McKinsey Global Intitute, cuja função e produzir estudos comparativos do
funcionamento do mercado em diferentes países e regiões do mundo. Nos últimos 10 anos, o instituto entrou
nos segredos de dezenas de economias nacionais entre elas a do Japão, Coréia, Brasil, Polônia, Estados
Unidos, Suécia, Canadá e Dinamarca. Seus economistas visitam fábricas, prédios em construção, bares de
esquina, feiras livres, grandes companhias de produção, para entender as razões do crescimento ou da
resistência ao desenvolvimento dos países. Lewis é foi assessor especial do Departamento de Defesa dos
Estados Unidos da América no governo Klinton e está entre as pessoas que mais conhecem a economia
mundial. Revista Veja. ed. de 14.06.200l. p. 11.
358
LAFONTAINE, Oskar & MÜLLER, Christa. No hay que tener miedo a la globalización. Bienestar y
trabajo para todos. Madrid: Biblioteca nueva. 1998. p. 311.
grupo sedentário, para intercâmbio, comércio ou aliança, iniciou a globalização, apenas
acelerada neste século pelos avanços tecnológicos que permitiram a transmissão de
informações com extrema rapidez. Repetimos Mirc: “Não suporto mais as estimativas
intelectuais, as hipocrisias e as ambigüidades da extensa legião de políticos, industriais,
universitários e romancistas, prontos a lutarem contra a evidência, como essas crianças que
insistem em negar a força da gravidade. Em matéria de economia, o princípio galileano
equivale a um postulado muito simples: a globalização está aí”.359
359
MIRC, Alian. As vantagens da Globalização. Rio de Janeiro: Bertran Brasil. 1997. p. 7.
transnacionais e pelo neoliberalismo, violando o direito dos povos. O que ocorre é que
quando se fala de globalização quase a totalidade das pessoas pensam exclusivamente nas
transformações econômicas, esquecendo-se dos fenômenos de globalização pouco ou nada
econômicos. (e a globalização do conhecimento? da solidariedade? da democracia? dos
direitos humanos?).
360
Não se pode esquecer que até o século XVIII a riqueza produzida pelo mundo dobrava a cada 500 anos.
No século XIX dobrou a cada 40 anos e no século XX a produção de riquezas alcançou um ritmo jamais
imaginado. O PIB Global vem dobrando a cada 25 anos.
formação, a infra-estrutura e o valor do tempo livre. A concorrência não somente estimula
estes elementos como deles espera uma riqueza coletiva, tais como o esforço, o risco e a
criatividade. Mas, tudo isto tem um custo, que em alguns casos, como o surgimento de
greves, são problemas de economia interna e noutros, como de contaminação ambiental,
são de índole econômica externa. E, com as conseqüências externas da economia, se chega
aos fenômenos do terceiro grupo, que se constituem nos grandes movimentos migratórios e
de refugiados, cujas causas pode-se buscar principalmente na religião, na política e na
economia; nas guerras civis, em muitos lugares conseqüência da colonização ou
descolonização ou ainda como resposta a corrupção e a má administração e, por último, nas
catástrofes naturais, na fome, na pobreza no sub-desenvolvimento econômico incluindo o
cultural e o político.
361
HÖFFE, O. Derecho Intercultural. Madrid: Gedisa. s/d. p. 219-246.
(3) a pesar de sua forma atual, é a própria globalização que deve
fortalecer o crescimento econômico, a democratização política, o saneamento ambiental, e a
internacionalização dos movimentos sociais dos países em desenvolvimento e,
362
VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 2ª ed. São Paulo-Rio de Janeiro: Record. 1998. p. 102.
363
LAMOUNIER, Bolívar, Gazeta Mercantil, Edição de 26.11.1997. p. A-3.
364
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Futuro do Estado. São Paulo: Saraiva. 2001. p. 95.
365
Jornal Folha de São Paulo, edição de 02.11.1997. Caderno Especial. p. 9.
assumir funções de governo não passa de ilusão. Nenhum diretor de empresa, por mais
poderoso que seja, desejaria assumir a responsabilidade por processos que ocorrem fora de
sua alçada. Ele não é pago para isso. Diz Cardoso, com experiência de chefe de Estado, que
“os líderes empresariais são os primeiros a exigir intervenção governamental quando as
coisas pegam fogo”.
Assim também pensa Campilongo366. Para ele seria um erro imaginar que
o processo de internacionalização da vida atual tenha eliminado ou descartado a
importância do Estado-nação. Os acontecimentos do Leste Europeu em 1990, a guerra na
Iugoslávia em 1991 e a luta das Repúblicas Soviéticas servem para exemplificar o quanto é
contínua e importante a afirmação dos nacionalismos.
366
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 98.
367
“Ensaio sobre a necessidade de uma teoria para a superação democrática do Estado constitucional
moderno”. Trabalho desenvolvido pelo Prof. Paulo Márcio Cruz a partir das pesquisas realizadas durante seu
estágio de Pós-doutoramento junto à Universidade de Alicante, Espanha, com a colaboração do Prof. José
Francisco Chofre Sirvent. 2006. Inédito. p. 8.
368
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. Op. Cit. p. 69
369
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. São Paulo: Max Limonad, 1997. .
370
KROERR, Fernando Gustavo. “Representação Política e Globalização” In FONSECA, Ricardo Marcelo
(org). Repensando a Teoria do Estado. Belo Horizonte: Fórum. 2004. p. 176. Apud Paulo Márcio Cruz e
José Francisco Chofre Sirvent. “Ensaio sobre a necessidade de uma teoria para a superação democrática do
Estado constitucional moderno”. Op. Cit. .p. 13.
negação da soberania, há sim uma adequação a algo superior. Assim também pensa Pereira:
“entramos na fase em que se faz necessário uma reforma do aparelho do Estado”. E, esta
reforma, “provavelmente significará reduzir o Estado, limitar suas funções como produtor
de bens e serviços e, em menor extensão, como regulador, mas implicará também ampliar
suas funções no financiamento de atividades que envolvam externalidades ou direitos
humanos básicos e na promoção da competitividade internacional das indústrias locais” 371.
371
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. “Gestão do Poder Público: Estratégia e Estrutura de um novo Estado”. In
Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 2003. p. 21/38
372
CHANIAL, Philippe. “Todos os direitos por todos e para todos: Cidadania, solidariedade social e
sociedade civil em um mundo globalizado”. In A Nova ordem social: Perspectivas da solidariedade
contemporânea. Paulo Henrique Martins Ferreira Nunes, e outros (Organizadores) Brasília: Paralelo 15,
2004. p. 61.
globalização e o neoliberalismo sejam a forma principal de organização socio-econômica,
uma vez que não existem pistas de um possível sucessor.
373
GEORGE, Susan. Informe Lugano. 3a ed. Barcelona: Acaria. 2002. p. 22-36.
Médio, na África e na Ásia, depois afetarão outras regiões, o que trará resultados
imprevisíveis para a economia. Parece que os teóricos do neoliberalismo globalizado estão
cegos ante este perigo ecológico, comportando-se como se quanto menos se falar do
assunto melhor, ou temem que revelar ou analisar esta importante contradição do sistema,
vá em detrimento de sua manutenção. Para que o sistema alcance êxito a longo prazo, esta é
uma atitude suicida.
374
Idem
distribuição dos benefícios do sistema, é crucial para sua manutenção a longo prazo. Este é
também um perigo real, pois como vimos a globalização, com suas economias desreguladas
e competitivas, ao mesmo tempo em que beneficia muitos, beneficia sobretudo os ricos.
Para se ter uma idéia, em 1960 os ricos ganhavam 30 vezes mais que os pobres; em 1994,
sua renda era 78 vezes superior a dos 20% mais pobres. Os 20% mais ricos, possuíam 86%
de tudo o que havia sido produzido no mundo. No período pós-guerra, o comércio mundial
cresceu 12 vezes, chegando a U$ 4 trilhões por ano na década de 90, mas foi também o
vilão que mais acentuou as desigualdades entre países pobres e ricos. Com 10 da população
do planeta, os países mais pobres do mundo detêm apenas 0,3% do comércio mundial, isto
é metade do que tinham a 20 anos. Esta extrema divisão social constitui uma autêntica
ameaça ao sistema. Na Europa, onde os extremos sociais são menos flagrantes, o
desemprego crônico, o estancamento dos salários, o predomínio dos empregos temporários
e o grande número de trabalhadores pobres, já provocam ressentimento e temos. Na
América Latina, onde os extremos de pobreza e riqueza sempre foram a norma, os
benefícios da prosperidade já manifestam por seus inconvenientes. A segurança privada
tornou-se indispensável, filhos de pais ricos temem ir a escola desacompanhados por medo
de seqüestros, empresas pagas subornos de proteção, as mulheres não podem portar jóias
nas ruas, correr ou andar de bicicleta em parques públicos é quase impossível, mesmo
tomar um transporte público é tarefa arriscada. Nos Estados Unidos, embora a grande
separação social existente, parece haver ainda capacidade de absorver os conflitos sociais
não obstante a existência de milhares de condomínio privados, auto-suficientes, murados e
vigiados o que revela um profundo temor. Por quanto tempo ainda poderá durar esta
relativa tranqüilidade? Em escala global há poucos vencedores e muitos perdedores. A ira
dos pobres aumenta em todas as partes, fomentada pelos meios de comunicação que exigem
mais e mais consumo, mostrando opulentos estilos de vida. Milhões de pessoas crêem
nestas publicidades e crêem que uma minoria se apropriou injustamente das riquezas, e que
a maioria também a merece. Alerta George que estas grandes massas de excluídos, cedo ou
tarde procurarão compensar a situação. Os meios que escolherão podem ser diversos: desde
o suicídio individual à migração maciça, desde protestos políticos e manifestações pacíficas
à criação de milícias armadas e ao terrorismo aberto. Assim os excluídos – que são maioria
absoluta – poderão invariavelmente, desestabilizar o sistema.
4) O gansterismo – O crime em grande escala é uma ameaça a atividade
econômica legítima. A alguns anos, desde o fim do império soviético e da adoção da China
de alguns aspectos da economia de mercado, que as máfias – ou como prefere George, o
capitalismo gangster – tomou o controle de grandes zonas mundiais e ameaçam tomar
muito mais. Esta ‘economia paralela’, baseada no narcotráfico, no contrabando, na lavagem
de dinheiro e na corrupção de todo tipo, manipulam bilhões de dólares e atraem novos
adeptos a cada minuto. Segundo Martin & Schumann375, somente dentro do G 7, as sete
nações mais ricas do mundo, de 1970 a 1990, cresceu mais de 20 vezes o volume de venda
de heroína e 50 vezes o comércio de cocaína. Quem sabe vender drogas tem condições de
dominar qualquer outro mercado ilegal. Cigarros, armas, automóveis roubados, imigrantes
ilegais disputam com o tráfico de drogas a posição de principal fonte de renda da economia
clandestina. Na Europa, o desenvolvimento do contrabando do cigarro é uma prova
concreta do poder das multinacionais do crime. Até o início da década de 90 a evasão de
impostos sobre o tabaco era principalmente um problema italiano. A partir de então
surgiram organizações rigidamente administradas no mercado interno Europeu. O déficit
em arrecadação de impostos em toda Europa é calculado hoje entre 7 e 9 bilhões de dólares.
O crime organizado está hoje no ramo da economia que mais rápido se expande no mundo
gerando lucros anuais superiores a 700 bilhões de dólares e estudos realizados demonstram
a tendência de aumento especialmente nos crimes de tráfico de trabalho escravo, aluguel
ilegal de mão de obra, receptação de automóveis roubados e extorsão de taxas de proteção.
Segundo dados da ONU, desde a década de 80 o crime organizado é a indústria que mais
cresce no mundo. No 10° Congresso para a Prevenção ao Crime e Tratamento dos
Criminosos, realizado em Viena, de 10 a 14 de abril de 2000, sob o patrocínio da ONU,
representantes de 188 países tomaram conhecimento de estudos realizados pela ONU que
concluíram que o crime internacional organizado movimenta mais de l trilhão de dólares
por ano. Sua espantosa disseminação em escala planetária se deve em grande parte à
globalização, às políticas liberais e aos avanços tecnológicos em áreas como as
telecomunicações. O delito mais lucrativo continua sendo a tráfico de drogas, que fatura em
torno de 400 bilhões de dólares/ano. Apesar de seu fantástico poder financeiro e de
dominação de consciências, não é esta, segundo estudos da ONU, a modalidade criminosa
375
MARTIN, Hans-Peter & SCUMANN Harald. A Armadilha da Globalização. Op. Cit. p. 288-289
de mais rápida disseminação no mundo. O maior incremento aponta para o tráfico de seres
humanos, particularmente de crianças e mulheres, para a escravidão econômica e a
prostituição. O delito de maior potência é, sem dúvida o digital, via internet. Dele se pode
afirmar que apenas está dando os primeiros passos ainda que já movimente algo em torno
de 500 milhões de dólares anuais376. Com tudo isso formam-se impérios clandestinos, que
já dominam regiões do mundo, fora da jurisdição de qualquer Estado. Podem contratar
qualquer mão de obra que necessitem, inclusive exércitos privados. Assim vão adquirindo
não somente poder econômico, mas também militar e estratégico, a ponto de afrontar ao
próprio Estado. George lembra a existência de rumores de que um poderoso barão da droga
chantageou a um Estado sul-americano, ameaçando abater aviões civis/comerciais com
mísseis comprados no mercado negro, caso seguisse a ‘pressão’ do Estado contra suas
atividades377. É assim que a desregulamentação, um fim desejável em si mesmo, poderia
frustrar sua própria finalidade. O grande capital acumulado pelo crime organizado pode
converter-se em algo autenticamente explosivo, um perigo claro e presente para o sistema
legal de mercado. Se o capital gangster suplantar o das empresas legítimas, as normas de
concorrência tradicionais cairão por terra e o terrorismo empresarial estará implantado.
376
“A globalização do crime” Zero Hora. 11.04.2000. p. 16.
377
Segundo o Instituto Small Arms Survey, o comércio legal de armas pequenas e armamento leve, gira em
torno de U$ 4 bilhões ano, mas a estima que outro tanto é comercializado no mercado paralelo.
É neste cenário que surge uma ‘terceira via’, expressão comum nos anos
20 entre grupos de direita, mas a usaram também os social-democratas e os socialistas. No
período pós-guerra, os social-democratas estavam convencidos de que haviam encontrado
um caminho distinto e alternativo ao capitalismo norte-americano e ao comunismo
soviético. A internacional socialista, no momento de sua fundação (1951) também se referia
expressamente a terceira via com este sentido. Durante os anos 70 a terceira via tinha a
conotação de um socialismo de mercado. Ao final dos anos 80 os social-democratas
europeus muito se referiam a ela como uma importante renovação pragmática. A terceira
via, portanto, representava um marco de pensamento e políticas práticas que buscavam
adaptar a social-democracia a um mundo que mudava muito rapidamente e tornava-se mais
pragmático. Como diz Giddens “é uma terceira via enquanto tentativa de transcender, tanto
a antiga social-democracia como ao neoliberalismo”378. Trata-se, portanto, de uma política
de meio termo, não liberal nem paternalista. Enquanto a social-democracia clássica
considera a criação de riquezas quase como um acessório de suas preocupações básicas de
segurança, e redistribuição econômica, por outro lado os neoliberais se preocupam
exclusivamente com a competitividade e a geração de riquezas; mas a política de terceira
via, sugere uma economia mista – diferente da antiga economia mista que implicava na
separação do Estado e os setores privados, e com uma grande parte da indústria sob o
controle público. A nova economia mista, diz Giddens, busca um ponto comum entre
setores públicos e privados, aproveitando o dinamismo dos mercados, mas tendo em conta
o interesse público379. Requer um equilíbrio entre regulação e desregulação, tanto a nível
nacional como transnacional e local e um equilíbrio entre o econômico e a vida social.
Também deve a terceira via ajudas aos cidadãos a conduzir-se com segurança neste novo
mundo, tendo em vista principalmente a globalização, as transformações da vida pessoal e
as relações do homem com a natureza. Seus valores: a igualdade, a proteção aos mais
fracos, liberdade com autonomia, nenhum direito sem responsabilidade, nenhuma atividade
sem democracia, pluralismo cosmopolita e conservadorismo filosófico.
378
GIDDENS, Anthony. The third way. Op. p. 37
379
Idem. p. 119.
que vê a globalização como uma ameaça a integridade nacional e aos valores tradicionais.
É evidente que a globalização econômica pode trazer alguns efeitos destrutivos a auto-
suficiência local, mas o protecionismo não é nem sensato nem desejável. Entretanto, pelo
perigo que apresenta ao poder social e cultural, não se aprovaria a globalização em
qualquer circunstância, suas conseqüências mais gerais seriam sempre examinadas. Em
resumo, a globalização não seria identificada unicamente com o livre comércio, o social e o
cultural também devem participar.
4.1.1 A Constituição
A palavra Constituição abrange toda uma gradação de significados (modo
de ser das coisas, origem, fundamento; aqui, estas questões dizem respeito ao Estado).
Enquanto Constituição em sentido estrito (relacionado ao Estado), existem dois conceitos
diferenciados: o conceito material e o conceito formal.
380
A noção de Constituição material não se confunde, contudo, com a noção de constitucionalismo material,
pensamento constitucional surgido na Alemanha no começo do século XX representado por autores como
Rudolf Smend e Hermann Heller, dentre outros, que se caracteriza por compreender a Constituição como um
fenômeno político e demandar uma ampliação das fontes desse mesmo direito, a fim de se superar o
formalismo exacerbado caracterizado pelo constitucionalismo liberal. Sobre estes aspectos, ver notadamente o
primeiro capítulo de nossa obra LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição constitucional aberta. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2007, onde são enfrentados os principais elementos teóricos atinentes à questão.
Recomendamos, ainda, para um aprofundamento da temática, a leitura do texto de BERCOVICI, Gilberto. A
Constituição dirigente e a crise da Teoria da Constituição. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de [et all].
Teoria da Constituição: estudos sobre o lugar da política no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003.
381 Neste sentido LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 2 ed. Tradução de Walter Stönner. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988
. ; o autor distingue
e diferencia a Constituição real – oriunda dos fatores reais de poder – da Constituição “folha de papel”, de
caráter jurídico.
382
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
Em suma, a Constituição, em seu aspecto material, diz respeito ao
conteúdo, mas só o das determinações mais importantes (aquelas tidas especificamente
como matéria constitucional).
383
Pode-se estabelecer, portanto, uma relação entre o conceito formal de Constituição e a noção de
Constituição jurídica, escrita, a partir da qual se entende como sendo constitucional tudo aquilo que está
contido em seu texto. Assim, o critério para se definir o que é norma constitucional não é o conteúdo, mas sim
o aspecto formal de integrar ou não o texto constitucional.
Da mesma forma, cabe, ainda, traçar-se uma conexão entre o conceito formal de Constituição e as
constituições prolixas (que são alvo de análise em momento próprio do presente capítulo), pois é possível
asseverar-se que, em certa medida, aquele justifica e torna possível a existência destas últimas (somente se se
adotar o conceito formal de Constituição é possível que se incluam na Constituição matérias não tão
fundamentais ou propriamente constitucionais, tornando-a mais extensa). Cf. CARVALHO, Márcia Haydée
Porto de. Hermenêutica constitucional. Florianópolis: Obra Jurídica??????????????????????????????
384
O conceito de Constituição rígida é enfrentado logo a seguir, no presente capítulo.
OBS: segundo este entendimento, a Constituição, para ser legítima,
prescinde do aspecto material, mas o aspecto formal é variável (as matérias constitucionais
de cunho material podem existir sem as formais, mas as formais não podem existir sem as
materiais – pois, do contrário, tratar-se-ia de um mero ordenamento diferenciado, perdendo
o seu caráter de Constituição).
385
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2006.
maioria absoluta dos membros do Congresso (sessão unicameral), constituindo-se, assim,
num modo facilitado de alteração e de modificação das disposições constitucionais; nem
por isso, contudo, nossa Constituição deixa de ser rígida.
386
Trata-se de uma forma especial de poder constituinte derivado, conhecido como revisional, conforme se
verá no capítulo quarto do presente livro.
387
WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
388
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto
Alegre: Fabris, 1993.
cívica389 característico daquele momento histórico, porém não era vista como um
instrumento propriamente jurídico).
Com o tempo, o termo Constituição foi sendo identificado, cada vez mais,
com a idéia de Constituição escrita (tanto que Tocqueville afirmou que a Inglaterra não
possuía uma Constituição, assim como os EUA e a França); mas o fato de um país não
389
FINLEY, Moses. Economia e sociedade na Grécia Antiga. Tradução de Marylene Pinto Michael. São
Paulo: Martins Fontes, 1989.
390
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
391
STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
possuir uma Constituição escrita não significa que ele não possua uma Constituição (ao
menos no sentido material, conforme visto nos itens anteriores do presente capítulo).
Partes:
392
Ver nosso texto LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição constitucional aberta. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2007.
393
AGRA, Walber de Moura.?????????????????????????????????????????????????????????
394
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad,
2000.
- parte introdutória (disposições preliminares como
regime político, forma de governo, separação dos poderes, etc.);
- parte dogmática (reflete o caráter da Constituição,
através da declaração de direitos e garantias dos cidadãos – cada modelo
de Estado possui características próprias);
- parte orgânica (descrição dos órgãos, competências,
etc. – Título III da CF/88);
- disposições gerais (disposições gerais transitórias).
395
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
396
CHIMENTI, R. C.; CAPEZ, F.; ROSA, M. F.; SANTOS, M. F. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Saraiva, 2004.
o autor da Constituição, entende-se que ele também pode alterá-la (mesma noção que a de
Hobbes397 com relação aos direitos individuais no contrato social).
397
Ver LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado: cidadania e poder político na modernidade. 2. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
398
Proclamada a Independência do Brasil, foi necessário instituir-se uma legislação própria para o país, a
começar pela Constituição. Para tanto, foi convocada uma Assembléia Constituinte, ainda no mesmo ano,
vindo, contudo, a ser dissolvida em 1823, em virtude da ameaça liberal. Assim é que a primeira Constituição
brasileira, da Constituição imperial de 1824, acabou por ser uma Constituição outorgada. Cf. LOPES, José
Reinaldo de Lima. O Direito na História: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000.
Maiores detalhes acerca do tema podem ser encontrados, ainda, no capítulo deste livro que trata
especificamente da história do constitucionalismo no Brasil.
399
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
400
HÄBERLE, Peter. Libertad, igualdad, fraternidad. 1789 como historia, actualidad y futuro del Estado
Constitucional. Traducción de Ignacio Gutiérrez Gutiérrez. Madrid: Trotta, 1998.
É a noção de Constituição que prevalece especialmente desde a II Guerra
Mundial, quando se deu uma refundação e uma revalorização dos direitos fundamentais e
da democracia.
401
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19ª edição. São Paulo: Atlas, 2006.
402
DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1995.
403
HAMILTON, Alexander. O federalista. Brasília: Universidade de Brasília, 1984.
legislação complementar ou ordinária (exemplo disso é a Constituição brasileira de 1988,
que determina, inclusive, o percentual de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas –
art. 220).
404
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2000.
405
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
406
Para maiores e detalhadas informações acerca do tema, remetemos à leitura do primeiro capítulo de nossa
obra LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A Constituição como princípio: os limites da jurisdição constitucional
brasileira. São Paulo: Manole, 2003, onde estas questões são abordadas em profundidade.
fazemos menção no texto, acreditamos que a Constituição em sua concepção atual nasce
com o Estado Moderno, mais precisamente com a Revolução Francesa de 1789407 (até
porque muitos de seus conteúdos permanecem presentes nas Constituições até os dias
atuais).
Esta Constituição tem sua base, por sua vez, na idéia do contrato social
que, partindo de uma concepção antropocêntrica (em oposição ao teocentrismo vigente na
Idade Média), coloca o Estado como sendo criado por um pacto firmado entre homens
livres e iguais, anteriores a ele.408
Este falso absenteísmo imposto à figura do Estado gera, por sua vez, uma
extrema desigualdade social, alavancando, no começo do século XX, fortes movimentos
sociais, que vão resultar em um novo modelo estatal, denominado de Estado social.
407
HÄBERLE, Peter. Libertad, igualdad, fraternidad. 1789 como historia, actualidad y futuro del Estado
Constitucional. Traducción de Ignacio Gutiérrez Gutiérrez. Madrid: Trotta, 1998. p. 59.
408
MATTEUCCI, Nicola. Organización del poder y libertad. Historia del constitucionalismo moderno.
Traducción de Francisco Javier Ansuátegui Roig y Manuel Martínez Neira. Madrid: Tortta, 1998. p. 25.
409
BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Estudios sobre el Estado de Derecho y la democracia. Traducción de
Rafael Agapito Serrano. Madrid: Trotta, 2000. p. 19.
410
LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos Direitos Humanos e Fundamentais no Brasil.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. pp. 123-124.
411
SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. Madrid: Revista de Derecho Privado, [s.d.]. p. 145.
Cria-se um novo conceito para o princípio da igualdade, que passa a ser
concebido não mais em seu aspecto formal, mas sim em seu aspecto material (ou seja,
pretende-se não mais a igualdade perante a lei, mas sim através dela). Não se trata, assim,
de uma renúncia ao Estado de Direito, mas de uma adaptação de seu conteúdo no sentido
econômico e social.412
Diante de tal quadro, o Estado não pode mais ser tido como mero
espectador, cabendo-lhe intervir diretamente nas questões sociais como promotor de bens e
de serviços, assegurando-os a uma parcela mais abrangente da sociedade.413 Tem-se, pois, a
idéia de que devem ser tratadas desigualmente situações desiguais.
412
MORAIS, José Luiz Bolzan de. Do Direito social aos interesses transindividuais: o Estado e o Direito na
ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 71.
413
PINTO, Luzia Marques da Silva Cabral. Os limites do poder constituinte e a legitimidade material da
Constituição. Coimbra: Coimbra, 1994. p. 163.
414
GARCÍA-PELAYO, Manuel. Las transformaciones del Estado contemporáneo. Madrid: Alianza, 1996. p.
18.
415
LAVAGNA, Carlo. Constituzione e socialismo. Bologna: Il Mulino, 1977. p. 53.
416
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra, 1994. p. 12.
Este elemento democrático se reflete, por sua vez, também no conceito de
Constituição, que passa a ser tida como a expressão máxima dos valores eleitos pela
comunidade que a adota.417
Ela é, neste sentido, um produto cultural, cuja abertura vai assegurar sua
evolução em meio a uma sociedade extremamente plural e complexa.418
CONSTITUIÇÃO LIBERAL
• A Constituição está associada à noção de Estado de Direito.
• Surgimento da noção tradicional (moderna) de Constituição.
• Existem outros precedentes (especialmente com base nos costumes), mas não com a
mesma noção.
• A Idade Moderna também se caracteriza pela universalização da idéia de Constituição.
• As primeiras constituições da Idade Moderna surgem ainda no Absolutismo, como
resultado da pressão de alguns grupos (mas eram outorgadas).
• Com a Revolução Francesa, no entanto, a burguesia assume o poder.
• Tentativa de segurança jurídica (codificação; lei racional; igualdade formal).
• Os direitos naturais – fundamento da revolução – passam a ser positivados (passam a
ser direito positivo).
• Possibilidade de serem acionados (direito subjetivo).
• Necessidade de uma lei que vincule o Estado no respeito e na obediência a esses
direitos fundamentais (noção de oposição entre Estado e Sociedade – o Estado é uma
ameaça).
• Assim, é preciso que se crie uma lei superior (capaz de vincular ao Estado) onde
constem os direitos fundamentais do homem (garantia da liberdade – ao indivíduo é
permitido fazer tudo aquilo que não é proibido) e os limites de atuação e a organização
pormenorizada do Estado – aí incluída a separação dos poderes – segundo o
417
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de
Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 37.
418
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta de intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Serio Antonio Fabris, 1997. p. 24.
entendimento de que ao Estado é permitido fazer somente aquilo que a lei autoriza
(tentativa de ruptura com o modelo absolutista).
• A subordinação do Estado está associada à idéia de que o homem é anterior a ele
(contrato social).
• A Constituição tem um caráter eminentemente jurídico (os seus conteúdos têm estrito
valor jurídico e devem ser rigorosamente observados).
• Destaque para o fato de ser escrita (reforça a segurança), seguindo a tendência própria
do racionalismo (em oposição às leis fundamentais consuetudinárias, próprias e
características da Idade Média).
• À codificação do direito privado segue-se a codificação constitucional.
• CONSTITUIÇÃO SOCIAL
• Manutenção das características e conteúdos da Constituição liberal (escrita, rígida,
direitos individuais).
• Movimentos operários e revolução bolchevique.
• Incorporação de uma noção de igualdade material (direitos sociais).
• Idéia de que a igualdade material é um objetivo a ser alcançado a longo prazo, não
possuindo suas disposições valor jurídico imediato (normas programáticas).
CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA
• Ampliação do rol de direitos; incorporação de novas dimensões, como direitos
transindividuais.
• Centralidade na noção de dignidade humana em sentido amplo.
• Previsão de inúmeros instrumentos de garantia e de realização dos direitos
fundamentais (ações constitucionais).
• Base em valores e no reconhecimento das minorias e da heterogeneidade que
caracteriza a sociedade (daí o seu caráter político); este valores, contudo, são dotados de
eficácia jurídica, de normatividade (resgate do seu aspecto jurídico).
• Democracia em sentido amplo; participação da sociedade em diversas instâncias e
esferas, e não apenas por meio do voto.
• Aproximação entre Estado e sociedade.
QUADRO ESQUEMÁTICO
Estado Absolutista ➔ Constituição outorgada
Estado Liberal ➔ Constituição jurídica (garantia dos interesses da burguesia); caráter
legalista e formalista e limitação dos poderes do Estado
Estado Social ➔ Constituição política (normas programáticas); ausência de eficácia
jurídica
Estado Democrático de Direito ➔ Constituição política e jurídica (assume uma feição
política, porém suas normas são dotadas de plena normatividade); incorporação de valores
419
COSTA, Maria Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 6. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
420
HAMILTON, Alexander. Sobre a Constituição dos Estados Unidos. São Paulo: IBRASA, 1964.
421
O Brasil compartilhava com os EUA o grande problema dos negros escravos; a única diferença é que nos
EUA os negros eram os únicos discriminados (pois a sociedade era igualitária); já no Brasil eles configuraram
apenas mais uma dentre as classes de excluídos – daí a manutenção da escravidão não ser algo tão fora do
comum (apesar de a Constituição de 1824 haver incorporado o conteúdo das Declarações de Direitos). Cf.
SOUZA, Otávio Tarquínio de. História dos fundadores do Império do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio,
1972.
Por outro lado, o Brasil não possuía vínculos históricos com o modelo
unitário francês, que possuía, ainda, a dificuldade de adequar o seu poder centralizado a um
país de dimensões continentais.422
Como resultado da relação entre estes fatores, o Brasil imperial acabou por
constituir-se na forma de um Estado unitário, sendo as províncias meras divisões
administrativas do mesmo governo e do mesmo Estado. Embora tivessem os seus próprios
Conselhos, elas dependiam dos atos da Assembléia Geral para terem suas deliberações
transformadas em leis, ou da aprovação do Executivo (o Presidente da Província submetia o
assunto ao Executivo imperial).
Ao contrário do que ocorria com as províncias, algum poder era dado, por
sua vez, às Câmaras Municipais – forma estratégica de desconcentração administrativa
adotada pelo governo central para viabilizar a administração e o controle em todo o
território, já que as províncias não poderiam ser fortalecidas, pois representavam a essência
do modelo republicano liberal (tanto isto é verdade, que foram as Câmaras Municipais que
referendaram o projeto de Constituição apresentado por D. Pedro I, a fim de garantir,
minimamente, a sua legitimidade, em substituição à Assembléia Constituinte dissolvida);
422
NOVAIS, F. A.; MOTA, C. G. A independência política do Brasil. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1996.
423
SEGURADO, Milton Duarte. O Direito no Brasil. São Paulo: José Bushatsky, 1973.
além disso, cabia às Câmaras Municipais, ainda, nomear os juízes municipais e os juízes de
paz, reforçando-se, assim, o seu poder.424
424
VIANNA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. São Paulo; Niterói: Edusp; EUFF, 1987.
ou trocar o território do império sem autorização da Assembléia Geral); b) caráter
centralizador (retirada de autonomia das províncias, que não poderiam mais legislar sobre
assuntos de seu interesse); c) existência de um senado vitalício (indicado pelo imperador) e
câmaras (eleitas pelas províncias, de caráter eletivo), sujeita à dissolução, em virtude das
competências atribuídas ao Poder Moderador.
425
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad,
2000.
O Poder Moderador427 era, portanto, a chave de toda a organização
política, sendo tido como um “quarto poder” (apesar de ser superior aos demais), ao lado
Executivo, do Legislativo e do Judiciário; ele era tido, contudo, como um poder neutro, que
se sobrepunha aos demais poderes no interesse da nação (para evitar abusos de maiorias
eventuais, já que o Império adotou o sistema legislativo representativo). Este poder era, por
sua vez, delegado privativamente ao Imperador, para que, incessantemente, velasse pela
manutenção da independência, do equilíbrio e da harmonia dos demais poderes políticos.
Ao desempenhar tal função, o Imperador é, pois, chefe supremo e representante da nação, e
não de grupos particulares.
426
VASCONCELOS, Zacarias de Góes e. Da natureza e limites do Poder Moderador. Brasília: Senado
Federal, 1978.
427
SOUZA, Braz Florentino de Henriques. Do Poder Moderador. Brasília: Senado Federal, 1978.
Ademais, a pessoa do Imperador era tida como inviolável e sagrada, não
estando ela sujeita a responsabilidade alguma.
428
PIMENTA BUENO, José Antonio. Direito publico brazileiro e analyse da Constituição do Império. Rio
de Janeiro: Typographia de J. Villeneuve e Cia., 1857.
429
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad,
2000.
Na Reforma constitucional de 1834, decorrente da abdicação do Imperador
D. Pedro I em 1831, gestada durante o período da Regência, os liberais prepararam algumas
mudanças, mas não foram capazes de extinguir o Poder Moderador.430
Somente com o advento da República é que este poder foi abolido, sendo
as suas funções, em parte, transferidas para o Judiciário, que passou a ter competência para
arbitrar conflitos entre os poderes e para rever a constitucionalidade das leis, com base no
modelo do judicial review do modelo norte-americano.
CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS:
• Centralização total do Poder.
• Presença de influências inglesas e francesas (Parlamentarismo, Liberalismo,
Constitucionalismo, Federalismo, Democracia, República).
• Período de 7 de setembro de 1822 a 15 de novembro de 1889.
• Instalação da Constituinte em 3 de maio de 1823.
• “Golpe de Estado” do imperador e dissolução da Assembléia Constituinte (por ser
avançada demais) em 12 de novembro de 1823.
• Consulta às “bases nos Municípios”, como forma de legitimação.
• outorga da Constituição, em 25 de março de 1824.
Art. 1º: O império do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros. Eles
formam uma nação livre e independente, que não admite qualquer outro laço de união ou
federação, que se oponha à sua independência.
430
TRIPOLI, César. História do Direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1947.
431
VIANNA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. São Paulo; Niterói: Edusp; EUFF, 1987.
Art. 5º: A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império. Todas
as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular, em casas para
isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo.
Art. 10º: Os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são
quatro: o Poder Legislativo, O Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial.
Art. 98: O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e é delegada
privativamente ao Imperador, como chefe supremo da nação e seu primeiro representante,
para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia
dos mais poderes políticos
Art. 99: A pessoa do imperador é inviolável e sagrada; ele não está sujeito a
responsabilidade alguma.
Constituição mista (semi-rígida):
Art. 267: “É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições
respectivas dos poderes políticos e aos direitos políticos e individuais”.
Art. 268: “Tudo o que não é constitucional pode ser alterado pelas legislaturas ordinárias,
concordando dois terços de cada uma das salas”.
CRONOLOGIA:
432
MORAES, Evaristo de. Da Monarquia para a República: 1870-1889. 2. ed. Brasília: Edunb, 1985.
433
WOLKMER, Antonio Carlos. Constitucionalismo e direitos sociais no Brasil. São Paulo: Acadêmica,
1989.
434
FREIRE, Felisbelo. História constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil. Brasília: Edunb,
1983.
• Marechal Deodoro da Fonseca – governo provisório (25 de fevereiro a 23 de novembro
de 1891).
Art 1º: A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a
República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união
perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil.
Art 3º: Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400
quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabeIecer-se a
futura Capital federal.
Parágrafo único - Efetuada a mudança da Capital, o atual Distrito Federal passará a
constituir um Estado.
Art. 15: são órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário,
harmônicos e independentes entre si”.
Art 28: A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo eleitos pelos
Estados e pelo Distrito Federal, mediante o sufrágio direto, garantida a representação da
minoria.
Art 47: O Presidente e o Vice-Presidente da República serão eleitos por sufrágio direto da
Nação e maioria absoluta de votos.
§2º: Se nenhum dos votados houver alcançado maioria absoluta, o Congresso elegerá, por
maioria dos votos presentes, um, dentre os que tiverem alcançado as duas votações mais
elevadas na eleição direta.
435
CARONE, Edgard. A República Velha. 4. ed. Rio de Janeiro: Difel, 1978.
436
URBINA, Alberto Trueba. La primera Constitución político-social del mundo. México: Porrúa, 1971.
437
MATTEUCCI, Nicola. Organización del poder y libertad. Historia del constitucionalismo moderno.
Traducción de Francisco Javier Ansuátegui Roig y Manuel Martínez Neira. Madrid: Trotta, 1998.
Seguindo na mesma linha, também no Brasil os anos 30 foram de muita
insatisfação, especialmente no que dizia respeito ao sistema eleitoral, ao predomínio das
oligarquias cafeeiras e ao tenentismo; além disso, verificou-se a criação do Partido
Comunista (1922), o que gerou profundas discussões438 entre liberais e comunistas.
438
BELLO, José Maria. História da República. 7. ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1976.
439
Sobre a historicidade e a complementariedade como característica dos direitos fundamentais, ver
HÄBERLE, Peter. Libertad, igualdad, fraternidad. 1789 como historia, actualidad y futuro del Estado
Constitucional. Traducción de Ignacio Gutiérrez Gutiérrez. Madrid: Trotta, 1998.
Conseqüentemente, o modelo constitucional de 1934 foi corporativo, com
a assunção, por parte do Estado, de setores estratégicos da economia440 (como, por
exemplo, a Companhia Siderúrgica Nacional, Petrobrás, etc.).
• voto da mulher;
• concurso público;
• Justiça Eleitoral;
440
WOLKMER, Antonio Carlos. Constitucionalismo e direitos sociais no Brasil. São Paulo: Acadêmica,
1989.
441
MACHADO NETO, Antonio Luiz. História das idéias jurídicas no Brasil. São Paulo: Grijalbo; Edusp,
1969.
442
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 1998.
• garantias para os magistrados estaduais (vitaliciedade,
inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos);
• Mandado de Segurança;
REVOLUÇÃO DE 30:
• Novas oligarquias + tenentes X velhas oligarquias.
• General Afonso Tasso Fragoso, General João de Deus Mena Barreto, Almirante José
Isaías de Noronha – junta governativa da revolução de 30 (24 de outubro a 3 de
novembro de 1930).
• Getúlio Vargas – governo provisório (3 de novembro de 1930 a 17 de julho de 1934).
• Getúlio Vargas (1934 a 1937).
Art 1º: A Nação brasileira, constituída pela união perpétua e indissolúvel dos Estados, do
Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos do Brasil, mantém como forma de
Governo, sob o regime representativo, a República federativa proclamada em 15 de
novembro de 1889.
Art 2º: Todos os poderes emanam do povo e em nome dele são exercidos.
Art 115: A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as
necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro
desses limites, é garantida a liberdade econômica.
Art. 149: A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes
públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no
país, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e
desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana.
No que diz respeito aos direitos sociais, ficaram mantidos aqueles criados
pela Constituição anterior.
PREÂMBULO
- Atendendo ao estado de apreensão criado no pais pela infiltração comunista, que se torna
dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente;
443
SCHWARTZMAN, Simon. Estado Novo, um auto-retrato. Brasília: Edunb, 1982.
- Atendendo a que, sob as instituições anteriores, não dispunha o Estado de meios normais
de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo [...];
- Com o apoio das Forças Armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e
outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da
rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e
políticas;
DA ORGANIZAçãO NACIONAL
Art 1º: O Brasil é uma República. O poder político emana do povo e é exercido em nome
dele e no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua independência e da sua
prosperidade.
Art 2º: A bandeira, o hino, o escudo e as armas nacionais são de uso obrigatório em todo o
País. Não haverá outras bandeiras, hinos, escudos e armas. A lei regulará o uso dos
símbolos nacionais.
Art 9º: O Governo federal intervirá nos Estados, mediante a nomeação pelo Presidente da
República de um interventor, que assumirá no Estado as funções que, pela sua Constituição,
competirem ao Poder Executivo, ou as que, de acordo com as conveniências e necessidades
de cada caso, lhe forem atribuídas pelo Presidente da República.
Art 13: O Presidente da República, nos períodos de recesso do Parlamento ou de dissolução
da Câmara dos Deputados, poderá, se o exigirem as necessidades do Estado, expedir
decretos-leis sobre as matérias de competência legislativa da União, excetuadas as
seguintes:
a) modificações à Constituição;
b) legislação eleitoral;
c) orçamento;
d) impostos;
e) instituição de monopólios;
f) moeda;
g) empréstimos públicos;
h) alienação e oneração de bens imóveis da União.
DA ORDEM ECONÔMICA
444
BONAVIDES, Paulo. Do país constitucional ao país neocolonial. São Paulo: Malheiros, 1997.
• Derrubada de Getúlio pelos Militares, assumindo a presidência o ministro presidente do
STF, José Linhares (29 de outubro de 1945 a 31 de janeiro de 1946).
• Convocação de eleições pelo ditador.
• Eleições presidenciais, havendo sido eleito Eurico Gaspar Dutra (1946-1951).
• Constituinte plural, com predominância dos conservadores; o Congresso foi
transformado em Constituinte; discutida sem prévio projeto.
• “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil” (18 de setembro de 1946).
• Participação na Guerra contra o nazi-fascismo.
• Reorganização do constitucionalismo no mundo.
• Getúlio Dornelles Vargas (1951-1954).
• Suicídio de Getúlio em 24 de agosto de 1954; tentativa de reformas de base pela
oposição conservadora.
• João Fernandes Campos Café Filho assume a presidência (25 de agosto de 1954 a 9 de
novembro de 1955).
• Carlos Coimbra da Cruz, presidente da Câmara dos Deputados, assume a presidência
por ocasião da doença de Café Filho (9 a 11 de novembro de 1955).
• O Congresso afasta Carlos Coimbra da Cruz e nomeia em seu lugar Nereu de Oliveira
Ramos (11 de novembro de 1955 a 31 de janeiro de 1956).
• Juscelino Kubitschek de Oliveira é eleito presidente (1956-1961).
• Jânio da Silva Quadros (31 de janeiro a 25 de agosto de 1961).
• Com a renúncia de Jânio Quadros, Pascoal Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos
Deputados, assume a presidência até a volta do vice-presidente eleito, João Goulart, do
exterior (25 de agosto a 7 de setembro de 1961).
• Após, inicia-se um período parlamentarista – em decorrência de Emenda Constitucional
– sendo presidentes do Conselho de Ministros: Tancredo Neves, Francisco de Paula
Brochado da Rocha e Hermes Lima (7 de setembro de 1961 a 6 de janeiro de 1963).
• João Goulart assume a presidência até o golpe militar (6 de janeiro de 1963 a 1º de abril
de 1964).
PREÂMBULO
“Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em
Assembléia Constituinte para organizar um regime democrático, decretamos e
promulgamos a seguinte Constituição dos Estados Unidos do Brasil.”
Art 1º: Os Estados Unidos do Brasil mantêm, sob o regime representativo, a Federação e a
República. Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.
Art 28: A autonomia dos Municípios será assegurada:
I - pela eleição do Prefeito e dos Vereadores;
II - pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse e, especialmente,
a) à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à aplicação das suas
rendas;
b) à organização dos serviços públicos locais.
Art. 76: O Presidente será eleito pelo sufrágio de um Colégio Eleitoral, em sessão pública e
mediante votação nominal.
§1º: O Colégio Eleitoral será composto dos membros do Congresso Nacional e de
Delegados indicados pelas Assembléias Legislativas dos Estados.
§2º: Cada Assembléia indicará três Delegados e mais um por quinhentos mil eleitores
inscritos, no Estado, não podendo nenhuma representação ter menos de quatro Delegados
Art. 89: Toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional, nos limites
definidos em lei.
Art. 91: Compete ao Conselho de Segurança Nacional:
I - o estudo dos problemas relativos à segurança nacional, com a cooperação. dos órgãos de
Informação e dos incumbidos de preparar a mobilização nacional e as operações militares;
445
AGRA, Walber de Moura.???????????????????????????????????????????????????????????
§2º A rejeição do decreto-lei não implicará a nulidade dos atos praticados
durante a sua vigência.
Art. 153: A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade,
nos têrmos seguintes:
• Tancredo Neves é eleito presidente, mas não chega a governar (15 de março a 21 de
abril de 1985).
• Com a morte de Tancredo Neves, José Sarney, seu vice, é quem assume a presidência
(21 de abril de 1985 a 15 de março de 1990).
• Nova República: crise econômica, desgaste político, luta pela consolidação da
democracia, preocupação com os direitos fundamentais.
• Sarney nomeia uma Comissão de Estudos Constitucionais.
• Emenda Constitucional n.º 26: convocação da Assembléia Nacional Constituinte,
composta pelos membros da Câmara e do Senado.
446
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988.
2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
447
LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado: cidadania e poder político na modernidade. 2. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2004.
448
Sobre o histórico deste projeto, ver a síntese constante em CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e
justiça distributiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000.
• Vitória dos progressistas (mais empenho e assiduidade); o anteprojeto, de início
criticado pela esquerda, passa a ser criticado pela direita.
• Preocupações com a efetividade das normas.
• O anteprojeto previa uma Corte Constitucional nos moldes europeus, com quinze
juízes, sendo cinco magistrados de carreira, cinco nomeados pelo Congresso Nacional e
cinco pelo Conselho de Ministros, todos lotados em uma investidura de nove anos,
renováveis de três em três anos; houve lobby do STF para não mudar o nome, além da
garantia da vitaliciedade.
• O Projeto Afonso Arinos acabou por manter o status quo, retirando, porém, algumas
competências do STF e transferindo-as ao STJ, a ser criado; ao STF coube
precipuamente a guarda da Constituição (art. 102 da CF).
• Anteprojeto previa “um regime social justo, fraternal e participativo”.
• Sarney não enviou o projeto à Assembléia Nacional Constituinte, impedindo-o de que
fosse publicamente discutido; todavia parlamentares tiveram acesso ao texto e ele serviu
de inspiração na criação do texto constitucional.
ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE
• Contribuições de juristas: José Afonso da Silva (PMDB); Carlos Roberto de Siqueira
Castro (PDT); Eduardo Seabra Fagundes (PDT); Fábio Konder Comparato (PT).
• Vinte e quatro subcomissões, agrupadas em oito comissões – comissão de
sistematização.
• Centrão: grupo predominante na Constituinte > apoio do empresariado e do governo >
formado pelo PMDB, PFL, PDS, PDC, PTB e PL > permitiu a entrada de valores no
texto por considerá-los mera retórica; além disso, muitos deputados estavam exercendo
mandato pela primeira vez, estando descontentes com o centralismo do Presidente
Ulysses Guimarães; Mário Covas foi o líder da maioria, indicando, para a liderança da
maior parte das comissões, políticos progressistas; o regimento interno descentralizava
as decisões.
• Abertura à participação direta e semi-direta, estabelecimento de meios judiciais de
tutela de direitos fundamentais.
• Intensa participação da população, com 122 emendas populares e 10 milhões de
assinaturas.
CONSTITUIÇÃO
• Constituição da República Federativa do Brasil (promulgada em 5 de outubro de 1988).
• Converteu os direitos humanos previstos na Declaração da ONU de 1948 em Direitos
Fundamentais.
• Princípios.
• Fratura na tradição libertariana e positivista; inserção de valores e programas no texto
da Constituição por princípios e objetivos, os quais têm relevância imediata para a ação;
busca do bem-estar e da igualdade material.
• Influência do pensamento constitucional português e espanhol (que, por sua vez,
possuem influência da Lei Fundamental alemã); busca de realizações na sociedade via
Direito.
• Reconhecimento, pelo constitucionalismo, de uma pluralidade de concepções de vida –
caráter conflitivo da realidade social.
• Plêiade de novas ações constitucionais para efetivar direitos
449
LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. 2ª edição. Tradução de Walter Stönner. Rio de Janeiro:
Liber Juris, 1988.
partir da noção de Constituição formal que se pode falar, verdadeiramente, em poder
constituinte enquanto poder especial encarregado da elaboração da Constituição.
450
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1998.
451
SIEYÈS, Emmanuel Joseph Sieyès. A Constituinte burguesa. Tradução de Norma Azeredo. 3. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 1997.
fazer as alterações necessárias e criar a Constituição; este entendimento é baseado, por seu
turno, numa idéia representativa de exercício do poder. Esta noção representativa, para
Sieyès, corresponde, por sua vez, ao terceiro período de organização da sociedade (segundo
ele, num primeiro momento, a sociedade é composta por indivíduos isolados; depois, os
indivíduos se reúnem para deliberar sobre as necessidades públicas – poder direto – e, no
terceiro momento, a vontade comum que atua já não é mais a vontade real, mas sim a
vontade representativa – noção de sistema representativo).
452
Sieyès utiliza, em seu texto, a palavra Nação (que, por sua vez, remete a uma idéia de base étnica,
cultural); atualmente, contudo, entende-se o termo num sentido mais amplo, mais abrangente, razão pela qual
se emprega, normalmente, o termo povo (que engloba a totalidade de habitantes de determinado lugar,
independentemente de suas origens ou características culturais). Interessante notar, ainda, neste sentido, com
Negri, como a noção de soberania popular rapidamente foi incorporada pela teoria política/jurídica ocidental.
Cf. NEGRI, Antonio. El poder constituyente: ensayo sobre las alternativas de la modernidad. Madrid:
Libertarias, 1994.
É nesta perspectiva que se afirma que a tese de Sieyès foi a primeira
teorização da história acerca do poder constituinte, travando uma discussão sobre a
titularidade do mesmo, a sua natureza, as condições para o seu exercício e os seus limites.
453
Ver LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A Constituição como princípio: os limites da jurisdição constitucional
brasileira. São Paulo: Manole, 2003.
454
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O poder constituinte. São Paulo: Saraiva, 1985.
- inicial (pois ele é a primeira lei, a lei de referência de todo o ordenamento jurídico
➔ princípio da recepção);
- autônomo (ele não está vinculado a nenhuma outra lei ou a qualquer outro aspecto
ou poder);
- ilimitado (juntamente com as demais características, tem-se como resultado a
noção de que ele não possui limites, podendo agir livremente).
Além disso, tem-se que o poder constituinte é permanente, isto é, ele não
se extingue com a criação da Constituição, permanecendo latente, porém plenamente capaz
de ser exercido a qualquer tempo457 (especialmente porque, conforme já referido, a sua
455
Para uma abordagem mais específica sobre o fenômeno da recepção, ver o texto de CERQUEIRA,
Marcello. A Constituição e o Direito anterior: o fenômeno da recepção. In: GRAU, E. R.; CUNHA, S. S. da
(Org.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2003. pp. 177 et seq.
456
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Almedina, 1994.
457
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 1998.
titularidade pertence ao povo, e não aos representantes, razão pela qual ele não se extingue
com o mandato458 ou com a realização da tarefa de elaboração do texto constitucional).
fundacional
revolucionário
458
SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição. São Paulo:
Malheiros, 2000.
459
CRUZ, Paulo Márcio.??????????????????????????????????????????????????????????
• Poder constituinte originário revolucionário: dá-se quando um processo revolucionário
rompe com a ordem constitucional anterior e exige uma nova Constituição (implantação
de um novo ordenamento jurídico-constitucional).
Neste caso, porém, a elaboração da nova Constituição fica vinculada (apesar de ser
nova) a parâmetros anteriores, já impregnados na cultura geral da sociedade.
OBS: teoricamente, o poder constituinte originário revolucionário é tão independente e
ilimitado quanto o fundacional, mas, na prática, não é bem assim.
Ele ocorre em momentos de profunda transformação da sociedade.
OBS: esta profunda transformação não precisa ser provocada por meios revolucionários
(violentos); bastam acontecimentos marcantes ou uma mudança de paradigma.
OBS: para tanto, é ilustrativo analisarem-se os exemplos históricos brasileiros:
- Constituição de 1891 (ruptura com o Império e instauração da República em
1889);
- Constituição de 1934 (ruptura com a “República Velha” e alterações no
poder provocadas pela Revolução de 30);
- Constituição de 1937 (Estado Novo, autoritarismo de Getúlio Vargas);
- Constituição de 1946 (redemocratização do país, período pós II Guerra
Mundial);
- Constituição de 1967/69 (golpe militar, regime ditatorial);
- Constituição de 1988 (redemocratização do país, “Diretas Já”).
Ainda com relação aos limites, podem-se perceber, em regra, três espécies
de limitação com relação ao poder constituinte derivado: a) materiais (existem
determinados conteúdos que lhe são vedados, como ocorre com o poder constituinte
derivado reformador em face das cláusulas pétreas e com o poder constituinte derivado
decorrente estadual em face da competência que lhe é reservada, por exemplo); b)
circunstanciais (algumas circunstâncias especiais podem trazer óbices ao exercício do poder
constituinte, como no caso da vedação de emendas à Constituição em caso de Estado de
Sítio – art. 60, parágrafo 1º); e c) temporais (normalmente, há um limite de prazo
estabelecido para sua consolidação, como o prazo de seis meses a contar da promulgação
da Constituição para a elaboração das Constituições estaduais pelo poder constituinte
derivado decorrente e de cinco anos para a realização da revisão constitucional pelo poder
constituinte derivado revisor – art. 11 e art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, respectivamente).
decorrente
Poder constituinte derivado revisor
reformador
460
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Almedina, 1994.
• Poder constituinte revisor: destina-se a revisar a Constituição.
OBS: revisar não significa, necessariamente, reformar (revisar significa reavaliar).
Pode haver revisão sem reforma.
Art. 3º do ADCT/88.
OBS: algumas constituições prevêem uma revisão de tempos em tempos (a brasileira
não).
461
Esta classificação será alvo de análise específica no capítulo seguinte do presente livro.
462
Para uma abordagem mais profunda sobre a temática que envolve as regras e os princípios, remetemos à
leitura do segundo capítulo de nossa obra LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A Constituição como princípio: os
limite da jurisdição constitucional brasileira. São Paulo: Manole, 2003, onde este tema é tratado a partir de
uma ampla análise com base na literatura nacional e estrangeira. Como este é um livro que pretende ter um
caráter mais didático, optamos por enfrentar esta matéria mais a partir de uma perspectiva que seja acessível
também aos alunos da graduação, iniciando-os na discussão.
Os princípios podem ser considerados como aquelas normas que estão
associadas aos aspectos valorativos da sociedade, isto é, eles manifestam, representam, na
Constituição, aqueles valores maiores, aqueles traços que norteiam e fundamentam 463 a
nossa sociedade, como, por exemplo, o princípio da dignidade humana, do respeito aos
direitos fundamentais, liberdade, igualdade, pluralismo, etc. (arts. 1º a 4º da Constituição de
1988).
463
VERDU, Pablo Lucas. Estimativa y política constitucionales. Madrid: Universidad de Madrid, 1984. pp.
103-104 passim.
464
PINTO, Luzia Marques da Silva Cabral. Os limites do poder constituinte e a legitimidade material da
Constituição. Coimbra: Coimbra, 1994. p. 143.
Neste caso, o princípio não está previsto ou escrito em nenhum inciso, mas está lá,
valendo.465
465
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra:
Coimbra, 1994. p. 70.
466
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2002.
467
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis
restritivas de Direitos Fundamentais. 2ª edição. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
468
No caso do princípio da igualdade, assegurado pelo art. 5 de nossa Constituição, tem-se, por exemplo,
como decorrência, que o estabelecimento de critérios ou limites de idade ou de altura para a realização de
concursos públicos viola o princípio isonômico; em certos casos, contudo, o STF (Súmula 683) tem
reconhecido e admitido a constitucionalidade de tais requisitos, em casos excepcionais, desde que a natureza
do cargo os justifique. Assim, entendeu-se como constitucional o estabelecimento, por edital, de altura
mínima para a realização do concurso de delegado (fato que, em princípio, restringe o direito de igualdade
anteriormente citado). Apesar disso, com base no imperativo da proporcionalidade, tem-se que não se pode
admitir como requisito qualquer altura, devendo esta exigência ser proporcional, isto é, realmente compatível
com as exigências do cargo, sob pena de ser considerada inconstitucional.
469
Um exemplo ilustrativo e bastante didático com relação à exigência de razoabilidade como fundamento
interpretativo nos é trazido por Luiz Alberto Warat, que propõe a seguinte situação: na entrada de uma
fábrica, encontra-se uma placa que diz “PROIBIDA A ENTRADA DE CÃES”. Neste caso, um especial
desafio se revela com relação à interpretação desta norma no que tange aos demais animais (sim, porque a
placa é clara no que concerne a cães); porém seria possível e permitida, então, a entrada de ursos, já que a
proibição diz respeito especificamente aos cães? Se se fizesse uma interpretação literal ou exegética e
formalista de tal regra, facilmente poder-se-ia concluir que a vedação diz respeito expressamente a cães,
estando liberada a entrada de qualquer outro animal. Por outro lado, considerando-se todo o contexto e a
finalidade de tal proibição, seria razoável não permitir a entrada de cães e permitir a de ursos? Estaria, neste
caso, a finalidade da norma sendo atendida? Claro que não. Portanto, a exigência de uma interpretação
razoável de todos os dispositivos do ordenamento jurídico é fundamental para que a principiologia da
Já as regras podem ser indicadas como sendo as disposições outras da
Constituição, que regulamentam, detalham, pormenorizam os grandes temas e conteúdos
genericamente estabelecidos pelos princípios.470 Dito de outro modo, as regras se destinam
a regular situações concretas, mais pontuais do que aquelas em que incidem os princípios
(normalmente mais diretivos).471
jusnaturalista
Fases juspositivista
pós-positivista
Constituição possa ser preservada. Ver WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao Direito. Vol. I. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994.
470
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 2ª edição.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 113.
471
É possível dizer que há uma unidade através da Constituição (enquanto parâmetro unificador de todas as
normas do sistema em conformidade com seu conteúdo) e uma unidade da Constituição (em razão da estreita
conexão que se dá entre regras e princípios). Neste sentido, a obra de MAGALHÃES FILHO, Glauco
Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001. pp. 83 e
ss.
472
Como afirma ROJO, Margarita Beladiez. Los principios jurídicos. Madrid: Tecnos, 1994. p. 19, “Hasta el
siglo XIX, por tanto, el Derecho se fundamenta en un Derecho ideal, compuesto por un conjunto de verdades
primeras, eternas e inmutables, ya se considere que se derivaban de la ley eterna.”
473
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 211.
Na chamada fase jusnaturalista, alguns princípios – tais como o direito à
vida, à liberdade – não dispunham de um status jurídico, sendo desprovidos, portanto, de
normatividade. Eles constituíam simples postulados éticos de justiça474, de cunho
declaratório, portanto não juridicamente obrigatórios, vinculantes.
474
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999.
Por derradeiro, tem-se que a fase pós-positivista atribui aos princípios um
valor idêntico ao das demais normas.475 Se a Constituição é uma lei, se ela vale como lei
(ou seja, se o Direito Constitucional é direito positivo), então também os princípios devem
obter normatividade, ser compreendidos como vinculantes e obrigatórios.
Assim, tanto princípios como regras podem ser considerados como sendo
espécies do gênero norma jurídica; a diferença que se verifica com relação a eles não diz
respeito à sua força normativa, mas sim à sua natureza e amplitude.
475
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 211.
476
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. Traducción de Marina Gascón. 3ª
edición. Madrid: Trotta, 1999. p. 109.
Princípios: já os princípios podem incidir sobre uma série de situações477
concretas, pois não prevêem, estabelecem, situações específicas que devam ser reguladas.
Sua incidência é possível em um série de situações, com pressupostos fáticos diferenciados.
A sua generalidade, portanto, é mais ampla, mais abrangente do que a das regras.478 Apesar
disso, eles não deixam, sempre, de incidir sobre um pressuposto de fato; estes pressupostos
podem variar, ser amplos, mas sempre deve haver, necessariamente, um pressuposto sobre
o qual eles incidem.
Regras X princípios:
477
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da Constituição. São Paulo: Celso Ribeiro Bastos
Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000. pp. 128-129 passim.
478
ROTHEMBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1999. p. 16.
479
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de Direito Administrativo. 2ª edição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999. p. 300.
em sentido contrário ficam afastadas, com base e a partir de critérios de aplicação objetivos,
predefinidos e determinados pela própria ordem jurídica.
Já com relação aos princípios não se têm critérios objetivos para a solução
de eventual antinomia ou contrariedade481 entre princípios opostos, resolvendo-se o conflito
por meio de um sopesamento482, que, portanto, possui uma dimensão subjetiva, isto é, não
há critérios predefinidos e predeterminados que indiquem, de antemão, a sua solução.
480
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University, 1978. pp. 24-25 passim.
481
COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1997. p. 81.
482
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 103.
483
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1997.
Por fim, alguns autores, especialmente Robert Alexy484, diferenciam entre
valores e princípios, ao afirmar que os primeiros estão associados a uma idéia de bom, do
que é melhor, enquanto que os segundos, àquilo que é devido. Assim, tem-se que ambos
não se confundem, embora se possa estabelecer entre eles a relação de que os valores
passam a ter caráter jurídico por meio dos princípios, sendo os princípios a expressão
jurídica daqueles. Desta forma, percebe-se que o âmbito de localização de ambos é distinto,
pertencendo os princípios estritamente à esfera do jurídico.485 E, se os princípios são
jurídicos, eles têm normatividade, devendo eles servir como referência para a interpretação
e também para a atuação de todos os entes sociais e estatais. Além disso, eles valem, então,
como verdadeiro direito486, funcionando, também, como parâmetro para a
inconstitucionalidade e como elementos de tutela jurisdicional.
484
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 103.
485
Uma análise crítica de tal concepção pode ser encontrada em HABERMAS, Jürgen. Facticidad y validez:
sobre el derecho y el Estado democrático de Derecho en términos de teoría del discurso. Traducción de
Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Trotta, 1998. p. 328.
486
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. Traducción de Marina Gascón. 3.
ed. Madrid: Trotta, 1999. p. 109.
programático487 – típicas do constitucionalismo social – e que, segundo a concepção
tradicional, seriam desprovidas de eficácia normativa imediata, consistindo, mais, em
programas de ação política para o futuro, em compromissos a serem cumpridos a longo
prazo, sine die. É neste sentido que elas traduzem exortações ao legislador, indicativos de
ação para serem realizados mediante a edição de leis e de regulamentações, porém sem
qualquer caráter obrigatório ou valor jurídico enquanto normas constitucionais.
487
A respeito das normas constitucionais programáticas e de sua vinculatividade, ver LAVAGNA, Carlo.
Constituzione e socialismo. Bologna: Il Mulino, 1977. p. 53, quando afirma que “lo sono anche sotto il
profillo impositivo. Quali norme diretti al legislatori (...) esse, non solo vietano di legiferari in senso contrario,
ma ‘impogno’ di emanare le leggi e agli atti necessari per raggiungere i fini indicati.” Também
CALAMANDREI, Piero. Opere giuridique. Napoli: Morano, 1965. Vol. III, pp. 513-514.
488
MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Hermenêutica constitucional e Direitos
Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
Normas não auto-executáveis (necessidade de intervenção do
legislador)
489
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. A
classificação adotada neste capítulo toma por base o pensamento do autor, portanto as classificações não-
mencionadas se atribuem ao constitucionalista aqui citado.
É exatamente neste terceiro item – na questão da eficácia – que se baseia
a presente classificação, considerando que as normas constitucionais são diversas e distintas
em sua capacidade de produzir efeitos na forma como aparecem estatuídas no texto
constitucional.
Normas constitucionais de
eficácia plena
Classificação das normas constitucionais Normas constitucionais de eficácia contida
Normas constitucionais de
eficácia limitada
490
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
Por fim, as normas constitucionais de eficácia reduzida são aquelas que não
produzem, por si sós, todos os efeitos possíveis, deixando ao legislador a tarefa de
complementá-las (por exemplo: quando a Constituição estabelece, em seu art. 5º, inciso
XXXII, que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, o próprio
texto já indica, claramente, que este é um dispositivo que pressupõe uma regulamentação,
um detalhamento, pelo legislador ordinário, para que possa ser aplicado).
491
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
492
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
constitucionais têm eficácia plena493 no que toca ao aspecto da não-recepção e na
orientação de uma nova interpretação das normas antigas – toda e qualquer norma
constitucional, independentemente de sua classificação, possui eficácia plena e imediata
quanto a: a) recepção (servem de parâmetro para a recepção ou não das demais normas); b)
interpretação (vinculam e condicionam a interpretação das demais leis do ordenamento
jurídico, servindo como parâmetro, inclusive, para a aferição da inconstitucionalidade).
493
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra:
Almedina, 1998.
Assim, o nosso texto constitucional estabelece, por exemplo, que
“ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou
política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei” (art. 5º, inciso VIII). E mais: “é livre o
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais
que a lei estabelecer” (art. 5º, inciso XIII). Nestes dois casos, verifica-se uma contenção
mediante lei.
494
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
É quando o condicionamento se dá com base em conceitos ético-
jurídicos, como ocorre com as expressões “função social” (art. 5º, inciso XXIII), “paz
social” (art. 136, caput), “necessidade pública” (art. 5º, inciso XXIV), dentre outras.
facultativas
Definidoras de princípios organizativos
Normas de eficácia limitada impositivas
Definidoras de princípios programáticos
- normas programáticas referidas aos poderes públicos (art. 21, inciso IX; art.
184 e art. 215 da Constituição);
495
DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 1989.
Além disso, elas podem se apresentar: a) sem tutela das situações
subjetivas (caso em que não há possibilidade de invocação judicial específica – art. 170,
caput; art. 218 e art. 184 da Constituição); e b) com tutela das situações subjetivas
Normas proibitivas
Tipologia secundária
Normas permissivas
REFERÊNCIAS
496
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 10.ª ed. Trad. Sérgio Bath. Brasília:
UnB, 2000.
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant, 2ª ed. São Paulo:
Mandariam. 2000.
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia – Uma defesa das regras do jogo. Trad.de
Marco Aurélio Nogueira, São Paulo: Paz e Terra, 5ª ed. 1992.
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral a Política. A filosofia política e as lições dos clássicos.
Trad. Daniela B. Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
BONAVIDES, Paulo Paes de Andrade. Ciência Política. 10a ed., São Paulo: Malheiros,
1996.
BORGES, José Souto Maior. Curso de Direito Comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005.
BURNS, Edward McNall. História da Civilização Ocidental. Trad. L. G. Machado, L S.
Machado e L. V. Vallandro. 2.ª ed. Porto Alegre: Globo, 1970.
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. São Paulo: Max Limonad,
1997.
CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Manual de Direito comunitário.
4.ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2004.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6.ª ed. Coimbra: Almedina,
1993.
CAPELLA HERNÁNDEZ, J.R. Transformaciones del derecho en la mundialización.
Madrid: Consejo General del Poder Judicial. 1999.
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