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HISTÓRIA DO BRASIL
GUARULHOS – SP
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 4
4 PORTUGAL E O MAR................................................................................................. 16
11 O EXTRATIVISMO .................................................................................................... 41
1
12.1.2 Extrativismo açucareiro ....................................................................................... 47
2
19.2.2 Reformas político-administrativas ..................................................................... 107
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1 INTRODUÇÃO
Bons estudos!
4
2 A EUROPA DURANTE A IDADE MODERNA
[...] o poder real partilhava o espaço político com poderes de maior ou menor
hierarquia; o direito legislativo da Coroa era limitado e enquadrado pela doutrina
jurídica [...] e pelos usos e práticas jurídicos locais; os deveres políticos cediam
perante os deveres morais (graça, piedade, misericórdia, gratidão) ou afetivos,
decorrentes de laços de amizade, institucionalizados em redes de amigos e de
clientes; os oficiais régios gozavam de uma proteção muito alargada dos seus
direitos e atribuições, podendo fazê-los valer mesmo em confronto com rei e
tendendo, por isso, a minar e expropriar o poder real (HESPANHA, 2001, p. 166).
Ao pensar em Portugal no Antigo Regime, talvez a primeira imagem que nos surja
seja a de D. João V, cercado por belos palácios, igrejas e conventos ricamente
adornados. O universo de fausto no qual viveu “o Magnânimo” de Portugal foi
reflexo da entrada aparentemente infindável de ouro brasileiro. Ao mesmo tempo
em que Portugal ganhava uma vida de corte que, grosso modo, podemos
aproximar dos hábitos da corte francesa, eram também reforçados os laços entre
o Estado e a Igreja. A ligação do monarca com o setor religioso legou a Portugal
a imagem de atraso — especialmente no que diz respeito ao pensamento —
quando comparado aos seus vizinhos europeus (CONTI, 2018, p. 405).
6
características nas Unidades de Aprendizagem seguintes, cabendo, apenas uma
introdução sobre o tema.
A lógica do Antigo Regime português, que será transferido posteriormente como
forma de administração do restante do Império ultramarino — as colônias portuguesas
africanas, americanas e asiáticas eram concebidas como partes do Império Português,
era a seguinte, de acordo com Navarro (2019, p. 235):
7
2.1 A economia portuguesa
8
feudalismo para o capitalismo na Europa, ou ainda com o intuito de viabilizar a revolução
industrial inglesa do século XIX” (FRAGOSO, 2012, p. 107). Para essa vertente
historiográfica, a América estaria em uma posição de subordinação em relação a Portugal
com a três finalidades (FRAGOSO, 2012):
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pressupostos do século XIX, quando o Brasil já era um império. Assim, torna-se
importante compreender de que forma o mercantilismo se materializou nas práticas
econômicas do Império Português. Dessa forma, podemos elencar a legislação de
proibição de exportação de metais preciosos, a publicação de doutrinas coibindo o luxo
e a importação de produtos caros (em ambos os casos, explicita-se o controle da balança
comercial), o fomento de manufaturas nacionais e a criação de companhias para o
comércio ultramarino (MAGALHÃES, 1964, p. 77).
Além disso, é fundamental destacar que a economia de Portugal durante o Antigo
Regime era totalmente vinculada ao império ultramarino, seja no comércio marítimo ou
no incremento do mercado interno dele consequente. Segundo Monteiro (2010, p. 254),
“em 1506 e em 1518–1519, as receitas do ouro da Mina, das especiarias asiáticas, do
pau-brasil e das ilhas do Atlântico, entre outras, representavam cerca de dois terços das
receitas régias, superando em muito as rendas fornecidas pelo próprio reino”. Ainda
assim, isso não significa que, na prática, o Império Português tenha conseguido seguir
os preceitos da política econômica mercantilista. Em termos dos problemas relativos aos
monopólios, por exemplo, Ronaldo Vainfas (2000) comenta que a exclusividade mercantil
nunca foi rigorosamente aplicada. Medidas como a de D. Sebastião, em 1571,
determinando que apenas navios portugueses poderiam comerciar com o Brasil não
funcionaram na prática, tendo em vista a frequência com que os navios holandeses
aportavam no Nordeste, região que distribuía boa parte do açúcar luso-brasileiro na
Europa. “Durante a União Ibérica, estabeleceu-se um sistema de frota única, proveniente
de Portugal, mantido após a Restauração em 1640. Muitos mercadores se queixaram
pela perda de negócios, mas essa estratégia foi mantida até a abertura dos portos no
Brasil em 1808” (VAINFAS, 2000, p. 392).
Acredita-se que somente durante o reinado de D. José I (1750–1777), com a
administração do Marquês de Pombal, é que Portugal teria realizado um esforço para o
desenvolvimento da metrópole com base no modelo mercantilista, promovido pela
reestruturação da economia do império ultramarino, principalmente com o fortalecimento
das companhias comerciais portuguesas. O monarca antecessor, D. João V (1706-1750),
havia implementado diversos mecanismos para garantir o monopólio português em
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relação às minas de ouro e diamantes, durante o auge do ciclo de ouro. Porém, ainda
segundo Vainfas (2000, p. 393):
Falaremos da mobilidade social mais adiante, mas cabe já destacar que uma das
poucas possibilidades de mobilidade socialmente reconhecidas no Antigo Regime era a
graça régia, as benesses recebidas do monarca em razão do desempenho de uma
função. O enriquecimento, por exemplo, não era visto com bons olhos, e não era forma
legitimada socialmente de ascensão social, em razão das crenças católicas
predominantes, que condenavam o lucro e a usura (HESPANHA, 2006). Além dessas
características da sociedade portuguesa, é importante destacar que tanto a monarquia
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quanto a aristocracia eram dependentes economicamente das possessões portuguesas
e riquezas ultramarinas. De acordo com Fragoso (2012, p. 118), o rei e a nobreza “viviam
de recursos oriundos não tanto dos camponeses europeus (agricultura e cobrança de
impostos), como em outras partes do Velho Mundo, mas do ultramar”. Ou seja, viviam
sobretudo da produção dos indígenas e depois dos escravos africanos levados às
plantações americanas. A monarquia e a nobreza tinham, então, “na periferia a sua
centralidade e o seu sustento, e isto era feito pelo comércio, tendo por base produtiva a
partir do século XVII principalmente a escravidão africana na América.” Em outras
palavras, o desenvolvimento de Portugal se deveu ao tráfico, a fonte principal de seu
sustento.
De acordo com Raminelli (2013), a sociedade portuguesa estava caracterizada por
estamentos, organizados da seguinte forma: o primeiro estrato social era formado por
fidalgos e nobres, que haviam recebido esse título; um segundo estrato era composto por
juízes, vereadores, oficiais de tropas pagas, milícias e ordenanças, licenciados e
negociantes de grosso trato (como eram chamados os traficantes de escravizados). Essa
nobreza podia ser hereditária, originando os fidalgos, ou então civil e/ou política, formada
por indivíduos tornados nobres pelo soberano em função de méritos ou serviços
prestados. A primeira era considerada a “alta nobreza” e a segunda, a “baixa nobreza”.
Nesse sentido, Portugal se assemelhava às demais monarquias da Europa, de
acordo com a análise de Raminelli (2013, p. 89):
Podemos afirmar que essa era uma semelhança de Portugal com os demais Estados
modernos: a sociedade estamental e a vigência de privilégios, além da dificuldade de
mobilidade social para as classes menos abastadas. A esse respeito, Hespanha (2006,
p. 122) é taxativo quanto à mobilidade social da sociedade portuguesa:
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Alguma mobilidade começava, desde logo, por ser impossível. Não se podia
deixar de ser mulher, por exemplo. Demente era também um estado
tendencialmente definitivo. Menor, deixava-se naturalmente de se ser, mas pela
passagem objetiva e natural do tempo, a menos que interviesse algo de
extraordinário, como a graça real da emancipação. Selvagens e rústicos podiam,
relativamente, aperfeiçoar-se. Mas os progressos eram problemáticos e lentos,
ligados a um êxito educativo mais longo e mais incerto do que o das crianças.
Menos definitivo era o estado de mecânico ou de pobre. Mas, mesmo nestes
casos, a mudança tinha que respeitar ritmos e passos que não dependiam senão
em muito pouco da vontade própria. Não quero com isto dizer que a situação
(econômica, social, cultural) das pessoas não mudasse, para melhor ou para pior.
Quero antes sugerir que isto: a) quase não se via; b) pouco se esperava; c) e mal
se desejava.
O que se tinha, então, era uma sociedade fundada nos privilégios de nascimento ou
na conquista de títulos de nobreza mediante o sistema de mercês e na preeminência do
clero, para além da força da Igreja Católica, da Inquisição e da intolerância religiosa
(VILLALTA, 2016). A Inquisição, nesse sentido, pode nos ensinar muito sobre a
sociedade portuguesa do Antigo Regime. Conforme Schaub (2000, p. 125), a inquisição
era “produtora de distinção social e garantidora de pureza de sangue de seus oficiais e
confidentes” e, portanto, era
[...] legitimada por famílias que desejavam adquirir uma dignidade social
definitiva. [...] Em vez do Santo Ofício aparecer como o tribunal onde o conjunto
da sociedade acorre a prestar contas, [...] a inquisição era uma instituição imersa
numa complexa dinâmica social e cultural, definida e configurada pelas
pretensões daqueles que a integram em benefício próprio.
Assim, a missão dos inquisidores era não somente disciplinar a sociedade, mas
também marcar distâncias entre os grupos sociais e fortalecer as relações de dominação.
3 A REVOLUÇÃO DE AVIS
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Borgonha, ocasionou um problema na sucessão, porque aquela que deveria assumir o
cargo, além de não ser bem quista pela população, representava uma ameaça pela
proximidade com a coroa de Castela. O casamento de Fernando I provocou
descontentamento de parte do reino, pois escolheu como esposa Leonor Teles, em
detrimento de vantajosos acordos de casamento com herdeiras dos reinos vizinhos. O
casal não teve filhos homens; sua única filha, Beatriz, foi entregue em acordo de
casamento ao rei D. João de Castela. Essa situação criou então a possibilidade do rei de
Castela vir a se tornar rei de Portugal. Assim, D. Fernando procurou evitar essa
possibilidade mediante certas determinações no acordo de casamento (COSER, 2015).
Além disso, seu governo enfrentou grandes pressões, já que a “mudança na
correlação de forças internas, os anseios dos homens bons das cidades, a insatisfação
dos filhos segundos da nobreza, o peso das guerras e das pilhagens geravam
conturbações sociais que se agravaram no reinado de D. Fernando, o último rei da
dinastia de Borgonha” (COSER, 2015, p. 703). Assim, o problema sucessório da coroa
transformou-se em uma revolta, que envolveu diferentes estratos da sociedade:
O encerramento da crise se deu com a coroação de João, Mestre de Avis, como rei
de Portugal, passando a se chamar D. João I, inaugurando a dinastia de Avis. D. João I
(1357–1433) era filho bastardo do rei D. Pedro I, da dinastia de Borgonha, e sua
aclamação como rei foi favorecida pelo “medo da ameaça estrangeira do rei D. João de
Castela, casado com D. Beatriz, filha do rei D. Fernando I e D. Leonor e a antipatia do
povo português para com a viúva D. Leonor, casada com o rei D. Fernando I, irmão do
Mestre de Avis” (BLANCO, 2016, p. 18). D. João I possuía apoio popular, suporte de
grande parte do clero e de alguns nobres que almejavam maior prestígio. A Revolução
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de Avis teve consequências políticas e econômicas. Quanto ao primeiro aspecto, o
evento marca a efetiva independência de Portugal em relação ao reino de Castela. “O
discurso desenvolvido pela nova dinastia, para além da afirmação de sua legitimidade,
objetivava promover o rei a um soberano de fato no reino português. E o rei como
verdadeiro soberano seria o rei capaz de unir todos os segmentos sociais, justamente
por sobrepor-se a eles, formando uma unidade reconhecível por todos, que viria a
constituir a nação portuguesa” (COSER, 2015, p. 708).
E qual a relação da Revolução de Avis com o mercantilismo português? Antes de
respondermos essa pergunta, é importante destacarmos que Portugal estava inserida
em importantes rotas comerciais dos países da Europa setentrional, que faziam escala
nos portos de Lisboa e do Porto. A inserção desses portos nas rotas de navegação dos
mercadores flamencos e italianos levou ao desenvolvimento da burguesia marítimo-
comercial portuguesa, que encontrou na Revolução de Avis uma oportunidade de
associar-se com a coroa para o desenvolvimento das grandes navegações. Parece haver
um consenso na historiografia de que, com a dinastia dos Avis, temos o início da
expansão marítima portuguesa (CONFORTO, 2003). Lembremos que esses
acontecimentos ocorreram em meio às crises que atingiram a Europa no século XIV,
como a Peste Negra e a Guerra dos Cem Anos, que causaram prejuízos à agricultura em
função da indisponibilidade de mão de obra.
Ainda com esses reveses, Portugal foi capaz de desenvolver suas práticas
comerciais, área com bastante proeminência desde a Idade Média, com o surgimento de
uma burguesia comercial marítima. Esse estrato social surgiu em função da posição
geográfica portuguesa, pois seus portos eram utilizados como escala para os mercadores
do norte da Europa, quando viajavam para comerciar no Mar Mediterrâneo. De acordo
com Conforto (2003, p. 250), “a entrada dos portos marítimos portugueses nas rotas de
navegação levou [...] judeus, genoveses, marselheses, flamengos e outros a se
estabelecerem definitivamente em terras portuguesas”. Esse grupo comercial mercantil
viu-se ameaçado com a crise sucessória em Portugal e uma possível submissão do reino
de Portugal a Castela, o que ocorreria caso a herdeira, Beatriz, assumisse a coroa. Essa
ameaça levou a burguesia mercantil portuguesa a apoiar João, Mestre de Avis.
Conforme Conforto (2003, p. 250):
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A revolução de Avis entronizou um monarca sensível a interesses da burguesia
comercial. [...] Foi sob o comando de D. João I que Portugal entrou na fase
mercantilista e na epopeia das grandes navegações. A insuficiência portuguesa
em metal circulante, em produtos agrícolas e em mão de obra, sua posição
geográfica privilegiada, a tradição da escola de Sagres e os desejos de expansão
da fé cristã são causas apontadas para o expansionismo português. A principal
causa foi a existência de condições políticas e institucionais favoráveis à
expansão.
4 PORTUGAL E O MAR
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desenvolvimento tecnológico do período. Primeiramente, é preciso fazer referência ao
aperfeiçoamento da arte de navegar, por meio da Escola de Sagres. De acordo com João
(2005, p. 418):
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segundo Russel-Wood (2001, p. 12), tiveram “uma próspera área portuária, testemunho
da sua importância como empórios, tanto para a cabotagem como para o comércio
oceânico, e cada uma podia contar com a presença de fortes fortins, baluartes e redutos
em volta das respectivas baías e áreas contíguas”. Podemos afirmar, dessa forma, que
a expansão marítimo-comercial portuguesa correspondia aos vários interesses das
diferentes classes sociais e instituições. Para os comerciantes, significava uma
possibilidade de bons negócios; para o rei, novas receitas e aumento dos rendimentos
da coroa; para os nobres e membros da Igreja, novos convertidos e recompensas com
cargos mediante a prática das mercês; e para o povo, uma possibilidade de vida nova.
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em Calicute, nas Índias, por Vasco da Gama em 1498; e a chegada de Pedro Álvares
Cabral no território americano em 1500.
A partir desses dados, podemos afirmar que em menos de um século Portugal
dominou as rotas comerciais do Atlântico Sul, incluindo África, América e Ásia. Na África,
os portugueses estabeleceram feitorias (postos fortificados de comércio) para
negociação de escravizados, especiarias, marfim e ouro. Na América Portuguesa, as
primeiras práticas comerciais foram extrativistas, vinculadas à exploração do pau-brasil.
Com a chegada de Cristóvão Colombo à América, financiado pelo governo espanhol, as
disputas entre Portugal e Espanha pelo domínio do Atlântico tornaram-se mais acirradas,
levando os dois países a assinarem tratados de partilhas.
• Bula Intercoetera: tratado assinado pelo papa Alexandre VI, em 1493, que dividiu o
Oceano Atlântico entre Espanha e Portugal, privilegiando o primeiro.
• Tratado de Tordesilhas: assinado em 1494, novamente com o intermédio papal,
estipulava um novo limite para as possessões espanholas e portuguesas, permitindo que
Portugal mantivesse suas rotas marítimas no Atlântico Sul.
Os conflitos com a Espanha e com outros países não foram as únicas dificuldades
enfrentadas por Portugal, já que as navegações de longa distância em si impunham
árduos desafios de logística. Ramos (1997, p 76) afirma que um dos principais obstáculos
enfrentados nessas façanhas se relacionava à alimentação. “A escassez de alimentos
em Portugal terminava refletindo-se a bordo das embarcações portuguesas, geralmente
abastecidas para enfrentarem cinco meses de viagem em alto mar, quando na verdade
a viagem levava no mínimo sete meses. Além do que, os alimentos acabavam se
deteriorando ao longo da viagem devido ao tempo e às condições de armazenamento
precárias, sendo a fome companheira constante e inseparável dos navegantes
portugueses. Em casos extremos, muitas embarcações foram obrigadas a recorrerem
aos muitos ratos que infestavam o navio como única forma de sobreviver”. Além das
privações alimentares, o autor faz referência às acomodações a bordo, bastante
insalubres, que geravam constrangimentos e desconforto. Esse ambiente hostil teria feito
com que Portugal destinasse cada vez mais degradados para participarem dessas
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carreiras, já que os voluntários se direcionaram à carreira do Brasil. Como se não
bastasse, havia ainda incontáveis doenças, motins e naufrágios (RAMOS, 1997).
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5 A COLONIZAÇÃO E O MERCANTILISMO
Antes de iniciarmos a discussão sobre o que foi o colonialismo e sua relação com as
práticas mercantilistas, é necessário fazer referência a um intenso debate historiográfico
desenvolvido no Brasil e em Portugal nas últimas décadas. Essa discussão entre
historiadores brasileiros e portugueses visava aprimorar as interpretações sobre a
economia colonial brasileira, a estrutura do Império Português e as teorias que
preconizavam a relação entre a metrópole portuguesa e suas colônias. Na década de
1970, predominavam na historiografia brasileira sobre a América portuguesa
interpretações que se baseavam em visões bastante dogmáticas do marxismo,
inspiradas em trabalhos elaborados por Caio Prado Jr. e Celso Furtado, respectivamente
nas décadas de 1940 e 1950 (FRAGOSO, 2012). Para citar apenas um exemplo, vejamos
como Fernando Novais compreendia a inserção do Brasil no colonialismo e nas práticas
mercantis:
A ocupação, povoamento e valorização econômica do Brasil na época moderna, a
sua colonização enfim, processando-se na etapa da ascensão burguesa vinculada ao
capitalismo comercial, dá lugar a uma entidade específica (colônia da metrópole-
Portugal): suas estruturas básicas configuram uma colônia de exploração por se
formarem e se desenvolverem nos quadros e ao ritmo do antigo sistema colonial de
relações entre as economias centrais e periféricas do capitalismo mercantil (NOVAIS,
1969, p. 262).
Essa interpretação passou a ser criticada na década de 1970, com os trabalhos de
Ciro Flamarion Cardoso e Jacob Gorender, e, nos anos 1990, com os trabalhos de
Fernando Novais, que reviu várias posições de seu trabalho, e Laura de Mello e Souza.
Nos anos 1990, também foram defendidas as teses de doutorado de João Fragoso e
Manolo Florentino, contribuindo com as críticas às visões mecanicistas sobre a economia
colonial da América Portuguesa. De acordo com Fragoso (2012, p. 110):
[...] começou-se a demonstrar que a economia era mais do que uma plantation
exportadora, existia um circuito de mercados internos disseminados pela
América. Mesmo nas regiões até então vistas como açucareiras, como o
Recôncavo Baiano, observou-se a existência de áreas dedicadas à lavoura
mercantil de alimentos. O conjunto desses resultados colocou dúvidas sobre uma
série de hipóteses a respeito da dependência.
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Isso significava que as teorias sobre o pacto colonial, os monopólios e os exclusivos
coloniais, a relação entre metrópole e colônia, precisavam ser revistas, porque as fontes
primárias destoavam de um marxismo maniqueísta. Fragoso (2012, p. 113) cita um
exemplo para compreendermos como as dinâmicas econômicas da América Portuguesa
eram mais complexas que a exportação de matérias-primas e a importação de
manufaturados, como apregoava o “pacto colonial”:
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licenças especiais para mercadores estrangeiros por motivos econômicos ou
diplomáticos (RICUPERO, 2016).
Nesse sentido, esse grupo de historiadores afirma que são insuficientes os dados
apresentados pelos críticos da acepção do sistema colonial para invalidar os argumentos
de que o colonialismo teria contribuído para o desenvolvimento industrial europeu.
Segundo a análise de Arruda (2014, p. 717):
[...] é inegável que o mundo colonial teve um papel decisivo neste cenário,
promovendo a transferência de riquezas das colônias para as metrópoles. No
caso de Portugal, o excedente sob a forma de remessas líquidas ou créditos
consignados na balança comercial sustentou os tesouros públicos, alimentou a
formação da dívida pública, abasteceu os cofres dos particulares envolvidos da
rede mercantil operando nas águas e territórios do império, além de ter se
transformado num mercado consumidor seguro para as manufaturas
portuguesas.
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Não houve inicialmente uma ocupação sistemática da América portuguesa, já que a
carreira para as Índias era mais rentável financeiramente. Nas primeiras décadas após o
“descobrimento”, a principal atividade econômica desenvolvida foi a extrativista, com a
exploração do pau-brasil. O pau-brasil é uma árvore da qual se pode extrair um corante
vermelho para o tingimento de roupas. A exploração desse recurso se dava por sua
disponibilidade, o que levava a uma constante migração em função de seu esgotamento.
A extração era feita por meio do escambo (troca) da força de trabalho indígena por
objetos trazidos pelos portugueses da Europa.
Para estocar e proteger a madeira, foram construídos ao longo do litoral feitorias,
entrepostos comerciais fortificados. O pau-brasil foi declarado produto de monopólio da
coroa portuguesa, o que nos demonstra a adoção de políticas econômicas mercantilistas
por Portugal. Contudo, posteriormente, a coroa concedeu o direito de extração a
arrendatários, em função de sua atenção aos investimentos na carreira das Índias. Os
arrendatários arcavam com as despesas da extração e pagavam impostos à coroa
portuguesa, mas ficavam com o lucro nas vendas. De acordo com Souza (2001, p. 63):
[...] nos 20 primeiros anos de vida do futuro Brasil, os portugueses criaram apenas
duas feitorias: em 1504, em Cabo Frio; em 1516, em Pernambuco.
Predominaram, portanto, as atividades de cunho privado, e o Estado poupou
suas energias para a construção de um império no Oriente. Nenhuma
preocupação com o povoamento surgiu tampouco nessa época, quando os
habitantes europeus da costa eram apenas os degredados deixados para trás
desde a viagem de Cabral, um ou outro desertor das naus, como os grumetes a
que se refere a carta de Caminha, todos eles constituindo o tipo do “lançado”,
que desde a experiência quatrocentista da África fazia, voluntária ou
involuntariamente, a intermediação entre os universos culturais distintos.
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Com o início do processo colonial, também houve transformações no âmbito
econômico, com a introdução do cultivo da cana-de-açúcar, cuja produtividade era
favorecida pelas condições climáticas da América portuguesa, além de possuir boa
aceitação no mercado europeu. Antes de desenvolver a cultura da cana na América,
Portugal já a cultivava nas ilhas atlânticas (Madeira, Açores, Cabo Verde e São Tomé).
sobretudo na compra de sal para a indústria de pesca holandesa, uma das bases
da prosperidade batava — além do que, judeus sefarditas de Amsterdam
participavam há tempos da produção e do comércio de açúcar do Brasil. Ao
término da trégua hispano-holandesa (1609–1621), esse comércio de sal e
açúcar estava comprometido (VAINFAS, 2000, p. 314).
27
7.1 Os franceses
talvez não seja exagerado dizer terem sido os franceses que decidiram a sorte
das terras achadas por Cabral. Não fosse sua presença constante no litoral
durante todo o primeiro quartel do século, e não fosse, muito depois, em 1555, o
seu empenho em fundar uma colônia na baía de Guanabara e talvez o interesse
português pelo Atlântico Sul ficasse adormecido por mais tempo.
De acordo com Vainfas (2000, p. 312), “os franceses conheciam bem o litoral do
Brasil desde o início do século XVI: transportavam pau-brasil em grande quantidade,
aliavam-se a grupos indígenas e percorriam o extenso litoral com a mesma frequência
dos lusos. Por muito tempo, [...] a posse desse litoral não esteve assegurada aos
lusitanos”. A primeira invasão francesa ocorreu no Rio de Janeiro, entre 1555 e 1567, e
levou à fundação da França Antártica. A expedição foi chefiada por Nicolas Durand de
Villegaignon, apoiado pelo governo francês, trazendo colonos calvinistas e frades
capuchinos. Segundo Vainfas (2000, p. 312):
7.2 Os holandeses
O terceiro período corresponderia aos anos de 1645 a 1654, logo após Nassau
entregar o governo ao Conselho de Recife, regressar à Holanda e ser deflagrada a guerra
de restauração e a derrota dos holandeses.
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De todo modo, o ânimo da resistência se ativou com a reconquista do Maranhão,
em 1643, e a insurreição de 1645 tomou corpo com o endividamento dos
plantadores de cana. O declínio dos preços do açúcar foi, assim, grande
catalisador da crise do Brasil holandês. A Restauração Pernambucana ocorreu
graças à aliança dos luso-brasileiros, dos moradores de Pernambuco e dos
exilados na Bahia, todos unidos contra os holandeses na fase derradeira da
guerra (VAINFAS, 2000, p. 316).
8 EXPANSÃO TERRITORIAL
O Brasil esteve sob domínio português durante mais de três séculos. Ainda que a
cultura brasileira tenha sido composta a partir de influências africanas, europeias e
indígenas, a estrutura formada para administração colonial reproduzia instituições e
práticas jurídicas de conhecimento dos portugueses, ou seja, provenientes da Europa e
do colonialismo. Por isso, ao tratar da estrutura administrativa, institucional e política da
América portuguesa, o conceito de Antigo Regime nos trópicos é bastante eficaz para
compreender as relações estabelecidas entre Portugal e sua colônia na América.
A presença do Antigo Regime não só era percebida nas rotas marítimas ou nos
negócios cotidianos internos de Angola ou de Portugal, mas também tal presença
deixou suas marcas em instituições como a Câmara Municipal e a Santa Casa
de Misericórdia. De origem reinol, elas se espalharam por diferentes espaços
ultramarinos: de Recife a Macau. Mais do que isto, as Câmaras serviam, à
semelhança das lusas, como locus de negociação entre a “nobreza da terra” local
e os poderes do centro. Portanto, em meio àqueles vários vínculos ultramarinos,
não há por que se espantar com a existência de redes políticas que, partindo de
Goa ou do Rio de Janeiro, chegavam ao paço lisboeta, sendo base de conflitos
e negociações nos rumos do Império.
33
8.2 A estrutura administrativa da América portuguesa
Por fim, é importante fazer referência às câmaras municipais que, para muitos
historiadores, eram os órgãos mais importantes da administração colonial. As
Ordenações Manuelinas estabeleciam a vida administrativa das vilas e povoações, com
estrutura jurídica semelhante às da metrópole.
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As câmaras eram sediadas nas vilas e nas cidades e eram compostas de membros
natos (não eleitos) e de representantes eleitos. “Votavam nas eleições, que eram
geralmente indiretas, os ‘homens bons’, ou seja, proprietários residentes na cidade,
excluídos os artesãos e os considerados impuros pela cor e pela religião, isto é, negros,
mulatos e cristão novos” (FAUSTO, 1995, p. 64). De acordo com Torres (2002, p. 27):
35
dos franciscanos e dos carmelitas, com atividades relacionadas à catequese, à educação
(religiosa e laica), além das atividades econômicas.
9 AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS
Seja como for, a administração colonial nos moldes das capitanias hereditárias não
obteve os resultados esperados. Os capitães-donatários enfrentaram uma série de
dificuldades, tais como a descentralização administrativa, ausência de auxílio da coroa e
falta de recursos, dificuldades de comunicação, problemas na defesa do território,
confronto com os indígenas, etc. (FAUSTO, 1995). A consequência foi a falência ou a
renúncia de seus direitos e o abandono das capitanias por seus capitães-donatários,
excetuando-se aquelas que obtiveram êxito, devido às atividades econômicas
relacionadas à produção do açúcar e às negociações com os indígenas — a capitania de
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São Vicente e a capitania de Pernambuco (FAUSTO, 1995). Assim, foi criado o Governo
Geral, mas o sistema de capitanias foi extinto somente em 1759.
Criado pela Carta Régia de 7 de janeiro de 1549, sua função era centralizar a
administração colonial, sediada na capitania da Bahia. Conforme Guilherme Amorim
Carvalho (2013), o Governo Geral não extinguiu o sistema das capitanias hereditárias,
mas esse foi perdendo a importância devido à retomada das capitanias por parte da coroa
e sua transformação em “capitanias régias”.
39
território e em 1621, durante o domínio espanhol em função da União Ibérica, a
administração colonial foi dividida em Estado do Maranhão e Estado do Grão-Pará, com
o objetivo de melhorar as defesas do território e facilitar a comunicação com a metrópole.
11 O EXTRATIVISMO
41
De acordo com Homma (2008), há um limite para o crescimento de mercado da
economia extrativa: a oferta, restrita à existência fixa de estoques naturais, não consegue
suprir a demanda. Enquanto o mercado é reduzido e enquanto ainda há grandes
estoques, é possível atender nichos de mercado ou ganhar tempo, até que surjam
alternativas econômicas. Na primeira fase da colonização do território americano luso, a
principal atividade extrativista foi a coleta de pau-brasil, que se localizava próximo ao
litoral, na zona da mata, que era de fácil acesso para os navegantes e comerciantes
portugueses. Foi explorado do litoral do Rio Grande do Norte até o Rio de Janeiro.
De acordo com Santos (2015, documento on-line), “[...] em 1501, a expedição
comandada por Duarte Coelho reconheceu a madeira preciosa e, em função da grande
procura por corantes naturais na Europa, enviou uma carga com amostras a Portugal. O
nome pau-brasil deriva-se, provavelmente, pela ‘cor de brasas que produz’”. Contudo, ao
longo da expansão territorial, outros produtos foram inseridos nessa lógica econômica,
como as “drogas do sertão”, a exploração de tartarugas e a extração de cacau. As
“drogas do sertão”, segundo Ronaldo Vainfas (2000, p. 191) eram “[...] os produtos,
nativos ou aclimatados, do Amazonas, Pará e Maranhão, muito procurados na Europa
como drogas medicinais, temperos ou tinturaria”.
O pau-brasil passou a interessar os colonizadores portugueses porque, de sua
madeira, era possível extrair um corante vermelho, bastante apreciado no mercado
europeu, em que a indústria têxtil estava em pleno desenvolvimento. A extração do pau-
brasil foi transformada em monopólio da coroa, e seu primeiro arrendatário foi Fernão de
Loronha (ou Fernando de Noronha, conforme algumas grafias), que pagaria taxas (um
quinto do lucro obtido) à coroa e protegeria a costa (ZEMELLA, 1950). A extração do pau-
brasil e seu comércio foi disputada por Portugal com outros reinos. Os franceses, por
exemplo, traficaram a madeira até meados do século XVI, muitas vezes estabelecendo
alianças com os nativos. Conforme Santos (2015, p. 42):
42
Quanto aos lucros obtidos pelo comércio do pau-brasil, Zemella assinala que não era
assim tão tentador. “Ia decrescendo cada vez mais, em virtude das guerras de corso, das
lutas com os franceses. A exploração do pau-brasil foi se convertendo numa empresa
arriscada, cujos lucros eram muito magros para compensar os riscos e perigos. Os
comerciantes se retraem. O monopólio do pau-brasil já não encontra arrendatários”
(ZEMELLA, 1950, p. 486). Contudo, até quase o final do século XIX o pau-brasil estava
presente na lista de produtos exportados pelo Brasil. Logo após a descoberta do Brasil,
o extrativismo do pau-brasil (Caesalpinia echinata Lam.), de acordo com Homma (2008,
p. 22), “[...] foi o primeiro ciclo econômico pelo qual o país passou e que perdurou por
mais de três séculos. O início do esgotamento dessas reservas coincidiu com a
descoberta da anilina, em 1876, pelos químicos da Bayer, na Alemanha”.
Para a extração do pau-brasil, a mão de obra utilizada foi a indígena e,
posteriormente, a de africanos escravizados. Os indígenas cortavam as árvores na mata
e arrastavam os troncos até o litoral, onde eram preparados para serem embarcados. O
pagamento por seu trabalho era feito por meio do escambo: recebiam pelo corte e
transporte canivetes, facas, miçangas, tecidos e outras quinquilharias (ZEMELLA, 1950).
43
12 A AGRICULTURA E A PECUÁRIA NA AMÉRICA PORTUGUESA
12.1 A cana-de-açúcar
[...] alambiques proliferaram ao longo dos séculos coloniais, tanto nos grandes
engenhos quanto nas sesmarias de colonos plantadores de cana. Aqui na
Colônia, juntamente com as farinhas de mandioca e milho, a cachaça passou a
ter uso corrente na alimentação colonial e foi fundamental para abastecer a
escravaria.
45
casa-grande, habitada pela família proprietária, pela senzala, local destinado aos
escravizados, além dos espaços de trabalho, e poderiam ter capelas e escolas.
46
assegurar sua posição de nobreza colonial. Ainda segundo Schwartz (1998, p. 234), “[...]
os senhores de engenho compuseram inquestionavelmente o seguimento mais poderoso
da sociedade baiana”. A insegurança decorrente dessa nobreza relativa — já que não
possuíam tal título frente à metrópole — fazia com que esses homens recorressem a
funções, atos e modos de vida que legitimassem, em relação ao resto da sociedade
colonial, sua posição social e seu status mediante seu modo de vista, a relação entre a
família e a propriedade e a difusão de ideais patriarcais, sendo a família sinônimo de casa
e linhagem, como continuação de seu legado.
Em relação à mão de obra, Moura (2013, p. 135) nos chama a atenção para o
destaque recebido pela escravidão africana nas produções historiográficas, com menos
ênfase para a escravidão indígena, que também foi um elemento bastante importante no
desenvolvimento da economia colonial:
12.2 A pecuária
48
da carne, eram utilizados o couro e o sebo do animal, assim como sua força de tração
para o funcionamento dos engenhos. “Em 1701, a administração portuguesa proibiu a
criação em uma faixa de 80 quilômetros da costa para o interior” (FAUSTO, 1995, p. 84),
o que transformou os pecuaristas em desbravadores do “sertão”, como era chamado o
território do interior, e em povoadores, alcançando os atuais territórios do Piauí,
Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, e dominando a região dos rios São
Francisco, Tocantins e Araguaia. Mais do que o litoral, foram essas regiões que se
caracterizaram por imensos latifúndios, onde o gato de espalhava a perder de vista.
“No fim do século XVII, existiram propriedades no sertão baiano maiores do que
Portugal, e um grande fazendeiro chegava a possuir mais de 1 milhão de hectares”
(FAUSTO, 1995, p. 84). As fazendas de gado desenvolviam agricultura de subsistência
e eram dominadas por famílias ligadas à elite dos senhores de engenho do litoral. “Por
seu afastamento dos centros do governo real, os fazendeiros de gado detinham um poder
mais irrestrito do que os senhores de engenho” (PIASSINI, 2013, documento on-line). Na
lida com o gado, foi utilizada a mão de obra indígena, africana escravizada e de
trabalhadores livres.
Os relatos em relação à qualidade da carne, no entanto, desaprovavam o produto:
49
alimentação da população local, sendo que sua distribuição chegava à região das minas
de ouro no Sudeste do Brasil.
51
escravização de negros e indígenas não eram interpretados como um questionamento
da escravidão em si. “Esse era primordialmente um problema de ordem jurídica e política,
na medida em que os índios eram considerados súditos das monarquias europeias”
(FREITAS, 2011, p. 2652). A escravidão indígena foi extinta com as reformas pombalinas
na segunda metade do século XVIII, estabelecendo que as relações entre colonos e
indígenas em termos de mão de obra se daria mediante o trabalho livre. O historiador
Ciro Flamarion Cardoso chama a atenção para a longa duração do processo de extinção
da escravidão indígena: “[...] embora a escravização dos índios tenha sido banida por
numerosas leis desde 1570, não cessou jamais de todo no período colonial, só perdendo
importância, nas regiões coloniais periféricas, em meados do século XVIII” (CARDOSO,
1990, p. 103).
Como mencionado anteriormente, o término da escravidão indígena foi atribuído ao
“caráter” do indígena e a substituição de sua mão de obra pela dos africanos
escravizados. Entretanto, esse processo foi muito mais complexo, havendo coexistência
na utilização do trabalho compulsório africano e indígena, além de envolver outras
questões que extrapolavam os julgamentos de caráter. Segundo Freitas (2011, p. 2652),
[...] eles pressionaram a Coroa para proibir o cativeiro injusto dos índios. A “Lei
sobre a Liberdade dos Gentios”, de 1570, estabeleceu um dos fundamentos da
política indigenista portuguesa, declarando livres todos os índios, salvo aqueles
sujeitos à “Guerra Justa” — grupos inimigos que apresentavam alguma
resistência armada (MONTEIRO, 2013, p. 29).
52
13.1 Os confrontos culturais entre indígenas e portugueses
O escritor uruguaio Eduardo Galeano (2012), em seu livro Os filhos dos dias, afirma
que no ano de 1492 os nativos descobriram que eram índios, descobriram que viviam na
América, descobriram que estavam nus, descobriram que existia o pecado, descobriam
que deviam obediência a um rei e a uma rainha de outro mundo, além de um deus de
outro céu. Essa irônica observação do autor é bastante ilustrativa dos confrontos culturais
existentes entre os europeus e as populações autóctones. No momento do contato,
houve o confronto entre dois mundos distintos, implicando diferentes culturas, práticas
sociais, religiosidades, etc. É importante ressaltar que, diferentemente daquilo que foi
afirmado por uma historiografia que pretendeu denunciar as mazelas da colonização, não
houve somente um processo de aculturação ou extermínio dos indígenas, mas também
processos de negociação e apropriação de referentes europeus por parte dos grupos
nativos em proveito próprio (MONTEIRO, 2001). Nesse sentido, seria importante
abandonar o binarismo “pureza originária” e “contaminação pós-contato”, ressaltando-se
um processo contínuo de inovação cultural a partir da expansão europeia.
Um dos primeiros confrontos culturais entre os portugueses e as populações nativas
foi a redução promovida pelos primeiros à diversidade cultural indígena em apenas dois
grupos: os tupis, que representavam os grupos localizados no litoral, que possuíam
contato com os europeus, e os tapuias, os “desconhecidos”, que não eram conhecidos
pelos portugueses. É importante destacar que os próprios portugueses tinham noção
dessa heterogeneidade e, ainda assim, realizaram essa classificação simplificadora (DEL
PRIORE, 2016). Temos informações sobre a cultura e os hábitos dos povos originários
do território da América portuguesa através dos relatos de missionários e viajantes, que
os descreviam a partir do estabelecimento de contatos. Muitas práticas indígenas
chocavam os europeus, como a antropofagia e a poligamia (DEL PRIORE, 2016). Por
isso, não demorou muito tempo para que os portugueses resolvessem “instruir” os
indígenas. De acordo com Mary Del Priore, “instruir” significava “a substituição de suas
tradições por aquelas dos brancos: batizar os filhos, casar-se na igreja, evitar a bigamia,
andar vestido, aprender a ler, escrever, contar e mesmo cantar” (DEL PRIORE, 2016, p.
64). Esse foi o principal papel dos jesuítas na América.
53
De que forma o contato com os europeus afetou a vida dos indígenas? O historiador
Ciro Flamarion Cardoso nos ajuda a compreender os efeitos adversos do choque cultural:
54
A autora afirma que as novas relações de trabalho desestruturaram o sistema
organizacional de diferentes grupos étnicos ao violar a divisão do trabalho das
sociedades indígenas. Assim, enquanto os colonos fomentavam a mão de obra
masculina para as atividades agrícolas, os homens aceitavam realizar apenas tarefas de
derrubadas e queimadas. “As demais atividades, por serem atribuídas às mulheres, eram
rejeitadas, o que não era compreensível ou aceitável pelos colonos” (PARAÍSO, 1994, p.
186). Além disso, houve uma progressiva tomada de consciência quanto à unilateralidade
dos direitos, somente garantido aos portugueses, o que fez com que os indígenas
questionassem as vantagens dos acordos estabelecidos com os europeus. A proibição
do ritual antropofágico, por exemplo, com a entrega dos indígenas capturados à
escravidão, era questionada tanto pelos indígenas vencedores quanto pelos perdedores,
porque aquele ato era considerado de extrema importância em suas culturas (PARAÍSO,
1994). Por fim, outro aspecto que deve ser assinalado no choque cultural dos sistemas
de trabalho indígena e europeu diz respeito à lógica comunitária dos nativos americanos.
Para que não houvesse um total rompimento nesse aspecto, foram criados os
aldeamentos, em que era possível reproduzir parte de sua vida em comunidade.
O historiador Ronaldo Vainfas (2000), no entanto, reforça outro aspecto que vincula
os jesuítas ao movimento da reforma da Igreja Católica, ou Contrarreforma. Estavam eles
imbuídos de um “espírito cruzadista medieval”, e se propuseram a difundir a fé através
do conhecimento e do ensino. Por isso, também atuaram instalando colégios em suas
áreas de atuação. No território português na América, o primeiro grupo de jesuítas,
liderado por Manuel da Nóbrega, chegou em 1549, junto com a comitiva de Tomé de
Souza, o primeiro governador-geral. Aos jesuítas, foi garantido o monopólio das
atividades de conversão dos indígenas, chamados de “gentios”, o que demonstra a
confiança conquistada com a coroa (VAINFAS, 2000).
Foram duas as formas de atuação dos jesuítas na América: pelo aldeamento dos
indígenas e pela fundação de colégios.
56
dos jesuítas, que, além do controle dos índios possuíam, muitas vezes, o controle do
crédito e a propriedade da terra, iria perdurar por muito tempo:
57
confisco de seus bens. Posteriormente, França (1764) e Espanha (1767) tomaram
semelhante decisão, até que o papa Clemente XIV, em 1773, extinguiu a ordem.
Em relação aos povos que ocupavam o território que viria a ser a América
portuguesa, existiam aqueles que ocupavam a região dos Andes e da Amazônia, os
povos da região do Xingu e do cerrado e os povos do litoral. Os indígenas que ocupavam
a região litorânea, majoritariamente tupis-guaranis, possuíam certa homogeneidade
cultural e linguística, e foram os primeiros a estabelecer contatos com os portugueses.
Nessa ocupação territorial, estima-se que houvesse cerca de 1.400 povos indígenas,
pertencentes a grandes famílias linguísticas — tupi-guarani, jê, karib, aruák, xirianá,
tucano — e bastante diversos cultural e socialmente (OLIVEIRA; FREIRE, 2006). Estima-
se que, no momento da chegada dos portugueses à América, a população indígena fosse
de 1 a 3 milhões de pessoas.
A seguir, abordaremos mais sobre as características principais da organização dos
povos indígenas. De momento, cabe ressaltar que há entre esses povos uma distribuição
social e de posições, funções, tarefas e responsabilidades que podem ser atribuídas aos
indivíduos ou a grupos dentro do próprio povo. Há grupos responsáveis pela formação
dos pajés e dos xamãs, indivíduos responsáveis pela segurança espiritual e física do
povo; há aqueles que formam os guerreiros, que dominam os conhecimentos sobre a
fabricação de armas e as técnicas de guerra; existem ainda os que se dedicam a formar
os caçadores e os pescadores e a produzir utensílios necessários para o
59
desenvolvimento dessas atividades, como canoas, cerâmicas, etc. (LUCIANO, 2006). Do
ponto de vista da organização social, a ausência de poder autoritário é mais uma
característica importante dessa organização social tradicional. Certas tarefas,
responsabilidades e serviços são do encargo dos caciques, mas eles não têm qualquer
poder soberano sobre o grupo. Nesses povos indígenas, os caciques são mais servidores
do seu povo do que chefes,
[...] uma vez que são responsáveis pelas funções de organizar, articular,
representar e comandar a coletividade, mas sem nenhum poder de decisão, o
qual cabe exclusivamente à totalidade dos indivíduos e dos grupos que
constituem o povo (LUCIANO, 2006, p. 64).
E de que forma podemos conhecer esses indígenas? Carlos Fausto (2010, p. 7) nos
auxilia demonstrando quais são as principais fontes para estudarmos os indígenas antes
do contato:
A partir dessas informações, é preciso reforçar que a história dos indígenas não se
concentra apenas ao período colonial, nem anteriormente à colonização. Algumas etnias
foram exterminadas devido à superioridade militar e tecnológica dos colonizadores, bem
como pelas doenças que foram trazidas à América pelos europeus, mas isso não significa
que os indígenas tenham sido extintos ou que sua história esteja restrita ao período pré-
colonial e colonial (OLIVEIRA, 2010).
60
étnica e sócio culturalmente diferenciados, que falam 180 línguas distintas (LUCIANO,
2006). Levando esse dado em consideração, será que podemos afirmar que a língua
portuguesa é a única língua falada no Brasil? Cada um dos povos indígenas possui
formas particulares de organização de suas relações econômicas, políticas e sociais, que
refletem suas concepções culturais. Além disso, essa organização pode ser distinta se
pensamos nas dinâmicas internas dos povos ou nas relações que estabelecem com
outros povos com os quais mantêm contato.
Como se organizam socialmente os indígenas? Luciano (2006, p. 43) assim define a
organização social de um povo indígena, lembrando, novamente, que se trata de uma
generalização, e não uma forma universal de sociedade:
Fratria ou sib é uma espécie de linhagem social dentro do grupo étnico, que está
relacionada direta ou indiretamente à origem do povo ou à origem do mundo,
quando os grupos humanos receberam as condições e os meios de
sobrevivência. Os sibs ou fratrias são identificados por nomes de animais, de
plantas ou de constelações estelares que, por si só, já indicam a posição de
hierarquia na organização sociopolítica e econômica do povo. Da mesma
maneira, os nomes dados aos indivíduos indígenas estão diretamente
relacionados ao sib ou à fratria a que pertencem, ou seja, à posição hierárquica
que cada indivíduo ocupa dentro do grupo (LUCIANO, 2006, p. 44).
61
Os modos de vida variam de povo para povo e, como dito anteriormente, dependem
as relações que os indígenas estabelecem com o meio natural que os cerca e com o
sobrenatural. Assim, alguns indígenas vivem nas margens dos rios, outros, no interior
das florestas, e há ainda os que habitam as regiões montanhosas. “Alguns deles vivem
em grandes malocas comunitárias, outros habitam aldeias ovais compostas por várias
casas ou pequenas malocas, ou ainda casas separadas e dispersas ao longo dos rios e
das florestas” (LUCIANO, 2006, p. 44). Essa diversidade também é expressa nas práticas
econômicas: alguns povos indígenas praticam a caça, outros a pesca, ou ainda a
agricultura e a coleta de frutas. Às vezes, mais de uma atividade econômica é
desenvolvida ao mesmo tempo. Os indígenas que ocupavam o litoral atlântico da América
do Sul praticavam a agricultura de coivara (em que se derruba a mata nativa, queima-se
o terreno e plantava-se por um determinado período, com rotação de culturas). Além
disso, caçavam e pescavam. “Entre os Guarani, o milho parece ter sido o cultivar de base,
enquanto os Tupinambá enfatizavam a mandioca amarga para produção de farinha.
Excelentes canoeiros, ambos faziam uso intenso dos recursos fluviais e marítimos”
(FAUSTO, 2010, p. 69).
A disponibilidade de recursos para subsistência influencia diretamente as relações
sociais estabelecidas interna e externamente:
62
Por isso, as cerimônias, as festas e os rituais tinham uma importância muito grande
para os povos indígenas. Essas celebrações estão diretamente relacionadas às relações
de parentesco e às alianças estabelecidas entre os grupos. Assim, serviam para
comemorar conquistas e vitórias, como uma boa colheita, uma guerra ou o sucesso do
pajé em impedir um castigo dos inimigos. Ser convidado ou não para festas e cerimônias
revela explicitamente quais são as fronteiras de amizade ou inimizade entre grupos ou
povos, segundo uma lógica constante de reciprocidade: “aos amigos, cabe a
reciprocidade da amizade; aos inimigos, a reciprocidade da inimizade e a consequente
vingança” (LUCIANO, 2006, p. 45). Na impossibilidade de abordarmos todas cerimônias,
festas e rituais indígenas, falaremos um pouco mais sobre os rituais antropofágicos, que
tanto chocaram os colonizadores europeus. O pesquisador Carlos Fausto (2010, p. 79)
relata a importância desse ritual para os povos indígenas que o praticavam:
A execução ritual podia tardar vários meses. Nesse intervalo, o cativo vivia na
casa de seu captor, que lhe cedia irmã ou filha como esposa; sua condição só se
alterava às vésperas da execução, quando era reinimizado e submetido a um rito
de captura. Por fim, era morto e devorado. A execução era um momento
privilegiado de articulação das aldeias em nexos sociais maiores e estava ligada
a concepções sobre o prestígio, a reprodução humana e o destino póstumo. [...]
A guerra e o ritual canibal eram dispositivos cruciais na articulação dos conjuntos
multicomunitários tupinambá, ocupando uma posição que, em outros sistemas
nativos, caberia à circulação de bens de prestígio e utilidades.
É preciso lembrar que nem todos os indígenas eram antropofágicos, mas que esse
ritual era extremamente importante para uma série de etnias, tais como os caetés, os
potiguaras, os tamoios, os tupinambás e os tupiniquins. A multiplicidade de povos
indígenas está diretamente relacionada à diversidade cultural dessas nações, o que é
expresso por diferentes relações com a paisagem natural e o sobrenatural, com as
diversas organizações econômicas, políticas e sociais, além de sua cultura material e de
seus hábitos cotidianos.
63
das consequências culturais e sociais para os povos indígenas da interação com os
colonos portugueses e com os padres jesuítas. Antes de começarmos, é necessário fazer
duas observações: primeiramente, em relação ao que os europeus compreendiam por
“civilização” e por que entendiam que seu objetivo seria “civilizar” os indígenas, o que nos
explicita o etnocentrismo e a lógica racista do colonialismo. Depois, que nem toda a
interação se deu pela aculturação ou extermínio indígena, tendo diversos povos
assimilado características europeias como modificações culturais — lembrando que a
cultura não é algo estático — e como possibilidade de sobrevivência.
“Civilizar” os indígenas, foi visto pelos europeus como uma forma de inseri-los nas
práticas e nos valores compartilhados pelos colonizadores. De acordo com esses
preceitos civilizacionais, havia, portanto, duas formas de compreender a “humanidade”
dos indígenas americanos:
A história demográfica dos índios desde 1500 não deve ser compreendida
apenas como uma sucessão de doenças, massacres e violências diversas. A
dispersão populacional [...] possibilitou diversas reações dos povos indígenas ao
64
contato com os colonizadores, entre as quais a promoção de grandes
deslocamentos para escapar à escravidão e às consequências das moléstias
trazidas pelos europeus (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 24).
As razões dos conflitos com os indígenas foram múltiplas, [...] dentre elas, a
violação dos territórios indígenas — com o deslocamento da fronteira agrícola e
demográfica para a implantação da lavoura de cana, engenhos e outras
atividades econômicas — e a instalação de novas formas compulsórias de
relações de trabalho, que violavam a divisão de trabalho, a cultura indígena e sua
liberdade (PARAÍSO, 2011, p. 3).
65
que estabeleciam a ligação entre o mundo espiritual e o mundo físico. Nas aldeias ou nos
colégios, os indígenas eram influenciados a abandonar certas práticas culturais
abominadas pelos padres dentro de seus valores europeus: a antropofagia, a nudez e a
poligamia. No âmbito da estratégia missionária, intérpretes eram adotados, chamados de
“línguas”. Além disso, os colonos se dedicavam ao aprendizado do idioma indígena,
enquanto promoviam o ensino do evangelho às crianças por meio da escrita e da leitura.
Nos “colégios de meninos”, os curumins eram educados pela música sacra e por práticas
litúrgicas, “utilizando os jesuítas instrumentos pedagógicos como catecismos,
vocabulários e gramáticas elaboradas com o auxílio de intérpretes” (OLIVEIRA; FREIRE,
2006, p. 47).
A nudez, principalmente a nudez feminina, era a algo a ser combatido, em função
dos “maus sentimentos” que despertava nos homens. A vestimenta foi um tema de
constante negociação entre os indígenas aldeados e os padres jesuítas, pois, se
houvesse uma exigência no uso de roupas, corria-se o risco de os indígenas fugirem ou
se revoltarem. Em relação à dominação cultural e religiosa, os indígenas muitas vezes
resistiam negando o aprendizado, abandonando os aldeamentos e retornando para seus
territórios originais. Seu maior problema não era com o cristianismo, “mas a dificuldade
em abandonar seus costumes mágicos e religiosos, regras de parentesco (poligamia e
outros)” (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 47).
Em outras regiões, porém, o entusiasmo foi bem menor, pois muitos se mostravam
insatisfeitos com o aumento geral dos impostos decretado pelo governo para cobrir os
gastos com a manutenção da corte, as obras públicas na capital, o exército e as
campanhas militares. O descontentamento contribuiu para alimentar o desejo de romper
com Portugal, ideia inspirada nos exemplos dos Estados Unidos da América e dos recém-
criados países latino-americanos, que haviam lutado contra suas metrópoles para ser
independentes. Foi o que aconteceu na Revolução Pernambucana de 1817, que por dois
meses manteve uma república no Nordeste. Segundo Cardoso (2016, p. 107), “A
Revolução Pernambucana teve algumas repercussões nas capitanias vizinhas, mas foi
reprimida em 1818, sendo executados vários implicados e condenados outros a penas
de prisão”.
Após o Brasil ter sido elevado à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves, a
cidade do Rio de Janeiro vivenciou o funeral da rainha Maria I em março de 1816, o
casamento do futuro imperador do Brasil, D. Pedro I, com a arquiduquesa da Áustria,
Maria Leopoldina, em novembro de 1817 e a aclamação de D. João como rei em fevereiro
de 1818, com o título de D. João VI. Aos poucos, o povo do Rio de Janeiro “[...] ia tomando
consciência do seu papel de centro político da nação” (HOLANDA, 2010, p. 174). A
população do Brasil nesse período continuava, no entanto, estruturada como uma
sociedade colonial. “Em 1818, de seus 3.817.900 habitantes, 1.887.900 eram livres
(sendo 1.043.00 brancos, 585.000 negros e mestiços e 259.400 índios) e 1.930.000
escravos” (CARDOSO, 2016, p. 107). Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, a
população portuguesa se mostrava cada vez mais descontente com a permanência de
D. João e da família real no Brasil, sobretudo depois da elevação da colônia à categoria
de reino unido; “sentiam-se desprezados” segundo o historiador Guilherme Frota (2000,
p. 243). Desde a derrota dos franceses, era esperado o retorno da família real a Portugal,
mas tudo indicava que isso não ocorreria tão cedo. Enquanto D. João e sua comitiva
desfrutavam de privilégios no Rio de Janeiro, os portugueses que tinham ficado em
67
Portugal reclamavam do absolutismo, da perda do monopólio do comércio brasileiro e da
ocupação militar inglesa. Em 1816, após a morte da rainha D. Maria I, D. João foi coroado
monarca no Brasil, enquanto Portugal permanecia sob controle de autoridades britânicas.
Apesar dos protestos em várias partes do território português, a sede do governo
permaneceu no Brasil até que, em 1820, iniciou-se em Portugal a Revolução Liberal do
Porto, ou Vintismo, um movimento de contestação à situação vivida pelos portugueses
desde a transferência da corte para o Brasil.
68
A Revolução Liberal do Porto estava sintonizada com outros movimentos de
inspiração liberal organizados na Europa a partir de 1820 para combater o ressurgimento
de governos absolutistas. Os liberais admitiam o regime monárquico desde que os reis
respeitassem as liberdades individuais e aceitassem governar sob uma constituição. A
revolução adotou um “[...] caráter constitucionalista que exigia, entre outras medidas, a
convocação de cortes, o que de certa forma punha em xeque a monarquia absoluta”
(CABRAL, 2006, documento on-line). Por isso, os integrantes do movimento pretendiam
implantar em Portugal uma monarquia constitucional, a exemplo do que já vinha
ocorrendo em outros países. Além disso, exigiam que a corte e o rei voltassem
imediatamente à Europa e que Lisboa fosse restaurada como sede do governo.
Durante a revolta, foi destituída a Junta de governo chefiada por Beresford, que
governava Portugal desde a derrota dos franceses. Em seu lugar, assumiu uma junta
provisória e foram convocadas as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação
Portuguesa para elaborar uma constituição para o país.
69
e a devolver ao Brasil a condição de colônia, se não de direito, ao menos de fato
(MARQUES, 1995, p. 426, acréscimo nosso).
70
A reunião saiu do controle e muitas pessoas começaram a gritar “aqui governa o
povo!”. A população passou a exigir a permanência de D. João. O povo estava ciente de
que o monarca havia planejado levar consigo “[...] grande quantidade de ouro, raspando
os cofres do Banco” (HOLANDA, 2010, p. 182). Exaltado, o povo exigiu que a bagagem
do rei fosse revistada (FROTA, 2000, p. 244) e afluiu para o Palácio de São Cristóvão,
onde o rei estava e de “[...] onde o Príncipe, cada vez mais impaciente, acabou por
mandar a tropa dissolver o comício” (HOLANDA, 2010, p. 182). Com a autorização de D.
Pedro para o uso da violência, ao menos uma pessoa foi morta. Os autores citados até
aqui divergem quanto à data e à quantidade de mortos no episódio: de acordo com Sérgio
Buarque de Holanda (2010), o episódio aconteceu no dia 21 de abril e uma pessoa
morreu; já para Guilherme de Andrea Frota (2000), o acontecimento se deu no dia 20 de
abril e dele decorreram três mortes. De acordo com a historiadora Vera Lucia Nagib
Bittencourt, a repressão violenta empregada por D. Pedro, fazia parte de uma estratégia
do príncipe regente “[...] para impor sua autoridade, uma vez que era necessário opor-se
a qualquer possibilidade de que D. João VI pudesse evitar sua partida. Logo, D. Pedro
‘queria’ a partida do rei” (2006, p. 51–52), pois a sua liderança estava em processo de
elaboração. Deixar D. Pedro de Alcântara no comando do Brasil era a garantia, para os
brasileiros, de que D. João não concordava com o desejo dos portugueses, que
desejavam restaurar o monopólio de comércio sobre o Brasil. D. Pedro foi declarado
regente do Brasil em 22 de abril de 1821.
Os escravos eram poucos por unidade familiar, mas a posse deles assegurava
poder e prestígio para seus senhores, já que representavam a capacidade de
auto sustentação da linhagem. Não por acaso, nesse tipo de cativeiro se preferia
mulheres e crianças. A fertilidade das mulheres garantia a ampliação do grupo.
Daí que era legítimo as escravas se tornarem concubinas e terem filhos com os
seus senhores. Seguindo a mesma lógica, a incorporação dos escravos na
família se dava de modo gradativo: os filhos de cativos, quando nascidos na casa
do senhor, não podiam ser vendidos e seus descendentes iam, de geração em
geração, perdendo a condição servil e sendo assimilados à linhagem. Assim, o
grupo podia crescer com o nascimento de escravos, fortalecendo as relações de
parentesco e aumentando o número de subordinados ao senhor. A integração
dos cativos também explica a predileção pela escravização de crianças, visto que
elas mais facilmente assimilavam regras e constituíam vínculos com a família do
seu senhor (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 14).
72
A escravização ocorria não somente por conflitos e guerras, mas também como
forma de punição para certas práticas delituosas, como garantia para o pagamento de
dívidas. Havia ainda outras situações de cativeiro relacionadas a estratégias de
sobrevivência frente à fome e à seca:
Havia, por exemplo, uma crença entre os africanos de que os europeus eram
ferozes canibais, capazes de devorar a carne negra e guardar o sangue para
tingir tecidos ou preparar vinho. Desconfiados de que os europeus podiam
prejudicar seus negócios, nada lhes foi facilitado. Nenhum chefe político
franqueou-lhes o acesso às zonas auríferas no interior da África, nem os
comerciantes os introduziram nas rotas transaarianas. Mas os europeus
persistiram. [...] A persistência portuguesa foi bem recompensada. Aos poucos,
foram sendo vencidas desconfianças, combinados preços satisfatórios, e foram
crescendo os negócios com os africanos que viviam nas proximidades do rio
Gâmbia, gente do poderoso Império do Mali. Tanto que, por volta de 1460, tinham
com eles boas relações comerciais. Mas o principal objetivo dos portugueses,
que era se apropriar do comércio transaariano, ainda não havia sido alcançado.
Tampouco tiveram acesso às minas de ouro, como sonhavam.
74
moradores da localidade, dificultaram a realização da construção, do ponto de vista
humano e material. Após oito anos, a construção foi terminada, e era capaz de abrigar
até mil cativos (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006).
Com essa construção, os portugueses atraíram para a região muitos negociantes
profissionais, os mandingas, que compravam dos lusitanos escravos e tudo mais que
pudessem revender aos caravaneiros do deserto. Isso acabou formando uma rede
comercial que gerava material humano aos portugueses, mas que também dava muito
lucros aos comerciantes africanos.
Os europeus levavam sal para uns, arroz, tecidos de lã e panos de algodão para
outros e, em contrapartida, recebiam ouro e escravos, que, por sua vez, eram
trocados por outros produtos, a exemplo da pimenta. Estima-se que, entre 1500
e 1535, os portugueses levaram para o castelo de São Jorge entre 10 e 12 mil
escravos (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 25).
76
Essa relação manteve-se até meados do século XVI, quando cada vez mais os
africanos escravizados foram utilizados como moeda de troca, sem o intermédio da
nobreza ou do rei. A partir daí, disseminaram-se na região guerras com o objetivo
específico de capturar cada vez mais pessoas a serem embarcadas nos navios
portugueses. Novamente, entretanto, os portugueses encontraram resistência nas
tentativas de conquista do interior do continente africano. Chefes políticos, como a rainha
Jinga (ou Nzinga), reagiram ao processo de colonização. Somando-se aos problemas
políticos, havia as doenças, a fome e a sede, os insetos e a frustração de não encontrar
ouro e prata. Essas dificuldades fizeram com que os portugueses se decidissem por não
investir na colonização do continente africano, somente no comércio de escravizados.
Assim, a capital de Angola, Luanda, transformou-se em uma das maiores cidades de
comércio de cativos:
[...] desde fins do século XVI até a primeira metade do século XVIII, foi o maior
fornecedor de escravos para as Américas portuguesa e espanhola. Entre 1575 e
1591 foram embarcados da região de Angola mais de 52 mil africanos para o
Brasil (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 33).
A escravidão no Brasil foi muito mais que uma forma de exploração de mão de
obra: estruturou a sociedade brasileira do século XVI ao final do século XIX, e as
consequências do tratamento dado à população africana e afro-brasileira no pós-abolição
geraram consequências sentidas e perceptíveis até os dias de hoje. Estima-se que
durante os mais de 300 anos em que a escravidão esteve vigente na América portuguesa
e no Império do Brasil, mesmo depois de ser declarada ilegal, teriam sido transportados
mais de 4 milhões de homens, mulheres e crianças, sem incluir as pessoas que morreram
durante a captura ou a travessia.
A escravidão foi muito mais do que um sistema econômico. Ela moldou condutas,
definiu desigualdades sociais e raciais, forjou sentimentos, valores e etiquetas de
mando e obediência. A partir dela instituíram-se os lugares que os indivíduos
deveriam ocupar na sociedade, quem mandava e quem devia obedecer. Os
cativos representavam o grupo mais oprimido da sociedade, pois eram
impossibilitados legalmente de firmar contratos, dispor de suas vidas e possuir
bens, testemunhar em processos judiciais contra pessoas livres, escolher
trabalho e empregador (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 66).
77
Os africanos escravizados foram utilizados como mão de obra no processo de
colonização e expansão europeia no Novo Mundo. Desempenharam as mais diversas
funções, e a própria escravidão enquanto instituição se transformou ao longo de seus
mais de três séculos de existência na América. Como o Brasil dependia de grande
suprimento de africanos para atender às necessidades crescentes de uma economia de
mão de obra escassa, a migração transatlântica forçada foi a principal fonte de renovação
da população cativa no Brasil, sobretudo na agricultura de exportação, como cana-de-
açúcar. Para esse contingente humano, o índice de mortalidade infantil era imenso e a
expectativa de vida baixíssima. Para repor os que morriam, bem como os que eram
alforriados ou fugiam para quilombos, havia demanda constante de escravos africanos,
o que se intensificava em épocas de crescimento econômico (DEL PRIORE; VENÂNCIO,
2010). É preciso lembrar os motivos pelos quais o trabalho do africano escravizado foi
preferido em relação aos cativos indígenas:
78
ocupavam cargos públicos nas Câmaras Municipais, afinal, eram considerados os
“homens bons”. Ideologicamente, os europeus justificavam e legitimavam o tráfico de
africanos como uma missão evangelizadora. “No século XVIII, o conceito de civilização
complementará a justificativa religiosa do tráfico atlântico ao introduzir a ideia de que se
tratava de uma cruzada contra as supostas barbárie e selvageria africanas”
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 41). No século XVI, a maioria dos africanos
escravizados trazidos para o Brasil provinha da região de Senegal e Gâmbia, chamada
de Guiné pelos portugueses.
79
obrigadas a trabalhar, principalmente na época da colheita, quando as atividades se
intensificavam:
Mary Del Priore e Renato Venâncio (2010, p. 50) também nos lembram de outras
diferenciações importantes na sociedade escravista colonial, em relação aos
escravizados:
80
[...] os escravos distinguiam-se em boçais — como eram chamados os recém-
chegados da África – e ladinos, os já aculturados e que entendiam o português.
Ambos os grupos de estrangeiros opunham-se aos crioulos, aqueles nascidos no
Brasil. Havia distinções entre as nações africanas e, dada a miscigenação, a cor
mais clara da pele era também fator de diferenciação. Aos crioulos e mulatos
reservavam-se as tarefas domésticas, artesanais e de supervisão. Aos africanos,
dava-se o trabalho mais árduo.
81
A partir dessa teoria econômica e dessa concepção de riqueza, a coroa
portuguesa orientou a expansão marítimo-comercial, não somente como ampliação de
mercados, mas também como expansão territorial, colonização para cultivo de açúcar e
busca por metais preciosos. Mas e antes da descoberta do ouro na colônia americana,
de onde provinham os metais portugueses? De acordo com Godinho (1953), os
portugueses conseguiam prata para a cunhagem de moedas e realização do comércio
junto à Espanha, fosse mediante a exportação de açúcar, tabaco ou pau-brasil ou pela
triangulação comercial entre Espanha, Holanda e Portugal. Além disso, antes do século
XVIII, o ouro português era obtido da Mina e da Guiné, na África, e de Sofala e Samatra,
na Ásia (GODINHO, 1953). No momento da “descoberta” ou “achamento” do território
americano, havia uma expectativa em relação à descoberta de metais preciosos,
principalmente pelas notícias que chegavam da Espanha e suas descobertas na América
Espanhola. Essa expectativa lusitana fica evidente desde a primeira viagem à América,
como podemos observar na carta de Pero Vaz de Caminha, redigida em 1º de maio de
1500:
Depois andou o Capitão para cima ao longo do rio, que corre sempre chegado à
praia. Ali esperou um velho, que trazia na mão uma pá de almadia. Falava,
enquanto o Capitão esteve com ele, perante nós todos, sem nunca ninguém o
entender, nem ele a nós quantas coisas que lhe demandávamos acerca de ouro,
que nós desejávamos saber se na terra havia. [...] Nela, até agora, não pudemos
saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho
vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como
os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como
os de lá (CAMINHA, 2002, documento on-line).
82
América Portuguesa iniciou-se com o escambo e o cultivo da cana e a produção de
açúcar. Contudo, os interesses pelos metais preciosos não arrefeceram e a coroa
portuguesa seguiu investindo na descoberta de jazigos de ouro. Nas expedições
promovidas pelos “paulistas” no final do século XVII, seriam encontrados os primeiros
indícios da existência de ouro na região sudeste da colônia. Posteriormente, confirmou-
se que existiam minas nos atuais estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Essas
descobertas ocorreram em um momento de crise econômica da coroa portuguesa, em
função da perda de entrepostos comerciais na Ásia, do esgotamento do ouro nas feitorias
africanas e dos problemas oriundos da competitividade no mercado de açúcar
internacional.
[...] por todo o período colonial, as entradas para os sertões de Minas foram
movidas por este tripé de interesses: a terra (que era concedida como sesmaria
àquele que dela se apossasse), a busca do ouro e das pedras raras (que
estimulava os mais ávidos pela riqueza) e a preagem dos índios (que, a mais das
vezes, se prestava como reduto de mão de obra para a lavra mineral ou agrícola
e, sobretudo, como escravos domésticos, vivendo sob a administração dos
colonos).
[...] apesar do termo “expedição” ser usado como uma referência genérica a todas
as incursões em direção ao interior do Brasil desde o início da sua colonização e
por diferentes partes do território, a sua variação ocorreu de lugar para lugar e de
tempos em tempos [...]. Tamanho, composição, objetivos e responsabilidades
são os fatores que determinaram a nomenclatura destas atividades. A dificuldade
em se conhecer os pormenores de cada expedição, isto é, a sua organização
83
estrutural, definiu assim a própria discordância entre as opiniões correntes na
historiografia brasileira.
84
menos duas expedições haviam penetrado nestes sertões nos anos iniciais do
século (MONTEIRO, 1999, p. 79).
A prática mais comum era obter a concessão, na forma de patente, para montar
a bandeira. Muitos que ousavam fazer entrada sem a permissão oficial eram
presos sem delonga. Afinal, as conquistas significavam ganhos territoriais da
coroa e implicavam a expansão de seus domínios, e, em consonância com as
políticas e interesses dos capitães generais, contaram com recursos e anuência
do Estado. Para os afortunados, concedia-se uma sesmaria como mercê, que
funcionava como benesse e estímulo (RESENDE, 2005, documento on-line).
85
• Domingos Jorge Velho — sua expedição partiu rumo ao Nordeste, durante os
anos 1695 e 1697. Capturou indígenas no Maranhão e em Pernambuco e contribuiu para
o extermínio do Quilombo dos Palmares.
86
Em relação ao trabalho na lavoura da cana e o trabalho no engenho, que não se
alteravam do ponto de vista da técnica, a atividade mineradora exigia uma constante
adaptação por parte dos trabalhadores, porque os jazigos não se concentravam em
apenas um local. Era preciso avançar pelos leitos dos rios, pelos vales e por serras em
busca do mineral precioso e atrás de oportunidades e planos de ganhos. Com essa
constante migração de acampamento em acampamento, foi preciso desenvolver novas
técnicas e, sobretudo, relações de trabalho diversificadas, “[...] não redutíveis aos
protagonistas convencionais — senhores e escravos —, e nem ao agenciamento do feitor
ou de um administrador da lavra” (ANDRADE; REZENDE, 2013, p. 387). Também é
importante ressaltar que a região das Minas não se reduziu à exploração de metais e
pedras preciosas. Na capitania de Minas Gerais, produzia-se mandioca, algodão, açúcar,
entre outros gêneros, além da pecuária e da suinocultura (LAMAS, 2008).
Do ponto de vista administrativo e político, também houve transformações
significativas. A coroa portuguesa precisava adaptar seu estilo de administração da
colônia, de forma a controlar a cobrança de tributos e evitar as práticas de contrabando
e sonegação de impostos. Assim, foi criada a Intendência das Minas, órgão responsável
por controlar a atividade mineradora e arrecadar os impostos. A entidade tinha em sua
chefia um superintendente, responsável pela supervisão geral dos trabalhos, bem como
um guarda-mor, que fiscalizava as jazidas. O superintendente era subordinado
diretamente à coroa, e não foram poucos os casos de conflitos entre os interesses locais
e os metropolitanos. Essas figuras e demais funcionários responsáveis pela fiscalização
do cumprimento das leis e a execução a justiça agiam na articulação entre o estabelecido
nos regimentos e o direito consuetudinário:
88
entendida como uma das estratégias da colonização. Para a historiadora Mary del Priore
(1994, p. 9), colonização e cristianização, Coroa e Igreja eram processos indissociáveis:
Isso fez com que o povoamento português do Brasil fosse dominado por um vivo
espírito cruzadista. Os colonos partilhavam a mentalidade de seus reis, ou seja,
participavam de uma maneira de pensar comum aos católicos de seu tempo: todo
o não católico era considerado inimigo, infiel, aliado do demônio, um perigo para
a unidade religiosa desejada por Roma. Por isso deveria ser tratado com rigor e
a violência com que nas cruzadas foram tratados os mouros.
89
indígenas à fé cristã. A atividade religiosa era realizada nos aldeamentos indígenas e em
escolas e colégios, sendo esse um dos diferenciais da ordem jesuítica. Até 1580, os
jesuítas tiveram a exclusividade de atuação na América portuguesa, como missionários
“oficiais” da coroa, situação que mudou com a anexação de Portugal à Espanha durante
a União Ibérica (1580–1640). Contudo, com o advento das reformas pombalinas (1750–
1777), os jesuítas foram expulsos de Portugal e da América portuguesa em 1759,
acusados de enriquecimento e criação de um poder paralelo à coroa. Antes disso, porém,
pouco mais de 50 anos após a posse do território americano, em 1551, por solicitação do
jesuíta Manoel da Nóbrega, o rei D. João III autorizou a criação do primeiro bispado em
Salvador, sendo Dom Pero Fernandes Sardinha o primeiro bispo. Sardinha opunha-se
aos modos jesuítas de catequização:
90
XVI, e se instalaram em Olinda, Pernambuco, espalhando-se posteriormente para
diversas regiões da colônia. “Foram vigorosos defensores dos interesses portugueses na
Amazônia e perderam rapidamente o caráter missionário: preferiam dar assistência aos
moradores das cidades onde se instalavam ou construir magníficos conventos, como o
do Rio de Janeiro” (PRIORE, 1994, p. 14). Houve ainda a presença de outras ordens na
América portuguesa. Os beneditinos ficaram alheios ao movimento missionário, pois
eram integrantes de uma ordem religiosa rica, possuidora de escravos, imóveis e terras.
Já os capuchinos dedicaram-se à evangelização no sertão e, como não possuíam
vínculos com a coroa portuguesa, apenas ao papado, dispunham de maior liberdade de
atuação. Os oratorianos dedicavam-se aos enfermos, aos encarcerados e aos
escravizados (PRIORE, 1994).
Ainda que os objetivos da Igreja Católica coincidissem com os da coroa
portuguesa no processo de colonização, nem sempre a relação entre os religiosos e os
colonos foi pacífica. Um dos principais pontos de divergência dizia respeito à
escravização dos indígenas pelos colonos, o que, para os religiosos, impedia sua
conversão e catequese. Com a pressão exercida pelos jesuítas, a coroa proibiu a
utilização do trabalho compulsório dos povos indígenas e permitiu que somente essa
ordem pudesse contatá-los, o que gerou inúmeras revoltas dos colonos, levando inclusive
à expulsão dos jesuítas de algumas localidades.
Dessa forma, podemos afirmar que a Igreja Católica foi uma aliada religiosa à
dinâmica econômica e política da colonização, sendo de fato tão eficaz em sua tarefa
colonizadora que se tornou em uma das mais sólidas e rígidas instituições de poder no
Brasil (PRIORE, 1994). Porém, mesmo com todo esse poder e com a instituição da
catequese e da Inquisição, compartilhou o território colonial com outras religiões e
religiosidades.
91
18.1 Sincretismos religiosos
92
[...] aos sábados, grande número de “negros forros e cativos para ali acorriam
para fazer um folguedo, dançando ao som de um tambor ou tabaque”, como diz
um documento de 1747. Uma mulher entrava na dança, cantando com palavras
extraídas de textos católicos, mas também utilizando o dialeto courá, da Costa
da Mina (atualmente parte de Gana) (PRIORE, 1994, p. 30).
A historiadora Mary del Priore (1994) afirma ainda que, nesses cultos, a evocação
de Nossa Senhora do Rosário e de Santo Antônio era uma forma de cultuar as divindades
da religiosidade africana, só que com outros nomes. Já o calundu seria um ritual
remanescente da religião dos vodus, de origem jeje, povo do Reino de Daomé, atual
Benin, o qual não parece ter se sincretizado com outras práticas religiosas na América
portuguesa.
93
jesuítas. A historiadora Mary del Priore (1994, p. 53) traz o relato de um episódio de
“santidade” ocorrido na Bahia em 1586:
O movimento foi iniciado não por um dos velhos pajés, mas por um certo Antônio,
educado pelos padres da Companhia de Jesus em suas aldeias de Tinharé, na
Capitania de Ilhéus. Antônio se internou no sertão, munido do que aprendera no
contato com os portugueses e com os padres. Não tardou a enxertar na santidade
algumas cerimônias da liturgia católica. Em sua cerimônia, anunciava o advento
próximo de uma idade de ouro em que reinariam a abundância e a preguiça, e os
brancos passariam de senhores a escravos. [...] Em torno de Antônio se juntou
rapidamente uma verdadeira multidão de índios pagãos e batizados, forros e
cativos.
94
documentais, uma “literatura informativa”. Nesse sentido, a primeira “obra” teria sido a
carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel, escrita em um gênero de literatura de
viagens comum ao século XV na Espanha e em Portugal, evidenciando interesses
mercantis e religiosos, a partir de um olhar observador e descritivo. As artes e a cultura
na colônia tiveram nos colégios jesuítas um espaço de realização e difusão, e foram
utilizadas com a finalidade de catequizar os indígenas e os colonos. A conversão se dava
por meio de manifestações artísticas marcadas por uma moral e pedagogia cristãs.
Destacam-se as obras teatrais e a poesia do padre José de Anchieta (1533–1597), que
trazem consigo valores religiosos católicos adaptados à realidade dos indígenas, com a
utilização, por exemplo, do tupi e de traços da cultura desses povos representando as
dualidades cristãs (bem versus mal, virtude versus vício). Nesse contexto, podemos citar
também os sermões do padre Antônio Vieira (1608–1697) (AB’SABER, 2003).
Fora desses espaços religiosos, podemos destacar a obra de Gregório de Matos
Guerra (1633–1696), que compôs poesias com temáticas amorosas, religiosas e
satíricas. As poesias desse último grupo renderam-lhe o apelido de Boca do Inferno. De
acordo com Ab’Saber (2003, p. 107), Gregório de Matos “foi o profano a entrar pela
religião adentro com o clamor do pecado, da intemperança, do sarcasmo, nela buscando
fanal e lenitivo”. No século XVIII, fundaram-se as primeiras academias artísticas e
literárias que temos registro. Elas surgiram em núcleos urbanos e reuniam diversos
grupos sociais: religiosos, militares, desembargadores, altos funcionários, etc. Citemos
como exemplos a Brasílica dos Esquecidos, fundada em 1724, e a Brasílica dos
Renascidos, fundada em 1759, ambas na Bahia. Já no Rio de Janeiro, foi criada a
Academia dos Felizes, em 1736, e a Academia dos Seletos, em 1752.
95
que não há consenso na historiografia sobre a denominação “barroco” para esse
movimento na colônia, como uma mimese do barroco europeu.
Do barroco mineiro, o escultor mais conhecido é Antônio Francisco Lisboa (1738–
1814), o Aleijadinho, que esculpiu diversas obras em Vila Rica, atual Ouro Preto, e
arredores. Quanto ao arcadismo, foi um movimento literário surgido na região das Minas
por volta de 1757. Caracterizava-se por privilegiar as temáticas bucólicas e a
simplicidade, utilizando modelos literários e mitológicos greco-romanos. Por isso, o
arcadismo também foi chamado de “neoclassicismo”, evidenciando uma concepção
humanista. Dois de seus principais representantes foram Claudio Manuel da Costa
(1729– 1789) e Tomás Antônio Gonzaga (1744–1810). Os árcades mineiros criticavam
aspectos do colonialismo, evidenciando o conflito de interesses locais e metropolitanos,
tendo alguns participado da Inconfidência Mineira. Em Cartas Chilenas, Gonzaga, por
exemplo, ridiculariza o governador da Capitania de Minas Gerais, Luís Cunha Meneses
(chamado de “Fanfarrão Minésio”) (AB’SABER, 2003).
18.2.1 As artes
[...] a produção artística foi dominada com exclusividade pelas diversas ordens
religiosas que se instalaram no Brasil, para catequizar os indígenas e vigiar os
colonos, estes muitas vezes fugidos da Inquisição. A produção artística
concentrou-se nas Igrejas, centro da vida social. O dirigismo artístico manifestou-
se, inicialmente, na imposição de uma arte de caráter religioso, respondendo
evidentemente às necessidades do jogo político, pois, em última análise, era o
rei de Portugal que comandava.
96
consenso por se referir às manifestações artísticas luso-brasileiras dos séculos XVII e
XVIII. De acordo com Vainfas (2000, p. 68):
Nas artes plásticas, o barroco tem sido caracterizado por uma grande variedade
de traços, em que se destacam a exuberância das formas, o gosto pelas
oposições (como o uso do chiaro e oscuro na pintura), a visão do conjunto como
uma composição de elementos distintos a que sempre podem ser justapostos [...]
a prevalência da imagem sobre o desenho, a integração em profundidade dos
planos da composição, e a manipulação de volumes que emprestam uma certa
dimensão arquitetônica às obras. Na literatura, destaca-se o estilo ornamentado,
o emprego das antíteses e das hipérboles, o jogo de palavras, que valorizava
composições como os acrósticos. Na música, exprime-se por meio de novas
formas, como a cantata (voz solista versus conjunto) e o concerto (concertino
versus ripieno); da profusa ornamentação, que cabia ao executante acrescentar;
e do apego a um certo virtuosismo vocal ou instrumental.
Esse estilo teria sido trazido para a América portuguesa com os jesuítas, que já o
praticavam em Portugal. Seria a concepção estilística predominante na construção de
capelas e igrejas nos arraiais mineiros no século XVIII.
Esse estilo teria sido predominante até meados de 1760, quando passou cedeu
espaço ao chamado rococó.
O território que hoje corresponde ao Brasil foi a colônia mais valiosa para Portugal
no período da colonização. Assim como Portugal, a Espanha também se beneficiou com
os lucros extraídos das suas colônias na América. Para melhor compreender a extensão
dos domínios português, vejamos o que diz o historiador Francisco Calazans Falcon
(2001, p. 228):
98
assinatura do tratado foi mais benéfica para a Inglaterra, uma vez que a quantidade de
tecidos que os portugueses importavam da Inglaterra era muito superior à quantidade de
vinhos que os ingleses importavam de Portugal.
Para saldar seus dividendos, seja com a Inglaterra ou demais países europeus, os
portugueses contavam com o ouro que era extraído do Brasil. No entanto, de acordo com
Ciro Flamarion Cardoso (2000, p. 111) “[a] década começada em 1750 marcou ao mesmo
tempo o auge e o início do declínio da produção aurífera brasileira”. Com a queda na
produção aurífera na região das Minas Gerais, a crise econômica portuguesa se
acentuou. Frente a isso, coube a Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de
Pombal, organizar e implementar reformas econômicas e administrativas para gerar mais
recursos para a Coroa portuguesa e superar a crise.
Marquês de Pombal nasceu em Lisboa, no ano 1699. Oriundo de uma família de
fidalgos (uma escala menor entre os nobres), ascendeu à nobreza graças ao seu
segundo casamento, com a condessa austríaca Maria Leonor Ernestina Daun, caindo
nas graças da rainha Maria Ana, esposa do rei D. João V, que também era austríaca. À
época do casamento, 1746, Pombal ocupava o cargo de enviado português em Viena.
Em 1749, com o rei D. João V já enfermo, a rainha regente, Maria Ana, chamou Pombal
para retornar à Lisboa e ocupar o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Com a morte de
D. João V, em 1750, seu herdeiro, D. José I, assumiu a Coroa portuguesa e manteve
Pombal no Ministério. Após o terremoto que arrasou Lisboa, em 1755, o rei deu
“autoridade virtualmente completa ao ministro” (MAXWELL, 1996, p. 4). Sobre o
terremoto que destruiu cerca de metade da cidade de Lisboa, na manhã de 1º de
novembro de 1755, Marques (1996, p. 386) comenta:
Em meio século, os jesuítas criaram missões por toda Ásia e África Oriental, de
Moçambique ao Japão, alcançando a Índia central e setentrional e a maior parte
da China até o distante Tibete. Por 1623, a organização jesuítica no Oriente
compreendia quatro ‘províncias’: Goa abrangendo a África Oriental e a Etiópia, a
Índia ao norte de Goa e o Tibete; Malabar, com a Índia ao sul de Goa, Ceilão,
Bengala, Malaca e a Indonésia; China com a maior parte deste país; e finalmente
Japão, incluindo as ilhas nipônicas, a China meridional, a Indochina e as Celebes.
Sobre os ferimentos do rei, Soares (1983) indica que o D. José I foi ferido no peito,
no ombro e no braço direito. A versão oficial divulgada sobre o incidente foi que, “[...]
quando se encaminhava para o quarto da rainha, D. José I caíra desastradamente e
fraturara o braço direito” (SOARES, 1983, p. 183). No dia em que os supostos envolvidos
na tentativa de regicídio foram presos, “[...] os estabelecimentos jesuíticos foram
cercados e invadidos por autoridades judiciárias” (SOARES, 1983, p. 212). Ainda de
acordo com Soares, o duque de Aveiro, um dos presos sob acusação de regicídio, teria
confessado, sob tortura, que os jesuítas estavam envolvidos na tentativa de assassinato
do rei. Em carta enviada por D. José I para o Papa Clemente XIII, em abril de 1759, o rei
anuncia sua decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de todos os seus territórios da
América, da Ásia e da África. As escolas jesuíticas foram fechadas e os padres dessa
ordem religiosa foram mantidos presos até embarcarem para a Itália. De acordo com
Soares (1983, p. 213), em setembro de 1759, 133 jesuítas foram embarcados num navio
e desembarcados em território pontifício. A perseguição à Companhia de Jesus foi
apenas um dos aspectos do plano de governo português para eliminar o poder político
da Igreja e submetê-la ao Estado laico, de acordo com o pensamento iluminista do século
XVIII. Após a expulsão, o governo adotou diversas medidas referentes à religião e ao
ensino (setores que até então estavam nas mãos dos jesuítas):
102
• o ensino laico foi implantado por meio de uma reforma ocorrida entre 1759 e
1772, que englobou desde o estudo primário até a Universidade de Coimbra.
103
companhias monopolistas, a do Grão-Pará e Maranhão e a de Pernambuco e da Paraíba,
conforme veremos adiante.
O setor minerador, após uma breve recuperação nos anos de 1750, mergulha em
profunda crise, sobretudo nos anos de 1760–1770. A queda da arrecadação
proveniente da cobrança do “quinto” abala as finanças do Estado e compromete
a balança comercial de Portugal com a Inglaterra e outros países. Os apertos da
nova conjuntura, agravados pela guerra com a Espanha, imprimem novos rumos
ao “reformismo ilustrado”, na metrópole e na Colônia (FALCON, 2001, p. 231).
104
Com a extração do ouro nas Minas Gerais começando a diminuir, prejudicando
ainda mais a delicada situação econômica de Portugal, Pombal tomou uma série de
medidas para aumentar o controle sobre a arrecadação do ouro. Foi imposto nas regiões
mineradoras a cobrança de 100 arrobas de ouro por ano (equivalente a 1,5 tonelada).
Caso os mineradores não pagassem a quantia estipulada, seria decretada a derrama
(confisco dos bens da população até completar o valor devido). Porém, à medida que as
minas se exauriam e a arrecadação diminuía, as rendas da Coroa eram prejudicadas,
aumentando as suspeitas de sonegação e o aumento no rigor das cobranças (HOLANDA,
2008). Com relação à exploração de diamantes, foi declarado o monopólio régio, ou seja,
somente o governo poderia explorar as minas de diamantes. Para tanto, foi fundado o
Distrito Diamantino, cercado e rigidamente vigiado para impedir a circulação de pessoas
não autorizadas.
Contudo, o ouro não era o único produto que passava por maus momentos.
Conforme salienta Sérgio Buarque de Holanda (2008), a produção de açúcar sofria com
a tributação excessiva e com a concorrência do açúcar produzido pelos holandeses nas
Antilhas; o pau-brasil já não garantia o êxito na economia local; com a produção de açúcar
declinando, os escravos do Nordeste eram enviados para a região das Minas e faltavam
embarcações para levar a produção para Europa. A metrópole portuguesa precisava de
estratégias para recuperar sua fragilizada economia. Uma das primeiras medidas
adotadas pelo reformismo pombalino foi a criação das Casas de Inspeção do Tabaco e
do Açúcar, em 1751, para solucionar dificuldades nas exportações desses produtos. Já
no ano de 1755 foi criada a Junta Comercial, órgão que controlava a saída das frotas,
impedia que comissários estrangeiros fossem aos portos brasileiros, combatia o
contrabando e fiscalizava o peso e a qualidade dos rolos de tabaco e das caixas de
açúcar. “Assim, todo o tráfico ultramarino estava sob a sua alçada: a organização, o
controle e fomento do comércio colonial, inclusive a construção de navios, no Reino e no
Brasil” (FALCON, 2001, p. 232). Para garantir o fomento à produção metropolitana, foi
permitida a instalação de algumas manufaturas de beneficiamento na colônia. Visando
fortalecer o Pacto Colonial, que garantia o monopólio do comércio metrópole-colônia,
foram criadas as Companhias de Comércio, com o objetivo de controlar a circulação dos
produtos, incentivar as produções coloniais de interesse comercial e controlar o tráfico
105
de escravos. Pombal organizou a criação de duas companhias, a Companhia Geral do
Grão-Pará e Maranhão e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba.
A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, criada em 1755, tinha o privilégio
de atuação por 20 anos. Ela funcionou entre 1756 e 1778, quando foi abolida. Sua função
era diversificar a produção regional (cacau, café, arroz e açúcar, em menor medida). A
Companhia foi responsável por introduzir quase 15 mil escravos no Grão-Pará, em mais
de duas décadas. Mesmo concedendo facilidade de créditos, a pobreza da região fez
com que muitos escravos fossem enviados paras as minas do Mato Grosso (CARDOSO,
2000). Estabelecida a companhia no Grão-Pará, Pombal empenhou-se em restabelecer
o controle sobre a economia num dos principais centros brasileiros de comércio e
produção do açúcar: as capitanias de Pernambuco e da Paraíba. Criada em 1759, a
Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba tinha como principais objetivos “[...] reativar
a agricultura de exportação, o tráfico de escravos e o consumo de mercadorias europeias
no Nordeste do Brasil” (CARDOSO, 2000, p. 118). Inicialmente, as duas companhias
deram resultados positivos para a Coroa portuguesa, garantindo a introdução de novos
produtos para exportação e mão de obra. De acordo com Maxwell (1996, p. 97):
106
vender produtos e escravos a preços exorbitantes, repassar mercadorias deterioradas,
desvalorizar os produtos regionais, fraudar as rendas aduaneiras, não assegurar as
capitanias de Pernambuco e da Paraíba, elementos esses indispensáveis para que se
restaurassem, dentre outras queixas (HOLANDA, 2008). Esse descontentamento gerado
com a criação das Companhias esteve na base de vários movimentos contra o domínio
português ocorridos ao longo do século XVIII.
• substituir a utilização da língua geral — língua de base tupi que era amplamente
falada no Brasil — pela língua portuguesa;
• promover a transformação gradativa das aldeias indígenas em vilas que seriam
governadas por um líder local e por um administrador nomeado pelo governo português;
• permitir que os colonos brancos residissem nessas vilas e se casassem com
mulheres indígenas;
107
• estimular os indígenas a abandonar seus costumes e aderir aos dos
colonizadores, tanto em relação às atividades produtivas (como a agricultura e o
comércio) quanto em relação ao modo de vida (assimilar a noção de propriedade
individual, falar apenas o português, vestir-se como os colonizadores, etc.).
Em 1758, a escravidão indígena foi proibida, medida esta que estimulou o tráfico
de escravos africanos para o Brasil, atividade que viria a gerar muitos lucros para a Coroa
portuguesa. O Diretório dos Índios foi abolido em maio de 1798, por determinação régia.
A carta régia apregoava que não fossem feitas guerras contra os indígenas, exceto em
caso de defesa e, ainda assim, em casos extremos (SILVA, 1986). No âmbito das
reformas político-administrativas, percebe-se que algumas delas foram uma extensão
das medidas adotadas pela metrópole e operadas também na colônia. Em 1761, foi
criado o Erário Régio, em Lisboa, cuja tarefa era de garantir a cobrança de impostos e
combater a sonegação e o contrabando. Para isso, foram organizadas nas capitanias da
colônia as Juntas da Fazenda e “[...] reformas no sistema de contabilidade e de cobrança
de impostos foram realizadas, e adotadas medidas para coibir ou prevenir o contrabando
— em especial o do ouro” (CARDOSO, 2000, p. 115).
Destacam-se ainda outras duas medidas adotadas por Pombal. Em 1759, as
capitanias hereditárias — criadas nos primeiros anos da colonização e que ainda existiam
no plano jurídico, embora não existissem de fato — foram formalmente extintas e todas
as terras passaram para domínio da Coroa. “Pombal não poderia deixar de extinguir
esses vestígios do feudalismo que eram as obscuras ‘capitanias’ particulares ainda
existentes ao inaugurar-se a sua administração” (HOLANDA, 2008, p. 53). Em 1763, a
sede do governo-geral foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, a fim de melhor
fiscalizar a produção do ouro. De acordo com Holanda (2008), o Rio de Janeiro já era a
capital eminente das minas, tinha crescido bastante e sua população era superior à de
Salvador. Com a transferência da sede do governo, desloca-se também o eixo
econômico, que deixava de se situar no Nordeste para rumar ao Centro-Sul da capitania.
108
19.3 A expulsão dos jesuítas e a reforma educacional
a nova sociedade exige um novo homem que só poderá ser formado por
intermédio da Educação. Assim, apesar de o ensino jesuítico ter sido útil às
necessidades do período inicial do processo de colonização do Brasil, já não
consegue mais atender aos interesses dos Estados Modernos em formação.
Surge, então, a ideia de Educação pública sob o controle dos Estados Modernos.
109
Portanto, a partir desse momento histórico, o ensino jesuítico se torna ineficaz
para atender às exigências de uma sociedade em transformação (MACIEL;
SHIGUNOV NETO, 2006, p. 471).
Muitas medidas adotadas por Pombal eram testadas previamente no Brasil. Antes
mesmo da expulsão dos jesuítas dos territórios portugueses, em 1758, Mendonça
Furtado, irmão de Pombal, novo governador do Grão-Pará e Maranhão, “[...] introduziu o
sistema diretivo para substituir a administração secular dos jesuítas ali onde o controle
jesuítico sobre as aldeias indígenas havia sido abolido pelos decretos reais em 7 de junho
de 1755” (MAXWELL, 1996, p. 104). Cabia aos diretores os lugares ocupados pelos
missionários e a função de fundar duas escolas em cada aldeia. Uma escola para
meninos, que aprenderiam a ler, escrever e contar, além da doutrina cristã, e outra escola
para meninas, que aprenderiam a executar as tarefas de casa e outras mais apropriadas
“para esse sexo”. O uso do português foi imposto, sendo proibido o uso das línguas
nativas. Conforme Luiz Carlos Villalta (1997, p. 340), no Grão-Pará e Maranhão, essa
prática foi difundida de modo mais incisivo, “[...] procurando difundir o português para
legitimar a posse da terra” e coibir o uso de línguas nativas. Contribui para isso a Lei do
Diretório dos Índios, de 1757, vista como “[...] verdadeiro marco inicial na historiografia
do ensino de línguas em nosso país, a qual tratará, dentre outras coisas, do ensino da
língua portuguesa no Brasil colônia” (SOUZA, 2011, p. 44).
Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, o Estado assumiu a responsabilidade pela
instrução da população. Para tanto, passou a cobrar um imposto — o subsídio literário —
, um imposto especial que “[...] deveria garantir aos professores régios ordenados que
lhes permitissem ‘decente honestidade de habitação e de independência’” (HOLANDA,
2008, p. 99). Para iniciar a reforma educacional, foi criado por Pombal, em julho de 1759,
o posto de diretor de estudos, com objetivo de fiscalizar o sistema nacional de educação
secundária, sendo mais tarde “[...] formada a Junta da Providência Literária, para
preparar a reforma da educação superior” (MAXWELL, 1996, p. 105). Em 1771, houve a
transferência da administração e direção do ensino para a Real Mesa Censória, “[...]
órgão criado em abril de 1768, com o qual pretendia efetivar a emancipação do controle
absoluto dos jesuítas no ensino, passando, então, ao controle do Estado” (MACIEL;
SHIGUNOV NETO, 2006, p. 471). Foram também introduzidas as aulas régias e a
110
constituição de academias científicas e literárias. Ao propor as reformas educacionais,
Pombal pretendia utilizar-se da instrução pública para “[...] dominar e dirimir a ignorância
que grassava na sociedade, condição incompatível e inconciliável com as ideias
iluministas” (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2006, p. 471). A elite brasileira era incentivada
a completar seus estudos na Universidade de Coimbra, fortalecendo os elos com a
metrópole. No entanto, tais medidas educacionais não garantiram progresso científico
expressivo. Havia um grande distanciamento entre o que as intenções legais
preconizavam e o que acontecia na prática, provocando um longo período de decadência
e desorganização na educação colonial.
111
reformas pombalinas nos é apresentada por Luiz Carlos Villalta, que defende que a
instrução escolar implementada por Pombal era prisioneira da orientação religiosa e
calcava-se na repetição, sendo, portanto, contrária ao espírito científico defendido pelo
Iluminismo.
112
descoberta do ouro na região das Minas Gerais trouxe alívio, ainda que efêmero, para os
cofres portugueses, que enfrentava uma grave crise econômica, envolvendo a luta pela
libertação do domínio espanhol e o fim da União Ibérica (1640). A coroa portuguesa teve
que arcar com os custos da guerra contra a Espanha, que durou até 1668 e com a
indenização paga à Holanda em 1654, depois de vencer a Insurreição Pernambucana.
Após serem expulsos do Nordeste, os holandeses passaram a produzir açúcar nas
Antilhas, fazendo concorrência na Europa com o açúcar brasileiro. De acordo com
Maximiliano Menz (2013, p. 44, documento on-line, acréscimo nosso): “[a] causa
estrutural da crise no Nordeste seria a redução secular dos preços, motivada pela queda
da demanda europeia”. Com a queda no preço internacional do açúcar, a economia
colonial, e consequentemente a portuguesa, foram duramente afetadas. Além dos
problemas vindos da colônia, entre final do século XVII e início do XVIII a economia
portuguesa era extremamente dependente da Inglaterra, sobretudo após a assinatura do
Tratado de Methuen, em 1703, conforme comenta Boris Fausto (2004, p. 98–99,
acréscimo nosso):
O alívio aos cofres portugueses foi efêmero, pois a partir da segunda metade do
século XVIII a produção aurífera na região das Minas Gerais começou a declinar. O
Quadro 1 mostra a produção de ouro no Brasil no século XVIII.
113
Quadro 1. Evolução da produção aurífera na América portuguesa ao longo do séc. XVIII
Fonte: Adaptado de Pinto (1979).
114
1.500 quilos) de ouro, que deveria ser paga anualmente pelos mineradores (HOLANDA,
2008). Caso essa cota de ouro não fosse paga, a coroa portuguesa viria a instituir a
derrama, cobrança compulsória dos impostos atrasados, que deveriam ser pagos com
recursos dos mineradores. Até 1766, essa quantidade foi paga, mas a partir daí as
dívidas se acumularam, chegando a 538 arrobas de ouro (cerca de 8.000 quilos) em 1788
(JARDIM, 1989). A ameaça da cobrança da derrama atemorizava os mineradores. Além
dessa ameaça, o restabelecimento das companhias de comércio monopolistas
encareceu excessivamente os gêneros de primeira necessidade.
A coroa portuguesa ignorava, ou fingia ignorar, o fato de que a arrecadação diminuíra
devido ao esgotamento natural dos veios auríferos. Para continuar a exploração
sistemática do ouro, eram necessários recursos financeiros que os mineiros não
possuíam. Alguns funcionários do rei propunham adoções de medidas alternativas ao
simplesmente aumentar a fiscalização e os impostos da região mineradora, como o
próprio governador da capitania de Minas Gerais chegou a sugerir:
O sistema colonial vigente à que se refere Sérgio Buarque de Holanda diz respeito
ao Pacto Colonial, relação de exclusividade entre colônia e metrópole com objetivo de
deixar a colônia dependente dos produtos que só poderiam ser oferecidos pela
metrópole. Durante a administração do Marquês de Pombal (1750–1777), a instalação
de algumas manufaturas foi permitida, cujo objetivo principal era o fomento à produção
metropolitana. Era permitida a existência na colônia de pequenos polos de fabricação de
artigos de consumo, como tecidos, calçados, armas e ferramentas de trabalho. Tal
medida implementada por Pombal foi proibida pela rainha D. Maria I, sucessora do rei D.
José I. “O alvará de 5 de janeiro de 1875 proibiu a instalação de estabelecimentos fabris.
Em consequência, as tecelagens paralisaram-se, com exclusão daquelas destinadas ao
fabrico de tecidos para escravos e sacaria” (FROTA, 2000, p. 180). Assim, aos preços
115
exorbitantes acrescentavam-se outros tributos, de efeitos desastrosos para a população,
que já não tinha mais condições de arcar com tantas taxas.
O governador da capitania de Minas Gerais, Rodrigo de Meneses, que apresentava
ideias consideradas “progressistas”, foi substituído por Luís da Cunha Meneses, que
governou a capitania entre 1783 e 1788. Havia dentre os colonos um sentimento de
hostilidade com relação aos funcionários portugueses, principalmente para com os
governadores. De acordo com Boris Fausto (2004, p. 115, acréscimo nosso), “[o]
entrosamento entre a elite local e a administração da capitania sofreu um abalo com a
chegada” de Cunha Meneses, que “marginalizou os membros mais significativos da elite
[mineira], favorecendo seu grupo de amigos”. O descontentamento dos colonos com a
administração portuguesa só aumentava. Segundo Sergio Buarque de Holanda (2008, p.
440) “bastaria um motivo concreto, imediato e um líder para se armar um levante”. A
situação na colônia foi agravada com a nomeação de Luís Antônio Furtado de Mendonça
para exercer o cargo de governador da capitania das Minas Gerais, em julho de 1788. O
Visconde de Barbacena, título do governador, assumiu o governo da capitania com o
principal objetivo de promover a derrama.
Nesse contexto, a capitania de Minas Gerais devia para Portugal mais de cinco
toneladas de ouro. Os colonos afirmavam que não podiam pagar, porque o ouro estava
se esgotando. As autoridades portuguesas reafirmavam que o problema era que o ouro
estava sendo desviado. Holanda (2008, p. 340) afirma que “Não é por acaso que o
Visconde de Barbacena, em sua circular de 3 de março de 1789, apresenta como
principal causa para a diminuição das quotas pertencentes ao régio erário a crescente
atividade de contrabandistas e extraviadores”. Esse fato que fez com as elites de Minas
Gerais começassem a conspirar contra a Coroa. Não bastava lutar apenas contra
algumas medidas tomadas pela metrópole, era preciso mais do que isso. A solução
116
definitiva, pensavam as elites, seria separar a capitania de Minas Gerais do domínio
português.
Não é talvez por acaso que a diminuição mais sensível nas matrículas mineiras
no decênio que se inicia em 1750 — a de 1758 — corresponde exatamente ao
primeiro déficit no rendimento dos reais quintos: o produto da arrecadação que
se mantivera sempre bem acima de cem por cento do exigido baixara, com efeito,
a menos de 89 por centro do período 1757–58. A própria queda verificada em
1759–1760, por ligeira que fosse, também coincide com uma baixa contribuição
de Minas para os estudos superiores: apenas cinco estudantes em 1760, contra
onze no ano antecedente e outros onze no subsequente (HOLANDA, 2008, p.
338).
Esses estudantes acabaram se tornando responsáveis por trazer para colônia ideias
liberais. Os inconfidentes conheciam os autores iluministas e admiravam os líderes da
independência dos Estados Unidos, inspirando-se neles para formular seu plano. Embora
tenha surgido na Inglaterra, foi na França que o Iluminismo teve maiores
desdobramentos. Esse movimento de renovação de ideias baseado no racionalismo
comparava a razão com a luz que dissolve as trevas da ignorância e, por isso, ficou
conhecido como Iluminismo, e o século XVIII, como o Século das Luzes. Os ideais
117
iluministas atendiam às necessidades dos burgueses, que se sentiam prejudicados pelos
reis absolutistas e pela influência da Igreja em assuntos do Estado. Em 1690, o pensador
inglês John Locke publicou um livro destruindo as bases filosóficas que sustentavam a
teoria do Direito Divino:
118
• direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade (princípios defendidos por John
Locke como Direitos Naturais);
• se o governo não respeitasse esses princípios, o povo poderia derrubá-lo e instituir
um novo governo.
[O] livro era uma denúncia dos crimes do colonialismo europeu; denunciava o
Tratado de Methuen e a dependência de Portugal à Inglaterra, o tráfico negreiro,
a política fiscal abusiva e os excessos do clero. Dedicava 136 páginas ao Brasil,
para o qual defendia a liberdade de comércio. Fora praticamente o único livro
com grandes informações de ordem econômica, demográfica e político-
administrativa do Brasil do século XVIII a que tiveram acesso os estudantes
brasileiros (JARDIM, 1989, p. 43–44).
119
Havia, portanto, para os habitantes das colônias americanas, dois focos de
inspiração de caráter libertário: um, bastante óbvio, dizia respeito a uma
revolução bem-sucedida que tinha possibilitado a realização concreta da
libertação de um povo e o surgimento de uma nova nação; outro, de caráter
ideológico, falava em liberdade e igualdade dos homens e era aprendido fora da
colônia por uma elite intelectual, porém curiosamente conseguia se difundir no
seu interior atingindo mesmo os menos favorecidos.
Fica claro, portanto, que o pensamento iluminista serviu de base teórica para a
Inconfidência Mineira, enquanto o sucesso do processo de Independência dos Estados
Unidos servia como modelo prático de insurgência para os inconfidentes mineiros,
modelo este que deveria ser seguido para libertar Minas Gerias do domínio português.
21 A INCONFIDÊNCIA MINEIRA
Quando foi anunciado que a cobrança dos impostos atrasados seria feita em 1789,
acompanhada de uma ampla investigação sobre o contrabando na região, destacados
membros da elite econômica e intelectual de Minas Gerais passaram a se reunir em Vila
Rica e a planejar um movimento contra o domínio colonial, que ficou conhecido como
Inconfidência Mineira. Muitos dos conspiradores aderiram à Inconfidência pois estavam
endividados com Portugal, ou porque eram acusados de contrabando, ou ainda porque
haviam perdido cargos importantes no governo colonial. Antes de analisarmos o que
pretendiam os inconfidentes, é necessário verificarmos quem eram esses intelectuais
mineiros e qual o envolvimento e interesses deles na Inconfidência Mineira. Vejamos a
seguir os principais envolvidos no movimento.
21.1 Os inconfidentes
Sabendo que uma revolta não se concretiza com palavras, espalhou a ideia entre
os seus camaradas, conseguindo o apoio de seu comandante, o Tenente- -
Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, de ilustre linhagem, em cuja casa
reuniam-se os conjurados. Sem dúvida, José Alvares Maciel exerceu muita
influência, pois era cunhado de Freire de Andrade (FROTA, 2000, p. 215–216).
122
Francisco de Paula Freire de Andrade foi o inconfidente de mais alta patente envolvido
no movimento. Em 1789, Francisco de Paula era tenente-coronel e ocupava o posto de
comandante do Regimento Regular de Cavalaria de Minas (RRCM), unidade conhecida
também como “Dragões Reais de Minas”. Vindo de uma família de posses, ainda que
fosse filho ilegítimo de um conde, Francisco de Paula casou-se com Isabel Querubina de
Oliveira Maciel, cujo dote rendera a Francisco de Paula uma boa quantia em dinheiro.
Juntando a riqueza pessoal de Francisco de Paula com o dote de sua esposa, eles eram
um dos casais mais ricos da capitania (JARDIM, 1989). A casa de Francisco de Paula
era ponto de encontro onde eram realizadas as reuniões com os principais inconfidentes.
Ao assumir o ministério português, Melo e Castro propôs mudanças com relação à
colônia, a começar pela substituição do governador Luís da Cunha Meneses pelo
Visconde de Barbacena.
O papel de Tomás Antônio Gonzaga na revolução mineira de 1789 foi dos mais
importantes e decisivos. Embora a historiografia específica sobre seu caso
pessoal seja polêmica e contraditória, tenho certeza de que a leitura moderna
dos Autos não deixa dúvida quanto a três fatos fundamentais: a) Gonzaga
participara efetivamente da conspiração; b) era um de seus principais líderes [...];
c) tinha responsabilidade capital na revolta, com a tarefa de redigir a Constituição
e os documentos legais mais importantes de institucionalização da nova situação
política a ser criada (JARDIM, 1989, p. 103).
124
• Domingos de Abreu Vieira, comerciante português, nascido em 1924, que mantinha
estreitos vínculos pessoais com os principais inconfidentes. Abreu Vieira teria garantido
o fornecimento da pólvora necessária para deflagração da Inconfidência. De acordo com
Maxwell (2005, p. 148), Abreu Vieira tinha uma grande dívida com a Fazenda Real e se
envolveu na Inconfidência “porque ela proporcionava um meio de eliminar suas dívidas”.
• João Rodrigues de Macedo, contratador português, citado por Melo e Castro como
um dos maiores devedores da Fazenda. Macedo era de uma abastada família de
Coimbra e vivia no mais belo palácio particular da capitania de Minas Gerais, que abriga
hoje a Casa dos Contos, em Ouro Preto. Segundo Maxwell, a dívida de Macedo era “oito
vezes maior do que seu ativo” (2005, p. 149). Macedo era um dos mais interessados no
rompimento político com Portugal, para que sua fortuna fosse assegurada.
• Joaquim Silvério dos Reis, também contratador português, nascido em 1755 ou
1756, em Monte Real. Quando foi preso, em 1789, “era um dos homens mais ricos da
capitania e, ao lado de João Rodrigues de Macedo, o mais endividado em relação ao
Erário” (JARDIM, 1989, p. 156). Silvério dos Reis aderiu à conspiração no início de 1789,
a contragosto de Gonzaga, que inclusive criticava Silvério do Reis nas Cartas Chilenas,
chamando-o de Silverino.
• José Alvares Maciel, nascido em Vila Rica (atual Ouro Preto) em 1760, sendo o
mais jovem dos inconfidentes. Maciel estudou em Coimbra, onde concluiu o curso de
Filosofia Natural (equivalente ao de Engenharia Química), em 1785. Aluno exemplar,
Maciel teria em Portugal entrado em contato com os ideais iluministas e também, de
acordo com Márcio Jardim (1989, p. 143), teria aderido à Maçonaria, “e este fato permite
provar que a Maçonaria não era inexistente no Brasil e em Minas Gerais naquela época,
como se pensa geralmente”. José Alvares Maciel era de uma família rica e sendo
totalmente dependente de seu pai, “o jovem Maciel via-se ameaçado de perder seu
patrimônio em virtude das ordens de Melo e Castro” (MAXWELL, 2005, p. 143).
• Inácio José Alvarenga Peixoto, nascido no Rio de Janeiro, em 1742. Graduou-se
em Direito na Universidade de Coimbra em 1768. Foi nomeado Juiz de Fora na cidade
de Sintra, em Portugal, pelo Marquês de Pombal, ainda em 1768. Abandonou a
magistratura para se dedicar à mineração e ao latifúndio. Assim como Gonzaga e Cláudio
125
Manoel, Alvarenga era um excelente poeta, com poemas bastante conhecidos do público
(JARDIM, 1989). Tal como os demais inconfidentes mencionados, Alvarenga Peixoto
estava endividado com a Fazenda e também com João Rodrigues de Macedo, que lhe
emprestara dinheiro desde que este estudava em Coimbra (MAXWELL, 2005).
• Clérigos: Padre Carlos Correia de Toledo e Melo, o mais radical dos eclesiásticos
envolvidos na Inconfidência Mineira. Nasceu em Taubaté em 1731 e “era um rico
proprietário de terras, com grandes lavouras e trabalhos na mineração, sendo senhor de
numerosos escravos na comarca de Rio das Mortes” (MAXWELL, 2005, p. 145). Com
atuação decisiva na Inconfidência Mineira, o padre Carlos Correia pode ser considerado
um dos principais líderes, que arregimentou vários adeptos (JARDIM, 1989). Padre José
da Silva e Oliveira Rolim, nascido em Diamantina, em 1747. Filho do primeiro
administrador do Real Contrato dos Diamantes, Oliveira Rolim pode ser considerado, “em
termos de liquidez, o mais rico dos inconfidentes” (JARDIM, 1989, p. 296).
Diferentemente de outros inconfidentes, Oliveira Rolim não tinha dívidas com a Fazenda,
mas fora expulso da capitania de Minas Gerais pelo governador Luís da Cunha Meneses,
em 1876. Retornou à capitania, de modo clandestino, no ano seguinte. Segundo Maxwell
(2005, p. 145), “O Padre Rolim tentara obter de Barbacena a revogação da ordem de seu
banimento, sem êxito, e sua mágoa levou-o — aparentemente — a aderir à conspiração”.
Padre Luís Vieira da Silva, nascido em 1735, em Congonhas, Minas Gerais. O historiador
Márcio Jardim aponta com convicção que o Padre Luís Vieira da Silva foi o maior líder
da Inconfidência Mineira, ao lado de Tomás Antônio Gonzaga. De acordo com Jardim
(1989, p. 276), “Luís Vieira foi o criador do movimento, líder intelectual, coordenador,
estrategista”. Entusiasta admirador da luta dos norte-americanos pela independência,
“Luís Vieira muitas vezes falava contra o direito de Portugal sobre a América”
(MAXWELL, 2005, p. 148).
Os inconfidentes decidiram também qual seria a bandeira que iria guiá-los: “uma
bandeira com um triângulo ao centro (influência maçônica), gravada com a frase de
Virgílio: ‘Libertas quae sera tamen’ (Liberdade ainda que tardia)” (FROTA, 2000, p. 216).
Dois pontos sensíveis dividiam as opiniões dos inconfidentes: qual deveria ser o
tratamento dispensado ao governador Visconde de Barbacena e a questão da
escravidão. Com relação ao Visconde de Barbacena, a primeira proposta apresentada,
de executá-lo, passou a ser vista como radical demais. Alguns defendiam a expulsão do
governador da capitania. A primeira ideia, de executá-lo “parece ter sido a aprovada,
embora contra a opinião de Alvarenga Peixoto e de Carlos Correia. Gonzaga parece ter
sido favorável à decapitação do governador por ser o modo mais seguro de tornar
irreversível o compromisso com o levante” (MAXWELL, 2005, p. 152). A questão da
escravidão foi um assunto polêmico e sem consenso, já que muitos dos líderes eram
donos de escravos:
128
Quando Tiradentes se dirigiu ao Rio de Janeiro, a fim de conseguir adesões e armas,
o movimento foi denunciado ao Visconde de Barbacena por Joaquim Silvério dos Reis,
cujo nome passou a ser associado a traição. Conforme visto anteriormente, Silvério dos
Reis era um dos maiores devedores entre os inconfidentes. Logo, se a Inconfidência
lograsse êxito, ele teria suas dívidas perdoadas, caso contrário poderia ser sua ruína.
Temendo que o movimento pudesse não dar certo, Silvério dos Reis decidiu delatar os
inconfidentes. A carta redigida em 15 de março de 1789 por Silvério dos Reis dava conta
de todos os envolvidos na Inconfidência, bem como de todos os detalhes de como o
movimento seria levado a cabo (MAXWELL, 2005). Um dia antes de receber a denúncia
de Silvério dos Reis, o Visconde de Barbacena já tinha cancelado a derrama, acabando
com o estopim que seria necessário para o início da Inconfidência Mineira.
O movimento tinha sido findado antes mesmo de começar. O Visconde de Barbacena
mandou prender os envolvidos, o que causou surpresa na população, ao ver que os
inconfidentes eram homens de grande prestígio na capitania. Tiradentes foi preso dia 10
de maio de 1789, no Rio de Janeiro. De acordo com Jardim (1989, p. 378), “No dia
seguinte, a Devassa aberta, Tiradentes sofreu o primeiro de 11 interrogatórios; ficará
mudo e na negativa até janeiro de 1790”. Durante os interrogatórios, conforme havia sido
combinado, alguns prisioneiros negaram o movimento. Mas nem todos negaram. O
alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, assumiu a iniciativa do movimento,
sendo considerado o principal líder, o que não era verdade. Entretanto, essa posição
parecia confirmar suas ações durante o planejamento do movimento, quando ele
divulgava abertamente suas ideias, mostrando-se fiel a suas crenças e um inconfidente
entusiasmado.
O processo dos conjurados, denominado Autos da Devassa, só foi proclamado em
1791, e, durante esse período, a maioria de seus participantes ficou presa no Rio de
Janeiro. A sentença previa a pena de morte na forca para 11 dos réus, e pena de desterro
(exílio) a outros sete. Contudo, no dia seguinte, a pena de morte foi transformada em
desterro, exceto a do alferes Silva Xavier. Confira a seguir a lista de condenados e suas
respectivas penas (JARDIM, 1989):
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• Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes: condenado à morte por enforcamento,
seguido de esquartejamento.
• Francisco de Paula Freire de Andrade: condenado à morte, pena comutada em
degredo perpétuo para Angola. Faleceu em 1808 sem ter retornado ao Brasil.
• Tomás Antônio Gonzaga: condenado ao degredo em Moçambique, onde atuou
como advogado. Faleceu em 1810 sem ter retornado ao Brasil.
• Cláudio Manuel da Costa: não chegou a ser julgado, pois morreu na prisão, em
Minas Gerais, no dia 4 de julho de 1789.
• Domingos de Abreu Vieira: condenado à morte por enforcamento, teve a pena
comutada em degredo para Angola. Faleceu 28 dias após chegar em Luanda, no dia 9
de outubro de 1792.
• João Rodrigues de Macedo: não chegou a ser interrogado e julgado, pois
literalmente pagou para não ser preso.
• Joaquim Silvério dos Reis: mesmo tendo se envolvido nas reuniões com os outros
inconfidentes, não chegou a ser preso, por delatar o movimento.
• José Alvares Maciel: preso somente em outubro de 1789, foi condenado à morte
por enforcamento, mas teve a pena comutada em degredo para Angola. Faleceu em
1804.
• Inácio José Alvarenga Peixoto: condenado à morte por enforcamento, teve pena
comutada em degredo perpétuo para Angola. Chegou em Luanda em julho de 1792,
faleceu pouco mais de um mês depois, em Ambaca, Angola.
• Padre Carlos Correia de Toledo e Melo: foi condenado à morte por enforcamento,
mas por ordem da rainha de Portugal, Maria I, foi enviado para Lisboa, onde ficou preso
na Fortaleza de São Julião da Barra, até 1796. Depois de solto, foi para o Convento de
São Francisco da Cidade, onde veio a falecer em 1803.
• Padre José da Silva e Oliveira Rolim: assim como o Padre Toledo e Melo, Oliveira
Rolim foi condenado à morte, tendo a pena comutada por ordem da rainha Maria I.
Também ficou preso na Fortaleza de São Julião até 1796. Depois disso, passou a viver
no Mosteiro de Santo Bento da Saúde. Em 1804, obteve a licença para voltar ao Brasil.
Faleceu em 1835, em Diamantina.
130
• Padre Luís Vieira da Silva: originalmente condenado ao degredo perpétuo na ilha
de São Tomé, mas assim como os demais padres, foi enviado para Lisboa, onde
permaneceu preso na Fortaleza de São Julião da Barra, até 1796. Depois disso, foi para
clausura no Convento de São Francisco da Cidade, onde permaneceu por mais 6 anos.
Regressou ao Brasil por volta de 1805 e faleceu em Paraty, no Rio de Janeiro, em 1809.
131
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