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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

HISTÓRIA DO BRASIL

GUARULHOS – SP

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 4

2 A EUROPA DURANTE A IDADE MODERNA ............................................................... 5

2.1 A economia portuguesa.............................................................................................. 8

2.2 A sociedade portuguesa ........................................................................................... 11

3 A REVOLUÇÃO DE AVIS ........................................................................................... 13

4 PORTUGAL E O MAR................................................................................................. 16

4.1 As navegações portuguesas .................................................................................... 18

4.1.1 A chegada dos portugueses na América ............................................................... 20

5 A COLONIZAÇÃO E O MERCANTILISMO ................................................................. 22

6 A OCUPAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA ........................................................... 24

7 AS INVASÕES DO TERRITÓRIO PORTUGUÊS NA AMÉRICA ................................ 27

7.1 Os franceses ............................................................................................................ 28

7.2 Os holandeses ......................................................................................................... 29

8 EXPANSÃO TERRITORIAL ........................................................................................ 31

8.1 A relação metrópole–colônia .................................................................................... 31

8.2 A estrutura administrativa da América portuguesa ................................................... 34

9 AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS .............................................................................. 36

9.1 O Governo Geral ...................................................................................................... 38

10 A ECONOMIA DA AMÉRICA PORTUGUESA .......................................................... 40

11 O EXTRATIVISMO .................................................................................................... 41

12 A AGRICULTURA E A PECUÁRIA NA AMÉRICA PORTUGUESA .......................... 44

12.1 A cana-de-açúcar ................................................................................................... 44

12.1.1 Os senhores de engenho .................................................................................... 46

1
12.1.2 Extrativismo açucareiro ....................................................................................... 47

12.2 A pecuária.......... .................................................................................................... 48

13 A ESCRAVIDÃO INDÍGENA NA AMÉRICA PORTUGUESA .................................... 50

13.1 Os confrontos culturais entre indígenas e portugueses ......................................... 53

13.2 As missões jesuíticas na América .......................................................................... 55

13.2.1 As missões jesuíticas .......................................................................................... 58

14 OS POVOS ORIGINÁRIOS DA AMÉRICA PORTUGUESA ..................................... 58

14.1 Diversidade cultural e econômica dos povos indígenas ......................................... 60

14.2 Assimilações e confrontos culturais ....................................................................... 63

15 REVOLUÇÃO LIBERAL DO PORTO ........................................................................ 66

16 A ESCRAVIZAÇÃO DOS POVOS AFRICANOS E O TRÁFICO ............................... 71

16.1 Portugal, África e o comércio de escravizados ....................................................... 74

16.2 A economia colonial e a escravidão ....................................................................... 77

17 O CICLO DO OURO E A BUSCA POR METAIS PRECIOSOS ................................ 81

17.1 As bandeiras e as entradas .................................................................................... 83

17.2 Política e sociedade entre o açúcar e o ouro ......................................................... 86

18 A IGREJA CATÓLICA E A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA ............ 88

18.1 Sincretismos religiosos ........................................................................................... 92

18.2 Artes e literatura na América portuguesa ............................................................... 94

18.2.1 As artes ............................................................................................................... 96

19 A ADMINISTRAÇÃO POMBALINA E AS TRANSFORMAÇÕES NA COLÔNIA ....... 97

19.1 Portugal e as reformas do marquês ....................................................................... 98

19.1.1 As reformas pombalinas para as colônias portuguesas .................................... 100

19.2 As ações do Marquês de Pombal no Brasil Colonial ............................................ 104

19.2.1 Reformas econômicas ....................................................................................... 104

2
19.2.2 Reformas político-administrativas ..................................................................... 107

19.3 A expulsão dos jesuítas e a reforma educacional ................................................ 109

20 OS ANTECEDENTES DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA .......................................... 112

20.1 A influência iluminista e norte-americana ............................................................. 117

21 A INCONFIDÊNCIA MINEIRA ................................................................................. 120

21.1 Os inconfidentes ................................................................................................... 120

21.2 As propostas dos inconfidentes ............................................................................ 126

22 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 132

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material é


semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase
improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer
uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo
hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que
lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida
e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 A EUROPA DURANTE A IDADE MODERNA

O conceito de “modernidade” possui muitas definições, sendo a referência à Idade


Moderna uma de suas acepções. Em termos gerais, tal período foi inaugurado pelas
transformações ocorridas na Europa durante os séculos XV e XVI, cujas consequências
estendem-se até hoje. Examinemos, antes de mais nada, os principais aspectos dessas
mudanças. Do ponto de vista político, houve uma progressiva centralização do poder e,
paralelamente, um fortalecimento da figura do rei, o que levou à organização do Estado
moderno, ou das monarquias nacionais, caracterizadas por práticas políticas
absolutistas. Contudo, essa transformação não ocorreu da mesma forma, nem no mesmo
período, em todas nações europeias. Há historiadores, como António Manuel Hespanha,
que negam o caráter absolutista da monarquia portuguesa, principalmente nos séculos
XVI e XVII. Para ele, a monarquia portuguesa trazia consigo uma série de características
herdadas do medievo: o corporativismo, o respeito a certos códigos jurídicos e a
existência de múltiplos centros de poder, uma herança da escolástica e de práticas de
autogoverno que eram originárias do cristianismo e sua disciplina social (amorosa,
consentida e voluntária) (FRAGOSO, 2012, p. 120).
Nas palavras de Hespanha:

[...] o poder real partilhava o espaço político com poderes de maior ou menor
hierarquia; o direito legislativo da Coroa era limitado e enquadrado pela doutrina
jurídica [...] e pelos usos e práticas jurídicos locais; os deveres políticos cediam
perante os deveres morais (graça, piedade, misericórdia, gratidão) ou afetivos,
decorrentes de laços de amizade, institucionalizados em redes de amigos e de
clientes; os oficiais régios gozavam de uma proteção muito alargada dos seus
direitos e atribuições, podendo fazê-los valer mesmo em confronto com rei e
tendendo, por isso, a minar e expropriar o poder real (HESPANHA, 2001, p. 166).

Essa mudança interpretativa também tingiu a compreensão das relações entre a


metrópole e a colônia. Para além da visão de uma relação de dependência e
subordinação, Portugal e suas colônias passaram a ser compreendidas como uma
monarquia pluricontinental, partes integrantes do Império Português. Imaginando o
império como um corpo, a monarquia seria a cabeça e as instituições que auxiliavam na
governança, órgãos indispensáveis a esse corpo (HESPANHA, 2001). Essa mudança de
perspectiva do ponto de vista político também influenciou as compreensões sobre a
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economia, pois a maior fonte de riqueza para Portugal era proveniente da renda das
conquistas ultramarinas, e não do comércio de produtos manufaturados. O ouro
proveniente da América portuguesa, somado ao comércio de africanos escravizados,
teria sido o responsável, nos séculos seguintes, pela opulência da monarquia lusitana,
que, nesse aspecto, viria a se assemelhar às demais monarquias absolutas europeias,
mas ainda com grandes diferenças, como na aliança entre o Estado e a Igreja:

Ao pensar em Portugal no Antigo Regime, talvez a primeira imagem que nos surja
seja a de D. João V, cercado por belos palácios, igrejas e conventos ricamente
adornados. O universo de fausto no qual viveu “o Magnânimo” de Portugal foi
reflexo da entrada aparentemente infindável de ouro brasileiro. Ao mesmo tempo
em que Portugal ganhava uma vida de corte que, grosso modo, podemos
aproximar dos hábitos da corte francesa, eram também reforçados os laços entre
o Estado e a Igreja. A ligação do monarca com o setor religioso legou a Portugal
a imagem de atraso — especialmente no que diz respeito ao pensamento —
quando comparado aos seus vizinhos europeus (CONTI, 2018, p. 405).

Quanto ao aspecto econômico, importantes modificações na passagem da Idade


Média para a Idade Moderna estabeleceram a economia do Antigo Regime português. O
incremento das atividades comerciais, somado às mudanças nas relações de produção
e de trabalho, configuraram as práticas econômicas mercantilistas. A busca por novos
mercados incentivou a expansão comercial e marítima europeia. Em relação à sociedade,
o desenvolvimento do comércio foi acompanhado pelo surgimento e fortalecimento da
burguesia, que passou a ganhar importância social, gerando conflitos com a nobreza,
frente a seus privilégios, e aos camponeses, devido à exploração.
Já quanto à cultura e à religião, o Antigo Regime se caracterizou por uma paulatina
transformação nas mentalidades, incutindo valores renascentistas e iluministas, que
transformaram a ciência, a filosofia e a superstição. Não esqueçamos das
transformações ocorridas na Europa em função dos contatos estabelecidos com outras
culturas e outros povos, em função das rotas comerciais marítimas e terrestres. Nesses
contatos, houve muitos intercâmbios de conhecimentos e ideias. Assim, o Renascimento
e o Iluminismo não são movimentos unicamente europeus, pois foram enriquecidos pela
interação dos europeus com outros povos. Mas, afinal, de que forma Portugal se insere
nesse contexto? Aprofundaremos a formação do Estado nacional português e suas

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características nas Unidades de Aprendizagem seguintes, cabendo, apenas uma
introdução sobre o tema.
A lógica do Antigo Regime português, que será transferido posteriormente como
forma de administração do restante do Império ultramarino — as colônias portuguesas
africanas, americanas e asiáticas eram concebidas como partes do Império Português,
era a seguinte, de acordo com Navarro (2019, p. 235):

Trata-se de um sistema corporativo, em que cada membro do corpo social tem


sua função. Nesse contexto, a monarquia ocuparia o lugar da cabeça, tendo
funções mais dominantes, mas não sendo capaz de concentrar todo o poder ou
de por fim aos os demais membros ou polos de poder. A função da monarquia
seria a de trazer harmonia ao corpo social, respeitando suas inclinações naturais
e exercendo a justiça. Assim sendo, há uma aproximação evidente do poder com
o direito [...]. Juntamente com o poder real da monarquia, havia uma variedade
de poderes locais que também eram exercidos. A mesma lógica vale para o
direito do período, em que também havia mais de uma fonte de normatividade.
Além do direito comum, o direito local e costumeiro era sempre privilegiado,
visando a resolução de problemas de forma casuística.

Como afirmado anteriormente, e corroborado por Maria Fernanda Bicalho (2005), do


ponto de vista político, o Antigo Regime português se caracterizaria por uma série de
instituições e práticas norteadas por um ideário de conquistas, pelo sistema de mercês e
por poderes municipais descentralizados. Ainda de acordo com a autora, o que vigia
então na Península Ibérica era:

[...] uma visão corporativa da sociedade, difundida pelo paradigma


jurisdicionalista dos séculos XVI e XVII, apontando para uma concepção limitada
do poder régio, segundo a qual o monarca representava simbolicamente o corpo
social e político, mantendo seu equilíbrio e harmonia, zelando pela religião,
preservando a paz e a ordem, garantindo, sobretudo, a justiça. O atributo mais
importante da realeza, a justiça, correspondia ao princípio de “dar a cada um o
que é seu”, repartindo prêmio e castigo, respeitando direitos e privilégios,
cumprindo contratos estabelecidos (BICALHO, 2005, p. 22).

Essa abordagem, que se coaduna com as investigações mais recentes sobre o


Antigo Regime em Portugal, nos ajudam a desconstruir certas representações sobre o
Estado absolutista e generalizações que são feitas a partir de algumas experiências para
toda a realidade europeia da modernidade.

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2.1 A economia portuguesa

Nos últimos anos, houve significativas mudanças na forma de compreender a


economia de Portugal durante o Antigo Regime, principalmente no que diz respeito às
práticas coloniais. Para tanto, foi necessário que os autores passassem a encarar
Portugal e suas colônias como partes constitutivas de um mesmo espaço, o Império Luso
ou Português, organizado segundo uma monarquia pluricontinental. Assim, foi possível
extrapolar a compreensão da América Portuguesa como uma colônia que exportava
matérias-primas e importava produtos manufaturados, na lógica do pacto colonial
mercantilista, e problematizar a noção de capitalismo comercial e de Estado absolutista
para Portugal (FRAGOSO, 2012). Vejamos algumas teses, vinculadas a uma
historiografia marxista ortodoxa, para a economia portuguesa durante a modernidade.
Nessa concepção, Portugal se encontraria em um estágio econômico chamado de
capitalismo comercial ou mercantilismo, que seriam os conjuntos de práticas econômicas
adotadas pelas monarquias absolutistas durante a Idade Moderna, em que o comércio e
a possessão de metais preciosos (metalismo) eram considerados as fontes de geração
de riquezas para os Estados europeus.
De acordo com Magalhães (1964, p. 66):

[...] foram os descobrimentos marítimos de portugueses e espanhóis que,


provocando uma transformação profunda nas condições dos países ibéricos,
fizeram surgir dos espíritos a ideia da supremacia da riqueza monetária,
sobretudo a partir do século XVI. A constituição do vasto império português,
absorvido em 1580 no ainda mais vasto império espanhol de Filipe II, e o
espetáculo de grandeza e opulência nunca vistas que este último ofereceu à
Europa, em conjunção com o considerável afluxo de metais preciosos provindos
do continente americano, foram os fatores determinantes da convicção de que a
riqueza das nações estava diretamente relacionada com as suas reservas de
metais preciosos, o seu estoque monetário.

O Estado interviria na economia mediante a cobrança de impostos, de práticas


protecionistas, do controle da balança comercial e do estabelecimento de monopólios.
Além disso, o mercantilismo seria indissociável do colonialismo.
João Fragoso (2012) afirma que Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Fernando Novais
são representantes dessa abordagem, defendendo “que a sociedade da América Lusa
dos séculos XVII e XVIII fora construída com o propósito de fomentar a transição do

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feudalismo para o capitalismo na Europa, ou ainda com o intuito de viabilizar a revolução
industrial inglesa do século XIX” (FRAGOSO, 2012, p. 107). Para essa vertente
historiográfica, a América estaria em uma posição de subordinação em relação a Portugal
com a três finalidades (FRAGOSO, 2012):

• produzir mercadorias a baixo custo, o que permitiria revendê-las a lucros fabulosos


para o capital mercantil europeu;
• gerar um mercado americano ávido por produtos manufaturados, de modo a
fomentar a produção industrial europeia;
• atrair mão de obra africana e com isto ampliar o comércio de homens e mulheres
no Atlântico Sul, atividade controlada pelos negreiros europeus.

Ainda de acordo com Fragoso (2012, p. 107):

O resultado destas vontades do capitalismo comercial europeu seria a


constituição, na América lusa da passagem do século XVI para o XVII, grosso
modo, de um grande canavial gerenciado por senhores de engenhos, porém
dirigidos por um “capital não residente” (ou seja, vinculado à metrópole). Assim,
a economia colonial não tinha dinâmica própria, e seu destino dependia dos
humores do mercado europeu. Outra consequência seria a inexistência de um
mercado interno ou ainda de produções mercantis in loco voltadas para o
abastecimento da América. Estas atividades não podiam existir, pois colocariam
em perigo o sentido da colonização. Quando tais lavouras de abastecimento ou
currais surgiam, isto se dava em razão dos interesses das atividades
exportadoras. E, consequentemente, as produções mercantis ligadas ao
consumo interno estavam também subordinadas à lógica das flutuações do
sistema econômico maior ao qual pertencia aquele imenso canavial.

Contudo, a partir do desenvolvimento nas décadas de 1970, 1980 e 1990 de


pesquisas com a utilização de fontes primárias do período da América Portuguesa,
descobriu-se outra realidade, que contrastava com o esquematismo e a generalização
característicos dessa abordagem ortodoxa. Essas novas interpretações questionaram as
análises desenvolvidas sobre a relação entre a metrópole e a colônia, sobre o tráfico e a
escravidão e sobre o mercado interno, problematizando a suposta “dependência” da
América Portuguesa em relação à Portugal e sua função como mera exportadora de
matérias-primas (FRAGOSO, 2012). Além disso, esses autores chamaram a atenção
para o possível anacronismo em compreender a economia do período colonial com

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pressupostos do século XIX, quando o Brasil já era um império. Assim, torna-se
importante compreender de que forma o mercantilismo se materializou nas práticas
econômicas do Império Português. Dessa forma, podemos elencar a legislação de
proibição de exportação de metais preciosos, a publicação de doutrinas coibindo o luxo
e a importação de produtos caros (em ambos os casos, explicita-se o controle da balança
comercial), o fomento de manufaturas nacionais e a criação de companhias para o
comércio ultramarino (MAGALHÃES, 1964, p. 77).
Além disso, é fundamental destacar que a economia de Portugal durante o Antigo
Regime era totalmente vinculada ao império ultramarino, seja no comércio marítimo ou
no incremento do mercado interno dele consequente. Segundo Monteiro (2010, p. 254),
“em 1506 e em 1518–1519, as receitas do ouro da Mina, das especiarias asiáticas, do
pau-brasil e das ilhas do Atlântico, entre outras, representavam cerca de dois terços das
receitas régias, superando em muito as rendas fornecidas pelo próprio reino”. Ainda
assim, isso não significa que, na prática, o Império Português tenha conseguido seguir
os preceitos da política econômica mercantilista. Em termos dos problemas relativos aos
monopólios, por exemplo, Ronaldo Vainfas (2000) comenta que a exclusividade mercantil
nunca foi rigorosamente aplicada. Medidas como a de D. Sebastião, em 1571,
determinando que apenas navios portugueses poderiam comerciar com o Brasil não
funcionaram na prática, tendo em vista a frequência com que os navios holandeses
aportavam no Nordeste, região que distribuía boa parte do açúcar luso-brasileiro na
Europa. “Durante a União Ibérica, estabeleceu-se um sistema de frota única, proveniente
de Portugal, mantido após a Restauração em 1640. Muitos mercadores se queixaram
pela perda de negócios, mas essa estratégia foi mantida até a abertura dos portos no
Brasil em 1808” (VAINFAS, 2000, p. 392).
Acredita-se que somente durante o reinado de D. José I (1750–1777), com a
administração do Marquês de Pombal, é que Portugal teria realizado um esforço para o
desenvolvimento da metrópole com base no modelo mercantilista, promovido pela
reestruturação da economia do império ultramarino, principalmente com o fortalecimento
das companhias comerciais portuguesas. O monarca antecessor, D. João V (1706-1750),
havia implementado diversos mecanismos para garantir o monopólio português em

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relação às minas de ouro e diamantes, durante o auge do ciclo de ouro. Porém, ainda
segundo Vainfas (2000, p. 393):

[...] foram vários, sempre, os obstáculos à adoção de uma política rigorosamente


mercantilista em Portugal, antes de tudo pelo arcaísmo de sua estrutura social e
institucional, agrária e patrimonialista. Exemplifica-o o fracasso das companhias
de comércio pombalinas, que restringiam o monopólio a um estreito círculo de
acionistas. Isso contrariava o estilo monopolista português que concedia, no
comércio colonial, a “liberdade total” aos portos lusitanos, mas funcionava à base
de arrematação de estancos e direitos fiscais por contratadores particulares,
mecanismo no qual intervinham clientelas e relações pessoais.

2.2 A sociedade portuguesa

Durante a Idade Moderna, configurou-se em Portugal uma forma de organização


social chamada por alguns autores de corporativa. Em outras palavras, criava-se uma
cadeia de obrigações recíprocas entre o rei e seus súditos, que lhe prestavam serviços
e, em troca deles, exigiam “mercês”, como explicado anteriormente, o que gerava
engrandecimento e atribuição de status, honra e posição mais elevada na hierarquia
social ao súdito, que retribuía ao monarca com agradecimento e profundo
reconhecimento (BICALHO, 2005). Eis aí uma das marcas do feudalismo ainda
existentes na modernidade: uma relação baseada na submissão e na lealdade, como a
vassalagem medieval, além da obediência:

Na verdade, aquela disciplina social católica, na época moderna, conferia certa


uniformidade à monarquia pluricontinental. E aqui não custa insistir na ideia de
obediência, pois ela era capaz de exercer o papel dos mecanismos de controle
visíveis de um Estado absolutista. Aquela disciplina possibilitava que a
subordinação às autoridades e, especialmente a Sua Majestade, se confundisse
com o amor a Deus (FRAGOSO, 2012, p. 121).

Falaremos da mobilidade social mais adiante, mas cabe já destacar que uma das
poucas possibilidades de mobilidade socialmente reconhecidas no Antigo Regime era a
graça régia, as benesses recebidas do monarca em razão do desempenho de uma
função. O enriquecimento, por exemplo, não era visto com bons olhos, e não era forma
legitimada socialmente de ascensão social, em razão das crenças católicas
predominantes, que condenavam o lucro e a usura (HESPANHA, 2006). Além dessas
características da sociedade portuguesa, é importante destacar que tanto a monarquia

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quanto a aristocracia eram dependentes economicamente das possessões portuguesas
e riquezas ultramarinas. De acordo com Fragoso (2012, p. 118), o rei e a nobreza “viviam
de recursos oriundos não tanto dos camponeses europeus (agricultura e cobrança de
impostos), como em outras partes do Velho Mundo, mas do ultramar”. Ou seja, viviam
sobretudo da produção dos indígenas e depois dos escravos africanos levados às
plantações americanas. A monarquia e a nobreza tinham, então, “na periferia a sua
centralidade e o seu sustento, e isto era feito pelo comércio, tendo por base produtiva a
partir do século XVII principalmente a escravidão africana na América.” Em outras
palavras, o desenvolvimento de Portugal se deveu ao tráfico, a fonte principal de seu
sustento.
De acordo com Raminelli (2013), a sociedade portuguesa estava caracterizada por
estamentos, organizados da seguinte forma: o primeiro estrato social era formado por
fidalgos e nobres, que haviam recebido esse título; um segundo estrato era composto por
juízes, vereadores, oficiais de tropas pagas, milícias e ordenanças, licenciados e
negociantes de grosso trato (como eram chamados os traficantes de escravizados). Essa
nobreza podia ser hereditária, originando os fidalgos, ou então civil e/ou política, formada
por indivíduos tornados nobres pelo soberano em função de méritos ou serviços
prestados. A primeira era considerada a “alta nobreza” e a segunda, a “baixa nobreza”.
Nesse sentido, Portugal se assemelhava às demais monarquias da Europa, de
acordo com a análise de Raminelli (2013, p. 89):

Desde a Restauração portuguesa, sobretudo no século XVIII, a Coroa promoveu


a atrofia da alta nobreza, ao mesmo tempo em que distribuía mercês e ampliava
a baixa nobreza. Assim, a monarquia preservou por muito tempo os privilégios
dos titulados e grandes e impossibilitou a introdução de plebeus no cume da
pirâmide social. Para manter a estrutura hierárquica, a doutrina jurídica lusa criou
o “estado do meio” ou a “nobreza política”, categoria equidistante entre a fidalguia
e o povo mecânico. No reino português, a alta nobreza era fechada, como na
Inglaterra, enquanto a baixa nobreza aumentava ao sabor das mercês e alianças
tramadas pela monarquia.

Podemos afirmar que essa era uma semelhança de Portugal com os demais Estados
modernos: a sociedade estamental e a vigência de privilégios, além da dificuldade de
mobilidade social para as classes menos abastadas. A esse respeito, Hespanha (2006,
p. 122) é taxativo quanto à mobilidade social da sociedade portuguesa:

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Alguma mobilidade começava, desde logo, por ser impossível. Não se podia
deixar de ser mulher, por exemplo. Demente era também um estado
tendencialmente definitivo. Menor, deixava-se naturalmente de se ser, mas pela
passagem objetiva e natural do tempo, a menos que interviesse algo de
extraordinário, como a graça real da emancipação. Selvagens e rústicos podiam,
relativamente, aperfeiçoar-se. Mas os progressos eram problemáticos e lentos,
ligados a um êxito educativo mais longo e mais incerto do que o das crianças.
Menos definitivo era o estado de mecânico ou de pobre. Mas, mesmo nestes
casos, a mudança tinha que respeitar ritmos e passos que não dependiam senão
em muito pouco da vontade própria. Não quero com isto dizer que a situação
(econômica, social, cultural) das pessoas não mudasse, para melhor ou para pior.
Quero antes sugerir que isto: a) quase não se via; b) pouco se esperava; c) e mal
se desejava.

O que se tinha, então, era uma sociedade fundada nos privilégios de nascimento ou
na conquista de títulos de nobreza mediante o sistema de mercês e na preeminência do
clero, para além da força da Igreja Católica, da Inquisição e da intolerância religiosa
(VILLALTA, 2016). A Inquisição, nesse sentido, pode nos ensinar muito sobre a
sociedade portuguesa do Antigo Regime. Conforme Schaub (2000, p. 125), a inquisição
era “produtora de distinção social e garantidora de pureza de sangue de seus oficiais e
confidentes” e, portanto, era

[...] legitimada por famílias que desejavam adquirir uma dignidade social
definitiva. [...] Em vez do Santo Ofício aparecer como o tribunal onde o conjunto
da sociedade acorre a prestar contas, [...] a inquisição era uma instituição imersa
numa complexa dinâmica social e cultural, definida e configurada pelas
pretensões daqueles que a integram em benefício próprio.

Assim, a missão dos inquisidores era não somente disciplinar a sociedade, mas
também marcar distâncias entre os grupos sociais e fortalecer as relações de dominação.

3 A REVOLUÇÃO DE AVIS

A história de Portugal como reino independente está diretamente relacionada às


empreitadas de expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica durante as Guerras de
Reconquista. O primeiro rei português, Afonso I, assume em 1139, inaugurando a
dinastia do Borgonha, que permanecerá no poder até a Revolução de Avis. Chamamos
de Revolução de Avis (1383–1385) os confrontos resultantes da crise sucessória ocorrida
em Portugal a partir de 1383. A morte de D. Fernando I, o último monarca da dinastia dos

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Borgonha, ocasionou um problema na sucessão, porque aquela que deveria assumir o
cargo, além de não ser bem quista pela população, representava uma ameaça pela
proximidade com a coroa de Castela. O casamento de Fernando I provocou
descontentamento de parte do reino, pois escolheu como esposa Leonor Teles, em
detrimento de vantajosos acordos de casamento com herdeiras dos reinos vizinhos. O
casal não teve filhos homens; sua única filha, Beatriz, foi entregue em acordo de
casamento ao rei D. João de Castela. Essa situação criou então a possibilidade do rei de
Castela vir a se tornar rei de Portugal. Assim, D. Fernando procurou evitar essa
possibilidade mediante certas determinações no acordo de casamento (COSER, 2015).
Além disso, seu governo enfrentou grandes pressões, já que a “mudança na
correlação de forças internas, os anseios dos homens bons das cidades, a insatisfação
dos filhos segundos da nobreza, o peso das guerras e das pilhagens geravam
conturbações sociais que se agravaram no reinado de D. Fernando, o último rei da
dinastia de Borgonha” (COSER, 2015, p. 703). Assim, o problema sucessório da coroa
transformou-se em uma revolta, que envolveu diferentes estratos da sociedade:

A oposição à rainha intensificou-se em Portugal, em especial em Lisboa, onde


iniciou-se o movimento que seria chamado de Revolução de Avis, quando, em
dezembro de 1383 o conde Andeiro foi assassinado pelo grupo de D. João, o
Mestre de Avis, filho bastardo do rei D. Pedro e meio-irmão de D. Fernando. O
movimento iniciado em Lisboa contra a regente alastrou-se por várias regiões do
reino e o Mestre de Avis assumiu a regência do reino. Neste meio tempo, o rei
de Castela marchava para Portugal para reclamar seus direitos sobre o trono,
que culminaria no cerco da cidade de Lisboa, no ano seguinte. A cidade resistiu
à invasão e em 1385 D. João, o Mestre de Avis, foi escolhido o novo rei de
Portugal nas Cortes de Coimbra. No mesmo ano, o rei de Castela invadiu mais
uma vez Portugal e foi vencido em Aljubarrota, numa batalha que foi tida como
milagre pelos portugueses (COSER, 2015, p. 705).

O encerramento da crise se deu com a coroação de João, Mestre de Avis, como rei
de Portugal, passando a se chamar D. João I, inaugurando a dinastia de Avis. D. João I
(1357–1433) era filho bastardo do rei D. Pedro I, da dinastia de Borgonha, e sua
aclamação como rei foi favorecida pelo “medo da ameaça estrangeira do rei D. João de
Castela, casado com D. Beatriz, filha do rei D. Fernando I e D. Leonor e a antipatia do
povo português para com a viúva D. Leonor, casada com o rei D. Fernando I, irmão do
Mestre de Avis” (BLANCO, 2016, p. 18). D. João I possuía apoio popular, suporte de
grande parte do clero e de alguns nobres que almejavam maior prestígio. A Revolução
14
de Avis teve consequências políticas e econômicas. Quanto ao primeiro aspecto, o
evento marca a efetiva independência de Portugal em relação ao reino de Castela. “O
discurso desenvolvido pela nova dinastia, para além da afirmação de sua legitimidade,
objetivava promover o rei a um soberano de fato no reino português. E o rei como
verdadeiro soberano seria o rei capaz de unir todos os segmentos sociais, justamente
por sobrepor-se a eles, formando uma unidade reconhecível por todos, que viria a
constituir a nação portuguesa” (COSER, 2015, p. 708).
E qual a relação da Revolução de Avis com o mercantilismo português? Antes de
respondermos essa pergunta, é importante destacarmos que Portugal estava inserida
em importantes rotas comerciais dos países da Europa setentrional, que faziam escala
nos portos de Lisboa e do Porto. A inserção desses portos nas rotas de navegação dos
mercadores flamencos e italianos levou ao desenvolvimento da burguesia marítimo-
comercial portuguesa, que encontrou na Revolução de Avis uma oportunidade de
associar-se com a coroa para o desenvolvimento das grandes navegações. Parece haver
um consenso na historiografia de que, com a dinastia dos Avis, temos o início da
expansão marítima portuguesa (CONFORTO, 2003). Lembremos que esses
acontecimentos ocorreram em meio às crises que atingiram a Europa no século XIV,
como a Peste Negra e a Guerra dos Cem Anos, que causaram prejuízos à agricultura em
função da indisponibilidade de mão de obra.
Ainda com esses reveses, Portugal foi capaz de desenvolver suas práticas
comerciais, área com bastante proeminência desde a Idade Média, com o surgimento de
uma burguesia comercial marítima. Esse estrato social surgiu em função da posição
geográfica portuguesa, pois seus portos eram utilizados como escala para os mercadores
do norte da Europa, quando viajavam para comerciar no Mar Mediterrâneo. De acordo
com Conforto (2003, p. 250), “a entrada dos portos marítimos portugueses nas rotas de
navegação levou [...] judeus, genoveses, marselheses, flamengos e outros a se
estabelecerem definitivamente em terras portuguesas”. Esse grupo comercial mercantil
viu-se ameaçado com a crise sucessória em Portugal e uma possível submissão do reino
de Portugal a Castela, o que ocorreria caso a herdeira, Beatriz, assumisse a coroa. Essa
ameaça levou a burguesia mercantil portuguesa a apoiar João, Mestre de Avis.
Conforme Conforto (2003, p. 250):
15
A revolução de Avis entronizou um monarca sensível a interesses da burguesia
comercial. [...] Foi sob o comando de D. João I que Portugal entrou na fase
mercantilista e na epopeia das grandes navegações. A insuficiência portuguesa
em metal circulante, em produtos agrícolas e em mão de obra, sua posição
geográfica privilegiada, a tradição da escola de Sagres e os desejos de expansão
da fé cristã são causas apontadas para o expansionismo português. A principal
causa foi a existência de condições políticas e institucionais favoráveis à
expansão.

4 PORTUGAL E O MAR

Achamento, conquista, descobrimento, colonialismo, evangelização, império...


Diferentes termos foram utilizados para se referir ao processo de expansão marítimo-
comercial na África e na Ásia e à chegada de Portugal na América, além da exploração
econômica dessas rotas e regiões. Independentemente das palavras utilizadas, algumas
com maior precisão conceitual, outras empregadas pelos contemporâneos dos eventos,
mares e oceanos tiveram fundamental importância na constituição do Império Português.
Os registros da utilização marítima com finalidade econômica e de subsistência em
Portugal são muito antigos. Lembremos da localização geográfica de Portugal, com todo
o seu litoral voltado para o Oceano Atlântico. Os portos portugueses eram utilizados como
parada para as embarcações provenientes do norte da Europa e que comerciavam com
as cidades italianas, via Mar Mediterrâneo. Em relação ao contexto que estamos
estudando, cabe destacar a data de 1340 como um marco, pois foi nesse ano que ocorreu
a primeira empreitada dos portugueses no Oceano Atlântico. Juntamente com a coroa de
Castela e principados italianos, aventuraram-se em direção ao sul, encontrando as Ilhas
Canárias (COELHO, 2000).
Após a Revolução de Avis, houve um aumento nas expansões marítimas e,
paralelamente a esse processo, um incremento tecnológico, permitindo a conquista de
territórios e o estabelecimento de rotas comerciais muito importantes. De acordo com
Fausto (1995, p. 22), “embora alguns historiadores considerem a revolução de 1383 uma
revolução burguesa, o fato importante está em que ela reforçou e centralizou o poder
monárquico, a partir da política posta em prática pelo Mestre de Avis. Em torno dele,
foram se reagrupando os vários setores sociais influentes da sociedade portuguesa: a
nobreza, os comerciantes, a burocracia nascente”. Vejamos alguns dos aspectos do

16
desenvolvimento tecnológico do período. Primeiramente, é preciso fazer referência ao
aperfeiçoamento da arte de navegar, por meio da Escola de Sagres. De acordo com João
(2005, p. 418):

Apesar de todas as dúvidas dos especialistas, a ideia mais aceita e divulgada


continua a apontar Sagres e o seu imponente Promontório como um local
privilegiado para o controle da navegação entre o Mediterrâneo e o Atlântico, cuja
importância tinha sido claramente percebida pelo Infante D. Henrique. Por isso,
ali quis edificar a sua Vila para apoiar os navios que cruzavam a região. [...]
Sagres se foi transformando num lugar mítico da memória. A sua ligação ao
Infante D. Henrique e ao início dos descobrimentos portugueses tem muito de
lendário. Mas a sua força impôs-se no imaginário e tornou-se um símbolo de uma
época e de um povo.

Sagres seria uma evidência da mudança de mentalidade, com a valorização da


ciência e da experimentação, sem necessariamente o abandono da religião: “essa paixão
naturalista da Renascença nos seus primeiros tempos, essa tenaz curiosidade científica,
diferia essencialmente do misticismo religioso da Idade Média, eivado de fantasias
cabalísticas e da ingenuidade das mitogenias primitivas. O homem já preferia a ciência à
imaginação: rejeitava as fábulas, e confiava tudo aos processos e aos meios positivos”
(BLANCO, 2016, p. 22). Além do revolucionário desenvolvimento da chamada caravela
latina, em Sagres também foram aperfeiçoados instrumentos de navegação como o
astrolábio, a balestilha, a bússola, o quadrante e o sextante. Dessa forma, deu-se nessa
época e local uma série de aprimoramentos na cartografia e nos cálculos de distâncias e
grandezas, como a medida da circunferência da Terra em léguas. Com a caravela latina
e com esses melhoramentos tecnológicos, Portugal se transformou no primeiro país
europeu a maximizar o potencial do sistema de ventos e correntes marítimas equatoriais
(RUSSEL-WOOD, 2001).
A partir dessa vocação marítima, Portugal estabeleceu seu Império Atlântico, que
englobava possessões na África continental e arquipélagos atlânticos. Foram
desenvolvidas não somente rotas entre Portugal e África e Portugal e América, mas
também um comércio triangular (Europa–África–América) e, posteriormente, bilateral,
envolvendo diretamente comerciantes da América Portuguesa com comerciantes de
Angola, São Tomé, Príncipe, Cabo Verde, Açores e Madeira (RUSSEL-WOOD, 2001).
Esse fato ocasionou um fortalecimento dos portos de Salvador e do Rio de Janeiro, que,

17
segundo Russel-Wood (2001, p. 12), tiveram “uma próspera área portuária, testemunho
da sua importância como empórios, tanto para a cabotagem como para o comércio
oceânico, e cada uma podia contar com a presença de fortes fortins, baluartes e redutos
em volta das respectivas baías e áreas contíguas”. Podemos afirmar, dessa forma, que
a expansão marítimo-comercial portuguesa correspondia aos vários interesses das
diferentes classes sociais e instituições. Para os comerciantes, significava uma
possibilidade de bons negócios; para o rei, novas receitas e aumento dos rendimentos
da coroa; para os nobres e membros da Igreja, novos convertidos e recompensas com
cargos mediante a prática das mercês; e para o povo, uma possibilidade de vida nova.

4.1 As navegações portuguesas

As navegações portuguesas, portanto, inserem-se em uma conjuntura não somente


de busca por novas rotas marítimas a novos mercados e busca de solução para os
problemas enfrentados por Portugal no século XV (crise econômica, declínio
populacional), mas também de mudança de mentalidade, com maior disposição para a
aventura e para o novo. Portugal procura, dessa forma, incrementar o comércio com a
África, fornecedora de escravizados e metais preciosos, e com a Ásia, que fornecia
especiarias, pedrarias e seda. Para o financiamento da expansão ultramarina, Portugal
utilizou recursos provenientes da cobrança de impostos, de empréstimos e de fundos
acumulados pela Ordem de Cristo. “Estado Pobre, desde o início Portugal recorreu a
investidores estrangeiros, entre os quais estavam incluídos muitos florentinos, e aos
empréstimos internos obtidos junto a judeus portugueses, que eram pagos pela Coroa
quase sempre em espécie” (RAMOS, 1997, p. 75).
Como dito anteriormente, a expansão marítima e comercial portuguesa teve como
marco inaugural a conquista de Ceuta em 1415. Posteriormente, os principais marcos do
expansionismo português foram: a chegada à Ilha da Madeira em 1419; o
reconhecimento do Arquipélago dos Açores em 1427; a ultrapassagem do Cabo Bojador
por Gil Eanes em 1434; a ultrapassagem do extremo-sul da África, o Cabo das
Tormentas, chamado posteriormente de Cabo da Boa Esperança, em 1488; a chegada

18
em Calicute, nas Índias, por Vasco da Gama em 1498; e a chegada de Pedro Álvares
Cabral no território americano em 1500.
A partir desses dados, podemos afirmar que em menos de um século Portugal
dominou as rotas comerciais do Atlântico Sul, incluindo África, América e Ásia. Na África,
os portugueses estabeleceram feitorias (postos fortificados de comércio) para
negociação de escravizados, especiarias, marfim e ouro. Na América Portuguesa, as
primeiras práticas comerciais foram extrativistas, vinculadas à exploração do pau-brasil.
Com a chegada de Cristóvão Colombo à América, financiado pelo governo espanhol, as
disputas entre Portugal e Espanha pelo domínio do Atlântico tornaram-se mais acirradas,
levando os dois países a assinarem tratados de partilhas.

• Bula Intercoetera: tratado assinado pelo papa Alexandre VI, em 1493, que dividiu o
Oceano Atlântico entre Espanha e Portugal, privilegiando o primeiro.
• Tratado de Tordesilhas: assinado em 1494, novamente com o intermédio papal,
estipulava um novo limite para as possessões espanholas e portuguesas, permitindo que
Portugal mantivesse suas rotas marítimas no Atlântico Sul.

Os conflitos com a Espanha e com outros países não foram as únicas dificuldades
enfrentadas por Portugal, já que as navegações de longa distância em si impunham
árduos desafios de logística. Ramos (1997, p 76) afirma que um dos principais obstáculos
enfrentados nessas façanhas se relacionava à alimentação. “A escassez de alimentos
em Portugal terminava refletindo-se a bordo das embarcações portuguesas, geralmente
abastecidas para enfrentarem cinco meses de viagem em alto mar, quando na verdade
a viagem levava no mínimo sete meses. Além do que, os alimentos acabavam se
deteriorando ao longo da viagem devido ao tempo e às condições de armazenamento
precárias, sendo a fome companheira constante e inseparável dos navegantes
portugueses. Em casos extremos, muitas embarcações foram obrigadas a recorrerem
aos muitos ratos que infestavam o navio como única forma de sobreviver”. Além das
privações alimentares, o autor faz referência às acomodações a bordo, bastante
insalubres, que geravam constrangimentos e desconforto. Esse ambiente hostil teria feito
com que Portugal destinasse cada vez mais degradados para participarem dessas
19
carreiras, já que os voluntários se direcionaram à carreira do Brasil. Como se não
bastasse, havia ainda incontáveis doenças, motins e naufrágios (RAMOS, 1997).

4.1.1 A chegada dos portugueses na América

Seja chamada de achamento, conquista, descobrimento ou invasão, a chegada dos


portugueses na América, no território que posteriormente seria chamado de Brasil,
sempre foi uma polêmica historiográfica, didática e política, tanto na forma de se referir
ao evento e quanto nas conotações do emprego de diferentes conceitos. Do ponto de
vista historiográfico, desde a segunda metade do século XIX havia uma discussão sobre
a intencionalidade dos portugueses quanto à chegada na América (VAINFAS, 2000).
“Importava saber se foram mesmo os portugueses os primeiros a chegarem ao litoral do
atual Brasil ou se outros europeus os haviam precedido. Importavam saber, em segundo
lugar, se teria ocorrido intencionalidade lusitana na descoberta ou se, pelo contrário,
havia sido ela casual, resultado de um desvio de rota na viagem da armada de Cabral
para a Índia causado por uma tempestade no Atlântico, na altura da costa ocidental
africana” (VAINFAS, 2000, p. 182). De acordo com Vainfas (2000), há quatro conjuntos
documentais sobre a viagem de Cabral e o descobrimento do Brasil:

• os textos oficiais de preparo da viagem à Índia;


• os textos dos participantes da viagem;
• os textos enviados pela coroa portuguesa ao exterior, relatando a descoberta;
• a documentação cartográfica.

A análise desses documentos, juntamente com as interpretações historiográficas,


permite “ao menos presumir que Portugal suspeitava da existência de terras no Atlântico
Sul, a oeste da África, muito antes de 1500. Talvez por isso tenha D. João II insistido,
depois da viagem de Colombo em 1492, para que se estendesse de 100 para 370 léguas
o meridiano traçado a oeste de Cabo Verde [...] a fim de que parte das terras por descobrir
no Atlântico fossem portuguesas” (VAINFAS, 2000, p. 183). A expedição de Pedro
Alvares Cabral foi organizada após o retorno de Vasco da Gama de sua viagem às Índias.
20
Nascido entre 1468 e 1469, Cabral era fidalgo da casa real, chegando posteriormente,
por volta de 1494, a cavaleiro da Ordem de Cristo, a mais importante ordem de cavalaria
de Portugal, supondo-se que “alguma coisa tivera feito para merecê-la” (MAGALHÃES,
2013, p. 10).
Cabral saiu de Lisboa no dia 9 de março de 1500 com destino a Calicute, na Índia,
com o objetivo de estabelecer uma feitoria e celebrar acordos para garantir o monopólio
comercial português. Sua armada era composta de dez naus e três caravelas, totalizando
1.500 homens, incluindo representantes da nobreza, artesãos, comerciais, religiosos,
soldados e degredados (MAGALHÃES, 2013). Em 22 de abril de 1500, chegaram na
América. No dia 26 de abril, frei Henrique de Coimbra, capelão da esquadra, celebrou a
primeira missa na nova terra, no local hoje conhecido como Coroa Vermelha, na Bahia.
Cabral tomou posse formal do novo território em nome da casa real portuguesa em 1º de
maio. No dia seguinte, a esquadra partiu rumo às Índias. Uma nau voltou a Portugal com
as cartas dos pilotos, inclusive a de Caminha, que relatavam a descoberta ao rei. Ficaram
em terra dois desertores e dois marinheiros com a missão de aprender a língua dos
nativos (MAGALHÃES, 2013).
Os portugueses, ao chegarem na América, não conheciam a dimensão do território,
e pensaram se tratar de uma ilha que, inicialmente, chamou-se Vera Cruz. Após as
navegações exploratórias, mudou-se a compreensão sobre o espaço e a territorialidade,
e as terras conquistadas por Portugal também foram mudando de nome: Terra de Santa
Cruz, Terra dos Papagaios, Terra dos Brasis. Esses diferentes nomes aparecem nos
mapas elaborados à época (SOUZA, 2013). Nos anos seguintes, foram enviados ao
território uma série de expedições de reconhecimento, e nessas viagens, muitos homens
se estabeleceram na América. Além de degredados expulsos de Portugal, havia aqueles
que se sentiam atraídos pela possibilidade de enriquecer, comerciantes, nobres
empobrecidos em busca de ouro, aventureiros, oficiais reais, soldados, náufragos,
desertores, religiosos e cristão novos (COSTA, 1956).

21
5 A COLONIZAÇÃO E O MERCANTILISMO

Antes de iniciarmos a discussão sobre o que foi o colonialismo e sua relação com as
práticas mercantilistas, é necessário fazer referência a um intenso debate historiográfico
desenvolvido no Brasil e em Portugal nas últimas décadas. Essa discussão entre
historiadores brasileiros e portugueses visava aprimorar as interpretações sobre a
economia colonial brasileira, a estrutura do Império Português e as teorias que
preconizavam a relação entre a metrópole portuguesa e suas colônias. Na década de
1970, predominavam na historiografia brasileira sobre a América portuguesa
interpretações que se baseavam em visões bastante dogmáticas do marxismo,
inspiradas em trabalhos elaborados por Caio Prado Jr. e Celso Furtado, respectivamente
nas décadas de 1940 e 1950 (FRAGOSO, 2012). Para citar apenas um exemplo, vejamos
como Fernando Novais compreendia a inserção do Brasil no colonialismo e nas práticas
mercantis:
A ocupação, povoamento e valorização econômica do Brasil na época moderna, a
sua colonização enfim, processando-se na etapa da ascensão burguesa vinculada ao
capitalismo comercial, dá lugar a uma entidade específica (colônia da metrópole-
Portugal): suas estruturas básicas configuram uma colônia de exploração por se
formarem e se desenvolverem nos quadros e ao ritmo do antigo sistema colonial de
relações entre as economias centrais e periféricas do capitalismo mercantil (NOVAIS,
1969, p. 262).
Essa interpretação passou a ser criticada na década de 1970, com os trabalhos de
Ciro Flamarion Cardoso e Jacob Gorender, e, nos anos 1990, com os trabalhos de
Fernando Novais, que reviu várias posições de seu trabalho, e Laura de Mello e Souza.
Nos anos 1990, também foram defendidas as teses de doutorado de João Fragoso e
Manolo Florentino, contribuindo com as críticas às visões mecanicistas sobre a economia
colonial da América Portuguesa. De acordo com Fragoso (2012, p. 110):

[...] começou-se a demonstrar que a economia era mais do que uma plantation
exportadora, existia um circuito de mercados internos disseminados pela
América. Mesmo nas regiões até então vistas como açucareiras, como o
Recôncavo Baiano, observou-se a existência de áreas dedicadas à lavoura
mercantil de alimentos. O conjunto desses resultados colocou dúvidas sobre uma
série de hipóteses a respeito da dependência.
22
Isso significava que as teorias sobre o pacto colonial, os monopólios e os exclusivos
coloniais, a relação entre metrópole e colônia, precisavam ser revistas, porque as fontes
primárias destoavam de um marxismo maniqueísta. Fragoso (2012, p. 113) cita um
exemplo para compreendermos como as dinâmicas econômicas da América Portuguesa
eram mais complexas que a exportação de matérias-primas e a importação de
manufaturados, como apregoava o “pacto colonial”:

Quanto à América lusa como mercado de manufaturados europeus, mais uma


vez os testamentos podem nos ajudar. Na primeira década do século XVIII,
camisas, vestidos, lençóis e utensílios domésticos eram vistos como bens
preciosos e doados como tal nos testamentos a entes queridos como filhos,
irmãos e amigos. [...] Assim, ao que parece, o crescimento mercantil da cidade
na época, decorrente da descoberta do ouro das Minas e do aumento do tráfico
de escravos africanos, não implicou na disseminação de bens de consumo
manufaturados já vulgarizados na Europa e em partes da América inglesa, como
têxteis. O padrão de consumo e de mercado nesta América era ainda
protoindustrial e o seria ainda por muito tempo, como mais uma vez os
testamentos informam.

Essa historiografia propôs a compreensão territorial dos domínios portugueses como


um império (o Império Português) e afirmou que, na América portuguesa, havia um
mercado interno, com acumulação de capitais e lógica independente do mercado
externo, que também existia, mas com dinâmicas próprias. Contudo, existe outro grupo
de historiadores que, via conceitos cunhados por vertentes marxistas — porém com
aportes teóricos mais sofisticados — criticam essa concepção, por acreditarem que ela
descaracteriza a ideia do colonialismo. Por isso, esses autores recuperam conceitos
importantes da lógica colonial, como o do exclusivo colonial, que se relaciona à noção de
monopólio. De acordo com Ricupero (2016), o exclusivo ou monopólio era uma prática
das metrópoles com suas colônias, proibindo o comércio dessas com nações
estrangeiras. Contudo, essa prática, um dos pilares do mercantilismo, não foi estática e
se transformou ao longo do tempo, de acordo com as demandas conjunturais
apresentadas. Assim, podia haver, por exemplo, restrição de comércio apenas em
determinados portos e por companhias comerciais privilegiadas; por outro lado, em
alguns momentos, o exclusivo podia ser atenuado em virtude de situações específicas,
como guerras que dificultassem ou impedissem o comércio, mediante a concessão de

23
licenças especiais para mercadores estrangeiros por motivos econômicos ou
diplomáticos (RICUPERO, 2016).
Nesse sentido, esse grupo de historiadores afirma que são insuficientes os dados
apresentados pelos críticos da acepção do sistema colonial para invalidar os argumentos
de que o colonialismo teria contribuído para o desenvolvimento industrial europeu.
Segundo a análise de Arruda (2014, p. 717):

[...] é inegável que o mundo colonial teve um papel decisivo neste cenário,
promovendo a transferência de riquezas das colônias para as metrópoles. No
caso de Portugal, o excedente sob a forma de remessas líquidas ou créditos
consignados na balança comercial sustentou os tesouros públicos, alimentou a
formação da dívida pública, abasteceu os cofres dos particulares envolvidos da
rede mercantil operando nas águas e territórios do império, além de ter se
transformado num mercado consumidor seguro para as manufaturas
portuguesas.

Outro aspecto fundamental para compreendermos o colonialismo e a lógica mercantil


é a escravidão. Podemos referi-la como um dos pilares das práticas coloniais,
responsável pelo enriquecimento de elites na metrópole e nas colônias e pela diáspora
de milhões de seres humanos pela América e Europa. Nesse aspecto, parece haver
consenso entre os historiadores. Fragoso e Florentino (2001, p. 88) afirmam que:

A propriedade escrava era altamente disseminada pelo tecido social, sinônimo


aqui de que camadas variadas da população se encontravam comprometidas
com a escravidão, independentemente da extensão de suas posses. Mas o alto
grau de concentração da propriedade escrava nos coloca não apenas diante de
uma sociedade possuidora de escravos, mas sobretudo ante uma sociedade
escravista, definida como aquela na qual o principal objetivo da renda extraída
ao escravo é a reiteração da diferença socioeconômica entre a elite escravocrata
e todos os outros homens livres.

Alguns autores, como Souza (2008), propõem o conceito de capital escravista-


mercantil para ressaltar a importância da escravidão para a dinâmica da economia
mercantil-colonial.

6 A OCUPAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA

Primeiramente, é importante lembrarmos que o território que hoje constitui o Brasil


não era conhecido integralmente pelos portugueses no momento de sua chegada à
24
América. Esse conhecimento foi sendo realizado paulatinamente ao longo dos 30
primeiros anos após a “descoberta”, mediante expedições de reconhecimento e
vigilância. Porém, existiam dúvidas sobre a jurisdição e os limites das possessões
portuguesas na América, já que o único tratado existente nesse sentido até então era o
Tratado de Tordesilhas, que serviu para que se compreendesse como “natural” que todo
o território da América abrangido pelo tratado fosse português (SOUZA, 2001). A
historiador Laura de Mello e Souza comenta sobre a ausência de maiores interesses da
coroa portuguesa em relação à posse do território americano:

Esta, de início, não despertou maiores interesses na corte de D. Manuel, que


pensava acima de tudo no Oriente e nos projetos que melhor viabilizassem sua
exploração comercial. Antes talvez de ser vista como espaço econômico, e
deixando-se de lado o interesse logo despertado pelo pau-brasil, a nova terra
interessou pela sua capacidade de renovar os conhecimentos cartográficos e
astronômicos: diferentemente da África ou da Ásia, era terra nunca antes descrita
ou representada (SOUZA, 2001, p. 62).

Após a chegada dos portugueses na América em 1500, foram enviadas algumas


expedições de reconhecimento e alguns europeus foram deixados em território
americano para aprender a língua dos nativos. Destacam-se as expedições de Gaspar
de Lemos, em 1501, e de Gonçalo Coelho, em 1503, que tinham como objetivo informar
a coroa portuguesa sobre a existência de metais preciosos na América. Posteriormente,
em 1516 e depois em 1526, foram enviadas à América portuguesa expedições
comandadas por Cristóvão Jacques, que ficaram conhecidas como “expedições guarda-
costas”. Elas tinham o objetivo de combater a presença de estrangeiros em território
português na América, principalmente os franceses. Essas iniciativas não foram
suficientes para garantir a posse do território e manter afastados os invasores franceses,
o que levou a coroa a investir na colonização da América portuguesa (VAINFAS, 2000).
Ainda de acordo com Vainfas (2000, p. 491):

[...] a maioria dessas expedições fez um pouco de cada coisa: identificação da


geografia para fins cartográficos e de navegação; escambo do pau-brasil com os
índios; fundação de feitorias; defesa da costa contra a crescente presença dos
entrelopos franceses, rivais no escambo do pau-brasil [...] houve, porém, outras
expedições além dessas, cujas rotas sugerem o projeto português de encontrar
metais preciosos na América. As notícias sobre as riquezas no interior do
continente e o rumor sobre a existência de um “rei branco” (depois identificado
com o imperador inca) estimularam viagens pelo Prata.

25
Não houve inicialmente uma ocupação sistemática da América portuguesa, já que a
carreira para as Índias era mais rentável financeiramente. Nas primeiras décadas após o
“descobrimento”, a principal atividade econômica desenvolvida foi a extrativista, com a
exploração do pau-brasil. O pau-brasil é uma árvore da qual se pode extrair um corante
vermelho para o tingimento de roupas. A exploração desse recurso se dava por sua
disponibilidade, o que levava a uma constante migração em função de seu esgotamento.
A extração era feita por meio do escambo (troca) da força de trabalho indígena por
objetos trazidos pelos portugueses da Europa.
Para estocar e proteger a madeira, foram construídos ao longo do litoral feitorias,
entrepostos comerciais fortificados. O pau-brasil foi declarado produto de monopólio da
coroa portuguesa, o que nos demonstra a adoção de políticas econômicas mercantilistas
por Portugal. Contudo, posteriormente, a coroa concedeu o direito de extração a
arrendatários, em função de sua atenção aos investimentos na carreira das Índias. Os
arrendatários arcavam com as despesas da extração e pagavam impostos à coroa
portuguesa, mas ficavam com o lucro nas vendas. De acordo com Souza (2001, p. 63):

[...] nos 20 primeiros anos de vida do futuro Brasil, os portugueses criaram apenas
duas feitorias: em 1504, em Cabo Frio; em 1516, em Pernambuco.
Predominaram, portanto, as atividades de cunho privado, e o Estado poupou
suas energias para a construção de um império no Oriente. Nenhuma
preocupação com o povoamento surgiu tampouco nessa época, quando os
habitantes europeus da costa eram apenas os degredados deixados para trás
desde a viagem de Cabral, um ou outro desertor das naus, como os grumetes a
que se refere a carta de Caminha, todos eles constituindo o tipo do “lançado”,
que desde a experiência quatrocentista da África fazia, voluntária ou
involuntariamente, a intermediação entre os universos culturais distintos.

Um marco na história da colonização da América portuguesa foi a expedição de


Martim Afonso de Souza, que, após navegar até o Rio da Prata, em seu retorno fundou
o primeiro núcleo de colonização em território português, São Vicente, em 1532. De
acordo com Vainfas (2000, p. 491):

A expedição de Martim Afonso de Souza é a que melhor sintetiza o caráter


dessas primeiras expedições e marca a passagem para a efetiva colonização.
Organizada por D. João III, objetivava explorar o litoral desde o Maranhão até o
Rio da Prata, dar combate aos entrelopos franceses e fixar núcleos de
povoamento através da distribuição de sesmarias, sementes, plantas, animais
domésticos e ferramentas entre os colonos da expedição. E, com efeito, São
Vicente seria a primeira vila fundada no Brasil.

26
Com o início do processo colonial, também houve transformações no âmbito
econômico, com a introdução do cultivo da cana-de-açúcar, cuja produtividade era
favorecida pelas condições climáticas da América portuguesa, além de possuir boa
aceitação no mercado europeu. Antes de desenvolver a cultura da cana na América,
Portugal já a cultivava nas ilhas atlânticas (Madeira, Açores, Cabo Verde e São Tomé).

7 AS INVASÕES DO TERRITÓRIO PORTUGUÊS NA AMÉRICA

Como dito anteriormente, a ausência de uma ocupação mais sistemática do território


americano por Portugal nas primeiras décadas após 1500 fez com que navegadores de
outras nacionalidades se aventurassem pelo litoral português na América, como os
espanhóis, os franceses e os holandeses. Esses navegadores comerciavam com as
populações nativas, extraíam o pau-brasil e praticavam pirataria, destacando-se os
ingleses nesse último caso. Houve um incremento dessas invasões do território
português na América no período conhecido como União Ibérica (1580–1640). Durante
esses 60 anos, Espanha e Portugal foram governados pelo mesmo rei, devido a um
problema sucessório em Portugal. Felipe II, rei da Espanha, assumiu o trono português
com a promessa de que Portugal seria tratado como reino unido, e não território
conquistado, o que permitiria a manutenção da estrutura econômico-comercial.
Contudo, não foi isso o que ocorreu. A guerra de independência das Províncias
Unidas dos Países Baixos contra a Espanha interferiu no comércio entre os Países
Baixos e Portugal:

sobretudo na compra de sal para a indústria de pesca holandesa, uma das bases
da prosperidade batava — além do que, judeus sefarditas de Amsterdam
participavam há tempos da produção e do comércio de açúcar do Brasil. Ao
término da trégua hispano-holandesa (1609–1621), esse comércio de sal e
açúcar estava comprometido (VAINFAS, 2000, p. 314).

Foi durante a União Ibérica que os franceses e os holandeses invadiram o território


português na América, e procuraram estabelecer colônias. Vamos estudar um pouco
mais dos interesses e dos processos da França e da Holanda na América portuguesa.

27
7.1 Os franceses

Existem relatos sobre a presença de navegadores franceses no litoral da América


portuguesa logo após o “descobrimento”. Havia um interesse muito grande da França em
explorar o território americano, bem como um descontentamento com a divisão do Novo
Mundo entre Espanha e Portugal, desde o Tratado de Tordesilhas. Segundo a
historiadora Laura de Mello e Souza (2001, p. 64):

talvez não seja exagerado dizer terem sido os franceses que decidiram a sorte
das terras achadas por Cabral. Não fosse sua presença constante no litoral
durante todo o primeiro quartel do século, e não fosse, muito depois, em 1555, o
seu empenho em fundar uma colônia na baía de Guanabara e talvez o interesse
português pelo Atlântico Sul ficasse adormecido por mais tempo.

De acordo com Vainfas (2000, p. 312), “os franceses conheciam bem o litoral do
Brasil desde o início do século XVI: transportavam pau-brasil em grande quantidade,
aliavam-se a grupos indígenas e percorriam o extenso litoral com a mesma frequência
dos lusos. Por muito tempo, [...] a posse desse litoral não esteve assegurada aos
lusitanos”. A primeira invasão francesa ocorreu no Rio de Janeiro, entre 1555 e 1567, e
levou à fundação da França Antártica. A expedição foi chefiada por Nicolas Durand de
Villegaignon, apoiado pelo governo francês, trazendo colonos calvinistas e frades
capuchinos. Segundo Vainfas (2000, p. 312):

Na baía de Guanabara, havia condições ideais para a nova colônia francesa.


Desde os anos 1530, os entrelopos ali aportavam, para comercializar com os
tamoios e fazer aguada, e a terra era de importantes reservas de pau-brasil.
Somente em 1550, Villegaignon urdiu um plano para estabelecer ali uma colônia,
com apoio do almirante Coligny e do cardeal de Lorena. Calvinista, Coligny
vislumbrava fundar uma colônia, a França Antártica, onde os huguenotes
(calvinistas franceses) estariam livres da perseguição católica que grassava em
França.

Construíram e fundaram o forte Coligny, de onde resistiram aos portugueses. Os


franceses foram expulsos no governo de Mem de Sá por uma armada comandada por
seu sobrinho, Estácio de Sá. Ao tomar o forte de Coligny, localizado na baía de
Guanabara, Estácio de Sá fundou a cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente, entre 1710
e 1711, houve novas entradas de franceses na cidade do Rio de Janeiro, que passou a
ser saqueada por corsários. A segunda invasão francesa ocorreu no Maranhão, entre
28
1612 e 1615, e levou à fundação da França Equinocial, com a fundação do forte de São
Luís, em 6 de setembro de 1612, que daria origem à cidade de São Luís do Maranhão.
Essa expedição foi comandada por Charles des Vaux e Jacques Riffault. Os franceses
foram expulsos do local pelos portugueses em 4 de novembro de 1615 (VAINFAS, 2000).

7.2 Os holandeses

Os holandeses possuíam acordos econômico-comerciais com Portugal, sendo os


responsáveis pelo refino do açúcar produzido nas colônias portuguesas e pela
comercialização do produto na Europa. Além disso, companhias privadas auxiliavam
luso-brasileiros na instalação de engenhos de açúcar na colônia portuguesa na América
e participavam do transporte de africanos escravizados para o território português. Essa
situação perdurou até 1580, e, durante o período da União Ibérica, a coroa espanhola
dificultou as operações holandesas de refino e comercialização, bloqueando os portos
portugueses aos holandeses. A Espanha e a Holanda eram rivais em assuntos
comerciais, diplomáticos e políticos.
A primeira tentativa de invasão da América portuguesa pelos holandeses ocorreu na
capitania da Bahia, na cidade de Salvador, capital da colônia, entre os anos de 1624 e
1625, mas foram derrotados e expulsos. “Escolheu-se a Bahia porque, além da produção
açucareira, era ponto estratégico para atacar as frotas espanholas de prata, a carreira
portuguesa da Índia e para a conquista de outras partes da América e da África”
(VAINFAS, 2000, p. 314). A segunda tentativa pela Companhia das Índias Ocidentais
ocorreu na capitania de Pernambuco, entre 1630 e 1637. Durante esse período, os
holandeses enfrentaram a resistência dos pernambucanos, mas também contaram com
o apoio de parte da população, como de Domingos Calabar. Os conflitos levaram à
paralisação da atividade açucareira, e, para resolver a situação, foi enviado à capitania
de Pernambuco João Maurício de Nassau-Siegen, que assumiu o governo. Durante seu
governo (1637–1644), Maurício de Nassau financiou a recuperação das lavouras e a
reconstrução dos engenhos, retomando as atividades comerciais, além de promover a
liberdade religiosa e melhorias de infraestrutura. O governo de Nassau foi abalado pela
conjuntura europeia com o fim da União Ibérica e as consequências para a Holanda da
29
Guerra dos Trinta Anos (1618–1648), com a exigência da Companhia Holandesa da
cobrança de impostos, aumento da taxa de juros e do preço dos escravizados. Como
Nassau não aceitou essas medidas econômicas, foi exonerado do cargo e regressou à
Europa em 1644. Para os proprietários e produtores pernambucanos, houve
consideráveis prejuízos em função das novas medidas econômicas, o que fez com que
passassem a apoiar o movimento conhecido como Insurreição Pernambucana (1645–
1654), cujos líderes eram João Fernandes Vieira, Vidal de Negreiros, Felipe Camarão e
Henrique Dias. Em 1649, o governo português passou a apoiar o movimento e em 1654
os holandeses foram derrotados (VAINFAS, 2000).
Assim, podemos dividir o período da história holandesa no Brasil em três momentos
distintos: um primeiro momento, entre 1630 e 1637, caracterizado pela conquista de
territórios pelos holandeses e desestabilização econômica, com resistência das forças
luso-brasileiras. Um segundo momento, entre 1637 e 1645, de trégua e paz precárias,
em que o governo de Nassau enfrentava ataques organizados por senhores refugiados
na capitania da Bahia. Nesse segundo período, também houve um aumento das
conquistas holandesas, tanto na América, alcançando Sergipe, quando em África, com a
conquista de Luanda e São Tomé. De acordo com Vainfas (2000, p. 316), esse período
possuiu as seguintes características:

Engenheiros, naturalistas, matemáticos e artistas, sob o mecenato de Nassau,


investigaram a natureza e transformavam a paisagem nordestina. Recife tornou-
-se uma das cidades mais importantes da América, com modernas pontes e
prédios. Além do incentivo à arte, o governo nassoviano promulgou leis que eram
iguais para todos, impedindo injustiças contra os antigos habitantes. Ele investiu
na produção açucareira, confiscou e levou a leilão os engenhos abandonados.
Conclamou os luso-brasileiros a voltarem para os canaviais, prometendo-lhes
liberdade. Mas o principal problema de Nassau residia no conturbado convívio
entre calvinistas, católicos e judeus, sem falar nos cristãos-novos portugueses.
Ao longo do tempo, tornaram-se claras as divergências entre Nassau e a
Companhia das Índias Ocidentais. Incentivado pela Companhia, moveu o
malogrado assalto à Bahia, em 1638. A administração da Companhia, contudo,
culpou Nassau pelo fracasso e a retirada das tropas do Maranhão.

O terceiro período corresponderia aos anos de 1645 a 1654, logo após Nassau
entregar o governo ao Conselho de Recife, regressar à Holanda e ser deflagrada a guerra
de restauração e a derrota dos holandeses.

30
De todo modo, o ânimo da resistência se ativou com a reconquista do Maranhão,
em 1643, e a insurreição de 1645 tomou corpo com o endividamento dos
plantadores de cana. O declínio dos preços do açúcar foi, assim, grande
catalisador da crise do Brasil holandês. A Restauração Pernambucana ocorreu
graças à aliança dos luso-brasileiros, dos moradores de Pernambuco e dos
exilados na Bahia, todos unidos contra os holandeses na fase derradeira da
guerra (VAINFAS, 2000, p. 316).

8 EXPANSÃO TERRITORIAL

O Brasil esteve sob domínio português durante mais de três séculos. Ainda que a
cultura brasileira tenha sido composta a partir de influências africanas, europeias e
indígenas, a estrutura formada para administração colonial reproduzia instituições e
práticas jurídicas de conhecimento dos portugueses, ou seja, provenientes da Europa e
do colonialismo. Por isso, ao tratar da estrutura administrativa, institucional e política da
América portuguesa, o conceito de Antigo Regime nos trópicos é bastante eficaz para
compreender as relações estabelecidas entre Portugal e sua colônia na América.

8.1 A relação metrópole–colônia

Para além das interpretações econômicas das relações estabelecidas entre a


metrópole portuguesa e suas colônias na Ásia, África e América, existem aqueles
historiadores que se preocuparam em compreender outras formas de relacionamento e
reprodução de padrões comportamentais e de relacionamento metropolitano nos
domínios ultramarinos. Além disso, as críticas contemporâneas à noção de absolutismo
permitiram uma revisão nas interpretações sobre as relações entre a metrópole e a
colônia, evidenciando a existência de uma autoridade negociada: “ao invés de
metrópoles onipotentes e colônias submissas, teríamos contínuas negociações entre
ambas” (FRAGOSO, 2002, documento on-line).
Por isso, nosso foco será voltado à relação metrópole–colônia inserida na ideia da
monarquia pluricontinental, um sistema político baseado em uma concepção corporativa
e polissinodal da sociedade, ou seja, uma monarquia que se baseava em uma
constelação de poderes concorrentes. Isso funcionava pelo sistema de mercês, elos de
dependência e reciprocidade que, transpostos para a América lusa, configuravam o
31
Antigo Regime nos trópicos (FRAGOSO; MONTEIRO, 2017). De acordo com Fragoso
(2002, documento on-line):

A presença do Antigo Regime não só era percebida nas rotas marítimas ou nos
negócios cotidianos internos de Angola ou de Portugal, mas também tal presença
deixou suas marcas em instituições como a Câmara Municipal e a Santa Casa
de Misericórdia. De origem reinol, elas se espalharam por diferentes espaços
ultramarinos: de Recife a Macau. Mais do que isto, as Câmaras serviam, à
semelhança das lusas, como locus de negociação entre a “nobreza da terra” local
e os poderes do centro. Portanto, em meio àqueles vários vínculos ultramarinos,
não há por que se espantar com a existência de redes políticas que, partindo de
Goa ou do Rio de Janeiro, chegavam ao paço lisboeta, sendo base de conflitos
e negociações nos rumos do Império.

Em outras palavras, podemos afirmar que as relações entre a metrópole e a colônia


não se restringiam ao aspecto comercial, notadamente o exclusivo ou monopólio colonial,
e não se enquadram em aspectos de dominação e subjugação, mas comportam espaços
de negociação entre os colonos e entre os colonos e a metrópole. Conforme Fragoso,
Gouvêa e Bicalho (2000, documento on-line), essa abordagem tinha como objetivo
“analisar o ‘Brasil Colônia’ através das relações econômicas com a Europa do
mercantilismo [...] centrada na ênfase da oposição metrópole versus colônia e na
contradição de interesses entre colonizadores e colonos”.
Para citar apenas um dos autores que se inserem nesse quadro interpretativo, vamos
analisar brevemente a relação que Caio Prado Júnior, em Formação do Brasil
contemporâneo, estabelece entre a colônia e a metrópole. De acordo com o autor
(PRADO JÚNIOR, 1971, p. 31–32):

[...] se vamos à essência de nossa formação, veremos que na realidade nos


constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros [...] e em
seguida café, para o comércio europeu [...]. Foi com tal objetivo, objetivo exterior,
voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem do
interesse daquele comércio, que se organizaram a sociedade e a economia
brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura, bem como as atividades
do país.

Para o autor, ir à “essência de nossa formação” significa buscar um sentido para a


colonização do Brasil de determinada forma. Trata-se da busca de um objetivo, que será
um “objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não
fossem o interesse daquele comércio [europeu]”, PRADO JÚNIOR, 1971, p. 31,
acréscimo nosso). Percebe-se por essas afirmações que não haveria uma alternativa à
32
colônia brasileira senão se organizar de acordo com os interesses metropolitanos
portugueses. Portanto, a economia e sociedade brasileiras do século XVI ao século XIX
organizaram-se a fim de atender a uma demanda externa. Aqui, pode-se perceber uma
referência aos “ciclos de produção” brasileiros, primeiramente do cultivo do açúcar, em
seguida do ouro, sucedido pelo café (PRADO JÚNIOR, 1971). A relação metrópole–
colônia foi abordada pelo autor apenas por seu viés mercantil, ignorando as estruturas
internas de economia e aspectos culturais e políticos na estruturação da sociedade.
Já para compreender as relações metrópole e colônia a partir do viés proposto por
Fragoso, Gouvêa e Bicalho (2000), é fundamental entender de que forma os privilégios
influíam nessa relação e como importantes órgãos locais, como as câmaras e seus
agentes, os administradores do ultramar, relacionavam-se com a metrópole.
Quanto aos privilégios, lembremos a existência do sistema de mercês e da “economia
do dom”, que estabelecia uma série de redes clientelares, bem como a disputa pelos
cargos concelhios, que permitiam ascender hierarquicamente na colônia e utilizar
instrumentos de negociação com a metrópole. O sistema de mercês consistia em uma
rede clientelar de troca, que estabelecia elos de reciprocidade e dependência
(FRAGOSO; MONTEIRO, 2017) em que a aristocracia, por ocupar certos cargos na
colônia, recebia do rei novas concessões, em cargos, terras, títulos ou serviços. Esses
privilégios acabaram formando uma “nobreza da terra”, que, muitas vezes, precisou
negociar com a metrópole por áreas de atuação ou interesses divergentes. Segundo as
análises de Fragoso, Gouvêa e Bicalho (2000), com a atribuição de cargos e ofícios civis
e militares e a concessão de privilégios comerciais a indivíduos e grupos, foi possível
formar uma cadeia de poder e redes de hierarquias que se formavam na metrópole e se
estendiam até os colonos, com quem eram estabelecidos vínculos estratégicos.

Através da distribuição de mercês e privilégios, o monarca não só retribuía o


serviço dos vassalos ultramarinos na defesa dos interesses da cora e, portanto,
do bem comum. Ele também reforçava os laços de sujeição e o sentimento de
pertença dos mesmos vassalos à estrutura política do Império, garantindo a sua
governabilidade. Materializava-se, assim, forjando a própria dinâmica da relação
imperial, uma dada noção de pacto e de soberania, caracterizada por valores e
práticas tipicamente do Antigo Regime, ou, dito de outra forma, por uma
economia política de privilégios (FRAGOSO, GOUVÊA, BICALHO, 2000,
documento on-line).

33
8.2 A estrutura administrativa da América portuguesa

A estrutura administrativa da América portuguesa foi forjada nos quadros do sistema


colonial, porém em uma tentativa explícita de transposição do modelo e dos valores
portugueses de administração pública para a colônia. Esse modelo de administração
passou por adaptações devido às especificidades da vida colonial e, pela autonomia
administrativa de alguns órgãos, gerou-se conflitos com a metrópole. Veremos quais
eram as principais instituições e órgãos da estrutura administrativa da América
portuguesa que adquiriram mais especialização depois da criação do governo geral. Até
então, não havia essa burocracia, e determinadas figuras podiam exercer tarefas
administrativas e judiciárias que, inúmeras vezes, sobrepunham-se às tarefas de outra
autoridade, gerando inúmeros problemas.
Podemos afirmar, desta forma, que os órgãos administrativos coloniais se dividiam
em três grandes grupos: o militar, o da justiça e o da fazenda (FAUSTO, 1995). Em
relação ao aspecto militar, afirma o historiador Boris Fausto (1995) que as forças armadas
de uma capitania se compunham da tropa de linha (contingente regular e profissional,
composta quase sempre de regimentos portugueses), das milícias (tropas auxiliares,
recrutadas entre os colonos, para serviço obrigatório e não remunerado) e dos corpos de
ordenança (força local composta pelo restante da população masculina de 18 a 60 anos,
exceto os padres).
Quanto aos órgãos de justiça, que às vezes desempenhavam funções
administrativas:

eram representados pelos vários juízes, entre os quais se destacava o ouvidor


da comarca, nomeado pelo soberano por três anos. Para julgar recursos das
decisões, existiam os Tribunais da Relação, presididos pelo governador ou pelo
vice-rei, a princípio só na Bahia e depois na Bahia e no Rio de Janeiro. Por sua
vez, o principal órgão encarregado de arrecadar tributos e determinar à
realização despesas era a Junta da Fazenda, presidida também pelo governador
de cada capitania (FAUSTO, 1995, p. 64).

Por fim, é importante fazer referência às câmaras municipais que, para muitos
historiadores, eram os órgãos mais importantes da administração colonial. As
Ordenações Manuelinas estabeleciam a vida administrativa das vilas e povoações, com
estrutura jurídica semelhante às da metrópole.
34
As câmaras eram sediadas nas vilas e nas cidades e eram compostas de membros
natos (não eleitos) e de representantes eleitos. “Votavam nas eleições, que eram
geralmente indiretas, os ‘homens bons’, ou seja, proprietários residentes na cidade,
excluídos os artesãos e os considerados impuros pela cor e pela religião, isto é, negros,
mulatos e cristão novos” (FAUSTO, 1995, p. 64). De acordo com Torres (2002, p. 27):

Fundar e organizar municípios no Brasil foi para Portugal um fator de apreensão.


De um lado, foi uma decorrência necessária do povoamento e defesa da terra,
de sua exploração e das necessidades de tributação e arrecadação fazendária.
Porém, especialmente nos dois primeiros séculos de colonização, as relações
entre os conselhos municipais e o governo central, seja colonial ou metropolitano,
foram muitas vezes de tensão. A amplidão do território gerou o isolamento e o
autonomismo das povoações, característica que buscavam resguardar,
defendendo seus interesses locais.

As experiências das câmaras municipais variaram muito em todo o território


português na América, algumas tornando-se a principal autoridade nas capitanias,
sobrepondo-se aos governadores.

As câmaras possuíam finanças e patrimônio próprios. Arrecadavam


tributos, nomeavam juízes, decidiam certas questões, julgavam crimes como
pequenos furtos e injúrias verbais, cuidavam das vias públicas, das pontes e
chafarizes incluídos no seu patrimônio. Elas foram controladas, sobretudo até
meados do século XVII, pela classe dominante dos proprietários rurais e
expressavam seus interesses (FAUSTO, 1995, p. 64).

Por fim, é necessário fazer referência à administração eclesiástica colonial. A


jurisdição espiritual do território português na América pertencia à Ordem de Cristo,
fundada em 1319, e depois passaria à diocese de Funchal. O padroado possuía o direito
de cobrar e administrar os dízimos eclesiásticos, que eram uma importante fonte de
receita (SALGADO, 1985). Como contrapartida, deveriam expandir a fé cristã e criar e
manter locais de culto; para isso, foram enviados “funcionários eclesiásticos” à colônia.
Essa expressão demonstra “como a Igreja nascente nas terras americanas dependia do
Estado português, situação que se prolongou por todo o período colonial [...]. Além da
integração político-religiosa, a coroa se beneficiou, e muito, da sua condição de
administradora dos dízimos eclesiásticos, em muitas regiões talvez a principal fonte da
renda colonial” (SALGADO, 1985, p. 115). Ainda segundo Salgado (1985), das várias
ordens atuantes no Brasil, as mais importantes foram a dos jesuítas, dos beneditinos,

35
dos franciscanos e dos carmelitas, com atividades relacionadas à catequese, à educação
(religiosa e laica), além das atividades econômicas.

9 AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

As capitanias hereditárias foram a primeira forma de administração política da


colônia, implementadas a partir de 1534. O sistema já havia sido empregado
anteriormente nas colônias portuguesas no Atlântico, e sua reprodução na colônia
americana deveu-se às dificuldades econômicas de Portugal em financiar o
empreendimento colonial. “O sistema de capitanias hereditárias existiu no Império
Português por mais de três séculos, compreendidos entre a doação da primeira capitania,
a do Machico, na Madeira, em 1440, e a incorporação das últimas que ainda havia
(Funchal, Porto Santo e o mesmo Machico, todas na ilha da Madeira), em 1770, no
contexto de centralização do poder no reinado de D. José I” (CABRAL, 2015, p. 65). A
coroa portuguesa entregava lotes de terra, chamados donatarias, que variavam em
extensão, aos interessados em explorá-las com recursos próprios, ou seja, por meio de
capital privado. Entre 1534 e 1536, o rei de Portugal, D. João III, dividiu as possessões
portuguesas na América em 15 donatarias, doando-as a 12 capitães-donatários, também
chamados de governadores, mediante as cartas de doação. Esses homens não estavam
subordinados a autoridade alguma dentro da colônia, o que gerou certa descentralização
do poder (CABRAL, 2015). Boris Fausto (1995, p. 44) afirma que: “eles constituíam um
grupo diversificado, no qual havia gente da pequena nobreza, burocratas e comerciantes,
tendo em comum suas ligações com a coroa. [...] Nenhum representante da grande
nobreza se incluía na lista dos donatários, pois os negócios na Índia, em Portugal e nas
ilhas atlânticas eram por essa época bem mais atrativos”.
Mediante outro documento, a “carta foral”, era estabelecida uma série de direitos e
deveres do donatário. Boris Fausto (1995, p. 44) cita alguns desses deveres dos
capitães-donatários: “os donatários receberam uma doação da coroa, pela qual se
tornavam possuidores, mas não proprietários da terra. Isso significava, entre outras
coisas, que não podiam vender ou dividir a capitania, cabendo ao rei o direito de modificá-
la ou mesmo extingui-la”. Havia, no entanto, outros elementos na escolha desses
36
donatários: eram homens que já haviam prestado algum serviço à coroa e que, além de
povoar essas áreas, levariam a fé cristã a esses territórios (CABRAL, 2015).
Em relação aos direitos, eles incluíam poderes administrativos e econômicos. Em
relação ao aspecto administrativo, os capitães donatários “tinham o monopólio da justiça,
autorização para fundar vilas, doar sesmarias, alistar colonos para fins militares e formar
milícias sob seu comando” (FAUSTO, 1995, p. 44). Quanto ao aspecto econômico, os
capitães-donatários poderiam doar sesmarias. “A atribuição de doar sesmarias é
importante, pois deu origem à formação de vastos latifúndios. A sesmaria foi conceituada
no Brasil como uma extensão de terra virgem cuja propriedade era doada a um sesmeiro,
com a obrigação — raramente cumprida — de cultivá-la no prazo de cinco anos e de
pagar o tributo devido à coroa” (FAUSTO, 1995, p. 44–45). Os donatários também
arrecadavam impostos dos sesmeiros caso esses desejassem instalar engenhos de
açúcar e moinhos de água, além de armazenar sal. Também eram cobrados no caso da
exploração do pau-brasil, de metais preciosos e de derivados da pesca (FAUSTO, 1995).
Além disso, os donatários também podiam fundar vilas. As vilas eram administradas
por um alcaide nomeado pelo donatário e pela câmara municipal, onde atuavam os
vereadores. De acordo com Boris Fausto (1995, p. 45):

[...] ao instituir as capitanias, a coroa lançou mão de algumas fórmulas cuja


origem se encontra na sociedade medieval europeia. É o caso, por exemplo, do
direito concedido aos donatários de obter pagamento para licenciar a instalação
de engenhos de açúcar; esse direito é análogo às ‘banalidades’ pagas pelos
lavradores aos senhores feudais. Mas, em essência, mesmo na sua forma
original, as capitanias representaram uma tentativa transitória e ainda tateante
de colonização, com o objetivo de integrar a colônia à economia mercantil
europeia.

Seja como for, a administração colonial nos moldes das capitanias hereditárias não
obteve os resultados esperados. Os capitães-donatários enfrentaram uma série de
dificuldades, tais como a descentralização administrativa, ausência de auxílio da coroa e
falta de recursos, dificuldades de comunicação, problemas na defesa do território,
confronto com os indígenas, etc. (FAUSTO, 1995). A consequência foi a falência ou a
renúncia de seus direitos e o abandono das capitanias por seus capitães-donatários,
excetuando-se aquelas que obtiveram êxito, devido às atividades econômicas
relacionadas à produção do açúcar e às negociações com os indígenas — a capitania de

37
São Vicente e a capitania de Pernambuco (FAUSTO, 1995). Assim, foi criado o Governo
Geral, mas o sistema de capitanias foi extinto somente em 1759.

9.1 O Governo Geral

Criado pela Carta Régia de 7 de janeiro de 1549, sua função era centralizar a
administração colonial, sediada na capitania da Bahia. Conforme Guilherme Amorim
Carvalho (2013), o Governo Geral não extinguiu o sistema das capitanias hereditárias,
mas esse foi perdendo a importância devido à retomada das capitanias por parte da coroa
e sua transformação em “capitanias régias”.

Além disso, o rei limitou consideravelmente a alçada em assuntos de justiça que


antes era conferida aos capitães-donatários, ainda proprietários das capitanias.
A instituição do Governo Geral significou, assim, um reforço do sistema de
capitanias, que não havia logrado garantir efetivamente a posse das terras
americanas, e que nesse momento passaria a contar com maior intervenção
régia. Nesse sentido, pode-se observar que a colonização das terras americanas
pela coroa portuguesa apresentou uma dinâmica específica em comparação às
outras áreas; seu objetivo imediato era a garantia da posse da terra, o que apenas
se conseguiu por meio do povoamento de fato, e foi somente em razão dessa
necessidade de ocupação e posse efetiva do território e, portanto, para oferecer
um suporte econômico a esse povoamento, que se estabeleceu uma produção
de gêneros para o comércio europeu (CARVALHO, 2013, documento on-line).

Além dessa função administrativa, o Governo Geral deveria intensificar as ações de


colonização por meio do povoamento; pacificar as relações com os indígenas; mediar as
relações entre os capitães-donatários e os sesmeiros e enfraquecer a influência dos
capitães-donatários; exercer o poder judiciário e militar na defesa da colônia; e estimular
as atividades econômicas, principalmente a produção de cana-de-açúcar. De acordo com
Boris Fausto (1995), a decisão de D. João III de estabelecer o Governo Geral do Brasil
ocorreu em um momento de crise na carreira das Índias e de derrotas militares da coroa
portuguesa no Marrocos. O sistema de organização política segundo o Governo Geral
pode ser resumido da seguinte forma:

• poder central: Governo Geral;


• poder regional: capitão donatário;
• poder local: câmara municipal.
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A colônia possuiu três governadores gerais. Vejamos alguns dos eventos de seus
respectivos governos. O primeiro governador geral foi Tomé de Souza (1549–1553).
Durante seu governo, fundou-se a primeira cidade brasileira, Salvador (1549), que se
transformou na capital da colônia; podemos citar como um acontecimento de seu governo
a vinda dos primeiros jesuítas da Companhia de Jesus e a introdução da pecuária na
economia interna. De acordo com Boris Fausto (1995, p. 46):

Tomé de Souza era um fidalgo sisudo, com experiência na África e na Índia.


Chegou à Bahia acompanhado de mais de mil pessoas, inclusive quatrocentos
degredados, trazendo consigo longas instruções por escrito conhecidas como
Regime de Tomé de Souza. As instruções revelam o propósito de garantir a
posse territorial da nova terra, colonizá-la e organizar as rendas da coroa. Foram
criados alguns cargos para o cumprimento dessas finalidades, sendo os mais
importantes o de ouvidor, a quem cabia administrar a justiça, o de capitão-mor,
responsável pela vigilância da costa, e o de provedor-mor, encarregado do
controle e crescimento da arrecadação.

O segundo governador geral foi Duarte da Costa (1553–1558). Seu governo


enfrentou duas questões bastante importantes: o confronto entre jesuítas e sesmeiros
em relação à escravidão indígena e a invasão francesa na região do Rio de Janeiro. Em
seu mandato, foi fundada a cidade de São Paulo (1554) pelo padre jesuíta José de
Anchieta (VAINFAS, 2000). O terceiro e último governador geral foi Mem de Sá (1558–
1572). Em seu mandato, houve a introdução dos africanos escravizados na economia
colonial. Mem de Sá foi responsável pela expulsão dos franceses do território português,
fundando a cidade do Rio de Janeiro (1565) (VAINFAS, 2000).
Após a morte de Mem de Sá, ocorrida em 1572, a coroa portuguesa dividiu o Brasil
em dois governos gerais: o governo do Norte, que abrangia o território da capitania de
Porto Seguro à capitania de Pernambuco, com sede em Salvador, governado por Luiz
de Brito; e o governo do Sul, que abrangia o território da capitania de Ilhéus aos limites
do território português no sul da colônia, com sede no Rio de Janeiro, governado por
Antônio Salema. Lembremos que o limite ao sul era estabelecido pelo Tratado de
Tordesilhas, e que seria frequentemente desrespeitado. Essa forma de administração da
colônia fracassou e em 1578 Lourenço da Veiga foi nomeado único governador geral do
Brasil, permanecendo no cargo até 1581. Posteriormente, houve uma nova divisão do

39
território e em 1621, durante o domínio espanhol em função da União Ibérica, a
administração colonial foi dividida em Estado do Maranhão e Estado do Grão-Pará, com
o objetivo de melhorar as defesas do território e facilitar a comunicação com a metrópole.

10 A ECONOMIA DA AMÉRICA PORTUGUESA

Podemos dividir a economia da América portuguesa em dois processos inter-


relacionados: a economia voltada para o mercado externo e a economia voltada para o
mercado interno. Enquanto a primeira se relacionava com os interesses mercantis
próprios da lógica colonial, a segunda possuía um funcionamento autônomo, vinculado
ao consumo interno na colônia. Em relação ao mercado externo, podemos compreender
a economia da América portuguesa a partir de sua inserção em uma “economia-mundo”,
interpretação baseada nas ideias Immanuel Wallerstein (VIERA, 2010). Assim, segundo
Vieira (2010, documento on-line), “[...] a produção e o consumo do açúcar integraram
processos comerciais e produtivos que ocorriam no Brasil, na Europa, na África e na
Ásia”.
Nessa economia voltada para o mercado externo, havia diferentes relações
estabelecidas entre as possessões ultramarinas portuguesas, configurando uma cadeia
mercantil. Vejamos nos tópicos a seguir como se organizava essa cadeia (VIEIRA, 2010):

• Entre a América portuguesa e a Europa, estabeleciam-se relações fortes e


necessárias, pois da metrópole provinha o impulso para o desenvolvimento da agricultura
na colônia, bem como as ferramentas, tecidos e armas; era na Europa que ocorria o
refino do açúcar, e era para lá que se destinava quase a totalidade da produção.
• Entre a América portuguesa e a África, estabelecia-se uma relação de oferta e
demanda de mão de obra de africanos escravizados, cujos números são imprecisos, mas
calcula-se que tenham sido quase 5 milhões. Para a comercialização desses seres
humanos, era utilizada como moeda de troca a farinha de mandioca, a cachaça e o fumo.
• Entre a América portuguesa, a África e a Ásia, havia uma troca de produtos
coloniais, como o fumo, por tecidos, que também eram utilizados no escambo por
escravizados.
40
Todo o açúcar da colônia excedente do consumo interno era exportado para a
Europa, seguindo os padrões de produção e comércio já praticados por Portugal em
outras possessões ultramarinas. Contudo, não há como separar a prática econômica
voltada para o mercado externo da destinada ao mercado interno. Além da agricultura de
subsistência possibilitar as práticas econômicas dos engenhos, outros cultivos, como o
de mandioca e o de fumo, além da própria produção da cachaça, tornaram-se moeda de
troca para a comercialização de africanos escravizados, trazidos para a América para
trabalharem na produção de açúcar. Ou seja, historicamente, “[...] a agricultura para
exportação e para o consumo interno estiveram intimamente relacionadas de uma
maneira complexa, multidimensional e historicamente mutável” (SCHWARTZ, 1998, p.
66).

11 O EXTRATIVISMO

A primeira atividade econômica desenvolvida após a chegada dos portugueses na


América foi o extrativismo. Chamamos de extrativismo ou economia extrativa “[...] uma
maneira de produzir bens na qual os recursos são retirados diretamente da sua área de
ocorrência natural, sendo a coleta de produtos vegetais, a caça e a pesca os três
exemplos clássicos de atividades extrativistas” (GOMES, 2018, documento on-line).
Enquanto prática econômica, as atividades extrativistas caracterizam-se por três
momentos:
[...] no início, observa-se crescimento da extração, provocado pelo aumento de
demanda; isto provoca um segundo momento, caracterizado pelo limite da capacidade
de oferta, devido aos estoques disponíveis e ao aumento de custos para exploração de
áreas mais distantes. Por último, inicia-se o declínio na produção devido ao esgotamento
das áreas de extração, não sendo possível atender à demanda de mercado, o que
influencia esforços para investimentos de capital e de tecnologia para domesticação e
plantio dos produtos com significância econômica e demanda (GOMES, 2018,
documento on-line).

41
De acordo com Homma (2008), há um limite para o crescimento de mercado da
economia extrativa: a oferta, restrita à existência fixa de estoques naturais, não consegue
suprir a demanda. Enquanto o mercado é reduzido e enquanto ainda há grandes
estoques, é possível atender nichos de mercado ou ganhar tempo, até que surjam
alternativas econômicas. Na primeira fase da colonização do território americano luso, a
principal atividade extrativista foi a coleta de pau-brasil, que se localizava próximo ao
litoral, na zona da mata, que era de fácil acesso para os navegantes e comerciantes
portugueses. Foi explorado do litoral do Rio Grande do Norte até o Rio de Janeiro.
De acordo com Santos (2015, documento on-line), “[...] em 1501, a expedição
comandada por Duarte Coelho reconheceu a madeira preciosa e, em função da grande
procura por corantes naturais na Europa, enviou uma carga com amostras a Portugal. O
nome pau-brasil deriva-se, provavelmente, pela ‘cor de brasas que produz’”. Contudo, ao
longo da expansão territorial, outros produtos foram inseridos nessa lógica econômica,
como as “drogas do sertão”, a exploração de tartarugas e a extração de cacau. As
“drogas do sertão”, segundo Ronaldo Vainfas (2000, p. 191) eram “[...] os produtos,
nativos ou aclimatados, do Amazonas, Pará e Maranhão, muito procurados na Europa
como drogas medicinais, temperos ou tinturaria”.
O pau-brasil passou a interessar os colonizadores portugueses porque, de sua
madeira, era possível extrair um corante vermelho, bastante apreciado no mercado
europeu, em que a indústria têxtil estava em pleno desenvolvimento. A extração do pau-
brasil foi transformada em monopólio da coroa, e seu primeiro arrendatário foi Fernão de
Loronha (ou Fernando de Noronha, conforme algumas grafias), que pagaria taxas (um
quinto do lucro obtido) à coroa e protegeria a costa (ZEMELLA, 1950). A extração do pau-
brasil e seu comércio foi disputada por Portugal com outros reinos. Os franceses, por
exemplo, traficaram a madeira até meados do século XVI, muitas vezes estabelecendo
alianças com os nativos. Conforme Santos (2015, p. 42):

A política adotada por D. João III tentou mediações diplomáticas e valeu-se


também da força. A expedição capitaneada por Cristóvão Jacques foi enviada
em 1526 com a missão de expulsar os corsários franceses e garantir o controle
do litoral. Contudo, devido à continuidade de investidas francesas, Martim Afonso
de Sousa foi enviado em 1530 com a missão de combater corsários estrangeiros,
descobrir terras e, talvez a mais importante delas, fundar um núcleo de povoação
portuguesa.

42
Quanto aos lucros obtidos pelo comércio do pau-brasil, Zemella assinala que não era
assim tão tentador. “Ia decrescendo cada vez mais, em virtude das guerras de corso, das
lutas com os franceses. A exploração do pau-brasil foi se convertendo numa empresa
arriscada, cujos lucros eram muito magros para compensar os riscos e perigos. Os
comerciantes se retraem. O monopólio do pau-brasil já não encontra arrendatários”
(ZEMELLA, 1950, p. 486). Contudo, até quase o final do século XIX o pau-brasil estava
presente na lista de produtos exportados pelo Brasil. Logo após a descoberta do Brasil,
o extrativismo do pau-brasil (Caesalpinia echinata Lam.), de acordo com Homma (2008,
p. 22), “[...] foi o primeiro ciclo econômico pelo qual o país passou e que perdurou por
mais de três séculos. O início do esgotamento dessas reservas coincidiu com a
descoberta da anilina, em 1876, pelos químicos da Bayer, na Alemanha”.
Para a extração do pau-brasil, a mão de obra utilizada foi a indígena e,
posteriormente, a de africanos escravizados. Os indígenas cortavam as árvores na mata
e arrastavam os troncos até o litoral, onde eram preparados para serem embarcados. O
pagamento por seu trabalho era feito por meio do escambo: recebiam pelo corte e
transporte canivetes, facas, miçangas, tecidos e outras quinquilharias (ZEMELLA, 1950).

Apesar de já interferirem na organização tradicional das populações indígenas,


esses contatos iniciais formaram relações que foram, dentro dos limites, bem
aceitas devido ao interesse nos objetos de troca — apesar de criarem certa
dependência com relação aos fornecedores e hierarquia internas. Por ser a
atividade de corte de madeira vinculada aos homens, favoreceu o escambo, pois
não alterava a organização sexual do trabalho e, também, o fato de não os
colocarem de forma intensa e perene com as relações de mercado (SANTOS,
2015, p. 40–41).

O desenvolvimento dessa prática econômica possibilitou aos portugueses o


conhecimento do litoral de suas possessões na América, enquanto a concorrência com
os franceses no extrativismo levou à construção de feitorias, onde eram armazenadas as
árvores, e de fortes, para proteger o litoral. As principais feitorias foram construídas em
Igaraçu, Itamaracá, Bahia, Porto Seguro e Cabo Frio, mas não foram suficientes para o
povoamento nem a estruturação social (ZEMELLA, 1950).

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12 A AGRICULTURA E A PECUÁRIA NA AMÉRICA PORTUGUESA

A produção agrícola foi a principal atividade econômica desenvolvida durante o


período colonial, convivendo com outros arranjos econômicos. Fosse para o mercado
externo ou para o mercado interno, a produção de bens agrícolas representou um dos
pilares do processo de colonização da América portuguesa. Já a pecuária, iniciada com
a introdução do gado na América pelos portugueses, visava a utilização dos animais
como força para os engenhos e para o transporte de mercadorias, bem como para
alimentação. Em relação à agricultura, o principal produto cultivado no território português
na América era a cana-de-açúcar. Para além da cana, existiam outras culturas, com bons
rendimentos no mercado exportador e interno. Eis algumas delas:

• Tabaco: cultivado no Maranhão, no Pará, em Pernambuco e principalmente no sul


da Bahia. Era um ramo menos prestigioso, mas também menos caro, o que possibilitava
que pessoas com menos posses, e africanos escravizados em seu tempo livre, se
dedicassem ao seu cultivo (PIASSINI, 2013).
• Mandioca: cultivada pelos indígenas, foi adotada pelos portugueses tanto para a
subsistência quanto para exportação, na forma de farinha. Era a base alimentar dos
engenhos e, em certo momento, a administração colonial obrigou os senhores de
engenho e lavradores de cana a cultivar mandioca a fim de abastecer a própria força de
trabalho escravo, o que não obteve muito sucesso em função da hostilidade dos senhores
em relação ao cultivo de subsistência (PIASSINI, 2013).
• Outros produtos que configuravam a diversificação agrícola: algodão, cacau (que
fora explorado apenas de forma extrativista, mas que passou a ser cultivado), café
(introduzido na colônia no início do século XVIII, contrabandeado da Guiana Francesa),
entre outros produtos (FAUSTO, 1995).

12.1 A cana-de-açúcar

No território brasileiro, o primeiro engenho de cana-de-açúcar foi instalado em 1532,


na capitania de São Vicente, no extremo-sul da colônia. No entanto, a produção de
44
açúcar foi maior nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, atingindo seu apogeu entre
1570 e 1650. Portugal já possuía experiência anterior do cultivo da cana nas ilhas do
Atlântico e, no Nordeste, encontrou condições climáticas e de solo favoráveis ao cultivo
(FAUSTO, 1995). Era um empreendimento dispendioso, que exigia investimentos em
equipamentos e na compra de seres humanos escravizados.

Aqui o colono encontrou terra abundante e propícia, como o massapé nordestino,


imensas florestas que seriam devastadas para fazer lenha, madeira para cabos
de ferramentas, para as prensas e os carros de boi que transportavam a cana da
plantação à moenda. Mas teve também de trazer ou importar valiosíssimos
tachos de cobre, caldeiras, ferro para as ferramentas e moendas, e até mão de
obra especializada — os mestres artesãos do açúcar — para movimentar seus
engenhos. No início, as dificuldades eram enormes (MOURA, 2013, p. 136).

Em poucos anos, o açúcar se transformou no produto mais importante exportado pelo


Brasil, permitindo que a colonização se efetivasse. Segundo Fausto (1995, p. 77), seu
cultivo passou a ser o núcleo da ativação socioeconômica do Nordeste. Assim, se no
século XV o açúcar ainda era visto como remédio ou condimento exótico, “[...] livros de
receitas do século XVI indicam que estava ganhando lugar no consumo da aristocracia
europeia. Logo passaria de um produto de luxo para o que hoje chamaríamos de um bem
de consumo de massa”. Mas não havia somente a produção de açúcar nos engenhos:
“[...] deles saíram os açúcares mascavos e sem refinados, em formas chamadas de pães
de açúcar e as aguardentes de cana — a nossa famosa cachaça” (MOURA, 2013, p.
134) Moura (2013, p. 137) reforça a importância da cachaça como um produto colonial:

[...] alambiques proliferaram ao longo dos séculos coloniais, tanto nos grandes
engenhos quanto nas sesmarias de colonos plantadores de cana. Aqui na
Colônia, juntamente com as farinhas de mandioca e milho, a cachaça passou a
ter uso corrente na alimentação colonial e foi fundamental para abastecer a
escravaria.

Além disso, não se limitou ao consumo interno, transformando-se em moeda de troca


para a compra e venda de africanos escravizados. O açúcar foi responsável pela
formação de uma sociedade agrária, estratificada e patriarcal (MOURA, 2013). A
expressão dessa sociedade era visível nos engenhos, unidades de produção completas
que, em geral, também eram autossuficientes, porque possuíam culturas de subsistência
paralelas às grandes plantações de cana. Um engenho era geralmente formado pela

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casa-grande, habitada pela família proprietária, pela senzala, local destinado aos
escravizados, além dos espaços de trabalho, e poderiam ter capelas e escolas.

O chapéu e o chicote, a rudeza e brutalidade dos senhores de engenho foram


romantizadas durante séculos. Entre a senzala e a casa-grande ficara um hiato
que só os estudos mais recentes vêm preenchendo e anexando à História, com
os devidos matizes sociais e econômicos, a participação de homens livres,
escravos indígenas e africanos, brancos e mestiços, que, com o suor de seu
trabalho, construíram a sociedade brasileira (MOURA, 2013, p. 139).

12.1.1 Os senhores de engenho

Stuart B. Schwartz, em sua obra Segredos internos, dá especial atenção aos


senhores de engenho, considerando-os enquanto classe. Essa importância está,
segundo o autor, no fato desses homens manterem-se “[...] no ápice da hierarquia social,
projetando uma imagem de nobreza, fortuna e poder” (SCHWARTZ, 1998, p. 224). Foi
um grupo que se constituiu historicamente e apresentou diferentes características ao
longo do tempo. Schwartz (1998) descreve a classe dos senhores de engenho como um
grupo que se formou historicamente e manifestou diversas características ao longo do
tempo. Seu surgimento, quando da transição de atividades extrativas para a agricultura,
afirmou sua posição de prestígio decorrente da posse de terra. A maioria desses
senhores era de origem europeia, em grande parte cristãos-novos, que adquiriram seus
engenhos pela posse de bens, por herança, sorte ou casamento. Seu status adquirido
era relativo: a aristocracia do Brasil Colônia formou-se de grupos cujo status, na
sociedade portuguesa, eram inferiores. Porém, em princípios do século XVII, essa classe
encontrava-se solidificada a ponto de os senhores reivindicarem para si, “[...] o status de
nobreza e o direito de exercer o poder localmente” (SCHWARTZ, 1998, p. 226).
Como categoria, manteve certa homogeneidade durante um longo período, mas aos
poucos foi agregando novos elementos, constituindo uma elite diversa. Sua constituição
enquanto classe foi feita segundo a diferenciação do resto da população, e o
reconhecimento de uma semelhança entre seus iguais. Para Schwartz (1998, p. 231),
“[...] a legitimação da posição de nobre implicava desvinculação de qualquer estigma de
heterodoxia religiosa, origens em ofícios mecânicos ou ligação com as ‘raças infectas’
dos mouros, judeus ou mulatos”. Assim, conseguiam se isolar de qualquer estigma e

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assegurar sua posição de nobreza colonial. Ainda segundo Schwartz (1998, p. 234), “[...]
os senhores de engenho compuseram inquestionavelmente o seguimento mais poderoso
da sociedade baiana”. A insegurança decorrente dessa nobreza relativa — já que não
possuíam tal título frente à metrópole — fazia com que esses homens recorressem a
funções, atos e modos de vida que legitimassem, em relação ao resto da sociedade
colonial, sua posição social e seu status mediante seu modo de vista, a relação entre a
família e a propriedade e a difusão de ideais patriarcais, sendo a família sinônimo de casa
e linhagem, como continuação de seu legado.

12.1.2 Extrativismo açucareiro

Para se transformar em uma atividade lucrativa, a cana deveria ser plantada em


grandes extensões de terra, o que resultou na formação de grandes propriedades,
chamadas latifúndios, principalmente na região nordeste. Nesse contexto, os senhores
de engenho configuraram-se como a classe dominante da economia açucareira. Assim,
podemos afirmar que o cultivo da cana-de-açúcar era realizado majoritariamente em
latifúndios, por meio da monocultura, utilizando-se predominantemente a mão de obra
escravizada, voltada para o mercado externo. O Brasil Colônia produzia o açúcar,
Portugal o transportava e o refino e o comércio eram realizados pelos Países Baixos.
Estima-se que no final do século XVII houvesse 528 engenhos na colônia.

Os engenhos se espalharam pela Colônia desde o Nordeste do século XVI, área


de concentração original, à capitania do Espírito Santo e à capitania real do Rio
de Janeiro no século XVII, atingindo o sul da capitania das Minas do século XVIII
— no presente, a produção maior se concentra no estado de São Paulo (MOURA,
2013, p. 134).

Em relação à mão de obra, Moura (2013, p. 135) nos chama a atenção para o
destaque recebido pela escravidão africana nas produções historiográficas, com menos
ênfase para a escravidão indígena, que também foi um elemento bastante importante no
desenvolvimento da economia colonial:

Nesse processo, a presença africana é muito mais conhecida e difundida do que


a escravidão indígena. Numerosas pesquisas e publicações sobre o assunto
tratam da complexidade das formas de apresamento na África, do tráfico
atlântico, de seus mercados no Brasil e de sua redistribuição para as áreas
47
coloniais. Mas, ao longo do século XVI e início do XVII, foi a escravaria dos
‘negros da terra’ (indígenas) que sustentou a implementação e a expansão
contínua dos engenhos e canaviais. O processo de colonização produtiva iniciou-
se com a utilização da mão de obra indígena. As diversas formas de contato entre
colonizadores e as diferentes culturas indígenas variaram das alianças às
guerras de extermínio. [...] Concomitante a esse tipo de ação, tínhamos também
a ‘guerra justa’. Eram as que se davam, no dizer de teólogos que justificavam a
dominação colonial, quando as populações indígenas resistiam ao poder
colonizador ou à cultura cristã.

O cultivo da cana-de-açúcar foi responsável pelo aumento na entrada de escravos


africanos na colônia brasileira, os quais foram direcionados ao trabalho nos canaviais,
mas também a outros postos de trabalho. O tráfico negreiro constituiu-se numa
mercadoria altamente lucrativa dentro da lógica do mercantilismo, já que Portugal tinha
o monopólio de venda de escravos para a colônia. O monopólio da coroa portuguesa
sobre a produção de açúcar gerava lucros à coroa e aos senhores de engenho, mas essa
exclusividade de produção foi rompida quando os holandeses passaram a produzir
açúcar em seus domínios ultramarinos nas Antilhas. De acordo com Boris Fausto (1995,
p. 82):

Na década de 1630, surgiu a concorrência. Nas pequenas ilhas das Antilhas, a


Inglaterra, a França e a Holanda iniciaram o plantio em grande escala,
provocando uma série de efeitos negativos na economia açucareira do Nordeste.
A formação de preços fugiu ainda mais das mãos dos comerciantes portugueses
e dos produtores coloniais no Brasil. A produção antilhana, também com base no
trabalho de escravos, gerou uma elevação do preço destes e incentivou a
concorrência de holandeses, ingleses e franceses no comércio negreiro da costa
africana.

12.2 A pecuária

De acordo com Fausto (1995), a criação de gado começou na América na


proximidade dos engenhos; porém, com a necessidade de ampliação da área de cultivo
de cana-de-açúcar, os criadores e seus rebanhos foram se deslocando para o interior.
Um relato de Gabriel Soares de Souza, de 1587, afirma que foi Ana Pimentel, esposa de
Martim Afonso de Souza, donatário da capitania de São Vicente e Governador Geral de
1542 a 1545, quem importou os primeiros exemplares de bois. Além disso, esse animal
foi introduzido no sul da colônia pelos jesuítas para servir de alimento. Os franceses
também trouxeram gado nas invasões ocorridas no Nordeste (DEL PRIORE, 2010). Além

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da carne, eram utilizados o couro e o sebo do animal, assim como sua força de tração
para o funcionamento dos engenhos. “Em 1701, a administração portuguesa proibiu a
criação em uma faixa de 80 quilômetros da costa para o interior” (FAUSTO, 1995, p. 84),
o que transformou os pecuaristas em desbravadores do “sertão”, como era chamado o
território do interior, e em povoadores, alcançando os atuais territórios do Piauí,
Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, e dominando a região dos rios São
Francisco, Tocantins e Araguaia. Mais do que o litoral, foram essas regiões que se
caracterizaram por imensos latifúndios, onde o gato de espalhava a perder de vista.
“No fim do século XVII, existiram propriedades no sertão baiano maiores do que
Portugal, e um grande fazendeiro chegava a possuir mais de 1 milhão de hectares”
(FAUSTO, 1995, p. 84). As fazendas de gado desenvolviam agricultura de subsistência
e eram dominadas por famílias ligadas à elite dos senhores de engenho do litoral. “Por
seu afastamento dos centros do governo real, os fazendeiros de gado detinham um poder
mais irrestrito do que os senhores de engenho” (PIASSINI, 2013, documento on-line). Na
lida com o gado, foi utilizada a mão de obra indígena, africana escravizada e de
trabalhadores livres.
Os relatos em relação à qualidade da carne, no entanto, desaprovavam o produto:

[...] as péssimas condições de criação, assim como as piores situações a que o


gado era submetido nos longos trajetos percorridos, contribuíam para que o
consumidor final encontrasse uma carne fresca magra e dura, já quase
apodrecida. Secar a carne ao ar e ao sol em finas mantas, ação facilitada também
pela falta de umidade natural do sertão, fazia com que ela se prestasse mais ao
consumo ou mesmo ao armazenamento. [...] A carne-seca se firmava como um
excelente alimento adaptado ao clima e à necessidade de mantimentos, numa
terra ainda precária em comércio e em excedente de produtos básicos (SILVA,
2013, p. 282–283).

Contudo, houve a criação de gado em outros espaços do território português na


América. Ao sul da colônia, houve uma dispersão de rebanhos após a destruição de
Buenos Aires por ataques indígenas em meados do século XVI, ocasionando uma
migração desses animais para os territórios que hoje compreendem os estados do sul do
Brasil e Mato Grosso. Esse gado “selvagem”, juntamente com a migração interna na
colônia de pecuaristas e tropeiros, era utilizado para a produção de charque, um tipo de
carne salgada (para sua melhor conservação), que era utilizada como base da

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alimentação da população local, sendo que sua distribuição chegava à região das minas
de ouro no Sudeste do Brasil.

13 A ESCRAVIDÃO INDÍGENA NA AMÉRICA PORTUGUESA

Até pouco tempo, a escravização de indígenas na América portuguesa era relatada


de modo quase hegemônico, tendo como foco o início do processo de colonização e
expansão dos europeus na América e assentando seu término na incapacidade do
indígena em se adaptar aos modos de trabalho exigidos pelos colonizadores, quando sua
mão de obra foi substituída pelos africanos escravizados. Contudo, novas abordagens
historiográficas vêm procurando desconstruir essa narrativa demasiado simplista, que
não abarca toda a complexidade do contato, da expansão e das relações estabelecidas
entre europeus e as populações nativas da América. A primeira forma de exploração do
trabalho indígena se deu pelo escambo. Em troca de sua mão de obra na extração e
transporte do pau-brasil, os indígenas recebiam dos portugueses uma série de
quinquilharias europeias, pelas quais tinham apreço em função de seu desconhecimento.
Além disso: os índios supriam igualmente em alimentos a pequena população europeia
residente, com a qual tratavam de estabelecer laços cerimoniais e alianças envolvendo
não só trocas de bens como, também, a concessão de esposas indígenas aos brancos
(CARDOSO, 1990).
Contudo, com o início do processo de colonização e expansão dos europeus na
América e a complexificação das atividades econômicas, foi necessário estabelecer
novas formas de exploração do trabalho, e a escravidão foi uma delas. “A partir de 1532,
com o início da colonização efetiva e da economia do açúcar, as exigências de alimentos
para a produção europeia crescente, e de mão de obra para os engenhos, mudaram com
rapidez o caráter das relações com os autóctones” (CARDOSO, 1990, p. 102). Assim, foi
aprovada uma série de medidas para o tratamento dos indígenas, que podemos chamar
de “legislação indigenista”. Segundo Ramos (2004, p. 244), essas medidas se referem
“[...] ao conjunto de leis, alvarás, cartas régias, avisos que regularam a atuação colonial
em relação às populações indígenas, sabendo que estas compunham, na maioria das
vezes, um projeto de ocupação e administração do Estado”.
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As primeiras regulamentações sobre a utilização da mão de obra indígena datam de
março de 1570 (RAMOS, 2004) e abordam diferentes métodos para a obtenção de
indígenas escravizados. Uma das formas de aprisionamento foi a utilização, em proveito
dos colonos, dos conflitos intertribais,

[...] com a finalidade de se obter escravos originalmente prisioneiros de guerra,


inicialmente com amparo legal, sob o argumento das expedições de resgate de
tornar o preso livre das ameaças da antropofagia, desenvolvendo-se
posteriormente para troca ou compra (RAMOS, 2004, p. 244).

As táticas utilizadas pelos europeus, portanto, aproveitavam-se de práticas culturais


dos indígenas, revestindo-as de um ideal salvacionista. Os indígenas também eram
capturados em expedições realizadas pelos bandeirantes no sertão (interior) da colônia.
Essas expedições de apresamento começaram a ser realizadas no século XVI e
seguiram ocorrendo até o século XVIII (MONTEIRO, 2013). É importante ressaltar que a
legislação indigenista estabelecia uma distinção entre os nativos, que permitia uma
diferenciação e uma legitimidade em relação às práticas coloniais:

[...] um, direcionado para as sociedades indígenas consideradas aliadas,


favorecendo a incorporação como mão de obra através dos aldeamentos
formados a partir dos descimentos liderados pelos missionários. O segundo,
dirigido aos ‘índios bravos’, os quais se combatia numa estratégia de guerra
colonial, permitindo-se a escravização (RAMOS, 2004, p. 246).

Em certo momento do processo colonizador e de expansão europeia, a legislação


indigenista passou a evidenciar as contradições e oscilações da coroa portuguesa, que
procurava atender os interesses conflitantes dos colonos escravocratas, bem como as
reivindicações dos jesuítas.

Chocaram-se os missionários, apoiados pelo Estado português, que pretendiam


converter os índios ao catolicismo, ‘pacificá-los’ e torná-los disponíveis como
trabalhadores eventuais assalariados, e os colonos, cuja urgente necessidade de
braços levava a expedições de escravização — diretas, ou lançando uns grupos
indígenas contra outros e em seguida negociando com os vencedores os cativos
de guerra (CARDOSO, 1990, p. 102).

Além disso, em certo momento, a escravidão dos indígenas se tornou um problema


moral. Nos séculos XVI e XVII, a mentalidade ibérica era totalmente norteada pela
tradição cristã, e, nesse contexto, os diferentes pesos e medidas usados para julgar a

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escravização de negros e indígenas não eram interpretados como um questionamento
da escravidão em si. “Esse era primordialmente um problema de ordem jurídica e política,
na medida em que os índios eram considerados súditos das monarquias europeias”
(FREITAS, 2011, p. 2652). A escravidão indígena foi extinta com as reformas pombalinas
na segunda metade do século XVIII, estabelecendo que as relações entre colonos e
indígenas em termos de mão de obra se daria mediante o trabalho livre. O historiador
Ciro Flamarion Cardoso chama a atenção para a longa duração do processo de extinção
da escravidão indígena: “[...] embora a escravização dos índios tenha sido banida por
numerosas leis desde 1570, não cessou jamais de todo no período colonial, só perdendo
importância, nas regiões coloniais periféricas, em meados do século XVIII” (CARDOSO,
1990, p. 103).
Como mencionado anteriormente, o término da escravidão indígena foi atribuído ao
“caráter” do indígena e a substituição de sua mão de obra pela dos africanos
escravizados. Entretanto, esse processo foi muito mais complexo, havendo coexistência
na utilização do trabalho compulsório africano e indígena, além de envolver outras
questões que extrapolavam os julgamentos de caráter. Segundo Freitas (2011, p. 2652),

[...] dentro do arrazoado da época, a diferença de opinião sobre a legitimidade da


escravização de africanos e índios não estava relacionada com a cor da pele,
com o desenvolvimento cultural ou com o fato de eles serem ou não idólatras. A
questão residia na condição político-jurídica que era bem diferente entre os índios
e os africanos. Os últimos provinham de terras que a coroa portuguesa não tinha
nenhum compromisso político. Não era responsabilidade dos reis averiguar se os
escravos eram bárbaros ou prisioneiros de guerra justa. A coroa não requeria o
dominium sobre as terras africanas e apenas feitorizava a costa do continente.
Já os americanos eram vassalos das coroas ibéricas e, portanto, sua
escravização não era simples de ser justificada.

Segundo John Monteiro, um dos principais empecilhos para que houvesse um


florescimento pleno de um sistema escravista baseado na mão de obra indígena foram
os jesuítas, que foram vistos como competidores pelos bandeirantes, porque levavam os
indígenas para os aldeamentos:

[...] eles pressionaram a Coroa para proibir o cativeiro injusto dos índios. A “Lei
sobre a Liberdade dos Gentios”, de 1570, estabeleceu um dos fundamentos da
política indigenista portuguesa, declarando livres todos os índios, salvo aqueles
sujeitos à “Guerra Justa” — grupos inimigos que apresentavam alguma
resistência armada (MONTEIRO, 2013, p. 29).

52
13.1 Os confrontos culturais entre indígenas e portugueses

O escritor uruguaio Eduardo Galeano (2012), em seu livro Os filhos dos dias, afirma
que no ano de 1492 os nativos descobriram que eram índios, descobriram que viviam na
América, descobriram que estavam nus, descobriram que existia o pecado, descobriam
que deviam obediência a um rei e a uma rainha de outro mundo, além de um deus de
outro céu. Essa irônica observação do autor é bastante ilustrativa dos confrontos culturais
existentes entre os europeus e as populações autóctones. No momento do contato,
houve o confronto entre dois mundos distintos, implicando diferentes culturas, práticas
sociais, religiosidades, etc. É importante ressaltar que, diferentemente daquilo que foi
afirmado por uma historiografia que pretendeu denunciar as mazelas da colonização, não
houve somente um processo de aculturação ou extermínio dos indígenas, mas também
processos de negociação e apropriação de referentes europeus por parte dos grupos
nativos em proveito próprio (MONTEIRO, 2001). Nesse sentido, seria importante
abandonar o binarismo “pureza originária” e “contaminação pós-contato”, ressaltando-se
um processo contínuo de inovação cultural a partir da expansão europeia.
Um dos primeiros confrontos culturais entre os portugueses e as populações nativas
foi a redução promovida pelos primeiros à diversidade cultural indígena em apenas dois
grupos: os tupis, que representavam os grupos localizados no litoral, que possuíam
contato com os europeus, e os tapuias, os “desconhecidos”, que não eram conhecidos
pelos portugueses. É importante destacar que os próprios portugueses tinham noção
dessa heterogeneidade e, ainda assim, realizaram essa classificação simplificadora (DEL
PRIORE, 2016). Temos informações sobre a cultura e os hábitos dos povos originários
do território da América portuguesa através dos relatos de missionários e viajantes, que
os descreviam a partir do estabelecimento de contatos. Muitas práticas indígenas
chocavam os europeus, como a antropofagia e a poligamia (DEL PRIORE, 2016). Por
isso, não demorou muito tempo para que os portugueses resolvessem “instruir” os
indígenas. De acordo com Mary Del Priore, “instruir” significava “a substituição de suas
tradições por aquelas dos brancos: batizar os filhos, casar-se na igreja, evitar a bigamia,
andar vestido, aprender a ler, escrever, contar e mesmo cantar” (DEL PRIORE, 2016, p.
64). Esse foi o principal papel dos jesuítas na América.

53
De que forma o contato com os europeus afetou a vida dos indígenas? O historiador
Ciro Flamarion Cardoso nos ajuda a compreender os efeitos adversos do choque cultural:

Desde aproximadamente 1560, os jesuítas trataram de reunir os índios da costa


e proximidades em aldeias, rompendo com os seus padrões culturais de forma
radical. Além disso, a concentração em povoados facilitou a expansão de ondas
epidêmicas, algumas das quais historicamente comprovadas em sua terrível
mortandade. Nas regiões costeiras ou próximas à costa, a luta dos religiosos foi
vã: os próprios catecúmenos das aldeias tornaram-se escravos com frequência,
enquanto expedições (“entradas”) iam ao interior negociar índios que, pelo menos
teoricamente, “resgatavam” da morte em mãos de tribos inimigas — o que
configurava um dos casos de escravização que a lei continuava permitindo
(CARDOSO, 1990, p. 103).

Assim, podemos afirmar que as epidemias, a mortalidade ligada ao trabalho forçado,


a ruptura da economia de subsistência indígena tradicional ou da vida seminômade e o
abandono de práticas culturais (antropofagia, poligamia) afetaram diretamente os
indígenas. Entretanto, o historiador John Monteiro, especialista em história indígena,
chama a atenção para outra possibilidade de compreendermos a interação entre
europeus e indígenas:

Mas há outras leituras possíveis. Cresce, na bibliografia etno-histórica das


Américas, a ideia de que o impacto do contato, da conquista e da história da
expansão europeia não se resume apenas na dizimação de populações e na
destruição de sociedades indígenas. Esse conjunto de choques também produziu
novas sociedades e novos tipos de sociedade (MONTEIRO, 2001, p. 55).

No que diz respeito especificamente ao trabalho indígena, havia diferenças


significativas entre as concepções indígenas e portuguesas sobre o tema. Enquanto os
indígenas preocupavam-se com o cultivo para a subsistência, os portugueses
interessavam-se no cultivo e na produção para fins comerciais, o que implicava em uma
rotina de trabalho estranha à cultura indígena. Por isso, a utilização do trabalho forçado
foi algo a que resistiram e se rebelaram muitas vezes, ou utilizaram as regras de produção
a seu favor. De acordo com Paraíso (1994, p. 185):

A escravidão passa a ser massiva e os aprisionados começam a ser destinados,


na sua quase totalidade, à implantação da efetiva ocupação e colonização do
Brasil, baseadas, preferencialmente, na produção agrário-exportadora
açucareira. E para que tal ocorresse, havia a necessidade de ajustar a mão de
obra a um novo ritmo de trabalho e sua inserção compulsória no novo sistema
produtivo, gerando os primeiros grandes conflitos.

54
A autora afirma que as novas relações de trabalho desestruturaram o sistema
organizacional de diferentes grupos étnicos ao violar a divisão do trabalho das
sociedades indígenas. Assim, enquanto os colonos fomentavam a mão de obra
masculina para as atividades agrícolas, os homens aceitavam realizar apenas tarefas de
derrubadas e queimadas. “As demais atividades, por serem atribuídas às mulheres, eram
rejeitadas, o que não era compreensível ou aceitável pelos colonos” (PARAÍSO, 1994, p.
186). Além disso, houve uma progressiva tomada de consciência quanto à unilateralidade
dos direitos, somente garantido aos portugueses, o que fez com que os indígenas
questionassem as vantagens dos acordos estabelecidos com os europeus. A proibição
do ritual antropofágico, por exemplo, com a entrega dos indígenas capturados à
escravidão, era questionada tanto pelos indígenas vencedores quanto pelos perdedores,
porque aquele ato era considerado de extrema importância em suas culturas (PARAÍSO,
1994). Por fim, outro aspecto que deve ser assinalado no choque cultural dos sistemas
de trabalho indígena e europeu diz respeito à lógica comunitária dos nativos americanos.
Para que não houvesse um total rompimento nesse aspecto, foram criados os
aldeamentos, em que era possível reproduzir parte de sua vida em comunidade.

13.2 As missões jesuíticas na América

Antes de falarmos sobre as missões jesuíticas na América, é importante


conhecermos quem era os jesuítas. Eram membros da ordem religiosa Companhia de
Jesus, de Inácio de Loyola, aprovada em 1540 pelo papa Paulo III. Era uma ordem “[...]
de caráter reformista e militante (soldados de cristo), cuja ética loyolana baseava-se no
‘salvar a alma’” (TORRES, 2007, p. 217). A Companhia de Jesus foi fundada na
conjuntura da Reforma Protestante e do Renascimento, com a renovação da vida
espiritual da Europa Ocidental nas primeiras décadas do século XVI. De acordo com
Sousa e Ferreira Júnior (2012, p. 4):

O pano de fundo das ações dos missionários era a contrarreforma e a


necessidade de combater os protestantes na Europa e na América, tendo em
vista que os huguenotes já travaram combates com os jesuítas no Rio de Janeiro
e Maranhão, e seu princípio de livre exame das escrituras, que transformou a
escola em instrumento da catequese dos reformadores e, consequentemente,
era alvo das preocupações dos jesuítas, o Concílio de Trento, que reafirmava as
55
tradicionais doutrinas católicas e o intento de triunfo do catolicismo sob a
autoridade papal. Daí o caráter marcial dos inacianos.

O historiador Ronaldo Vainfas (2000), no entanto, reforça outro aspecto que vincula
os jesuítas ao movimento da reforma da Igreja Católica, ou Contrarreforma. Estavam eles
imbuídos de um “espírito cruzadista medieval”, e se propuseram a difundir a fé através
do conhecimento e do ensino. Por isso, também atuaram instalando colégios em suas
áreas de atuação. No território português na América, o primeiro grupo de jesuítas,
liderado por Manuel da Nóbrega, chegou em 1549, junto com a comitiva de Tomé de
Souza, o primeiro governador-geral. Aos jesuítas, foi garantido o monopólio das
atividades de conversão dos indígenas, chamados de “gentios”, o que demonstra a
confiança conquistada com a coroa (VAINFAS, 2000).

A tarefa de conversão dos gentios à fé católica colocava desafios inéditos para


os religiosos. Desconhecendo as sociedades nativas, os europeus tinham a
impressão de que os índios viviam “sem Deus, sem lei, sem rei, sem pátria, sem
república, sem razão”. O grande mérito dos jesuítas consistiu na percepção da
humanidade dos nativos da América. Foi ela que os incentivou a desenvolver
procedimentos capazes de atingir a sensibilidade dos nativos, aproximando-os
da cultura cristã, como aliás, fariam logo depois em seus colégios. Essa
estratégia assentava sobre três convicções básicas: a de que os índios eram tão
capazes dos sacramentos quanto os europeus; a de que eram “livres por
natureza”; e a de que tinham um caráter de um “papel branco”, em que poderia
ser impressa a palavra de Deus. Com essas diretrizes, os jesuítas buscaram na
catequese, antes de tudo, a mudança de alguns costumes ameríndios,
incompatíveis com a fé católica — como a poligamia e a antropofagia — e, para
isso, fizeram largo uso da música, da dança, dos autos religiosos e das
procissões (VAINFAS, 2000, p. 327).

Foram duas as formas de atuação dos jesuítas na América: pelo aldeamento dos
indígenas e pela fundação de colégios.

Os colégios inacianos se espalharam por todos os continentes, atravessando os


sete mares. Formavam professores, intelectuais e missionários. Dominaram o
ensino em várias universidades, como a de Coimbra, consolidando a
neoescolástica, com ênfase no estudo filosófico e teológico (VAINFAS, 2013, p.
90).

Os jesuítas também enfrentaram dificuldades para desenvolver seu trabalho em


função dos conflitos com os colonos, que utilizavam os indígenas como mão de obra, na
maior parte das vezes escravizada. Esse conflito, em função do crescente poder temporal

56
dos jesuítas, que, além do controle dos índios possuíam, muitas vezes, o controle do
crédito e a propriedade da terra, iria perdurar por muito tempo:

o contencioso arrasta-se até os anos 1750, quando a Companhia é expulsa do


Reino e das conquistas. De certa forma, esse conflito demonstra a inviabilidade
política dos enclaves americanos baseados no trabalho compulsório indígena e
situados fora do controle metropolitano (ALENCASTRO, 2000, p. 37).

Por isso, os jesuítas criaram as aldeias ou aldeamentos, centros localizados longe


dos núcleos urbanos, para não serem incomodados em sua atividade evangelizadora.
Nessas aldeias, os indígenas realizavam trabalhos agrícolas e artesanais, com
momentos de lazer e de oração.

Não obstante o apoio da Coroa à organização desses aldeamentos — cuja


expressão final foi o Regimento das Missões (1686), que somava à jurisdição
espiritual o privilégio de administrá-los temporalmente — essa política converteu-
se, de um lado, em motivo de tensão permanente com os colonos, sempre ávidos
da mão de obra indígena. De outro lado, ao fixar populações seminômades e
alterar radicalmente seu modo de vista, os aldeamentos desarticulavam as
culturas indígenas, o que foi objeto, posteriormente, de forte crítica historiográfica
(VAINFAS, 2000, p. 327).

Aproveitando-se dos monopólios obtidos com a coroa portuguesa, além da isenção


de impostos e outras vantagens fiscais, a Companhia de Jesus tornou-se uma das
instituições com mais opulência. Recebia doações e administrava seu patrimônio, que
consistia em sesmarias, propriedades urbanas, fazendas de gado, engenhos e africanos
escravizados. Isso transformou-a em um tema conflituoso não somente para a coroa
portuguesa, mas também a espanhola:

Tais tensões chegaram ao paroxismo na década de 1750, devido à resistência


dos jesuítas espanhóis em dar cumprimento ao estipulado no Tratado de Madri,
que previa a devolução a Portugal do território a ocidente do atual estado do Rio
Grande do Sul, e aos crescentes desentendimentos, no vale amazônico, com a
política do governador do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça
Furtado, de converter os nativos em vassalos livres da Coroa e reassumir o
controle temporal sobre as aldeias indígenas, política definida por seu irmão, o
poderoso Marquês de Pombal (VAINFAS, 2000a, p. 328).

Os conflitos originários da atuação da Companhia de Jesus na América foram


sanados com a expulsão dos jesuítas, em 1759, de todos os territórios portugueses e o

57
confisco de seus bens. Posteriormente, França (1764) e Espanha (1767) tomaram
semelhante decisão, até que o papa Clemente XIV, em 1773, extinguiu a ordem.

13.2.1 As missões jesuíticas

As missões ou reduções jesuíticas espalharam-se por diferentes pontos do território


português na América, mas houve duas principais regiões de concentração: foram duas
as principais regiões de estabelecimento das missões ou reduções jesuíticas: ao sul da
colônia, em uma região de constante disputa entre espanhóis e portugueses, que hoje
compreenderia parte do território pertencente a Argentina, Brasil e Paraguai; e na região
amazônica, no território do Pará e do Maranhão, que foram responsáveis por diversos
núcleos de povoamento. O surgimento das missões ou reduções no sul da América
possibilitou o surgimento de uma nova sociedade, com:

[...] uma organização social de caráter comunitário e católico, político-


administrativamente vinculada aos órgãos metropolitanos (Casa de Contratação
e Conselho das Índias), coloniais (Audiências, Vice-Reis, governadores,
autoridades), clericais (superiores da Companhia de Jesus e Igreja de Roma) e
locais (Cabildo); prestando serviços militares, pois os guaranis eram súditos do
Rei (pagando impostos sobre a produção agropecuária e a exportação);
promovendo a produção artística, artesanal e técnica, segundo o imaginário da
sociedade europeia católica (diabo × conversão) (TORRES, 2007, p. 2018).

As missões foram, dessa forma, um exemplo de como a interação entre os indígenas


e os europeus não ocorreu somente mediante a aculturação ou o extermínio,
possibilitando espaços de negociação que originaram novas formações sociais e
possibilitaram a sobrevivência de diversas etnias em um contexto nada favorável para
sua existência.

14 OS POVOS ORIGINÁRIOS DA AMÉRICA PORTUGUESA

Existem diferentes teorias sobre a chegada dos seres humanos ao território


americano, com diferenças quanto às datas (algumas afirmam que a ocupação do
território se iniciou 40 mil anos atrás) e quanto as rotas de entrada (algumas defendem a
passagem pelo Estreito de Bering, outras a migração de povos polinésios, e ainda outras
58
a conjugação de ambas). O território que viria a ser o Brasil teria sido ocupado há 12 mil
anos, e novas pesquisas realizadas na Amazônia apontam registros de sociedades
complexas e sofisticadas do ponto de vista tecnológico, com desenvolvimento de
cerâmicas e uma forte organização social em cacicados (OLIVEIRA; FREIRE, 2006).

As investigações posteriores, se não mantêm um acordo completo, questionam


as antigas hipóteses de povoamento, baseadas na pressuposição de existência
de sociedades pequenas e simples, de caçadores e coletores, caracterizadas por
uma alta mobilidade e o uso de materiais perecíveis, como cestarias (OLIVEIRA;
FREIRE, 2006, p. 21).

Em relação aos povos que ocupavam o território que viria a ser a América
portuguesa, existiam aqueles que ocupavam a região dos Andes e da Amazônia, os
povos da região do Xingu e do cerrado e os povos do litoral. Os indígenas que ocupavam
a região litorânea, majoritariamente tupis-guaranis, possuíam certa homogeneidade
cultural e linguística, e foram os primeiros a estabelecer contatos com os portugueses.

Com base em algumas diferenças em línguas e cultura, podemos distinguir dois


blocos subdividindo o conjunto tupi-guarani: ao sul, os Guarani ocupavam as
bacias do rio Paraná, Paraguai Uruguai e o litoral, desde a Lagoa dos Patos até
Cananéia (SP); ao norte, os Tupinambá dominavam a costa desde Iguapé até,
pelo menos, o Ceará, e os vales dos rios que desaguam no mar. No interior, a
fronteira recairia entre os rios Tietê e Paranapanema (FAUSTO, 2010, p. 69).

Nessa ocupação territorial, estima-se que houvesse cerca de 1.400 povos indígenas,
pertencentes a grandes famílias linguísticas — tupi-guarani, jê, karib, aruák, xirianá,
tucano — e bastante diversos cultural e socialmente (OLIVEIRA; FREIRE, 2006). Estima-
se que, no momento da chegada dos portugueses à América, a população indígena fosse
de 1 a 3 milhões de pessoas.
A seguir, abordaremos mais sobre as características principais da organização dos
povos indígenas. De momento, cabe ressaltar que há entre esses povos uma distribuição
social e de posições, funções, tarefas e responsabilidades que podem ser atribuídas aos
indivíduos ou a grupos dentro do próprio povo. Há grupos responsáveis pela formação
dos pajés e dos xamãs, indivíduos responsáveis pela segurança espiritual e física do
povo; há aqueles que formam os guerreiros, que dominam os conhecimentos sobre a
fabricação de armas e as técnicas de guerra; existem ainda os que se dedicam a formar
os caçadores e os pescadores e a produzir utensílios necessários para o
59
desenvolvimento dessas atividades, como canoas, cerâmicas, etc. (LUCIANO, 2006). Do
ponto de vista da organização social, a ausência de poder autoritário é mais uma
característica importante dessa organização social tradicional. Certas tarefas,
responsabilidades e serviços são do encargo dos caciques, mas eles não têm qualquer
poder soberano sobre o grupo. Nesses povos indígenas, os caciques são mais servidores
do seu povo do que chefes,

[...] uma vez que são responsáveis pelas funções de organizar, articular,
representar e comandar a coletividade, mas sem nenhum poder de decisão, o
qual cabe exclusivamente à totalidade dos indivíduos e dos grupos que
constituem o povo (LUCIANO, 2006, p. 64).

E de que forma podemos conhecer esses indígenas? Carlos Fausto (2010, p. 7) nos
auxilia demonstrando quais são as principais fontes para estudarmos os indígenas antes
do contato:

Para conhecer os índios antes do Brasil, temos que recorrer às evidências


fornecidas pela arqueologia e pela linguística histórica, conhecer as descrições
legadas pelos colonizadores e missionários dos séculos XVI e XVII e estudar as
populações indígenas contemporâneas. [...] Quanto aos escritos dos primeiros
séculos da colonização, além de lacunares, devem ser lidos com cuidado. É
preciso interpretá-los criticamente, pois neles misturam-se os medos e os desejos
dos conquistadores, que buscam descobrir ouro, catequizar os gentios, ocupar a
terra, escravizar os nativos.

A partir dessas informações, é preciso reforçar que a história dos indígenas não se
concentra apenas ao período colonial, nem anteriormente à colonização. Algumas etnias
foram exterminadas devido à superioridade militar e tecnológica dos colonizadores, bem
como pelas doenças que foram trazidas à América pelos europeus, mas isso não significa
que os indígenas tenham sido extintos ou que sua história esteja restrita ao período pré-
colonial e colonial (OLIVEIRA, 2010).

14.1 Diversidade cultural e econômica dos povos indígenas

A diversidade cultural dos povos indígenas está diretamente relacionada às múltiplas


etnias que habitavam o território do que veio a ser a América portuguesa. Se à época da
conquista estimava-se a existência de 1.400 diferentes etnias, hoje possuímos 222 povos

60
étnica e sócio culturalmente diferenciados, que falam 180 línguas distintas (LUCIANO,
2006). Levando esse dado em consideração, será que podemos afirmar que a língua
portuguesa é a única língua falada no Brasil? Cada um dos povos indígenas possui
formas particulares de organização de suas relações econômicas, políticas e sociais, que
refletem suas concepções culturais. Além disso, essa organização pode ser distinta se
pensamos nas dinâmicas internas dos povos ou nas relações que estabelecem com
outros povos com os quais mantêm contato.
Como se organizam socialmente os indígenas? Luciano (2006, p. 43) assim define a
organização social de um povo indígena, lembrando, novamente, que se trata de uma
generalização, e não uma forma universal de sociedade:

Em geral, a base da organização social de um povo indígena é a família extensa,


entendida como uma unidade social articulada em torno de um patriarca ou de
uma matriarca por meio de relações de parentesco ou afinidade política ou
econômica. São denominadas famílias extensas por aglutinarem um número de
pessoas e de famílias muito maior que uma família tradicional europeia. Uma
família extensa indígena geralmente reúne a família do patriarca ou da matriarca,
as famílias dos filhos, dos genros, das noras, dos cunhados e outras famílias afins
que se filiam à grande família por interesses específicos.

Assim como a organização social, a economia e a política dos povos indígenas


também expressam uma concepção de mundo, uma cosmologia organizada a partir de
mitos, ritos e saberes, transmitidos de geração para geração. “As mitologias e os
conhecimentos tradicionais acerca do mundo natural e sobrenatural orientam a vida
social, os casamentos, o uso de extratos vegetais, minerais ou animais na cura de
doenças, além de muitos hábitos cotidianos” (LUCIANO, 2006, p. 43). Quanto à sua
organização política, ela se baseia na organização social, com o estabelecimento de
grupos hierárquicos chamados sibs, fratrias ou tribos:

Fratria ou sib é uma espécie de linhagem social dentro do grupo étnico, que está
relacionada direta ou indiretamente à origem do povo ou à origem do mundo,
quando os grupos humanos receberam as condições e os meios de
sobrevivência. Os sibs ou fratrias são identificados por nomes de animais, de
plantas ou de constelações estelares que, por si só, já indicam a posição de
hierarquia na organização sociopolítica e econômica do povo. Da mesma
maneira, os nomes dados aos indivíduos indígenas estão diretamente
relacionados ao sib ou à fratria a que pertencem, ou seja, à posição hierárquica
que cada indivíduo ocupa dentro do grupo (LUCIANO, 2006, p. 44).

61
Os modos de vida variam de povo para povo e, como dito anteriormente, dependem
as relações que os indígenas estabelecem com o meio natural que os cerca e com o
sobrenatural. Assim, alguns indígenas vivem nas margens dos rios, outros, no interior
das florestas, e há ainda os que habitam as regiões montanhosas. “Alguns deles vivem
em grandes malocas comunitárias, outros habitam aldeias ovais compostas por várias
casas ou pequenas malocas, ou ainda casas separadas e dispersas ao longo dos rios e
das florestas” (LUCIANO, 2006, p. 44). Essa diversidade também é expressa nas práticas
econômicas: alguns povos indígenas praticam a caça, outros a pesca, ou ainda a
agricultura e a coleta de frutas. Às vezes, mais de uma atividade econômica é
desenvolvida ao mesmo tempo. Os indígenas que ocupavam o litoral atlântico da América
do Sul praticavam a agricultura de coivara (em que se derruba a mata nativa, queima-se
o terreno e plantava-se por um determinado período, com rotação de culturas). Além
disso, caçavam e pescavam. “Entre os Guarani, o milho parece ter sido o cultivar de base,
enquanto os Tupinambá enfatizavam a mandioca amarga para produção de farinha.
Excelentes canoeiros, ambos faziam uso intenso dos recursos fluviais e marítimos”
(FAUSTO, 2010, p. 69).
A disponibilidade de recursos para subsistência influencia diretamente as relações
sociais estabelecidas interna e externamente:

Povos que vivem em terras mais extensas e abundantes em recursos naturais


têm a possibilidade de uma vida mais rica, baseada em valores como a
solidariedade, a reciprocidade e a generosidade. Ao passo que os povos que
ocupam terras reduzidas e com recursos naturais escassos vivem conflitos
internos maiores, o que dificulta muitas vezes as práticas tradicionais de
reciprocidade e o espírito comunitário e coletivo (LUCIANO, 2006, p. 45).

De modo similar, as relações de parentesco e as alianças também influenciam na


questão econômica, principalmente na distribuição e no consumo dos produtos obtidos
com as práticas agrícolas, a caça e a pesca.

Quando um caçador consegue uma caça, sua obrigação é distribuí-la em primeiro


lugar entre os membros da sua família extensa e somente satisfeita essa
obrigação é que ele poderá atender a outros membros ou mesmo à comunidade
inteira (LUCIANO, 2006, p. 46).

62
Por isso, as cerimônias, as festas e os rituais tinham uma importância muito grande
para os povos indígenas. Essas celebrações estão diretamente relacionadas às relações
de parentesco e às alianças estabelecidas entre os grupos. Assim, serviam para
comemorar conquistas e vitórias, como uma boa colheita, uma guerra ou o sucesso do
pajé em impedir um castigo dos inimigos. Ser convidado ou não para festas e cerimônias
revela explicitamente quais são as fronteiras de amizade ou inimizade entre grupos ou
povos, segundo uma lógica constante de reciprocidade: “aos amigos, cabe a
reciprocidade da amizade; aos inimigos, a reciprocidade da inimizade e a consequente
vingança” (LUCIANO, 2006, p. 45). Na impossibilidade de abordarmos todas cerimônias,
festas e rituais indígenas, falaremos um pouco mais sobre os rituais antropofágicos, que
tanto chocaram os colonizadores europeus. O pesquisador Carlos Fausto (2010, p. 79)
relata a importância desse ritual para os povos indígenas que o praticavam:

A execução ritual podia tardar vários meses. Nesse intervalo, o cativo vivia na
casa de seu captor, que lhe cedia irmã ou filha como esposa; sua condição só se
alterava às vésperas da execução, quando era reinimizado e submetido a um rito
de captura. Por fim, era morto e devorado. A execução era um momento
privilegiado de articulação das aldeias em nexos sociais maiores e estava ligada
a concepções sobre o prestígio, a reprodução humana e o destino póstumo. [...]
A guerra e o ritual canibal eram dispositivos cruciais na articulação dos conjuntos
multicomunitários tupinambá, ocupando uma posição que, em outros sistemas
nativos, caberia à circulação de bens de prestígio e utilidades.

É preciso lembrar que nem todos os indígenas eram antropofágicos, mas que esse
ritual era extremamente importante para uma série de etnias, tais como os caetés, os
potiguaras, os tamoios, os tupinambás e os tupiniquins. A multiplicidade de povos
indígenas está diretamente relacionada à diversidade cultural dessas nações, o que é
expresso por diferentes relações com a paisagem natural e o sobrenatural, com as
diversas organizações econômicas, políticas e sociais, além de sua cultura material e de
seus hábitos cotidianos.

14.2 Assimilações e confrontos culturais

Como vimos, os indígenas não formavam um grupo coeso, e, portanto, responderam


de formas distintas ao contato com os europeus. Trataremos neste tópico, de forma geral,

63
das consequências culturais e sociais para os povos indígenas da interação com os
colonos portugueses e com os padres jesuítas. Antes de começarmos, é necessário fazer
duas observações: primeiramente, em relação ao que os europeus compreendiam por
“civilização” e por que entendiam que seu objetivo seria “civilizar” os indígenas, o que nos
explicita o etnocentrismo e a lógica racista do colonialismo. Depois, que nem toda a
interação se deu pela aculturação ou extermínio indígena, tendo diversos povos
assimilado características europeias como modificações culturais — lembrando que a
cultura não é algo estático — e como possibilidade de sobrevivência.
“Civilizar” os indígenas, foi visto pelos europeus como uma forma de inseri-los nas
práticas e nos valores compartilhados pelos colonizadores. De acordo com esses
preceitos civilizacionais, havia, portanto, duas formas de compreender a “humanidade”
dos indígenas americanos:

a) Eram seres humanos que estavam degradados, vivendo como selvagens e


canibais, mas possuíam todo o potencial para se tornarem cristãos. [...] b) Eram
seres inferiores, animais que não poderiam se tornar cristãos, mas podiam ser
escravizados ou mortos (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 28).

Assim, é importante pensarmos sobre o conceito de cultura. A “cultura” não é algo


estático e, por isso, expressões como “aculturamento” não fazem sentido para
compreendermos a interação entre os indígenas e os europeus.

Fazem parte de qualquer dinâmica cultural os intercâmbios e as interações com


outras culturas, quando acontecem perdas e ganhos de elementos culturais,
inclusive biológicos, mas que não resultam em perdas das identidades em
interação. Dito de outra forma, não existe cultura estática e pura, ela é sempre o
resultado de interações e trocas de experiências e modos de vida entre indivíduos
e grupos sociais (LUCIANO, 2006, p. 49).

A partir dessa compreensão, é importante destacarmos que os indígenas


empreenderam diferentes formas de resistência à dominação cultural e física dos
colonizadores. Essas resistências poderiam ser explícitas, por meio de confrontos,
guerras, destruição e fugas, ou mais veladas, a partir de estratégias e táticas cotidianas,
além dos deslocamentos pelo território.

A história demográfica dos índios desde 1500 não deve ser compreendida
apenas como uma sucessão de doenças, massacres e violências diversas. A
dispersão populacional [...] possibilitou diversas reações dos povos indígenas ao

64
contato com os colonizadores, entre as quais a promoção de grandes
deslocamentos para escapar à escravidão e às consequências das moléstias
trazidas pelos europeus (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 24).

O importante é que não reduzamos a interação entre indígenas e colonizadores ao


binômio extermínio e mestiçagem, reforçando a criatividade e o dinamismo dos povos
indígenas ao responderem ao contato (OLIVEIRA; FREIRE, 2006).

As razões dos conflitos com os indígenas foram múltiplas, [...] dentre elas, a
violação dos territórios indígenas — com o deslocamento da fronteira agrícola e
demográfica para a implantação da lavoura de cana, engenhos e outras
atividades econômicas — e a instalação de novas formas compulsórias de
relações de trabalho, que violavam a divisão de trabalho, a cultura indígena e sua
liberdade (PARAÍSO, 2011, p. 3).

Assim, confrontos com colonos ocorriam quando estes buscavam escravizar as


populações indígenas como mão de obra, ou mesmo aniquilá-las, a fim de dominar seus
territórios, caso não se submetessem às formas de trabalho impostas. É preciso, no
entanto, ressaltar que não se tratava somente da imposição de uma nova forma de
organização do trabalho, mas, para os indígenas, de uma nova forma de viver a partir de
outra visão de mundo, que contrariava substancialmente as suas formas de organização
e sua liberdade. Muitas vezes, o que percebiam no comportamento dos invasores era:

[...] disputa pelos alimentos, a destruição do ecossistema, a imposição de uma


convivência regida pela hierarquia social e política e os novos padrões
comportamentais e de formas de produção, introdução de doenças
infectocontagiosas e a apropriação das terras, mulheres e das riquezas naturais
(PARAÍSO, 2011, p. 7).

Na imposição do trabalho compulsório indígena, uma das principais modificações


causadas pela escravidão foi não somente a alteração do regime de trabalho
livre/escravizado, mas o desrespeito às divisões de gênero na produção agrícola. Para
os indígenas tupis e tupinambás, cabia às mulheres o cultivo da terra. Assim, os
indígenas homens, ao serem submetidos ao trabalho escravo nos canaviais, fugiam
quando podiam, como forma de resistência (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 39).
Em relação aos padres jesuítas, na tentativa de doutrinar os indígenas na religião
católica, houve um confronto entre o discurso missionário e as figuras e as práticas
empregadas pelos curandeiros e feiticeiros indígenas — os caraíbas, pajés ou xamãs,

65
que estabeleciam a ligação entre o mundo espiritual e o mundo físico. Nas aldeias ou nos
colégios, os indígenas eram influenciados a abandonar certas práticas culturais
abominadas pelos padres dentro de seus valores europeus: a antropofagia, a nudez e a
poligamia. No âmbito da estratégia missionária, intérpretes eram adotados, chamados de
“línguas”. Além disso, os colonos se dedicavam ao aprendizado do idioma indígena,
enquanto promoviam o ensino do evangelho às crianças por meio da escrita e da leitura.
Nos “colégios de meninos”, os curumins eram educados pela música sacra e por práticas
litúrgicas, “utilizando os jesuítas instrumentos pedagógicos como catecismos,
vocabulários e gramáticas elaboradas com o auxílio de intérpretes” (OLIVEIRA; FREIRE,
2006, p. 47).
A nudez, principalmente a nudez feminina, era a algo a ser combatido, em função
dos “maus sentimentos” que despertava nos homens. A vestimenta foi um tema de
constante negociação entre os indígenas aldeados e os padres jesuítas, pois, se
houvesse uma exigência no uso de roupas, corria-se o risco de os indígenas fugirem ou
se revoltarem. Em relação à dominação cultural e religiosa, os indígenas muitas vezes
resistiam negando o aprendizado, abandonando os aldeamentos e retornando para seus
territórios originais. Seu maior problema não era com o cristianismo, “mas a dificuldade
em abandonar seus costumes mágicos e religiosos, regras de parentesco (poligamia e
outros)” (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 47).

15 REVOLUÇÃO LIBERAL DO PORTO

Em 1815, com a derrota final de Napoleão, desaparecera o motivo que justificara a


vinda e a permanência da corte portuguesa em sua colônia americana. A lei de 16 de
dezembro de 1815, assinada por D. João, efetivou a elevação do Brasil à categoria de
Reino Unido a Portugal e Algarves. O novo status de reino unido do Brasil foi celebrado
por parte da população colonial, especialmente por pessoas que viviam no Rio de Janeiro
e se beneficiavam do surto de progresso iniciado na cidade, desde que esta se tornara
sede do Império Português. Quando a família real chegou ao Rio de Janeiro em 1808, a
cidade era suja, com vielas estreitas e sofria com as enchentes em épocas de chuva.
Para receber a família real, a cidade foi aos poucos se modificando.
66
A população que vegetava em 1808 crescera de 60.000 para 150.000. Dispunha
de mais 600 casas, 150 chácaras, o bairro da Cidade Nova (no caminho de São
Cristóvão, sobre o Mangue aterrado), chalés em Botafogo e no Rio Comprido,
diversos palácios, ou palacetes, e sobretudo o Teatro São João, depois São
Pedro, inaugurado em 1813 [...] e que iria realmente ser o palco central dos
sucessos da independência (HOLANDA, 2010, p. 174).

Em outras regiões, porém, o entusiasmo foi bem menor, pois muitos se mostravam
insatisfeitos com o aumento geral dos impostos decretado pelo governo para cobrir os
gastos com a manutenção da corte, as obras públicas na capital, o exército e as
campanhas militares. O descontentamento contribuiu para alimentar o desejo de romper
com Portugal, ideia inspirada nos exemplos dos Estados Unidos da América e dos recém-
criados países latino-americanos, que haviam lutado contra suas metrópoles para ser
independentes. Foi o que aconteceu na Revolução Pernambucana de 1817, que por dois
meses manteve uma república no Nordeste. Segundo Cardoso (2016, p. 107), “A
Revolução Pernambucana teve algumas repercussões nas capitanias vizinhas, mas foi
reprimida em 1818, sendo executados vários implicados e condenados outros a penas
de prisão”.
Após o Brasil ter sido elevado à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves, a
cidade do Rio de Janeiro vivenciou o funeral da rainha Maria I em março de 1816, o
casamento do futuro imperador do Brasil, D. Pedro I, com a arquiduquesa da Áustria,
Maria Leopoldina, em novembro de 1817 e a aclamação de D. João como rei em fevereiro
de 1818, com o título de D. João VI. Aos poucos, o povo do Rio de Janeiro “[...] ia tomando
consciência do seu papel de centro político da nação” (HOLANDA, 2010, p. 174). A
população do Brasil nesse período continuava, no entanto, estruturada como uma
sociedade colonial. “Em 1818, de seus 3.817.900 habitantes, 1.887.900 eram livres
(sendo 1.043.00 brancos, 585.000 negros e mestiços e 259.400 índios) e 1.930.000
escravos” (CARDOSO, 2016, p. 107). Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, a
população portuguesa se mostrava cada vez mais descontente com a permanência de
D. João e da família real no Brasil, sobretudo depois da elevação da colônia à categoria
de reino unido; “sentiam-se desprezados” segundo o historiador Guilherme Frota (2000,
p. 243). Desde a derrota dos franceses, era esperado o retorno da família real a Portugal,
mas tudo indicava que isso não ocorreria tão cedo. Enquanto D. João e sua comitiva
desfrutavam de privilégios no Rio de Janeiro, os portugueses que tinham ficado em
67
Portugal reclamavam do absolutismo, da perda do monopólio do comércio brasileiro e da
ocupação militar inglesa. Em 1816, após a morte da rainha D. Maria I, D. João foi coroado
monarca no Brasil, enquanto Portugal permanecia sob controle de autoridades britânicas.
Apesar dos protestos em várias partes do território português, a sede do governo
permaneceu no Brasil até que, em 1820, iniciou-se em Portugal a Revolução Liberal do
Porto, ou Vintismo, um movimento de contestação à situação vivida pelos portugueses
desde a transferência da corte para o Brasil.

Os revolucionários procuravam enfrentar um momento de profunda crise na vida


portuguesa. Crise política, causada pela ausência do rei e dos órgãos do
governo; crise econômica, resultante em parte da liberdade de comércio de que
se beneficiava o Brasil; crise militar, consequência da presença de oficiais
ingleses nos altos postos do exército e da preterição de oficiais portugueses nas
promoções. Basta lembrar que, na ausência de D. João, Portugal foi governado
por um conselho de regência presidido pelo marechal inglês [William] Beresford.
Depois da guerra, Beresford se tornou o comandante do Exército português
(FAUSTO, 2004, p. 129–130, acréscimo nosso).

A ação teve início na cidade do Porto, em 24 de agosto de 1820, onde a burguesia


mercantil estava descontente com a monarquia, porque seus negócios tinham sido
prejudicados pela abertura do comércio colonial à Inglaterra. O movimento foi se
espalhando para outras cidades até chegar a Lisboa. Cerca de 40 dias depois, a notícia
da revolução chegou ao Brasil. No dia 9 de novembro de 1820, a Gazeta do Rio de
Janeiro, em edição extraordinária, trazia as informações sobre o que havia acontecido na
cidade do Porto. A nota publicada na Gazeta do Rio de Janeiro fora escrita por um grupo
de nobres de Lisboa no dia 29 de agosto de 1820.

O Espírito de inquietação, e o desatinado desvario, que tem attacado o meio dia


da Europa, desgraçadamente soprou sobre huma das mais bellas cidade de
Portugal, e corrompendo animos ambiciosos, e indiscretamente amigos da
novidade, causou tumultos ephemeros, que a prudencia do Governo se apressou
a atalhar e a extinguir. [...] Portuguezes! O horrendo crime de rebellião contra o
poder, e Authoridade legítima do nosso Augusto Soberano, EL-REI Nosso
Senhor, acaba de ser commetido na Cidade do Porto. Alguns poucos indivíduos
mal-intencionados, allucinando os Chefes dos Corpos da Tropa daquella Cidade,
poderão desgraçadamente influí-los para que cobrindo-se de opprobrio,
quebrassem no dia 24 do corrente o juramento de fidelidade ao seu REI, e às
suas bandeiras, e se atrevessem a constituir, por sua própria Authoridade,
naquella Cidade hum Governo, a que dão o titulo de Governo Supremo do Reino
[em todas as citações de documentos históricos a grafia original será mantida]
(GAZETA..., c2019, documento on-line, acréscimo nosso).

68
A Revolução Liberal do Porto estava sintonizada com outros movimentos de
inspiração liberal organizados na Europa a partir de 1820 para combater o ressurgimento
de governos absolutistas. Os liberais admitiam o regime monárquico desde que os reis
respeitassem as liberdades individuais e aceitassem governar sob uma constituição. A
revolução adotou um “[...] caráter constitucionalista que exigia, entre outras medidas, a
convocação de cortes, o que de certa forma punha em xeque a monarquia absoluta”
(CABRAL, 2006, documento on-line). Por isso, os integrantes do movimento pretendiam
implantar em Portugal uma monarquia constitucional, a exemplo do que já vinha
ocorrendo em outros países. Além disso, exigiam que a corte e o rei voltassem
imediatamente à Europa e que Lisboa fosse restaurada como sede do governo.
Durante a revolta, foi destituída a Junta de governo chefiada por Beresford, que
governava Portugal desde a derrota dos franceses. Em seu lugar, assumiu uma junta
provisória e foram convocadas as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação
Portuguesa para elaborar uma constituição para o país.

Eleitas em finais de 1820 e até março de 1821, as primeiras Cortes liberais


compunham-se de 181 representantes, sendo 100 por Portugal, 65 pelo Brasil e
16 pelas demais províncias ultramarinas. Cada província brasileira estava
representada consoante a sua população. Até outubro de 1821 pôde ser mantida
a boa harmonia entre as novas Cortes e o Brasil (MARQUES, 1995, p. 426).

Da reunião das cortes portuguesas participaram representantes do Brasil e de outros


territórios dominados por Portugal. Porém, como eram minoria, eles não conseguiram
evitar que fossem adotadas diversas medidas com o objetivo de recolonizar o Brasil. A
nobreza portuguesa, ou uma parte dela que havia retornado a Portugal depois da derrota
de Napoleão, defendia que “Portugal tinha se tornado ‘colônia de uma colônia’ e queria
que a antiga posição de Portugal em relação ao Brasil fosse reconquistada” (GOMES,
2018, p. 25–26). A burguesia portuguesa, representada nas Cortes de Lisboa, mostrou-
se defensora do mercantilismo ao manifestar a intenção de recolonizar o Brasil. Seu
interesse era anular a abertura dos portos, decretada desde 1808, a fim de restabelecer
o monopólio português sobre o comércio brasileiro.

[D]ominadas pela burguesia portuguesa, que via na autonomia do Brasil como


reino a perda de enormes proventos no comércio e na indústria, as Cortes cedo
adotaram uma política tendente a anular os privilégios concedidos por D. João VI

69
e a devolver ao Brasil a condição de colônia, se não de direito, ao menos de fato
(MARQUES, 1995, p. 426, acréscimo nosso).

No Brasil, as opiniões sobre as relações com Portugal se dividiram. Muitos


portugueses que aqui viviam — grandes comerciantes, burocratas e militares —
apoiavam a política recolonizadora das Cortes de Lisboa. Esse grupo ficou conhecido
como “facção” ou Partido Português (FAUSTO, 2004, p. 130). Entre os brasileiros,
prevaleceu o anseio pela consolidação da independência. No entanto, havia propostas
diferentes quanto à situação social e econômica a ser implantada no Brasil. Para a elite
— composta de proprietários de terras e escravizados, comerciantes brasileiros e
estrangeiros e altos funcionários públicos (alguns deles portugueses) — interessava
manter a escravidão, o latifúndio monocultor, a produção de gêneros agrícolas
destinados à exportação. Por outro lado, jornalistas, médicos, professores, padres,
pequenos comerciantes locais — em geral brasileiros — defendiam que a independência
viesse acompanhada do fim da escravidão, do estabelecimento de um governo
democrático e da autonomia para as províncias. Esses grupos formavam o “Partido
Brasileiro”, “[...] entre aspas, porque com essa expressão se designa não propriamente
um partido, mesmo de organização frouxa, como seria característico dos partidos
brasileiros, mas uma corrente de opinião” (FAUSTO, 2004, p. 131).
Diante das circunstâncias, para conservar seu poder D. João VI não teve alternativa
senão decidir voltar para Portugal e entender-se com seu povo revoltado. “Finalmente,
D. João VI preparou-se para voltar. O Decreto de 7 de março [de 1821] anunciava essa
resolução e incumbia o Príncipe D. Pedro da Regência do Brasil” (FROTA, 2000, p. 244,
acréscimo nosso). O embarque estava previsto para o dia 24 de abril, mas antes que ele
acontecesse, a Praça do Comércio, no Rio de Janeiro, foi palco de uma confusão
reprimida com muita violência.

Como se desejasse prestar homenagem à soberania popular, o Governo


convocara os eleitores paroquiais, a fim de que opinassem sobre o programa e
os componentes do novo ministério a ser instalado sob a regência de D. Pedro.
Ocultamente, presume-se havia o intuito de obter uma definição contra a partida
do Rei [...]. [A] ideia de Silvestre Pinheiro era de que a reunião se realizasse em
local mais discreto, o consistório de uma igreja. Com o beneplácito do ouvidor da
comarca, [...] a assembleia [foi transferida] para a Praça do Comércio
(HOLANDA, 2010, p. 181–182, acréscimo nosso).

70
A reunião saiu do controle e muitas pessoas começaram a gritar “aqui governa o
povo!”. A população passou a exigir a permanência de D. João. O povo estava ciente de
que o monarca havia planejado levar consigo “[...] grande quantidade de ouro, raspando
os cofres do Banco” (HOLANDA, 2010, p. 182). Exaltado, o povo exigiu que a bagagem
do rei fosse revistada (FROTA, 2000, p. 244) e afluiu para o Palácio de São Cristóvão,
onde o rei estava e de “[...] onde o Príncipe, cada vez mais impaciente, acabou por
mandar a tropa dissolver o comício” (HOLANDA, 2010, p. 182). Com a autorização de D.
Pedro para o uso da violência, ao menos uma pessoa foi morta. Os autores citados até
aqui divergem quanto à data e à quantidade de mortos no episódio: de acordo com Sérgio
Buarque de Holanda (2010), o episódio aconteceu no dia 21 de abril e uma pessoa
morreu; já para Guilherme de Andrea Frota (2000), o acontecimento se deu no dia 20 de
abril e dele decorreram três mortes. De acordo com a historiadora Vera Lucia Nagib
Bittencourt, a repressão violenta empregada por D. Pedro, fazia parte de uma estratégia
do príncipe regente “[...] para impor sua autoridade, uma vez que era necessário opor-se
a qualquer possibilidade de que D. João VI pudesse evitar sua partida. Logo, D. Pedro
‘queria’ a partida do rei” (2006, p. 51–52), pois a sua liderança estava em processo de
elaboração. Deixar D. Pedro de Alcântara no comando do Brasil era a garantia, para os
brasileiros, de que D. João não concordava com o desejo dos portugueses, que
desejavam restaurar o monopólio de comércio sobre o Brasil. D. Pedro foi declarado
regente do Brasil em 22 de abril de 1821.

16 A ESCRAVIZAÇÃO DOS POVOS AFRICANOS E O TRÁFICO

Para estudarmos a escravização dos povos africanos e a constituição do tráfico, é


preciso que aprendamos um pouco sobre a história da África e da colonização europeia
naquele continente, pois assim conseguiremos entender como aquele se tornou o maior
centro de dispersão populacional do mundo moderno. Antes de mais nada, não resta
dúvida de que havia diferenças significativas entre a cultura portuguesa e a africana,
como nos lembram Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 13):

Entre os africanos, a organização social e econômica girava em torno de vínculos


de parentesco em famílias extensas, da coabitação de vários povos num mesmo
71
território, da exploração tributária de um povo por outro. A vinculação por
parentesco a um grupo era uma das mais recorrentes formas de se definir a
identidade de alguém. Isto quer dizer que o lugar social das pessoas era dado
pelo seu grau de parentesco em relação ao patriarca ou à matriarca da linhagem
familiar. Nessas sociedades, a coesão dependia, em grande parte, da
preservação da memória dos antepassados, da reverência e privilégios
reservados aos mais velhos e da partilha da mesma fé religiosa.

Na África, existia toda uma gama de organizações sociais, abrangendo desde os


impérios do Kongo e do Mali até aldeias reunidas por laços de descendência ou linhagem,
bem como sociedades de agricultores e pastores nômades ou seminômades. Vale
lembrar que a África é um continente vastíssimo — quase duas vezes maior que a
América do Sul, por exemplo —, e, por isso, havia e há uma heterogeneidade de
situações em todo o território. A expansão de reinos, a migração de grupos, as rotas
realizadas pelas caravanas de mercadores, a disputa pelo acesso aos rios e o controle
sobre estradas e rotas podiam levar a conflitos e à subjugação de um povo a outro, cuja
população era muitas vezes submetida à escravidão (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO,
2006).
Dessa forma, é correto afirmar que a escravidão existia como prática no continente
africano antes da expansão e colonização europeia. Contudo, o escravismo e o tráfico
de escravos realizados pelas metrópoles europeias eram bastante diferentes do
praticado pelos africanos, o que poderia ser denominado de “escravidão doméstica”, ou
seja, a utilização da mão de obra de um prisioneiro para a agricultura de subsistência ou
de pequena escala.

Os escravos eram poucos por unidade familiar, mas a posse deles assegurava
poder e prestígio para seus senhores, já que representavam a capacidade de
auto sustentação da linhagem. Não por acaso, nesse tipo de cativeiro se preferia
mulheres e crianças. A fertilidade das mulheres garantia a ampliação do grupo.
Daí que era legítimo as escravas se tornarem concubinas e terem filhos com os
seus senhores. Seguindo a mesma lógica, a incorporação dos escravos na
família se dava de modo gradativo: os filhos de cativos, quando nascidos na casa
do senhor, não podiam ser vendidos e seus descendentes iam, de geração em
geração, perdendo a condição servil e sendo assimilados à linhagem. Assim, o
grupo podia crescer com o nascimento de escravos, fortalecendo as relações de
parentesco e aumentando o número de subordinados ao senhor. A integração
dos cativos também explica a predileção pela escravização de crianças, visto que
elas mais facilmente assimilavam regras e constituíam vínculos com a família do
seu senhor (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 14).

72
A escravização ocorria não somente por conflitos e guerras, mas também como
forma de punição para certas práticas delituosas, como garantia para o pagamento de
dívidas. Havia ainda outras situações de cativeiro relacionadas a estratégias de
sobrevivência frente à fome e à seca:

Certamente estamos falando de um recurso extremo, porque ser escravo


naquelas sociedades tão fortemente estruturadas por laços de parentesco
significava ser exilado, torna-se um estrangeiro, muitas vezes tendo que
professar outra fé, se comunicar em outro idioma, estar alheio às suas tradições.
Sentenciar alguém à escravidão era acima de tudo desenraizá-lo e desonrá-lo
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 15).

Essas práticas de escravidão foram paulatinamente transformadas com a


ocupação pelos árabes do Egito e do norte da África entre o fim do século VII e o século
VIII. A escravidão em pequena escala foi acompanhada do início de uma comercialização
dos escravizados dentro da própria África, para o restante do mundo árabe e,
posteriormente, no tráfico transatlântico (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006).
Assim, por medo da escravidão ou pela rentabilidade dos tratados comerciais,
populações inteiras converteram-se ao islamismo. O Corão, livro sagrado dos islâmicos,
não condenava o cativeiro, ao contrário, estimulava a conversão como a possibilidade de
garantir a liberdade. Os indivíduos escravizados desempenhavam uma série de
atividades no mundo árabe:

[...] concubinas, agricultores, artesãos, funcionários encarregados da burocracia,


domésticas, tecelões, ceramistas. Mas era principalmente como soldados que os
cativos passavam a ser indispensáveis. A conquista de territórios e o domínio de
líderes locais dispostos a interpretar à sua maneira a lei islâmica requeriam mais
e mais soldados (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 18).

Os árabes também comerciavam escravizados provenientes da Índia, da China,


do Sudeste asiático e da Europa Ocidental, mas a África foi o principal fornecedor de mão
de obra cativa. Como vimos, a escravidão foi mudando ao longo do tempo, e, no século
XV, com a presença dos europeus nas costas africanas, a escravização tornou-se uma
prática intercontinental. E não foram apenas os portugueses que comercializaram seres
humanos nos mercados africanos: espanhóis, franceses, ingleses e holandeses também
lucraram muito com o tráfico de africanos escravizados (HARRIS, 2010). Vejamos como
se deu a relação entre Portugal e o continente africano no comércio de cativos.
73
16.1 Portugal, África e o comércio de escravizados

A conquista de Ceuta, importante centro comercial no norte da África, pelos


portugueses em 1415 representa um marco na expansão comercial e marítima europeia.
Em Arguim, parte do Império Jalofo, na região da atual Mauritânia, ao sul do Cabo
Branco, foi construída a primeira feitoria portuguesa na África, em 1445, e foram
estabelecidas as primeiras relações comerciais, mas não foi uma negociação fácil. Os
portugueses desejavam escravos, especiarias e ouro, e, de acordo com Albuquerque e
Fraga Filho (2006, p. 22):

Havia, por exemplo, uma crença entre os africanos de que os europeus eram
ferozes canibais, capazes de devorar a carne negra e guardar o sangue para
tingir tecidos ou preparar vinho. Desconfiados de que os europeus podiam
prejudicar seus negócios, nada lhes foi facilitado. Nenhum chefe político
franqueou-lhes o acesso às zonas auríferas no interior da África, nem os
comerciantes os introduziram nas rotas transaarianas. Mas os europeus
persistiram. [...] A persistência portuguesa foi bem recompensada. Aos poucos,
foram sendo vencidas desconfianças, combinados preços satisfatórios, e foram
crescendo os negócios com os africanos que viviam nas proximidades do rio
Gâmbia, gente do poderoso Império do Mali. Tanto que, por volta de 1460, tinham
com eles boas relações comerciais. Mas o principal objetivo dos portugueses,
que era se apropriar do comércio transaariano, ainda não havia sido alcançado.
Tampouco tiveram acesso às minas de ouro, como sonhavam.

Nas rotas marítimas estabelecidas entre os diferentes entrepostos comerciais


lusos, com a navegação de cabotagem, os portugueses passaram a comerciar escravos,
que possuíam um grande valor como moeda de troca. Essa mudança de perspectiva
afetou diretamente as relações e os modos de vida das sociedades litorâneas africanas.
O comércio com os europeus reforçou o poder de chefes dispostos a guerrear contra
inimigos e fazer cativos. Assim, presença portuguesa transformou as populações
litorâneas, que, até então, não tinham poder econômico e político significativo, A partir
daí a captura de cativos se tornou uma atividade corriqueira (HARRIS, 2006, p. 24).
Assim, os portugueses também ampliaram a construção de feitorias e fortalezas, para
incrementar os negócios e abrigar e proteger as mercadorias comercializadas. A mais
impressionante construção portuguesa na África foi o Castelo de São Jorge da Mina,
erguido em 1482, e que hoje pertence à República de Gana. Porém, a construção do
forte não foi facilitada pelos povos africanos. Os fantes (ou fantis) e os acãs (ou akans),

74
moradores da localidade, dificultaram a realização da construção, do ponto de vista
humano e material. Após oito anos, a construção foi terminada, e era capaz de abrigar
até mil cativos (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006).
Com essa construção, os portugueses atraíram para a região muitos negociantes
profissionais, os mandingas, que compravam dos lusitanos escravos e tudo mais que
pudessem revender aos caravaneiros do deserto. Isso acabou formando uma rede
comercial que gerava material humano aos portugueses, mas que também dava muito
lucros aos comerciantes africanos.

Os europeus levavam sal para uns, arroz, tecidos de lã e panos de algodão para
outros e, em contrapartida, recebiam ouro e escravos, que, por sua vez, eram
trocados por outros produtos, a exemplo da pimenta. Estima-se que, entre 1500
e 1535, os portugueses levaram para o castelo de São Jorge entre 10 e 12 mil
escravos (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 25).

Esses africanos escravizados foram entregues pelos mandingas, mas também


adquiridos no Golfo do Benim, espaço que os portugueses passaram a frequentar no final
do século XV. O reino do Benim localizava-se em uma região florestal e sua capital era
uma grande cidade, com ruas largas e compridas e muitas casas. A expansão desse
reino deveu-se à sua incorporação ao comércio de escravizados nos séculos XVI e XVII.
Os portugueses, na tentativa de estabelecer um monopólio comercial com o rei do Benim,
tentaram convertê-lo ao catolicismo, mas o rei tinha interesse em negociar com outras
metrópoles europeias, que também lhe haviam proposto acordos mercantis, como
franceses, holandeses e ingleses. Por isso, quando falamos sobre a escravidão e o
tráfico, é fundamental que seja abordada a combinação de interesses de africanos e
europeus. De fato, as nações europeias buscaram impor seu controle sobre áreas
produtoras de escravos, mas o tráfico no continente era um negócio complexo, que
dependia da cooperação de uma cadeia extensa de participantes, incluindo chefes locais
e comerciantes africanos especializados (INIKORI, 2010).
Além do incremento das guerras como forma de captura, esse cenário teve como
consequências para o continente africano uma reorganização política geral, com o
apogeu de alguns reinos durante os séculos XVII e XVIII como resultado do tráfico de
escravizados, como os reinos de Daomé, Sadra, Achanti e Oió. Assim como esse último
reino, originado de uma cidade-estado iorubá, outras cidades daomeanas e iorubás
75
dedicaram-se ao comércio de cativos, tanto que a região do Golfo de Benim passou a ser
conhecida como “Costa dos Escravos” (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006). Os
compradores pertenciam às mais diversas nacionalidades. Franceses, holandeses,
ingleses e portugueses, além de traficantes brasileiros, lotavam seus navios negreiros.
Os africanos passaram a ser escravizados, por captura ou por guerra, em regiões cada
vez mais distantes do litoral. Eram levados para os mercados onde aguardavam
compradores, às vezes por meses, e eram trocados por diferentes produtos. As
mercadorias brasileiras que mais interessavam na troca por escravizados eram a
cachaça, a farinha de mandioca e o fumo. Em conflitos internos devido à expansão dos
reinos pelo tráfico, o reino de Daomé subjugou o reino de Oió, escravizando os iorubás
em cativos a partir do final do século XVIII, e transformando-se em um dos reinos mais
poderosos da África. “O tráfico era tão fundamental para o reino de Daomé que em 1750,
1795 e 1805 foram enviados embaixadores daomeanos à Bahia com a incumbência de
firmar acordos de monopólio comercial para o envio de cativos” (ALBUQUERQUE;
FRAGA FILHO, 2006, p. 28). Esse fato evidencia que havia uma demanda tão grande
por africanos escravizados e sua comercialização era tão lucrativa que essas transações
ocorriam também diretamente entre o Brasil e a África, sem a intermediação de Portugal.
Embora isso aumentasse a concorrência, não chegava a ser um problema para
Portugal, que já se dedicava a comercializar escravizados em outras regiões africanas.
Em 1483, o navegador português Diogo Cão já tinha atingido a foz do rio Zaire, no reino
do Kongo, e conhecido sua estrutura econômica, política e social, apresentada pelo
próprio manicongo, o rei. No ano seguinte, o rei português, D. João II, e o manicongo
Nzinga firmaram uma aliança entre os dois reinos:

O rei do Kongo visava apropriar-se dos conhecimentos, técnicas e até hábitos e


costumes europeus que pudessem fortalecer ainda mais o seu reino. O
manicongo, uma de suas esposas e um filho foram batizados numa igreja de
pedra e cal que mandou erguer em 1491. Daquele dia em diante, ao rei do Kongo
foi dado o nome de d. João I, a sua mulher, Leonor, e ao seu filho, Afonso. É
certo que houve quem se negasse a aderir ao catolicismo, dentre eles, um outro
filho do rei, Mpanzu a Kitima, mas este foi vencido por Afonso na disputa pela
sucessão do trono. Vitória facilitada pela ajuda militar portuguesa na forma de
cavalos e armas. Além de propagar o catolicismo, d. Afonso sempre se mostrava
interessado em aproximar o Kongo de Portugal também por meio dos costumes,
língua, ensino e conhecimento tecnológico (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO,
2006, p. 30).

76
Essa relação manteve-se até meados do século XVI, quando cada vez mais os
africanos escravizados foram utilizados como moeda de troca, sem o intermédio da
nobreza ou do rei. A partir daí, disseminaram-se na região guerras com o objetivo
específico de capturar cada vez mais pessoas a serem embarcadas nos navios
portugueses. Novamente, entretanto, os portugueses encontraram resistência nas
tentativas de conquista do interior do continente africano. Chefes políticos, como a rainha
Jinga (ou Nzinga), reagiram ao processo de colonização. Somando-se aos problemas
políticos, havia as doenças, a fome e a sede, os insetos e a frustração de não encontrar
ouro e prata. Essas dificuldades fizeram com que os portugueses se decidissem por não
investir na colonização do continente africano, somente no comércio de escravizados.
Assim, a capital de Angola, Luanda, transformou-se em uma das maiores cidades de
comércio de cativos:

[...] desde fins do século XVI até a primeira metade do século XVIII, foi o maior
fornecedor de escravos para as Américas portuguesa e espanhola. Entre 1575 e
1591 foram embarcados da região de Angola mais de 52 mil africanos para o
Brasil (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 33).

16.2 A economia colonial e a escravidão

A escravidão no Brasil foi muito mais que uma forma de exploração de mão de
obra: estruturou a sociedade brasileira do século XVI ao final do século XIX, e as
consequências do tratamento dado à população africana e afro-brasileira no pós-abolição
geraram consequências sentidas e perceptíveis até os dias de hoje. Estima-se que
durante os mais de 300 anos em que a escravidão esteve vigente na América portuguesa
e no Império do Brasil, mesmo depois de ser declarada ilegal, teriam sido transportados
mais de 4 milhões de homens, mulheres e crianças, sem incluir as pessoas que morreram
durante a captura ou a travessia.

A escravidão foi muito mais do que um sistema econômico. Ela moldou condutas,
definiu desigualdades sociais e raciais, forjou sentimentos, valores e etiquetas de
mando e obediência. A partir dela instituíram-se os lugares que os indivíduos
deveriam ocupar na sociedade, quem mandava e quem devia obedecer. Os
cativos representavam o grupo mais oprimido da sociedade, pois eram
impossibilitados legalmente de firmar contratos, dispor de suas vidas e possuir
bens, testemunhar em processos judiciais contra pessoas livres, escolher
trabalho e empregador (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 66).
77
Os africanos escravizados foram utilizados como mão de obra no processo de
colonização e expansão europeia no Novo Mundo. Desempenharam as mais diversas
funções, e a própria escravidão enquanto instituição se transformou ao longo de seus
mais de três séculos de existência na América. Como o Brasil dependia de grande
suprimento de africanos para atender às necessidades crescentes de uma economia de
mão de obra escassa, a migração transatlântica forçada foi a principal fonte de renovação
da população cativa no Brasil, sobretudo na agricultura de exportação, como cana-de-
açúcar. Para esse contingente humano, o índice de mortalidade infantil era imenso e a
expectativa de vida baixíssima. Para repor os que morriam, bem como os que eram
alforriados ou fugiam para quilombos, havia demanda constante de escravos africanos,
o que se intensificava em épocas de crescimento econômico (DEL PRIORE; VENÂNCIO,
2010). É preciso lembrar os motivos pelos quais o trabalho do africano escravizado foi
preferido em relação aos cativos indígenas:

As epidemias dizimaram grande número dos que trabalhavam nos engenhos ou


que viviam em aldeamentos organizados pelos jesuítas. A fuga dos índios para o
interior do território provocou aumento dos custos de captura e transporte de
cativos até aos engenhos e fazendas do litoral. Além do mais, o apresamento não
atendia ao interesse da Coroa portuguesa de ligar o Brasil ao comércio europeu
e africano. O apresamento de indígenas era uma atividade exclusiva dos colonos,
dele ficava de fora o grande comerciante sediado em Portugal ou aquele que
atuava no tráfico africano. Para completar, nenhuma comunidade indígena se
firmou como fornecedora regular de cativos, o que dificultou a formação de redes
comerciais que pudessem atender à demanda crescente de mão de obra
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 40).

Com a necessidade de mão de obra na América Portuguesa, o tráfico se tornou a


atividade comercial mais lucrativa do Atlântico Sul, ainda que necessitasse de um
considerável investimento. Com o passar do tempo, traficantes radicados em Portugal
foram gradativamente perdendo espaço para traficantes radicados no Brasil.

No século XVIII, o comércio para Benguela e Luanda já era feito diretamente do


Brasil, sem a intermediação exclusiva de comerciantes portugueses. Por isso
mesmo, os traficantes constituíram parte importante dos grupos dominantes da
colônia, ocupando postos políticos estratégicos para a manutenção e ampliação
do comércio de gente” (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 41).

Os traficantes exibiam sua riqueza com grandes e luxuosas propriedades,


participavam de irmandades religiosas (como uma forma de “salvar suas almas”) e

78
ocupavam cargos públicos nas Câmaras Municipais, afinal, eram considerados os
“homens bons”. Ideologicamente, os europeus justificavam e legitimavam o tráfico de
africanos como uma missão evangelizadora. “No século XVIII, o conceito de civilização
complementará a justificativa religiosa do tráfico atlântico ao introduzir a ideia de que se
tratava de uma cruzada contra as supostas barbárie e selvageria africanas”
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 41). No século XVI, a maioria dos africanos
escravizados trazidos para o Brasil provinha da região de Senegal e Gâmbia, chamada
de Guiné pelos portugueses.

Dali os portugueses deportaram membros de vários povos, como os manjacas,


balantas, bijagos, mandigas, jalofos, entre outros. Mas, no decorrer daquele
século até a primeira metade do século XVIII, os chefes políticos e mercadores
do território presentemente ocupado por Angola forneceram a maior parte dos
escravos utilizados em todas as regiões do Brasil. A célebre frase do padre
Antônio Vieira, “quem diz açúcar, diz Brasil, e quem diz Brasil diz Angola”, ilustra
muito bem as ligações da mais rica colônia portuguesa na América com aquela
região da África. Luanda, Benguela e Cabinda eram os principais portos de
embarque (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 44).

Após a longa viagem oceânica, os africanos escravizados eram desembarcados


nos principais portos da América portuguesa — Rio de Janeiro, Salvador, Recife,
Fortaleza, Belém e São Luís —, que, posteriormente, redistribuíam os escravizados pelas
diferentes regiões da colônia. Recife e Salvador acabaram se tornando os principais
polos distribuidores de africanos desembarcados no Brasil no século XVII. A partir dessas
cidades, os africanos seguiam para Maranhão, Pará, Rio Amazonas e Mato Grosso. Com
a descoberta de ouro e diamantes nas Minas Gerais, essa distribuição passou a ser
dominada pela cidade do Rio de Janeiro. O incrível é que, segundo Albuquerque e Fraga
Filho (2006), nessa época muitos escravos eram obrigados a seguir a pé do porto de
Salvador até a região mineira. As lavouras de cana e os engenhos concentravam o maior
número de africanos escravizados. Esse número podia variar conforme o tamanho da
propriedade e com as flutuações do mercado internacional de açúcar, mas girava entre
60 e 80 escravizados. A maior parte do trabalho era dedicada ao cultivo da cana. Esse
trabalho era desempenhado por homens, mulheres e crianças. Além de ajudarem os pais
na lavoura, muitas crianças desempenhavam tarefas na casa dos senhores, além de
caçar animais. As mulheres, inclusive grávidas ou amamentando, também eram

79
obrigadas a trabalhar, principalmente na época da colheita, quando as atividades se
intensificavam:

Com o início da safra, a carga de trabalho aumentava, a labuta era contínua e


por vezes se estendia até à noite. A moenda não podia parar, pois a cana colhida
tinha que ser logo processada para não estragar. Nesse período, a moenda
ficava em funcionamento ininterrupto de 18 a 20 horas. Esse ritmo intenso de
trabalho ia de agosto a maio, quando chegavam as chuvas de inverno,
impossibilitando as atividades nos canaviais. Na moagem, certas tarefas eram
exercidas quase sempre por mulheres. Algumas eram encarregadas de trazer as
canas para serem moídas e outras para recolherem o bagaço. Duas ou três
escravas eram ocupadas em enfiar as canas nas moendas. O serviço na moenda
exigia muito cuidado, pois o mínimo descuido podia custar a perda de uma mão
ou braço esmagado pelos possantes cilindros que prensavam a cana para fazer
o suco (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 72).

As atividades dos africanos escravizados nas lavouras e no engenho eram


acompanhadas por supervisores ou feitores, que, muitas vezes, eram eles próprios
escravizados ou alforriados. Havia uma hierarquia na distribuição de tarefas de forma a
impedir a sabotagem do processo produtivo ou a revolta dos escravizados. Contudo, não
era apenas nos canaviais e engenhos que os escravizados trabalhavam. Havia aqueles
que trabalhavam nas casas dos senhores ou mesmo nas cidades, onde se dedicavam à
chamada “atividade de ganho”, na qual o escravizado realizava trabalhos variados e
dividia com seu senhor parte de sua renda. Com a descoberta de ouro na região de Minas
Gerais, houve um progressivo deslocamento do eixo econômico da colônia dos canaviais
para as minas, da região Nordeste para a região Sudoeste. Isso fez com que o comércio
de africanos escravizados também mudasse. O historiador Boris Fausto (1995, p. 51) nos
dá mais informações sobre essa mudança:

Os traficantes baianos utilizaram-se de uma valiosa moeda de troca no litoral


africano, o fumo produzido no Recôncavo. Estiveram sempre mais ligados à
Costa da Mina, à Guiné e ao Golfo de Benin, nesse último caso após meados de
1770, quando o tráfico da Mina declinou. O Rio de Janeiro recebeu sobretudo
escravos de Angola, superando a Bahia com a descoberta das minas de ouro, o
avanço da economia açucareira e o grande crescimento urbano da capital, a
partir do início do século XIX.

Mary Del Priore e Renato Venâncio (2010, p. 50) também nos lembram de outras
diferenciações importantes na sociedade escravista colonial, em relação aos
escravizados:

80
[...] os escravos distinguiam-se em boçais — como eram chamados os recém-
chegados da África – e ladinos, os já aculturados e que entendiam o português.
Ambos os grupos de estrangeiros opunham-se aos crioulos, aqueles nascidos no
Brasil. Havia distinções entre as nações africanas e, dada a miscigenação, a cor
mais clara da pele era também fator de diferenciação. Aos crioulos e mulatos
reservavam-se as tarefas domésticas, artesanais e de supervisão. Aos africanos,
dava-se o trabalho mais árduo.

Ou seja, a escravidão colonial também passou por transformações ao longo do


tempo, não podendo ser considerada uma instituição estanque no transcurso de seus
mais de 300 anos de duração.

17 O CICLO DO OURO E A BUSCA POR METAIS PRECIOSOS

Parte da motivação de Portugal para a realização das grandes navegações esteve


vinculada à busca de metais preciosos. Essa orientação vinculava-se a teorias
econômicas debatidas na Europa durante a Idade Moderna, que foram chamadas de
práticas mercantilistas, e, dentro dessas práticas, a concepção metalista de riqueza.
Vejamos um pouco mais sobre esse tema. Chamamos de mercantilismo o conjunto de
práticas econômicas como o metalismo, a intervenção estatal na economia e a
manutenção da balança comercial favorável por meio de práticas protecionistas,
desenvolvidas de diferentes formas por alguns estados europeus durante a Idade
Moderna (SILVA; SILVA, 2009). O mercantilismo também está diretamente relacionado
ao colonialismo e à exploração comercial de territórios conquistados no ultramar. Na
concepção metalista, a propriedade de metais preciosos é indicativa da riqueza de um
determinado reino, não somente pela posse em si dos metais preciosos, mas também
pela quantidade de moeda (em metais nobres) acumulada. Nesse sentido, as
concepções metalistas: de autores:

[...] interpretavam a moeda como um meio para obter riqueza em terras e em


títulos, não a riqueza financeira em si. Para a mentalidade capitalista, moeda e
riqueza são sinônimos, mas não para a mentalidade barroca do Antigo Regime.
Essa diferença pode parecer sutil, mas é a distinção entre interpretar as práticas
em seu significado original ou atribuir-lhes significados que elas nunca tiveram, e
estão mais em consonância com nossa realidade atual (SILVA; SILVA, 2009, p.
284).

81
A partir dessa teoria econômica e dessa concepção de riqueza, a coroa
portuguesa orientou a expansão marítimo-comercial, não somente como ampliação de
mercados, mas também como expansão territorial, colonização para cultivo de açúcar e
busca por metais preciosos. Mas e antes da descoberta do ouro na colônia americana,
de onde provinham os metais portugueses? De acordo com Godinho (1953), os
portugueses conseguiam prata para a cunhagem de moedas e realização do comércio
junto à Espanha, fosse mediante a exportação de açúcar, tabaco ou pau-brasil ou pela
triangulação comercial entre Espanha, Holanda e Portugal. Além disso, antes do século
XVIII, o ouro português era obtido da Mina e da Guiné, na África, e de Sofala e Samatra,
na Ásia (GODINHO, 1953). No momento da “descoberta” ou “achamento” do território
americano, havia uma expectativa em relação à descoberta de metais preciosos,
principalmente pelas notícias que chegavam da Espanha e suas descobertas na América
Espanhola. Essa expectativa lusitana fica evidente desde a primeira viagem à América,
como podemos observar na carta de Pero Vaz de Caminha, redigida em 1º de maio de
1500:

Depois andou o Capitão para cima ao longo do rio, que corre sempre chegado à
praia. Ali esperou um velho, que trazia na mão uma pá de almadia. Falava,
enquanto o Capitão esteve com ele, perante nós todos, sem nunca ninguém o
entender, nem ele a nós quantas coisas que lhe demandávamos acerca de ouro,
que nós desejávamos saber se na terra havia. [...] Nela, até agora, não pudemos
saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho
vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como
os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como
os de lá (CAMINHA, 2002, documento on-line).

A ideia de se encontrar facilmente ouro na América era oriunda de imaginários e


mitologias em torno do “El Dorado”, a abundância em ouro no continente. O interesse da
coroa na exploração dos metais preciosos era tão evidente que, mesmo sem conhecer
as reservas presentes no território, sua posse já estava garantida a Portugal desde 1521,
pelas Ordenações Manuelinas, que reservavam à coroa “[...] a posse de todos os veeiros
de ouro ou qualquer outro metal, assegurando ao descobridor o direito à lavra mediante
o pagamento do quinto (a quinta parte dos metais extraídos), salvo de todos os custos”
(TEIXEIRA, 1993, p. 16). Nas expedições lusitanas seguintes, não foi possível aferir a
existência de metais preciosos, e, portanto, a colonização e expansão territorial na

82
América Portuguesa iniciou-se com o escambo e o cultivo da cana e a produção de
açúcar. Contudo, os interesses pelos metais preciosos não arrefeceram e a coroa
portuguesa seguiu investindo na descoberta de jazigos de ouro. Nas expedições
promovidas pelos “paulistas” no final do século XVII, seriam encontrados os primeiros
indícios da existência de ouro na região sudeste da colônia. Posteriormente, confirmou-
se que existiam minas nos atuais estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Essas
descobertas ocorreram em um momento de crise econômica da coroa portuguesa, em
função da perda de entrepostos comerciais na Ásia, do esgotamento do ouro nas feitorias
africanas e dos problemas oriundos da competitividade no mercado de açúcar
internacional.

17.1 As bandeiras e as entradas

A interiorização da colonização portuguesa na América ocorreu por diferentes


motivos: a necessidade de expansão da zona de cultivo da cana e produção de açúcar,
a atividade pecuária, o aprisionamento indígena, e a exploração do território na
prospecção por metais preciosos. De acordo com Resende (2005, documento on-line):

[...] por todo o período colonial, as entradas para os sertões de Minas foram
movidas por este tripé de interesses: a terra (que era concedida como sesmaria
àquele que dela se apossasse), a busca do ouro e das pedras raras (que
estimulava os mais ávidos pela riqueza) e a preagem dos índios (que, a mais das
vezes, se prestava como reduto de mão de obra para a lavra mineral ou agrícola
e, sobretudo, como escravos domésticos, vivendo sob a administração dos
colonos).

Na historiografia, durante muito tempo estabeleceu-se uma diferenciação entre o


movimento de entradas e de bandeiras. Contudo, novas abordagens historiográficas têm
ressaltado que se trata de terminologias sinônimas para o mesmo evento, utilizadas em
momentos e espaços diferentes. Segundo as análises de Lima (2011, p. 16):

[...] apesar do termo “expedição” ser usado como uma referência genérica a todas
as incursões em direção ao interior do Brasil desde o início da sua colonização e
por diferentes partes do território, a sua variação ocorreu de lugar para lugar e de
tempos em tempos [...]. Tamanho, composição, objetivos e responsabilidades
são os fatores que determinaram a nomenclatura destas atividades. A dificuldade
em se conhecer os pormenores de cada expedição, isto é, a sua organização

83
estrutural, definiu assim a própria discordância entre as opiniões correntes na
historiografia brasileira.

A distinção que se estabelecia entre o caráter público ou estatal e o privado ou


particular das bandeiras nem sempre procede, ou seja, devem ser abordadas as práticas
e as funções distintas que passam a ser designadas pelo mesmo nome.

Bandeiras, entradas, conquistas, descobrimentos, jornadas, partidas,


companhias ou campanhas, todos termos que foram tomados uns pelos outros
na Minas do século XVIII. [...] Daí, a bandeira e seus termos correlatos poderiam
ser compostos de variadas formas e funções (RESENDE, 2005, documento on-
line).

Assim, abordaremos entradas e bandeiras em conjunto, assinalando algumas


especificidades ao longo do texto. A “gente de São Paulo” ou os “paulistas” eram pessoas
que participavam de expedições pelo interior da colônia entre os séculos XVI e XVIII. A
denominação “bandeirantes” foi difundida somente a partir do século XVIII (VAINFAS,
2000). As expedições buscavam aprisionar indígenas para suprir a necessidade de mão
de obra na agricultura da capitania de São Vicente.

Com certeza, para a maioria dos paulistas, os índios constituíam a verdadeira


riqueza a ser extraída do interior — o ouro vermelho na feliz expressão de Antônio
Vieira. Curiosamente, a própria coroa tentou, em várias ocasiões, concretizar
esta analogia ao cobrar o quinto real sobre os cativos, imposto este associado à
extração de riquezas minerais (MONTEIRO, 1999, p. 96).

É preciso lembrar que durante o domínio espanhol houve uma interferência no


tráfico transatlântico de escravizados, e a demanda de mão de obra passou a ser suprida,
novamente, pelos cativos indígenas. Além disso, o bandeirantismo também estava
associado à marginalização econômica da capitania de São Vicente, o que obrigou seus
habitantes a buscarem alternativas além da agricultura de exportação. O apresamento
indígena, assim, foi um recurso econômico (VAINFAS, 2000). Essa dinâmica teria sido a
que prevaleceu até aproximadamente 1640, quando houve uma mudança na orientação
geográfica das expedições, devido à necessidade de se buscar um substituto adequado
aos indígenas guaranis capturados anteriormente.

Inicialmente, a despeito da distância envolvida, algumas expedições partiram


para o miolo do continente, na região do Araguaia-Tocantins, conhecido como o
sertão do Paraupava. Os paulistas já tinham conhecimento da região, pois pelo

84
menos duas expedições haviam penetrado nestes sertões nos anos iniciais do
século (MONTEIRO, 1999, p. 79).

Porém, até aquele momento, a principal forma de enriquecimento dos paulistas se


dava pelo aprisionamento dos indígenas e sua venda como escravizados, já que não se
encontravam metais preciosos: “[...] todas as expedições tinham características comuns:
voltavam com muitos cativos e sem nenhuma riqueza mineral” (MONTEIRO, 1999, p. 60).
As bandeiras eram expedições que podiam ser formadas por milhares de homens e que
tinham duração variada, de meses até anos. Estabeleciam ao longo dos trajetos
acampamentos temporários, que lhes permitiam explorar as regiões em busca de cativos
e metais preciosos.

A prática mais comum era obter a concessão, na forma de patente, para montar
a bandeira. Muitos que ousavam fazer entrada sem a permissão oficial eram
presos sem delonga. Afinal, as conquistas significavam ganhos territoriais da
coroa e implicavam a expansão de seus domínios, e, em consonância com as
políticas e interesses dos capitães generais, contaram com recursos e anuência
do Estado. Para os afortunados, concedia-se uma sesmaria como mercê, que
funcionava como benesse e estímulo (RESENDE, 2005, documento on-line).

Vejamos alguns dos principais “paulistas” ou bandeirantes e os resultados de suas


excursões (FAUSTO, 2004):

• Raposo Tavares e Manuel Preto — em 1629, lideram uma expedição com


centenas de participantes. Atacaram aldeamentos jesuíticos na fronteira com o Paraguai,
aprisionando milhares de indígenas. Posteriormente, Raposo Tavares realizou outra
grande bandeira, entre os anos de 1648 e 1651, saindo de São Paulo, chegando ao Peru
e retornando pelo Amazonas até o Pará.
• Fernão Dias Paes — realizou, entre os anos 1674 e 1681, uma expedição pela
região do atual Estado de Minas Gerais, em busca de metais e pedras preciosas.
Juntamente a Raposo Tavares, realizou outra expedição em direção ao sul, rumo às
reduções guaraníticas.
• Bartolomeu Bueno da Silva — conhecido como Anhanguera, realizou expedições
em busca de metais preciosos, alcançando o Rio Vermelho, no sudoeste de Goiás, entre
1680 e 1682.

85
• Domingos Jorge Velho — sua expedição partiu rumo ao Nordeste, durante os
anos 1695 e 1697. Capturou indígenas no Maranhão e em Pernambuco e contribuiu para
o extermínio do Quilombo dos Palmares.

Do ponto de vista da expansão colonial e ocupação territorial, o movimento das


bandeiras permitiu o reconhecimento e a ocupação do “sertão” e o conhecimento de suas
“drogas”, produtos que despertaram interesse comercial e econômico. Nesse momento,
foram alcançadas a região amazônica e o extremo-sul da colônia, adentrando em
território espanhol e alcançando o Rio da Prata. Nas investidas ao sul, objetivava-se
capturar gado. O domínio dessa região, principalmente a Colônia do Sacramento, foi um
dos pontos de confronto mais intenso entre as coroas ibéricas, estendendo-se ao longo
de todo o século XVIII, finalizando apenas em 1777, com a assinatura do Tratado de
Santo Ildefonso, em que a Espanha garantiu a soberania sobre a Colônia do Sacramento
e Portugal a posse sobre o Rio Grande de São Pedro, ampliando suas possessões
coloniais.

17.2 Política e sociedade entre o açúcar e o ouro

Com a descoberta das minas de ouro, houve uma série de transformações na


América Portuguesa, em diferentes âmbitos. Com a mudança do principal produto de
exportação na lógica colonial, houve um progressivo deslocamento do eixo econômico
colonial do Nordeste para o centro-sul da colônia. Esse deslocamento teve seu ápice com
a transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763. Essa situação foi
sintetizada por Del Priori e Venâncio (2010, p. 67) no trecho a seguir:

A Colônia deu as costas ao litoral e começou a se entranhar sertões adentro.


Com a queda do preço do açúcar, Bahia e Pernambuco não eram mais centros
nevrálgicos, embora continuassem funcionando como relevantes eixos
administrativos e sociais do decadente império português. Entre Olinda e Recife
começam a aguçar-se as rivalidades entre a gente da terra e os reinóis. A tensão
eclodiria em 1710 numa guerra civil. [...] Paulistas, sertanejos do rio São
Francisco e densa corrente imigratória vinda da metrópole começavam a ocupar
os ermos sertões. Através de rios e córregos transformados em caminhos,
homens em busca da mítica serra das esmeraldas subiam na direção do
Nordeste, vasculhavam o vale do Amazonas e desciam a margem esquerda do
rio da Prata.

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Em relação ao trabalho na lavoura da cana e o trabalho no engenho, que não se
alteravam do ponto de vista da técnica, a atividade mineradora exigia uma constante
adaptação por parte dos trabalhadores, porque os jazigos não se concentravam em
apenas um local. Era preciso avançar pelos leitos dos rios, pelos vales e por serras em
busca do mineral precioso e atrás de oportunidades e planos de ganhos. Com essa
constante migração de acampamento em acampamento, foi preciso desenvolver novas
técnicas e, sobretudo, relações de trabalho diversificadas, “[...] não redutíveis aos
protagonistas convencionais — senhores e escravos —, e nem ao agenciamento do feitor
ou de um administrador da lavra” (ANDRADE; REZENDE, 2013, p. 387). Também é
importante ressaltar que a região das Minas não se reduziu à exploração de metais e
pedras preciosas. Na capitania de Minas Gerais, produzia-se mandioca, algodão, açúcar,
entre outros gêneros, além da pecuária e da suinocultura (LAMAS, 2008).
Do ponto de vista administrativo e político, também houve transformações
significativas. A coroa portuguesa precisava adaptar seu estilo de administração da
colônia, de forma a controlar a cobrança de tributos e evitar as práticas de contrabando
e sonegação de impostos. Assim, foi criada a Intendência das Minas, órgão responsável
por controlar a atividade mineradora e arrecadar os impostos. A entidade tinha em sua
chefia um superintendente, responsável pela supervisão geral dos trabalhos, bem como
um guarda-mor, que fiscalizava as jazidas. O superintendente era subordinado
diretamente à coroa, e não foram poucos os casos de conflitos entre os interesses locais
e os metropolitanos. Essas figuras e demais funcionários responsáveis pela fiscalização
do cumprimento das leis e a execução a justiça agiam na articulação entre o estabelecido
nos regimentos e o direito consuetudinário:

Os direitos minerários na América portuguesa fundavam-se numa articulação


casuísta entre os costumes locais e os direitos régio e comum. Nos costumes,
sobretudo ainda no século XVIII, encontrava-se a legitimidade dos usos comuns
e prescritos dos moradores coloniais, moldando-se às situações e às novidades.
Em muitas ocasiões e temas, era por meio dos costumes, com sua gênese no
mundo das práticas populares e da oralidade, que se chegava ao conhecimento
e às interpretações do direito escrito (ANDRADE, REZENDE, 2013, p. 391).

Existiram diferentes impostos cobrados durante a mineração colonial, como o


quinto, ou seja, 20% do ouro encontrado, que era cobrado nas casas de fundição e a
capitação, valor cobrado de mineradores (por escravizado maior de 12 anos), de
87
faiscadores e de estabelecimentos comerciais, entre outros. Em 1765, foi cobrada a
“derrama”, ou os impostos atrasados, que gerou inúmeras revoltas dos mineradores, que
tiveram bens confiscados. Do ponto de vista social, a sociedade mineradora também se
distinguia da sociedade açucareira. Na sociedade das minas, houve uma maior
possibilidade de mobilidade social, promovida pela descoberta e comercialização do
ouro. Nesse sentido, por exemplo, alguns africanos e afro-brasileiros escravizados
conseguiram comprar sua liberdade e aventureiros conseguiram enriquecer ao descobrir
jazidas. Houve também uma especialização de alguns trabalhos, com o surgimento de
certos ofícios e certas profissões, como os tropeiros, os oficiais e burocratas, os
profissionais liberais, etc. (FAUSTO, 2004). Assim, podemos afirmar que a sociedade
mineradora era mais diversa que a sociedade açucareira.
Ainda no âmbito social, é preciso fazer referência ao aumento da população na
região das minas, em virtude da migração interna entre as províncias e da vinda de
grandes contingentes populacionais da Europa. De acordo com Boris Fausto (2004, p.
98), até 1760, “chegaram de Portugal e das ilhas do Atlântico cerca de 600 mil pessoas,
em média anual de 8 a 10 mil, gente da mais variada condição”. Além disso, é importante
ressaltar o incremento no tráfico transatlântico de escravizados entre 1720 e 1750, tanto
para o trabalho na atividade mineradora quanto na agrária e pecuária, bem como para
atividades urbanas e domésticas. A maioria da população da Capitania de Minas Gerais
em 1776 era de negros (52,2%) e pardos (25,7%), enquanto somente 22,1% eram
brancos (FAUSTO, 2004).

18 A IGREJA CATÓLICA E A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA

A Igreja Católica possuiu um papel determinante no processo de colonização da


América, seja pela Espanha ou por Portugal. O catolicismo dos reinos ibéricos, aliado a
questões diplomáticas e políticas, esteve diretamente relacionado às guerras de
conquista da península, dominada por povos muçulmanos, nas chamadas Cruzadas. O
mesmo espírito cruzadista e empreendedor de uma “guerra santa” foi transposto para a
América, buscando a conversão dos indígenas ao catolicismo. Assim, a religião pode ser

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entendida como uma das estratégias da colonização. Para a historiadora Mary del Priore
(1994, p. 9), colonização e cristianização, Coroa e Igreja eram processos indissociáveis:

Isso fez com que o povoamento português do Brasil fosse dominado por um vivo
espírito cruzadista. Os colonos partilhavam a mentalidade de seus reis, ou seja,
participavam de uma maneira de pensar comum aos católicos de seu tempo: todo
o não católico era considerado inimigo, infiel, aliado do demônio, um perigo para
a unidade religiosa desejada por Roma. Por isso deveria ser tratado com rigor e
a violência com que nas cruzadas foram tratados os mouros.

A chegada da Igreja Católica ao território que viria a se tornar a América


portuguesa ocorreu concomitantemente com o “descobrimento” realizado pela frota de
Cabral. Lembremos a realização da primeira missa, celebrada pelos missionários
franciscanos que compunham a tripulação, ocorrida no dia 26 de abril de 1500. No dia 1º
de maio, foi erguida uma enorme cruz de madeira, que deu nome de Terra de Santa Cruz
ao território (PRIORE, 1994).
Na carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel, foi anunciada a
possibilidade de conversão dos indígenas à religião católica. De acordo com Mary del
Piore (1994, p. 7), essa preocupação apressada com a cristianização dos indígenas pode
ser explicada pela íntima relação entre a Igreja e o Estado português para fins religiosos,
políticos e econômicos, “uma relação encontrada também em outras nações da
cristandade, mas que em Portugal era acentuada pela completa submissão à autoridade
papal e por uma forte aliança com o poder de Roma”. Essa aliança entre a coroa
portuguesa e a Igreja Católica chamava-se padroado: por uma concessão papal, o
monarca lusitano poderia exercer o governo moral e religioso no reino e em suas
colônias. Ou seja, além do poder político, exercia também o poder espiritual, exigindo
doações e cobrando taxas para a Igreja. Dessa forma, o rei poderia administrar a
cobrança do dízimo, indicar os bispos, proteger ou perseguir ordens religiosas, construir
conventos e pagar capelães, vigários e bispos, bem como toda uma burocracia
eclesiástica, como se fossem funcionários da coroa (PRIORE, 1994).
Diferentes ordens religiosas vieram para a América, mas nenhuma teve tanta
proeminência como os religiosos jesuítas da Companhia de Jesus. Os primeiros jesuítas
vieram para a América portuguesa com Tomé de Souza, em 1548, quando instalado o
governo geral. O governador possuía a incumbência de colonizar, povoar e converter os

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indígenas à fé cristã. A atividade religiosa era realizada nos aldeamentos indígenas e em
escolas e colégios, sendo esse um dos diferenciais da ordem jesuítica. Até 1580, os
jesuítas tiveram a exclusividade de atuação na América portuguesa, como missionários
“oficiais” da coroa, situação que mudou com a anexação de Portugal à Espanha durante
a União Ibérica (1580–1640). Contudo, com o advento das reformas pombalinas (1750–
1777), os jesuítas foram expulsos de Portugal e da América portuguesa em 1759,
acusados de enriquecimento e criação de um poder paralelo à coroa. Antes disso, porém,
pouco mais de 50 anos após a posse do território americano, em 1551, por solicitação do
jesuíta Manoel da Nóbrega, o rei D. João III autorizou a criação do primeiro bispado em
Salvador, sendo Dom Pero Fernandes Sardinha o primeiro bispo. Sardinha opunha-se
aos modos jesuítas de catequização:

escandalizava-o a tolerância para com a nudez dos índios, a confissão realizada


por meio de intérpretes, o hábito de misturarem as cerimônias litúrgicas com
cantos e danças indígenas. Para ele, a animalidade dos índios era tanta que o
próprio Deus não haveria de querê-los como ovelhas de seu curral (PRIORE,
1994, p. 10).

Os conflitos com os jesuítas e com o governador-geral, Duarte da Costa, fizeram


com que Sardinha fosse chamado de volta a Lisboa. Na viagem de regresso, seu navio
afundou na foz do rio Coruripe, no litoral de Alagoas, e, juntamente com o restante da
tripulação, foram devorados em um ritual antropofágico pelos caetés, em 16 de junho de
1556 (PRIORE, 1994). Como mencionado anteriormente, a União Ibérica rompeu com a
exclusividade da Companhia de Jesus no território da América portuguesa. A partir de
então, outras ordens religiosas passaram a atuar na colônia. Os franciscanos chegam ao
território no final do século XVI e se instalaram no litoral do Nordeste, do Rio Grande do
Norte a Alagoas.

Ali se uniam aos senhores de engenho, rezando missas em suas fazendas ou


abençoando as moendas de açúcar. Acompanharam as bandeiras e outras
expedições para apresamento de índios e várias vezes ajudaram os colonos em
guerras contra os nativos, que eram apoiados pelos jesuítas (PRIORE, 1994, p.
13).

Os franciscanos também atuaram no sudeste da colônia, mas por menos tempo.


Por sua vez, os carmelitas também chegaram na América Portuguesa no final do século

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XVI, e se instalaram em Olinda, Pernambuco, espalhando-se posteriormente para
diversas regiões da colônia. “Foram vigorosos defensores dos interesses portugueses na
Amazônia e perderam rapidamente o caráter missionário: preferiam dar assistência aos
moradores das cidades onde se instalavam ou construir magníficos conventos, como o
do Rio de Janeiro” (PRIORE, 1994, p. 14). Houve ainda a presença de outras ordens na
América portuguesa. Os beneditinos ficaram alheios ao movimento missionário, pois
eram integrantes de uma ordem religiosa rica, possuidora de escravos, imóveis e terras.
Já os capuchinos dedicaram-se à evangelização no sertão e, como não possuíam
vínculos com a coroa portuguesa, apenas ao papado, dispunham de maior liberdade de
atuação. Os oratorianos dedicavam-se aos enfermos, aos encarcerados e aos
escravizados (PRIORE, 1994).
Ainda que os objetivos da Igreja Católica coincidissem com os da coroa
portuguesa no processo de colonização, nem sempre a relação entre os religiosos e os
colonos foi pacífica. Um dos principais pontos de divergência dizia respeito à
escravização dos indígenas pelos colonos, o que, para os religiosos, impedia sua
conversão e catequese. Com a pressão exercida pelos jesuítas, a coroa proibiu a
utilização do trabalho compulsório dos povos indígenas e permitiu que somente essa
ordem pudesse contatá-los, o que gerou inúmeras revoltas dos colonos, levando inclusive
à expulsão dos jesuítas de algumas localidades.

Apesar das boas intenções da coroa, as grandes perturbações sociais e políticas


resultantes da proibição de escravizar índios levaram o governo luso a aceitar o
cativeiro indígena no caso de guerra justa: quando os indígenas se recusassem
à catequese, cometessem latrocínio em terra ou no mar e se negassem a pagar
tributos, a defender o rei ou a trabalhar para ele (PRIORE, 1994, p. 16).

Dessa forma, podemos afirmar que a Igreja Católica foi uma aliada religiosa à
dinâmica econômica e política da colonização, sendo de fato tão eficaz em sua tarefa
colonizadora que se tornou em uma das mais sólidas e rígidas instituições de poder no
Brasil (PRIORE, 1994). Porém, mesmo com todo esse poder e com a instituição da
catequese e da Inquisição, compartilhou o território colonial com outras religiões e
religiosidades.

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18.1 Sincretismos religiosos

Quando falamos em religião e religiosidade na América portuguesa, devemos ficar


atentos aos significados dessas práticas para homens e mulheres daquele tempo. Para
eles, suas crenças, sua fé, sua religiosidade impregnavam sua expressão cultural, “[...]
realizavam-se em cada ato de vida, no modo de agir e pensar, na vida familiar e na
atuação social e política” (PRIORE, 1994, p. 5). Ou seja, a separação que hoje em dia
conseguimos estabelecer entre essas diferentes esferas não existia para aquelas
pessoas, e a religião não era vivida apenas como uma tradição ou repetição de uma
liturgia. Da mesma forma, é importante compreendermos que a religião, como uma
dimensão cultural, não é estanque e está sujeita a apropriações e usos diversos,
conforme as necessidades conjunturais, sendo o sincretismo algo bastante comum:

No campo da religião, é importante perceber que os seres humanos não se


limitam a reproduzir aquilo que aprenderam: são agentes ativos na construção
de uma realidade simbólica, da qual participam de acordo com sua experiência
social. O rico, o remediado ou o pobre, o negro, o mulato ou o branco apropriam-
se das práticas religiosas, usando-as segundo suas necessidades espirituais e
materiais. Assim, a religião se configura num conjunto de formas de
conhecimento e de crença que religa as experiências concretas das pessoas ao
significado que elas lhes atribuem, ao sentido que dão à vida e à morte (PRIORE,
1994, p. 5).

Em relação às práticas religiosas africanas, existe maior dificuldade em seu estudo


durante o período colonial, pois a maioria das fontes é de origem policial, e diz respeito à
repressão a essas práticas, consideradas então heréticas e ilegais. Por meio desses
documentos, sabemos que existiam cerimônias religiosas como o acotundá, o candomblé
e o calundu (PRIORE, 1994). Os africanos escravizados compartilhavam ritos tradicionais
durante o cativeiro ainda na África e nas viagens transatlânticas, e seguiram praticando
sua religiosidade em seus locais de trabalho. “Ali, numa tentativa de recriar a identidade
social perdida com o exílio, eles e seus descendentes se entregavam a manifestações
mágico-religiosas quase sempre malvistas pelas autoridades civis e principalmente pela
Igreja Católica” (CALAINHO, 2013, p. 118). O acotundá, também conhecido como “dança
de tunda”, era praticado em Minas no século XVIII. A descrição do culto nos demonstra
como havia um sincretismo entre aspectos da religiosidade africana e o catolicismo:

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[...] aos sábados, grande número de “negros forros e cativos para ali acorriam
para fazer um folguedo, dançando ao som de um tambor ou tabaque”, como diz
um documento de 1747. Uma mulher entrava na dança, cantando com palavras
extraídas de textos católicos, mas também utilizando o dialeto courá, da Costa
da Mina (atualmente parte de Gana) (PRIORE, 1994, p. 30).

Alguns autores consideram que o acotundá assemelha-se ao candomblé e ao


xangô praticados no Nordeste.

O altar de um legítimo candomblé baiano, o peji, fica comumente instalado no


interior da casa, e o santo é representado por pedras, búzios e fragmentos de
pedra, conforme a invocação, e encerrado em uma urna de barro. [...] Muitos
elementos do ritual são praticamente idênticos no século XVIII e na atualidade: o
emprego de galos e galinhas, moringas, recipiente com terra fétida; a
predominância feminina, o destaque de uma das dançantes identificada como
líder cerimonial; o sacrifício de animais, a possessão e o transe ao som de
atabaques (PRIORE, 1994, p. 31).

A historiadora Mary del Priore (1994) afirma ainda que, nesses cultos, a evocação
de Nossa Senhora do Rosário e de Santo Antônio era uma forma de cultuar as divindades
da religiosidade africana, só que com outros nomes. Já o calundu seria um ritual
remanescente da religião dos vodus, de origem jeje, povo do Reino de Daomé, atual
Benin, o qual não parece ter se sincretizado com outras práticas religiosas na América
portuguesa.

Conduzido por um vodunô, um líder espiritual, e com a ajuda de vodúnsis,


membros do culto, o ritual consistia em danças e cantos na língua jeje, ao som
de ferrinhos (agogôs e gans) e atabaques. O centro do cerimonial abrigava
elementos ainda hoje utilizados no candomblé baiano: ervas, búzios, dinheiro,
aguardente. Folhas de diversas plantas serviam na preparação de ebós
(alimentos oferecidos às divindades), em ritos de iniciação e limpeza do corpo,
na medicina africana e no assentamento de altares de entidades. [...] Os calundus
tinham a função de dar a seus participantes um sentido para a vida e um
sentimento de segurança e proteção contra um mundo incerto e hostil (PRIORE,
1994, p. 31).

Em relação aos indígenas, os pajés ou caraíbas eram homens que possuíam o


dom de conversar com os espíritos e interpretar suas mensagens. Foram chamados
pelos jesuítas de “santidades”. Os rituais, que envolviam uma série de práticas,
demonstravam a crença em uma mitologia tupi, mas também um sincretismo com a
religião católica, porque muitos indígenas haviam sido educados em escolas e colégios

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jesuítas. A historiadora Mary del Priore (1994, p. 53) traz o relato de um episódio de
“santidade” ocorrido na Bahia em 1586:

O movimento foi iniciado não por um dos velhos pajés, mas por um certo Antônio,
educado pelos padres da Companhia de Jesus em suas aldeias de Tinharé, na
Capitania de Ilhéus. Antônio se internou no sertão, munido do que aprendera no
contato com os portugueses e com os padres. Não tardou a enxertar na santidade
algumas cerimônias da liturgia católica. Em sua cerimônia, anunciava o advento
próximo de uma idade de ouro em que reinariam a abundância e a preguiça, e os
brancos passariam de senhores a escravos. [...] Em torno de Antônio se juntou
rapidamente uma verdadeira multidão de índios pagãos e batizados, forros e
cativos.

Essa santidade também conquistou colonos, e, por sua importância na região,


recebeu o nome de Santidade do Jaguaripe. Assim, podemos afirmar que o campo
religioso da América portuguesa é um espaço caracterizado pela presença do sincretismo
religioso, ainda que a presença católica fosse de destaque na estruturação da sociedade
colonial.

18.2 Artes e literatura na América portuguesa

Quando nos referimos às artes e à literatura na América portuguesa, geralmente


nos referimos à produção feita por europeus e seus descendentes, já que as
manifestações artísticas e literárias de africanos e indígenas não eram integradas aos
ambientes de prática e difusão cultural, embora possamos conhecê-las a partir da
arqueologia e da transmissão oral intergeracional.

Historicamente considerado, o problema da ocorrência de uma literatura no Brasil


se apresenta ligado de modo indissolúvel ao do ajustamento de uma tradição
literária já provada há séculos — a portuguesa — às novas condições de vida no
trópico. Os homens que escrevem aqui durante todo o período colonial são ou
formados em Portugal, ou formados à portuguesa, iniciando- -se no uso de
instrumentos expressivos conforme os moldes da mãe-pátria. A sua atividade
intelectual ou se destina a um público português, quando desinteressado, ou é
ditada por necessidades práticas — administrativas, religiosas (AB’SABER, 2003,
p. 106).

Assim, se compreendermos “literatura” de uma forma ampliada, podemos


considerar as cartas e os relatos de viajantes que acompanharam as navegações
exploratórias e as primeiras incursões no território americano como trabalhos

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documentais, uma “literatura informativa”. Nesse sentido, a primeira “obra” teria sido a
carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel, escrita em um gênero de literatura de
viagens comum ao século XV na Espanha e em Portugal, evidenciando interesses
mercantis e religiosos, a partir de um olhar observador e descritivo. As artes e a cultura
na colônia tiveram nos colégios jesuítas um espaço de realização e difusão, e foram
utilizadas com a finalidade de catequizar os indígenas e os colonos. A conversão se dava
por meio de manifestações artísticas marcadas por uma moral e pedagogia cristãs.
Destacam-se as obras teatrais e a poesia do padre José de Anchieta (1533–1597), que
trazem consigo valores religiosos católicos adaptados à realidade dos indígenas, com a
utilização, por exemplo, do tupi e de traços da cultura desses povos representando as
dualidades cristãs (bem versus mal, virtude versus vício). Nesse contexto, podemos citar
também os sermões do padre Antônio Vieira (1608–1697) (AB’SABER, 2003).
Fora desses espaços religiosos, podemos destacar a obra de Gregório de Matos
Guerra (1633–1696), que compôs poesias com temáticas amorosas, religiosas e
satíricas. As poesias desse último grupo renderam-lhe o apelido de Boca do Inferno. De
acordo com Ab’Saber (2003, p. 107), Gregório de Matos “foi o profano a entrar pela
religião adentro com o clamor do pecado, da intemperança, do sarcasmo, nela buscando
fanal e lenitivo”. No século XVIII, fundaram-se as primeiras academias artísticas e
literárias que temos registro. Elas surgiram em núcleos urbanos e reuniam diversos
grupos sociais: religiosos, militares, desembargadores, altos funcionários, etc. Citemos
como exemplos a Brasílica dos Esquecidos, fundada em 1724, e a Brasílica dos
Renascidos, fundada em 1759, ambas na Bahia. Já no Rio de Janeiro, foi criada a
Academia dos Felizes, em 1736, e a Academia dos Seletos, em 1752.

As academias e os atos acadêmicos significam que a colônia já dispunha, na


primeira metade do século XVIII, de razoável consistência grupal. E embora se
tenham restringido a imitar os sestros da Europa barroca, já puderam nutrir-se da
história local, debruçando-se sobre os embates como os holandeses no Nordeste
ou sobre as bandeiras e o ciclo mineiro no centro-sul (BOSI, 2015, p. 54).

Após a descoberta de metais e pedras preciosas na região das Minas, houve o


desenvolvimento de um movimento arquitetônico e artístico que ficou conhecido como
barroco mineiro, e de um movimento literário chamado arcadismo. É importante destacar

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que não há consenso na historiografia sobre a denominação “barroco” para esse
movimento na colônia, como uma mimese do barroco europeu.
Do barroco mineiro, o escultor mais conhecido é Antônio Francisco Lisboa (1738–
1814), o Aleijadinho, que esculpiu diversas obras em Vila Rica, atual Ouro Preto, e
arredores. Quanto ao arcadismo, foi um movimento literário surgido na região das Minas
por volta de 1757. Caracterizava-se por privilegiar as temáticas bucólicas e a
simplicidade, utilizando modelos literários e mitológicos greco-romanos. Por isso, o
arcadismo também foi chamado de “neoclassicismo”, evidenciando uma concepção
humanista. Dois de seus principais representantes foram Claudio Manuel da Costa
(1729– 1789) e Tomás Antônio Gonzaga (1744–1810). Os árcades mineiros criticavam
aspectos do colonialismo, evidenciando o conflito de interesses locais e metropolitanos,
tendo alguns participado da Inconfidência Mineira. Em Cartas Chilenas, Gonzaga, por
exemplo, ridiculariza o governador da Capitania de Minas Gerais, Luís Cunha Meneses
(chamado de “Fanfarrão Minésio”) (AB’SABER, 2003).

18.2.1 As artes

Em relação às artes plásticas, podemos afirmar que a produção artística do


período colonial esteve diretamente relacionada à Igreja Católica ou a temas religiosos e
sacros, bom como à imagem do poder régio português. De acordo com Cattani (1984, p.
116):

[...] a produção artística foi dominada com exclusividade pelas diversas ordens
religiosas que se instalaram no Brasil, para catequizar os indígenas e vigiar os
colonos, estes muitas vezes fugidos da Inquisição. A produção artística
concentrou-se nas Igrejas, centro da vida social. O dirigismo artístico manifestou-
se, inicialmente, na imposição de uma arte de caráter religioso, respondendo
evidentemente às necessidades do jogo político, pois, em última análise, era o
rei de Portugal que comandava.

Nos séculos XVII e XVIII, as artes plásticas na América portuguesa possuíam


características do barroco, tanto em Salvador, na Bahia, com os frades beneditinos, como
em Minas (BRUNETO, 2001). “Barroco” é uma categoria com um longo debate artístico
e historiográfico, referendada por uns, questionada por outros, mas parece haver um

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consenso por se referir às manifestações artísticas luso-brasileiras dos séculos XVII e
XVIII. De acordo com Vainfas (2000, p. 68):

Nas artes plásticas, o barroco tem sido caracterizado por uma grande variedade
de traços, em que se destacam a exuberância das formas, o gosto pelas
oposições (como o uso do chiaro e oscuro na pintura), a visão do conjunto como
uma composição de elementos distintos a que sempre podem ser justapostos [...]
a prevalência da imagem sobre o desenho, a integração em profundidade dos
planos da composição, e a manipulação de volumes que emprestam uma certa
dimensão arquitetônica às obras. Na literatura, destaca-se o estilo ornamentado,
o emprego das antíteses e das hipérboles, o jogo de palavras, que valorizava
composições como os acrósticos. Na música, exprime-se por meio de novas
formas, como a cantata (voz solista versus conjunto) e o concerto (concertino
versus ripieno); da profusa ornamentação, que cabia ao executante acrescentar;
e do apego a um certo virtuosismo vocal ou instrumental.

Esse estilo teria sido trazido para a América portuguesa com os jesuítas, que já o
praticavam em Portugal. Seria a concepção estilística predominante na construção de
capelas e igrejas nos arraiais mineiros no século XVIII.

Favorecido pelo grande número de pequenos núcleos urbanos típicos da


ocupação de Minas, esse movimento mobilizou quantidade extraordinária de
recursos e de artesãos especializados, criando um ambiente cultural único, o
chamado barroco mineiro, ao qual não faltaram manifestações musicais e
literárias, além de pelo menos um artista de gênio, o mulato Antônio Francisco
Lisboa, o Aleijadinho (VAINFAS, 2000, p. 69).

Esse estilo teria sido predominante até meados de 1760, quando passou cedeu
espaço ao chamado rococó.

19 A ADMINISTRAÇÃO POMBALINA E AS TRANSFORMAÇÕES NA COLÔNIA

Sob influência do pensamento iluminista, alguns governantes europeus buscaram


modernizar seus governos, sem, contudo, abandonar o Absolutismo. Essa prática, que
mesclava reformas na administração, no ensino e na economia, ficou conhecida como
despotismo esclarecido e foi empregada na Rússia, pela rainha Catarina II, na Prússia,
pelo rei Frederico II, na Áustria, pelo rei José II, e em Portugal, no reinado de D. José I.
No século XVIII, a situação de Portugal no contexto internacional era muito delicada,
agravando-se ainda mais com a progressiva queda na produção aurífera em Minas
Gerais. Frente a isso, foram adotadas algumas medidas visando gerar mais recursos
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para o reino e superar a crise econômica. As modernizações e reformas em Portugal
foram implantadas pelo Marquês de Pombal, que atuou como Primeiro-Ministro do rei D.
José I no período de 1750 a 1777.

19.1 Portugal e as reformas do marquês

O território que hoje corresponde ao Brasil foi a colônia mais valiosa para Portugal
no período da colonização. Assim como Portugal, a Espanha também se beneficiou com
os lucros extraídos das suas colônias na América. Para melhor compreender a extensão
dos domínios português, vejamos o que diz o historiador Francisco Calazans Falcon
(2001, p. 228):

O “Império Português”, no início do século XVIII, compreende os territórios


metropolitanos e os domínios ultramarinos, uma área semiperiférica que constitui
um dos vários “subsistemas” do Sistema Mundial Moderno, capitalista e europeu.
No interior desse subsistema, destaca-se o espaço luso-atlântico, por sua riqueza
e dinamismo econômicos, envolvendo as relações de Portugal com a América
portuguesa e as feitorias situadas no litoral africano.

Mesmo com os lucros advindos de suas colônias ultramarinas, as monarquias


ibéricas passaram a enfrentar a concorrência das potências europeias França, Inglaterra
e Holanda. A rivalidade entre essas três potências deu a tônica de todo o século XVIII,
destacando-se a disputa entre França e Inglaterra. Enquanto os franceses exerciam forte
influência sobre outras monarquias europeias, como a Espanha, a Inglaterra conquistava
vantagens no mundo ultramarino. Os reis portugueses se mantiveram neutros nesses
conflitos enquanto foi possível. No entanto, a frágil economia portuguesa impedia o
governo luso de resistir por muito tempo às pressões externas. Pressionados desde
meados do século XVII, os reis portugueses se aproximaram dos ingleses, assinando
tratados comerciais que beneficiavam a Inglaterra.
Dependentes das manufaturas inglesas, os portugueses assinaram com a
Inglaterra, em 1703, o Tratado de Methuen, “[...] nos termos do qual os tecidos de lã
ingleses e outras manufaturas de lã seriam admitidos sem restrições em Portugal, [...]
enquanto os vinhos portugueses entrariam em [sic] Inglaterra pagando dois terços dos
direitos pagos pelos franceses” (MARQUES, 1996, p. 358). Podemos considerar que a

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assinatura do tratado foi mais benéfica para a Inglaterra, uma vez que a quantidade de
tecidos que os portugueses importavam da Inglaterra era muito superior à quantidade de
vinhos que os ingleses importavam de Portugal.
Para saldar seus dividendos, seja com a Inglaterra ou demais países europeus, os
portugueses contavam com o ouro que era extraído do Brasil. No entanto, de acordo com
Ciro Flamarion Cardoso (2000, p. 111) “[a] década começada em 1750 marcou ao mesmo
tempo o auge e o início do declínio da produção aurífera brasileira”. Com a queda na
produção aurífera na região das Minas Gerais, a crise econômica portuguesa se
acentuou. Frente a isso, coube a Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de
Pombal, organizar e implementar reformas econômicas e administrativas para gerar mais
recursos para a Coroa portuguesa e superar a crise.
Marquês de Pombal nasceu em Lisboa, no ano 1699. Oriundo de uma família de
fidalgos (uma escala menor entre os nobres), ascendeu à nobreza graças ao seu
segundo casamento, com a condessa austríaca Maria Leonor Ernestina Daun, caindo
nas graças da rainha Maria Ana, esposa do rei D. João V, que também era austríaca. À
época do casamento, 1746, Pombal ocupava o cargo de enviado português em Viena.
Em 1749, com o rei D. João V já enfermo, a rainha regente, Maria Ana, chamou Pombal
para retornar à Lisboa e ocupar o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Com a morte de
D. João V, em 1750, seu herdeiro, D. José I, assumiu a Coroa portuguesa e manteve
Pombal no Ministério. Após o terremoto que arrasou Lisboa, em 1755, o rei deu
“autoridade virtualmente completa ao ministro” (MAXWELL, 1996, p. 4). Sobre o
terremoto que destruiu cerca de metade da cidade de Lisboa, na manhã de 1º de
novembro de 1755, Marques (1996, p. 386) comenta:

A parte mais importante da capital caiu em ruínas, incluindo o palácio real,


numerosas igrejas e casas religiosas, o Hospital para Todos-os-Santos, a Ópera
e as ruas e bairros mais opulentos. Em vez de ordenar a reedificação da cidade
de acordo com a traça anterior, o futuro Marquês de Pombal decidiu que ela se
fizesse segundo conceitos totalmente novos em urbanismo e arquitetura.

Nesse período, o cargo de Secretário de Estado dos Negócios Interiores do Reino


(equivalente ao cargo de Primeiro-Ministro) era ocupado por Pedro da Mota e Silva, que
faleceu dias depois do terremoto. O cargo de Primeiro-Ministro foi então assumido por
Pombal (SOARES, 1983). Pombal liderou a reconstrução dos bairros de Lisboa e impôs
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um plano que eliminou ruelas e becos, os quais foram substituídos por grandes ruas que
obedeciam a um traçado geométrico. Todos os que desejassem construir edifícios nessa
parte da cidade deveriam obedecer ao plano desenvolvido por Pombal. O plano
urbanístico ainda previa construções de linhas retas e calçadas iguais para todos, e
proibia qualquer detalhe externo que sugerisse a condição social do proprietário.
Resistências eram punidas de forma enérgica pelo governo. De acordo com Soares
(1983, p. 137) “[o] terremoto fizera um estadista. A reconstrução de Lisboa será o capital
político do Primeiro-Ministro, a base de sua celebridade, o penhor de sua obra
administrativa”. Em 1759, Pombal foi nomeado pelo rei como Conde de Oeiras e em 1769
finalmente recebeu o título de Marquês de Pombal. Como reforça Maxwell (1996, p. 2),
“[...] essa condição nobre não foi recebida como herança, mas obtida como recompensa
por serviços prestados ao monarca e ao Estado português”. Dotado de enorme prestígio
com o rei, Pombal realizou outras reformas, além da reconstrução de Lisboa, com o
objetivo de ampliar o poder da monarquia, solucionar a crise econômica e diminuir o
poder e os privilégios do clero e da alta nobreza de Portugal.

19.1.1 As reformas pombalinas para as colônias portuguesas

Na visão de Pombal, o crescimento das indústrias, do comércio e da produção


agrícola de Portugal decorreria da exploração de seus domínios ultramarinos, do
aumento da arrecadação fiscal e do combate ao contrabando. Para que isso fosse
possível, “Pombal aventurou-se em um plano ambicioso para restabelecer o controle
nacional sobre todas as riquezas que fluíam para Lisboa, vindas dos domínios
ultramarinos de Portugal” (MAXWELL, 1996, p. 95). Para Pombal, o rígido controle
exercido sobre as colônias e o fortalecimento do Pacto Colonial seriam uma forma de
garantir maior arrecadação para os cofres portugueses. Para tanto, as Companhias de
Comércio teriam vital importância:

Durante o governo do Marquês de Pombal, adotou-se, mais conscientemente e


num sentido mercantilista, o princípio do monopólio, confiado a companhias
privilegiadas. Os tráficos com a Ásia, o Brasil e a África foram sujeitos à doutrina
monopolista: Companhia para o Comércio com o Oriente, Companhia do Grão- -
Pará e Maranhão, Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, Companhia para
o Comércio dos Mujuas e dos Macuas (Moçambique) (MARQUES, 1996, p. 359).
100
Essas companhias tiveram sua utilidade para que a balança comercial portuguesa
pudesse se equilibrar, ou ao menos tender para isso, a partir de 1761. Contribuiu também
a criação do Erário Régio, em 1761, apontada por Maxwell (1996, p. 98) como “[...] o
elemento-chave no esforço global de Pombal com vistas à racionalização e à
centralização”. O Erário Régio tinha atribuições de superintendência de todas as contas
públicas, métodos atualizados de controle e maior centralização e eficácia. Pombal se
auto intitulou Inspetor-Geral do Tesouro, cujo objetivo era centralizar os assuntos do
Ministério das Finanças, responsável pela administração fiscal. “A criação do Erário
Régio marcou a culminação da reforma, por Pombal, da máquina de receita e coleta do
Estado” (MAXWELL, 1996, p. 98). Nas colônias, o Erário Régio tinha a função de cobrar
impostos, combater a sonegação e o contrabando. A política centralizadora de Pombal
chocava-se com a autonomia demonstrada pelos jesuítas da Companhia de Jesus, que
atuavam na metrópole e nas colônias portuguesas e se submetiam ao Papa, e não ao rei
de Portugal. Nas colônias, os jesuítas deram especial atenção à implantação de escolas.
Os jesuítas recebiam subsídios do governo português e, em troca, comprometiam-se a
catequizar os nativos e instruir tanto os nativos quanto os mestiços e os filhos dos colonos
portugueses. A ação catequética era fundamental para o fortalecimento da Igreja diante
da expansão do protestantismo.
A expansão cristã na África e na Ásia se deu, em grande medida, graças à
atividade missionária da Companhia de Jesus, que atuava em vastas regiões das
colônias portuguesas, de acordo com Marques (1996, p. 321):

Em meio século, os jesuítas criaram missões por toda Ásia e África Oriental, de
Moçambique ao Japão, alcançando a Índia central e setentrional e a maior parte
da China até o distante Tibete. Por 1623, a organização jesuítica no Oriente
compreendia quatro ‘províncias’: Goa abrangendo a África Oriental e a Etiópia, a
Índia ao norte de Goa e o Tibete; Malabar, com a Índia ao sul de Goa, Ceilão,
Bengala, Malaca e a Indonésia; China com a maior parte deste país; e finalmente
Japão, incluindo as ilhas nipônicas, a China meridional, a Indochina e as Celebes.

A ampla atuação dos jesuítas dificultava o projeto centralizador de Pombal, que


aproveitou o envolvimento de alguns padres em um fracassado atentado contra o rei D.
José I para ordenar o sequestro dos bens da Companhia de Jesus em Portugal e nas
colônias. Sobre a tentativa de regicídio em setembro de 1758, Maxwell (1996, p. 79)
comenta:
101
O rei Dom José regressava ao palácio após uma visita vespertina à sua amante,
esposa do marquês Luís Bernardo Távora, quando atiraram contra a sua
carruagem. O rei foi ferido de modo suficiente sério para que a rainha assumisse
a regência durante a sua repercussão. Houve um silêncio oficial sobre o incidente
até o início de dezembro, quando, numa grande operação de batidas policiais,
muitas pessoas foram presas, inclusive um grupo de líderes aristocratas. Os
prisioneiros mais proeminentes eram membros da família Távora, o duque de
Aveiro e o conde de Atouguia.

Sobre os ferimentos do rei, Soares (1983) indica que o D. José I foi ferido no peito,
no ombro e no braço direito. A versão oficial divulgada sobre o incidente foi que, “[...]
quando se encaminhava para o quarto da rainha, D. José I caíra desastradamente e
fraturara o braço direito” (SOARES, 1983, p. 183). No dia em que os supostos envolvidos
na tentativa de regicídio foram presos, “[...] os estabelecimentos jesuíticos foram
cercados e invadidos por autoridades judiciárias” (SOARES, 1983, p. 212). Ainda de
acordo com Soares, o duque de Aveiro, um dos presos sob acusação de regicídio, teria
confessado, sob tortura, que os jesuítas estavam envolvidos na tentativa de assassinato
do rei. Em carta enviada por D. José I para o Papa Clemente XIII, em abril de 1759, o rei
anuncia sua decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de todos os seus territórios da
América, da Ásia e da África. As escolas jesuíticas foram fechadas e os padres dessa
ordem religiosa foram mantidos presos até embarcarem para a Itália. De acordo com
Soares (1983, p. 213), em setembro de 1759, 133 jesuítas foram embarcados num navio
e desembarcados em território pontifício. A perseguição à Companhia de Jesus foi
apenas um dos aspectos do plano de governo português para eliminar o poder político
da Igreja e submetê-la ao Estado laico, de acordo com o pensamento iluminista do século
XVIII. Após a expulsão, o governo adotou diversas medidas referentes à religião e ao
ensino (setores que até então estavam nas mãos dos jesuítas):

• em 1769, o tribunal da Inquisição foi convertido em tribunal régio;


• em 1773, foi abolida a distinção entre “cristãos-novos” (judeus convertidos ao
catolicismo) e “cristãos-velhos” (católicos);
• foi retirada do tribunal da Inquisição a competência sobre a censura de livros,
que passou a ser feita por um novo órgão do governo português, criado em 1768,
denominado Real Mesa Censória;

102
• o ensino laico foi implantado por meio de uma reforma ocorrida entre 1759 e
1772, que englobou desde o estudo primário até a Universidade de Coimbra.

Em 1761, Pombal determinou a abolição da escravidão dos indianos e decretou


também o fim do tráfico negreiro para a metrópole (MARQUES, 1996, p. 373). A partir de
1762, acontecimentos externos complicaram a administração pombalina, pois, ainda que
Portugal tenha tentado manter sua postura de neutralidade diante dos conflitos europeu,
o país foi arrastado para a Guerra dos Sete Anos (conflito entre a Inglaterra, que tinha
Portugal como aliado, e a França, que contava com o apoio da Espanha).

As relações de Portugal com a Áustria, obviamente, foram afetadas de modo


adverso pelas mudanças ocorridas na situação europeia e, com a ascensão de
Bourbon Carlos III ao trono da Espanha em 1759, a posição de Portugal foi se
tornando cada vez mais precária à medida que se criavam condições para o
Pacto da Terceira Família entre a França e a Espanha (agosto de 1761). Os
objetivos franceses, que agora se estendiam à Península Ibérica, incluíam o de
impedir a entrada do comércio britânico ao continente, inclusive fechar o acesso
britânico aos portos de Portugal no Atlântico, forçando assim Portugal a sair da
neutralidade para entrar na disputa (MAXWELL, 1996, p. 119).

Em 1762, a Espanha invadiu Portugal e trouxe à tona algo que Pombal se


empenhara em camuflar: a dependência portuguesa em relação à Inglaterra. Ainda em
1962, foi publicada em Londres uma carta anônima destinada ao rei de Portugal. Na
carta, o rei português era advertido de que, se a França e a Espanha dominassem Lisboa,
os ingleses se veriam no direito de ter acesso direto ao Brasil, e para tal o monarca
português e toda sua corte deveria ser transferida para o Brasil. Tal articulação não se
realizou nesse momento, ainda que o território português tenha sido invadido pelos
espanhóis, mas se concretizou em 1808, quando a corte portuguesa foi transferida para
o Brasil por conta de disputas, novamente, entre França e Inglaterra. A invasão espanhola
em Portugal alterou os rumos da administração pombalina na colônia americana. Pombal
visava criar companhias monopolistas em todo o território colonial, para fortalecer o Pacto
Colonial e trazer mais receitas para os cofres português. Tal medida, no entanto,
prejudicaria os interesses da Inglaterra na colônia, visto que os ingleses não poderiam
vender seus produtos manufaturados para os colonos brasileiros. Buscando salvaguardar
um bom relacionamento com a Inglaterra, Pombal acabou criando apenas duas

103
companhias monopolistas, a do Grão-Pará e Maranhão e a de Pernambuco e da Paraíba,
conforme veremos adiante.

19.2 As ações do Marquês de Pombal no Brasil Colonial

As reformas pombalinas tiveram um grande impacto no Brasil, que tinha se tornado


a colônia portuguesa mais lucrativa graças à exploração aurífera. O ouro extraído da
região das Minas Gerais era a principal renda dos portugueses para saldar suas dívidas,
principalmente com os ingleses. Portugal obtinha esse ouro por meio da cobrança de
altas taxas e impostos. Durante a administração do Marquês de Pombal, foram tomadas
várias medidas em relação ao Brasil que acabaram por aumentar a pressão portuguesa
na colônia americana. Os impactos das reformas pombalinas são vistos em dois
aspectos: econômico e político-administrativo. A expulsão dos jesuítas dos territórios
portugueses viria a ter grande impacto no Brasil e na reforma educacional na colônia.

19.2.1 Reformas econômicas

A economia colonial foi marcada, na primeira metade do século XVIII, por


oscilações entre longos períodos de estagnação e crise — de acordo com a demanda e
os preços do açúcar no mercado internacional — e curtos períodos de prosperidade
relativa, ainda que antes de 1750 o setor agromercantil da colônia já estivesse em crise
(FALCON, 2001). Comparando o setor minerador ao agroexportador, o primeiro se
expandiu rapidamente até a década de 1730, sendo a década de 1740 o período em que
a exploração aurífera atingiu seu ápice. No entanto, já nos anos 1730 notavam-se sinais
do provável esgotamento das minas.

O setor minerador, após uma breve recuperação nos anos de 1750, mergulha em
profunda crise, sobretudo nos anos de 1760–1770. A queda da arrecadação
proveniente da cobrança do “quinto” abala as finanças do Estado e compromete
a balança comercial de Portugal com a Inglaterra e outros países. Os apertos da
nova conjuntura, agravados pela guerra com a Espanha, imprimem novos rumos
ao “reformismo ilustrado”, na metrópole e na Colônia (FALCON, 2001, p. 231).

104
Com a extração do ouro nas Minas Gerais começando a diminuir, prejudicando
ainda mais a delicada situação econômica de Portugal, Pombal tomou uma série de
medidas para aumentar o controle sobre a arrecadação do ouro. Foi imposto nas regiões
mineradoras a cobrança de 100 arrobas de ouro por ano (equivalente a 1,5 tonelada).
Caso os mineradores não pagassem a quantia estipulada, seria decretada a derrama
(confisco dos bens da população até completar o valor devido). Porém, à medida que as
minas se exauriam e a arrecadação diminuía, as rendas da Coroa eram prejudicadas,
aumentando as suspeitas de sonegação e o aumento no rigor das cobranças (HOLANDA,
2008). Com relação à exploração de diamantes, foi declarado o monopólio régio, ou seja,
somente o governo poderia explorar as minas de diamantes. Para tanto, foi fundado o
Distrito Diamantino, cercado e rigidamente vigiado para impedir a circulação de pessoas
não autorizadas.
Contudo, o ouro não era o único produto que passava por maus momentos.
Conforme salienta Sérgio Buarque de Holanda (2008), a produção de açúcar sofria com
a tributação excessiva e com a concorrência do açúcar produzido pelos holandeses nas
Antilhas; o pau-brasil já não garantia o êxito na economia local; com a produção de açúcar
declinando, os escravos do Nordeste eram enviados para a região das Minas e faltavam
embarcações para levar a produção para Europa. A metrópole portuguesa precisava de
estratégias para recuperar sua fragilizada economia. Uma das primeiras medidas
adotadas pelo reformismo pombalino foi a criação das Casas de Inspeção do Tabaco e
do Açúcar, em 1751, para solucionar dificuldades nas exportações desses produtos. Já
no ano de 1755 foi criada a Junta Comercial, órgão que controlava a saída das frotas,
impedia que comissários estrangeiros fossem aos portos brasileiros, combatia o
contrabando e fiscalizava o peso e a qualidade dos rolos de tabaco e das caixas de
açúcar. “Assim, todo o tráfico ultramarino estava sob a sua alçada: a organização, o
controle e fomento do comércio colonial, inclusive a construção de navios, no Reino e no
Brasil” (FALCON, 2001, p. 232). Para garantir o fomento à produção metropolitana, foi
permitida a instalação de algumas manufaturas de beneficiamento na colônia. Visando
fortalecer o Pacto Colonial, que garantia o monopólio do comércio metrópole-colônia,
foram criadas as Companhias de Comércio, com o objetivo de controlar a circulação dos
produtos, incentivar as produções coloniais de interesse comercial e controlar o tráfico
105
de escravos. Pombal organizou a criação de duas companhias, a Companhia Geral do
Grão-Pará e Maranhão e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba.
A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, criada em 1755, tinha o privilégio
de atuação por 20 anos. Ela funcionou entre 1756 e 1778, quando foi abolida. Sua função
era diversificar a produção regional (cacau, café, arroz e açúcar, em menor medida). A
Companhia foi responsável por introduzir quase 15 mil escravos no Grão-Pará, em mais
de duas décadas. Mesmo concedendo facilidade de créditos, a pobreza da região fez
com que muitos escravos fossem enviados paras as minas do Mato Grosso (CARDOSO,
2000). Estabelecida a companhia no Grão-Pará, Pombal empenhou-se em restabelecer
o controle sobre a economia num dos principais centros brasileiros de comércio e
produção do açúcar: as capitanias de Pernambuco e da Paraíba. Criada em 1759, a
Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba tinha como principais objetivos “[...] reativar
a agricultura de exportação, o tráfico de escravos e o consumo de mercadorias europeias
no Nordeste do Brasil” (CARDOSO, 2000, p. 118). Inicialmente, as duas companhias
deram resultados positivos para a Coroa portuguesa, garantindo a introdução de novos
produtos para exportação e mão de obra. De acordo com Maxwell (1996, p. 97):

Na altura de 1760, a exportação de algodão havia começado em São Luís, por


exemplo, enquanto em 1767 se iniciava a exportação de arroz. A produção de
algodão logo excedeu a demanda metropolitana e proporcionou valiosas
reexportações para Roterdam, Hamburgo, Gênova, Ruão, Marselha e Londres.
Os produtos exportados de Belém, em especial o cacau, também aumentaram
de volume e valor. E coisa incomum para uma época mercantilista, o governo
português encorajou o processamento e a manufaturação na colônia.[...] No
lapso de uma década, uma frota mercante de 43.400 toneladas, com 124
embarcações, havia sido construída e transportava mercadorias europeias,
produtos da Amazônia e escravos africanos ao longo de rotas de comércio que
abrangiam Bissau, Angola, a Europa, o litoral brasileiro e o Oceano Índico.

Já em Pernambuco, a companhia investiu na reabilitação de muitos engenhos,


elevando seu número de 207 para 320, em 1780. Foi também restabelecido o cultivo do
tabaco, contando com subsídios e garantias de preços para os produtores. Para garantir
a competitividade do couro pernambucano diante do produto advindo das províncias
espanholas, as tarifas alfandegárias foram isentas (MAXWELL, 1996). Apesar dos
benefícios apresentados, muitas campanhas de oposição foram feitas contra a
permanência das Companhias. Os colonos acusavam a Companhia de Pernambuco de

106
vender produtos e escravos a preços exorbitantes, repassar mercadorias deterioradas,
desvalorizar os produtos regionais, fraudar as rendas aduaneiras, não assegurar as
capitanias de Pernambuco e da Paraíba, elementos esses indispensáveis para que se
restaurassem, dentre outras queixas (HOLANDA, 2008). Esse descontentamento gerado
com a criação das Companhias esteve na base de vários movimentos contra o domínio
português ocorridos ao longo do século XVIII.

19.2.2 Reformas político-administrativas

Para consolidar o domínio português das fronteiras do norte e do sul da América


portuguesa, Pombal propôs integrar os indígenas à sociedade colonial. Para que
houvesse essa integração, os casamentos entre colonos e nativos passaram a ser
regidos por uma lei promulgada em abril de 1755, “[...] na qual se declarava que todos os
brancos que se casassem com índias não ficariam ‘com infâmia alguma’” (SILVA, 1986,
p. 225). O estímulo aos casamentos entre indígenas e colonos visava multiplicar a
população e ocupar de maneira mais efetiva os territórios coloniais, especialmente as
regiões de fronteiras, onde frequentemente ocorriam choques com os colonos espanhóis.
Essa política adotada por Pombal contrariava a política racial seguida até então pelos
jesuítas, que evitava a miscigenação indígena com os brancos, embora apoiassem os
casamentos entre indígenas e negros.
Em 1757, Pombal colocou em execução o Diretório dos Índios, dando continuidade
ao estímulo de incorporar os indígenas ao que ele considerava civilização, ou seja, ao
modo de vida dos colonizadores. As principais determinações do Diretório eram:

• substituir a utilização da língua geral — língua de base tupi que era amplamente
falada no Brasil — pela língua portuguesa;
• promover a transformação gradativa das aldeias indígenas em vilas que seriam
governadas por um líder local e por um administrador nomeado pelo governo português;
• permitir que os colonos brancos residissem nessas vilas e se casassem com
mulheres indígenas;

107
• estimular os indígenas a abandonar seus costumes e aderir aos dos
colonizadores, tanto em relação às atividades produtivas (como a agricultura e o
comércio) quanto em relação ao modo de vida (assimilar a noção de propriedade
individual, falar apenas o português, vestir-se como os colonizadores, etc.).

Em 1758, a escravidão indígena foi proibida, medida esta que estimulou o tráfico
de escravos africanos para o Brasil, atividade que viria a gerar muitos lucros para a Coroa
portuguesa. O Diretório dos Índios foi abolido em maio de 1798, por determinação régia.
A carta régia apregoava que não fossem feitas guerras contra os indígenas, exceto em
caso de defesa e, ainda assim, em casos extremos (SILVA, 1986). No âmbito das
reformas político-administrativas, percebe-se que algumas delas foram uma extensão
das medidas adotadas pela metrópole e operadas também na colônia. Em 1761, foi
criado o Erário Régio, em Lisboa, cuja tarefa era de garantir a cobrança de impostos e
combater a sonegação e o contrabando. Para isso, foram organizadas nas capitanias da
colônia as Juntas da Fazenda e “[...] reformas no sistema de contabilidade e de cobrança
de impostos foram realizadas, e adotadas medidas para coibir ou prevenir o contrabando
— em especial o do ouro” (CARDOSO, 2000, p. 115).
Destacam-se ainda outras duas medidas adotadas por Pombal. Em 1759, as
capitanias hereditárias — criadas nos primeiros anos da colonização e que ainda existiam
no plano jurídico, embora não existissem de fato — foram formalmente extintas e todas
as terras passaram para domínio da Coroa. “Pombal não poderia deixar de extinguir
esses vestígios do feudalismo que eram as obscuras ‘capitanias’ particulares ainda
existentes ao inaugurar-se a sua administração” (HOLANDA, 2008, p. 53). Em 1763, a
sede do governo-geral foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, a fim de melhor
fiscalizar a produção do ouro. De acordo com Holanda (2008), o Rio de Janeiro já era a
capital eminente das minas, tinha crescido bastante e sua população era superior à de
Salvador. Com a transferência da sede do governo, desloca-se também o eixo
econômico, que deixava de se situar no Nordeste para rumar ao Centro-Sul da capitania.

108
19.3 A expulsão dos jesuítas e a reforma educacional

Conforme vimos anteriormente, os jesuítas representavam uma ameaça às


pretensões centralizadoras de Pombal, por atuarem de forma autônoma ao poder régio.
No Brasil, esses religiosos atuaram de forma ampla, pois, além de rezar missas, ministrar
sacramentos, etc., dedicaram-se especialmente à conversão dos indígenas ao
catolicismo e à formação das missões, onde os nativos cristianizados viviam sob a
supervisão dos padres missionários e ficavam relativamente protegidos da captura pelos
bandeirantes. As missões estavam espalhadas por todo o território colonial, mas as mais
importantes situavam-se no Sul, nas regiões fronteiriças com as colônias espanholas, e
no Norte, na região amazônica. Na Amazônia, os jesuítas chegaram a ter uma lucrativa
atividade na exploração das drogas do sertão com utilização de mão de obra indígena.
Aos poucos, os jesuítas foram assumindo a direção educacional, tanto em Portugal
quanto no Brasil, como nos apresenta Lizete Maciel e Alexandre Shigunov Neto (2006,
p. 469):

A partir do século XVI, a direção do ensino público português desloca-se da


Universidade de Coimbra para a Companhia de Jesus, que se responsabiliza
pelo controle do ensino público em Portugal e, posteriormente, no Brasil.
Praticamente, foram dois séculos de domínio do método educacional jesuítico,
que termina no século XVIII, com a Reforma de Pombal, quando o ensino passa
a ser responsabilidade da Coroa Portuguesa.

Segundo Maxwell (1996), os jesuítas mantinham no Brasil 25 residências, 36


aldeamentos missionários e 17 faculdades e seminários, sendo que em Portugal os
jesuítas dirigiam 34 faculdades. A reforma educacional foi encarada como alta prioridade
por Pombal na década de 1760, e visava “[...] laicizar os quadros docentes, reformular a
estrutura organizacional do sistema e seu funcionamento, tendo como principal objetivo
transformar os currículos e métodos pedagógicos de acordo com os valores modernos
ou ilustrados” (FALCON, 2001, p. 234). Pode-se dizer que esse movimento foi um sinal
dos tempos, pois, de acordo com o ideal iluminista:

a nova sociedade exige um novo homem que só poderá ser formado por
intermédio da Educação. Assim, apesar de o ensino jesuítico ter sido útil às
necessidades do período inicial do processo de colonização do Brasil, já não
consegue mais atender aos interesses dos Estados Modernos em formação.
Surge, então, a ideia de Educação pública sob o controle dos Estados Modernos.
109
Portanto, a partir desse momento histórico, o ensino jesuítico se torna ineficaz
para atender às exigências de uma sociedade em transformação (MACIEL;
SHIGUNOV NETO, 2006, p. 471).

Muitas medidas adotadas por Pombal eram testadas previamente no Brasil. Antes
mesmo da expulsão dos jesuítas dos territórios portugueses, em 1758, Mendonça
Furtado, irmão de Pombal, novo governador do Grão-Pará e Maranhão, “[...] introduziu o
sistema diretivo para substituir a administração secular dos jesuítas ali onde o controle
jesuítico sobre as aldeias indígenas havia sido abolido pelos decretos reais em 7 de junho
de 1755” (MAXWELL, 1996, p. 104). Cabia aos diretores os lugares ocupados pelos
missionários e a função de fundar duas escolas em cada aldeia. Uma escola para
meninos, que aprenderiam a ler, escrever e contar, além da doutrina cristã, e outra escola
para meninas, que aprenderiam a executar as tarefas de casa e outras mais apropriadas
“para esse sexo”. O uso do português foi imposto, sendo proibido o uso das línguas
nativas. Conforme Luiz Carlos Villalta (1997, p. 340), no Grão-Pará e Maranhão, essa
prática foi difundida de modo mais incisivo, “[...] procurando difundir o português para
legitimar a posse da terra” e coibir o uso de línguas nativas. Contribui para isso a Lei do
Diretório dos Índios, de 1757, vista como “[...] verdadeiro marco inicial na historiografia
do ensino de línguas em nosso país, a qual tratará, dentre outras coisas, do ensino da
língua portuguesa no Brasil colônia” (SOUZA, 2011, p. 44).
Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, o Estado assumiu a responsabilidade pela
instrução da população. Para tanto, passou a cobrar um imposto — o subsídio literário —
, um imposto especial que “[...] deveria garantir aos professores régios ordenados que
lhes permitissem ‘decente honestidade de habitação e de independência’” (HOLANDA,
2008, p. 99). Para iniciar a reforma educacional, foi criado por Pombal, em julho de 1759,
o posto de diretor de estudos, com objetivo de fiscalizar o sistema nacional de educação
secundária, sendo mais tarde “[...] formada a Junta da Providência Literária, para
preparar a reforma da educação superior” (MAXWELL, 1996, p. 105). Em 1771, houve a
transferência da administração e direção do ensino para a Real Mesa Censória, “[...]
órgão criado em abril de 1768, com o qual pretendia efetivar a emancipação do controle
absoluto dos jesuítas no ensino, passando, então, ao controle do Estado” (MACIEL;
SHIGUNOV NETO, 2006, p. 471). Foram também introduzidas as aulas régias e a

110
constituição de academias científicas e literárias. Ao propor as reformas educacionais,
Pombal pretendia utilizar-se da instrução pública para “[...] dominar e dirimir a ignorância
que grassava na sociedade, condição incompatível e inconciliável com as ideias
iluministas” (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2006, p. 471). A elite brasileira era incentivada
a completar seus estudos na Universidade de Coimbra, fortalecendo os elos com a
metrópole. No entanto, tais medidas educacionais não garantiram progresso científico
expressivo. Havia um grande distanciamento entre o que as intenções legais
preconizavam e o que acontecia na prática, provocando um longo período de decadência
e desorganização na educação colonial.

O ensino, do nível das primeiras letras ao secundário, passou a ser ministrado


sob a forma de aulas avulsas, fragmentando o processo pedagógico. Faltaram
professores, manuais e livros sugeridos pelos novos métodos. Os recursos
orçamentários foram insuficientes para custear a educação pública, havendo
atrasos nos salários dos mestres. A Coroa, em determinadas ocasiões, chegou
mesmo a delegar aos pais a responsabilidade pelo pagamento dos mestres. Isso
mostra como a educação, tornada pública pela lei, estava em grande parte
privatizada (VILLALTA, 1997, p. 349).

Assim, a instrução escolar teve um alcance social limitado. A reforma educacional de


Pombal não conseguiu atingir a maior parte da população brasileira, já que as aulas e
disciplinas, via de regra, não eram oferecidas em todos os vilarejos e cidades, obrigando
os interessados a se deslocarem a locais distantes (VILLALTA, 1997). Maciel e Shigunov
Neto (2006) defendem em seu artigo que a reforma educacional proposta pelo Marquês
de Pombal foi desastrosa, tanto para educação brasileira quanto para a educação
portuguesa. Para os autores, após a destruição da organização educacional consolidada
pelos jesuítas “[...] ainda que contestáveis do ponto de vista social, histórico, científico”,
não houve a implementação de uma proposta educacional capaz de atender as
necessidades sociais (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2006, p. 465). As políticas
educacionais, conclui-se, sofreram e seguem sofrendo com o processo de
descontinuidade. Novas propostas substituem antigas propostas educacionais, sem que
haja projetos constituídos e sem resguardar as práticas instituídas que, de alguma forma,
funcionavam. “A expulsão dos jesuítas e a total destruição de seu projeto educacional
podem ser consideradas como o marco inicial dessa peculiaridade tão arraigada na
educação brasileira” (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2006, p. 472). Outra crítica feita às

111
reformas pombalinas nos é apresentada por Luiz Carlos Villalta, que defende que a
instrução escolar implementada por Pombal era prisioneira da orientação religiosa e
calcava-se na repetição, sendo, portanto, contrária ao espírito científico defendido pelo
Iluminismo.

O que contava, tanto do ponto de vista da organização dos estudos quanto de


sua apropriação pelas elites sociais, era a imitação dos textos clássicos gregos e
latinos, havendo uma grande valorização do exagero, da retórica e da eloquência.
A instrução, assim, subordinava-se à civilidade das aparências, constituindo um
ornamento a ser ostentado pelos indivíduos socialmente privilegiados. [...] Estado
e Igreja, descuidando desse ensino escolar eloquente, retórico e imitativo — e,
de resto, elitista e ornamental —, adotaram uma perspectiva geral da educação
claramente reprodutiva, voltada para a perpetuação de uma ordem patriarcal,
estamental e colonial (VILLALTA, 1997, p. 351).

Sendo um ensino que se pode considerar em alguns momentos semipúblico, a


educação colonial não era acessível a todos os brasileiros. Quando tinham condições,
os pais que desejavam garantir a educação de seus filhos contratavam professores para
lhes ensinar. Ademais, conforme defendido por Villalta, a educação não priorizava o
método científico, sendo caracterizada pela repetição e imitação, não valorizando o
processo criativo, investigativo e empírico. Esses dois pontos destacados deram a tônica
da educação no Brasil, em que ensino de qualidade precisava ser comprado. Talvez as
políticas educacionais dos últimos anos no país, nos âmbitos municipal, estadual e
federal, sejam um prenúncio de uma eventual integração de toda a população brasileira
no sistema de ensino, graças a recursos destinados a garantir a permanência de pessoas
de baixa renda nas escolas e nas universidades.

20 OS ANTECEDENTES DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA

Um dos principais objetivos dos portugueses ao se lançarem nas navegações era


encontrar ouro e pedras preciosas. Ao chegarem no Brasil, em 1500, os portugueses
notaram que os indígenas não usavam ouro para se ornamentar. Tal fato, além do
lucrativo comércio com as Índias, fez com que Portugal não tivesse interesse inicial de
colonizar o Brasil. O ouro só foi encontrado no Brasil em 1693, quando Antônio Rodrigues
Arzão descobriu o primeiro filão de ouro no sertão de Cataguases (FROTA, 2000). A

112
descoberta do ouro na região das Minas Gerais trouxe alívio, ainda que efêmero, para os
cofres portugueses, que enfrentava uma grave crise econômica, envolvendo a luta pela
libertação do domínio espanhol e o fim da União Ibérica (1640). A coroa portuguesa teve
que arcar com os custos da guerra contra a Espanha, que durou até 1668 e com a
indenização paga à Holanda em 1654, depois de vencer a Insurreição Pernambucana.
Após serem expulsos do Nordeste, os holandeses passaram a produzir açúcar nas
Antilhas, fazendo concorrência na Europa com o açúcar brasileiro. De acordo com
Maximiliano Menz (2013, p. 44, documento on-line, acréscimo nosso): “[a] causa
estrutural da crise no Nordeste seria a redução secular dos preços, motivada pela queda
da demanda europeia”. Com a queda no preço internacional do açúcar, a economia
colonial, e consequentemente a portuguesa, foram duramente afetadas. Além dos
problemas vindos da colônia, entre final do século XVII e início do XVIII a economia
portuguesa era extremamente dependente da Inglaterra, sobretudo após a assinatura do
Tratado de Methuen, em 1703, conforme comenta Boris Fausto (2004, p. 98–99,
acréscimo nosso):

A assinatura do tratado] indica a diferença entre um Portugal agrícola, de um


lado, e uma Inglaterra em pleno processo de industrialização, do outro. Portugal
obrigou-se a permitir a livre entrada de tecidos ingleses de lã e algodão em seu
território, enquanto a Inglaterra comprometeu-se a tributar os vinhos portugueses
importados com redução de um terço do imposto pago por vinhos de outras
procedências.

O alívio aos cofres portugueses foi efêmero, pois a partir da segunda metade do
século XVIII a produção aurífera na região das Minas Gerais começou a declinar. O
Quadro 1 mostra a produção de ouro no Brasil no século XVIII.

113
Quadro 1. Evolução da produção aurífera na América portuguesa ao longo do séc. XVIII
Fonte: Adaptado de Pinto (1979).

A partir da análise do quadro, podemos verificar que o auge da produção de ouro em


Minas Gerais foi atingido ainda na primeira metade do século XVIII; porém, a partir da
segunda metade do século, a extração aurífera na capitania entrou em declínio
acentuado. A desaceleração ocorreu de forma natural, tendo em vista que o ouro é um
recurso finito. No entanto, o contrabando do ouro contribuiu para o decréscimo na
arrecadação. A partir de 1750, a coroa portuguesa substituiu o sistema de capitação
novamente pelo quinto e instituiu uma cota fixa de 100 arrobas (equivalente a cerca de

114
1.500 quilos) de ouro, que deveria ser paga anualmente pelos mineradores (HOLANDA,
2008). Caso essa cota de ouro não fosse paga, a coroa portuguesa viria a instituir a
derrama, cobrança compulsória dos impostos atrasados, que deveriam ser pagos com
recursos dos mineradores. Até 1766, essa quantidade foi paga, mas a partir daí as
dívidas se acumularam, chegando a 538 arrobas de ouro (cerca de 8.000 quilos) em 1788
(JARDIM, 1989). A ameaça da cobrança da derrama atemorizava os mineradores. Além
dessa ameaça, o restabelecimento das companhias de comércio monopolistas
encareceu excessivamente os gêneros de primeira necessidade.
A coroa portuguesa ignorava, ou fingia ignorar, o fato de que a arrecadação diminuíra
devido ao esgotamento natural dos veios auríferos. Para continuar a exploração
sistemática do ouro, eram necessários recursos financeiros que os mineiros não
possuíam. Alguns funcionários do rei propunham adoções de medidas alternativas ao
simplesmente aumentar a fiscalização e os impostos da região mineradora, como o
próprio governador da capitania de Minas Gerais chegou a sugerir:

Aos espíritos mais judiciosos, não escapava essa decadência da produção


aurífera, e administradores de visão como o Governador D. Rodrigo de Meneses
propunham à coroa portuguesa uma série de reformas com a criação de um fundo
de crédito aos mineiros e o estabelecimento de uma fábrica de ferro, a fim de
baratear um artigo indispensável à mineração. D. Rodrigo animava-se a
apresentar tal recomendação, mesmo sabendo que ela contrariava frontalmente
o sistema colonial vigente. Defendia, porém, os interesses da Régia Fazenda
(HOLANDA, 2008, p. 439–440).

O sistema colonial vigente à que se refere Sérgio Buarque de Holanda diz respeito
ao Pacto Colonial, relação de exclusividade entre colônia e metrópole com objetivo de
deixar a colônia dependente dos produtos que só poderiam ser oferecidos pela
metrópole. Durante a administração do Marquês de Pombal (1750–1777), a instalação
de algumas manufaturas foi permitida, cujo objetivo principal era o fomento à produção
metropolitana. Era permitida a existência na colônia de pequenos polos de fabricação de
artigos de consumo, como tecidos, calçados, armas e ferramentas de trabalho. Tal
medida implementada por Pombal foi proibida pela rainha D. Maria I, sucessora do rei D.
José I. “O alvará de 5 de janeiro de 1875 proibiu a instalação de estabelecimentos fabris.
Em consequência, as tecelagens paralisaram-se, com exclusão daquelas destinadas ao
fabrico de tecidos para escravos e sacaria” (FROTA, 2000, p. 180). Assim, aos preços

115
exorbitantes acrescentavam-se outros tributos, de efeitos desastrosos para a população,
que já não tinha mais condições de arcar com tantas taxas.
O governador da capitania de Minas Gerais, Rodrigo de Meneses, que apresentava
ideias consideradas “progressistas”, foi substituído por Luís da Cunha Meneses, que
governou a capitania entre 1783 e 1788. Havia dentre os colonos um sentimento de
hostilidade com relação aos funcionários portugueses, principalmente para com os
governadores. De acordo com Boris Fausto (2004, p. 115, acréscimo nosso), “[o]
entrosamento entre a elite local e a administração da capitania sofreu um abalo com a
chegada” de Cunha Meneses, que “marginalizou os membros mais significativos da elite
[mineira], favorecendo seu grupo de amigos”. O descontentamento dos colonos com a
administração portuguesa só aumentava. Segundo Sergio Buarque de Holanda (2008, p.
440) “bastaria um motivo concreto, imediato e um líder para se armar um levante”. A
situação na colônia foi agravada com a nomeação de Luís Antônio Furtado de Mendonça
para exercer o cargo de governador da capitania das Minas Gerais, em julho de 1788. O
Visconde de Barbacena, título do governador, assumiu o governo da capitania com o
principal objetivo de promover a derrama.

Barbacena recebeu do ministro português Melo e Castro instruções no sentido


de garantir o recebimento do tributo anual de cem arrobas de ouro. Para
completar essa quota, o governador poderia se apropriar de todo o ouro existente
e, se isso não fosse suficiente, poderia decretar a derrama, um imposto a ser
pago por cada habitante da capitania. Recebeu ainda instruções no sentido de
investigar os devedores da coroa e os contratos realizados entre a administração
pública e os particulares (FAUSTO, 2004, p. 115).

Nesse contexto, a capitania de Minas Gerais devia para Portugal mais de cinco
toneladas de ouro. Os colonos afirmavam que não podiam pagar, porque o ouro estava
se esgotando. As autoridades portuguesas reafirmavam que o problema era que o ouro
estava sendo desviado. Holanda (2008, p. 340) afirma que “Não é por acaso que o
Visconde de Barbacena, em sua circular de 3 de março de 1789, apresenta como
principal causa para a diminuição das quotas pertencentes ao régio erário a crescente
atividade de contrabandistas e extraviadores”. Esse fato que fez com as elites de Minas
Gerais começassem a conspirar contra a Coroa. Não bastava lutar apenas contra
algumas medidas tomadas pela metrópole, era preciso mais do que isso. A solução

116
definitiva, pensavam as elites, seria separar a capitania de Minas Gerais do domínio
português.

20.1 A influência iluminista e norte-americana

Nesse clima de descontentamento, a propagação dos princípios liberais era feita


pelos habitantes da colônia que estudavam na Europa e, quando voltavam ao Brasil,
traziam e espalhavam ideias iluministas. Um grupo de intelectuais, militares, profissionais
liberais e funcionários públicos (a quem doravante chamaremos de inconfidentes) viu na
situação a oportunidade para obter apoio popular a um movimento armado contra o
domínio português, que levaria à independência e à criação de um governo republicano,
nos moldes dos Estados Unidos da América. Sérgio Buarque de Holanda apresenta um
importante paralelo entre a produção aurífera e a ida de estudantes brasileiros para as
universidades europeias. Holanda aponta que o crescente número de estudantes
mineiros em Coimbra coincide com a grande fase da produção aurífera na capitania. Já
quando a produção aurífera diminuiu, decresceu também o número de estudantes nas
universidades europeias:

Não é talvez por acaso que a diminuição mais sensível nas matrículas mineiras
no decênio que se inicia em 1750 — a de 1758 — corresponde exatamente ao
primeiro déficit no rendimento dos reais quintos: o produto da arrecadação que
se mantivera sempre bem acima de cem por cento do exigido baixara, com efeito,
a menos de 89 por centro do período 1757–58. A própria queda verificada em
1759–1760, por ligeira que fosse, também coincide com uma baixa contribuição
de Minas para os estudos superiores: apenas cinco estudantes em 1760, contra
onze no ano antecedente e outros onze no subsequente (HOLANDA, 2008, p.
338).

Esses estudantes acabaram se tornando responsáveis por trazer para colônia ideias
liberais. Os inconfidentes conheciam os autores iluministas e admiravam os líderes da
independência dos Estados Unidos, inspirando-se neles para formular seu plano. Embora
tenha surgido na Inglaterra, foi na França que o Iluminismo teve maiores
desdobramentos. Esse movimento de renovação de ideias baseado no racionalismo
comparava a razão com a luz que dissolve as trevas da ignorância e, por isso, ficou
conhecido como Iluminismo, e o século XVIII, como o Século das Luzes. Os ideais

117
iluministas atendiam às necessidades dos burgueses, que se sentiam prejudicados pelos
reis absolutistas e pela influência da Igreja em assuntos do Estado. Em 1690, o pensador
inglês John Locke publicou um livro destruindo as bases filosóficas que sustentavam a
teoria do Direito Divino:

Demolia-se a teoria de que o direito dos monarcas à autoridade absoluta derivava


de um poder além dos limites do homem, o poder divino. Configurava-se a teoria
do “contrato social” como base de legitimidade da autoridade dos governos, teoria
posteriormente desenvolvida também por Jean-Jacques Rousseau. Criava-se
arcabouço filosófico necessário à burguesia para opor-se às prerrogativas e
privilégios da nobreza e do clero, através das ideias de igualdade social e direito
coletivo de liberdade e garantia de uso e fruição de propriedade. [...] Estabelecia-
se o direito de revolução contra o governo ilegítimo (JARDIM, 1989 p. 42).

A Universidade de Coimbra destacava-se nesse contexto pelo “espírito secular”


influenciado pelo Iluminismo. Muitos estudantes mineiros que se envolveram na
Inconfidência Mineira haviam estudado em Coimbra. Estima-se que entre 1772 e 1785,
300 estudantes brasileiros tenham estudado em Coimbra, e parte deles tinha estudado
também na Universidade de Montpelier, na França, onde entre 1767 e 1793 haviam
passado 15 estudantes brasileiros. De acordo com Jardim (1989, p. 43), “Em 1786, em
Montpelier estavam três estudantes diretamente envolvidos na Inconfidência: Domingos
Vidal de Barbosa Laje, José Mariano Leal (do Rio de Janeiro) e José Joaquim da Maia e
Barbalho (do Rio de Janeiro)”. Na França, o estudante José Joaquim da Maia e Barbalho
escreveu uma carta à Thomas Jefferson, redator da Declaração de Independência dos
Estados Unidos, em 1786. No encontro com Thomas Jefferson, “o jovem brasileiro havia
lhe indagado de as possibilidades do governo americano ajudar o Brasil, caso ali se
tentasse a libertação de Portugal” (QUIRINO, 1990, p. 273). Diplomaticamente, Thomas
Jefferson procurou não se comprometer.
A independência dos Estados Unidos teve muita influência do Iluminismo. As ideias
iluministas eram divulgadas nas 13 colônias principalmente por meio de panfletos e
periódicos que circulavam intensamente na Inglaterra do século XVII e na França do
século XVIII. A Declaração de Independência dos Estados Unidos, aprovada em 4 de
julho de 1776, fazia claras menções aos princípios iluministas:

• igualdade de todos os homens;

118
• direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade (princípios defendidos por John
Locke como Direitos Naturais);
• se o governo não respeitasse esses princípios, o povo poderia derrubá-lo e instituir
um novo governo.

Outra importante influência para os inconfidentes foi o livro do francês Thomas


Guillaume François, conhecido como Abade Raynal. O livro História filosófica e política
dos estabelecimentos comerciais dos europeus nas duas Índias, publicado em 1770, foi
o mais citado nos Autos da Devassa (processo judicial) da Inconfidência Mineira:

[O] livro era uma denúncia dos crimes do colonialismo europeu; denunciava o
Tratado de Methuen e a dependência de Portugal à Inglaterra, o tráfico negreiro,
a política fiscal abusiva e os excessos do clero. Dedicava 136 páginas ao Brasil,
para o qual defendia a liberdade de comércio. Fora praticamente o único livro
com grandes informações de ordem econômica, demográfica e político-
administrativa do Brasil do século XVIII a que tiveram acesso os estudantes
brasileiros (JARDIM, 1989, p. 43–44).

Mesmo sendo considerado um déspota esclarecido, o Marquês de Pombal buscava


solucionar a crise econômica enfrentada por Portugal, fortalecendo o poder do rei D. José
I. Para tal, censurou a leitura de livros na colônia que pudessem contestar o poder real.
Pensadores como Descartes, Voltaire, Raynal e Rousseau, bem como as “terríveis ideias
francesas”, eram proibidos. Segundo Quirino (1990, p. 277) “Nas colônias sempre haviam
sido proibidas as obras consideradas subversivas, isto é, aquelas que pudessem de
alguma forma incitar a revolta contra a Metrópole, discutir o poder absoluto dos reis ou
mesmo a liberdade do cidadão”. Ainda que proibidas, essas leituras fizeram parta da
formação intelectual de quase todos os inconfidentes. De acordo com Márcio Jardim, as
ideias iluministas eram absorvidas pelos mineiros por dois fatores: a posição geográfica,
perto de contato constante com os portos, e por ter intelectuais aptos a recebê-las, como
historiadores, filósofos, poetas e padres esclarecidos. A Constituição dos Estados Unidos
já circulava por Minas Gerais em 1787, um ano após ser elaborada (JARDIM, 1989). Para
Quirino (1990, p. 274):

119
Havia, portanto, para os habitantes das colônias americanas, dois focos de
inspiração de caráter libertário: um, bastante óbvio, dizia respeito a uma
revolução bem-sucedida que tinha possibilitado a realização concreta da
libertação de um povo e o surgimento de uma nova nação; outro, de caráter
ideológico, falava em liberdade e igualdade dos homens e era aprendido fora da
colônia por uma elite intelectual, porém curiosamente conseguia se difundir no
seu interior atingindo mesmo os menos favorecidos.

Fica claro, portanto, que o pensamento iluminista serviu de base teórica para a
Inconfidência Mineira, enquanto o sucesso do processo de Independência dos Estados
Unidos servia como modelo prático de insurgência para os inconfidentes mineiros,
modelo este que deveria ser seguido para libertar Minas Gerias do domínio português.

21 A INCONFIDÊNCIA MINEIRA

Quando foi anunciado que a cobrança dos impostos atrasados seria feita em 1789,
acompanhada de uma ampla investigação sobre o contrabando na região, destacados
membros da elite econômica e intelectual de Minas Gerais passaram a se reunir em Vila
Rica e a planejar um movimento contra o domínio colonial, que ficou conhecido como
Inconfidência Mineira. Muitos dos conspiradores aderiram à Inconfidência pois estavam
endividados com Portugal, ou porque eram acusados de contrabando, ou ainda porque
haviam perdido cargos importantes no governo colonial. Antes de analisarmos o que
pretendiam os inconfidentes, é necessário verificarmos quem eram esses intelectuais
mineiros e qual o envolvimento e interesses deles na Inconfidência Mineira. Vejamos a
seguir os principais envolvidos no movimento.

21.1 Os inconfidentes

Ao final da sedição que não se realizou, conforme veremos a seguir, foram


condenados 24 inconfidentes. Desses, os mais estudados pela historiografia são
Joaquim José da Silva Xavier (o Tiradentes), Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manoel
da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e os padres que se envolveram na
Inconfidência. No livro A inconfidência Mineira: uma síntese factual, o historiador Márcio
Jardim destaca que haveria muitos outros inconfidentes além dos 24 condenados ao final
120
do processo e que se fosse feita uma análise minuciosa de toda a documentação
existente sobre o tema, o número de inconfidentes passaria de cem. Jardim (1989, p. 46)
aponta que, segundo um dos devassantes, toda a população de Minas Gerais deveria
ser indiciada, pois “ou estava diretamente envolvida na conspiração, ou dela tinha
conhecimento e a apoiava tacitamente”. Márcio Jardim faz uma extensa análise dos
envolvidos na Inconfidência. Nas 264 páginas de seu livro dedicadas aos inconfidentes,
Jardim organiza uma biografia de 84 envolvidos no movimento, sendo distribuídos da
seguinte forma: 15 militares, 62 civis e 7 clérigos. Não nos cabe, entretanto, mencionar
aqui todos os inconfidentes apontados por Jardim, então faremos uma breve análise
sobre os principais envolvidos na Inconfidência.
A figura mais icônica da Inconfidência Mineira é, sem dúvida, Tiradentes, cujo nome
de batismo era Joaquim José da Silva Xavier. Nascido em 1746, filho de pai português e
mãe brasileira, era o 4º filho do casal. O local de nascimento de Tiradentes, a região de
São José del-Rei, foi rebatizado em sua homenagem e hoje é a cidade de Tiradentes.
Órfão desde muito cedo, a mãe falecera quando ele tinha 9 anos e o pai, quando tinha
11 anos. Tiradentes fora criado pelo seu padrinho, Sebastião Ferreira Leitão, com quem
aprendeu o ofício de dentista. Ao contrário do que por muito tempo se defendeu,
Tiradentes não era pobre. A fazenda onde nascera possuía 35 escravos, trabalhando
inclusive na mineração. Segundo Jardim (1989, p. 63, acréscimo nosso), “A casa tinha
dois pavimentos [...]. Havia senzalas e cozinhas coletivas. A família possuía numeroso e
valioso instrumental de ferro para minerar, relacionado, por sua importância, no inventário
[de sua mãe, aberto em 1756]”.
Já adulto, Tiradentes exerceu por algum tempo a atividade de mascate, adquirindo
experiência de vida e variados conhecimentos, como algumas noções de hidráulica.
Aderiu à carreira militar aos 29 anos, em dezembro de 1775, no Rio de Janeiro,
ingressando diretamente no posto de alferes, “posição hierárquica intermediária entre o
tenente e o cabo”, que hoje corresponderia ao posto de 2º tenente (JARDIM, 1989, p.
67–67). Tiradentes permaneceu no Rio de Janeiro até 1780, quando foi designado para
Sete Lagoas, Minas Gerais, encarregado da guarda do Registro ali existente. Nesse
posto, Tiradentes estabeleceu correspondência com um dos inconfidentes, o contratador
João Rodrigues de Macedo, “e por ela nota-se que já se conheciam” (JARDIM, 1989, p.
121
69). Com vasto conhecimento sobre a região, Tiradentes participou da abertura do
Caminho Novo, conhecido depois como Caminho de Meneses, em homenagem ao
governador Rodrigo de Meneses. Sobre a carreira militar de Tiradentes, Kenneth Maxwell
(MAXWELL, 2005, p. 144) destaca:

Apesar de sua personalidade dinâmica, não progredira em posto nem


remuneração até 1788. Queixava-se amargamente de que, a despeito de seus
bons serviços, fora preterido quatro vezes por outros “mais bonitos” ou que
contavam com a influência de parentes bem situados. Exerceu o comando de
importante destacamento dos Dragões que patrulhava a estrada da Serra da
Mantiqueira, no governo de D. Rodrigo José de Meneses. O governador Luís da
Cunha Meneses removera-o deste lucrativo posto.

Durante sua permanência no Rio de Janeiro, percebeu o potencial da cidade como


porto natural de um grande país. Nesse período, década de 1780, Tiradentes já havia
entrado em contato com ideais separatistas e tinha enorme apreço pela revolução que
garantiu a Independência dos Estados Unidos e pelo Iluminismo, adotando posições mais
radicalizadas durante o processo conspiratório. Tiradentes circulava com livros sobre a
Independência dos Estados Unidos e buscava outros livros relacionados ao tema. A
emancipação norte-americana empolgava-o e ele tentava convencer as pessoas de suas
ideias. Andava sempre com dicionários, para traduzir os textos em francês. De acordo
com Jardim (1989, p. 75–76), “Esse modo de ser e de agir, reflexo de uma personalidade
exaltada, foi razão de alcunhas que lhe foram apostas. Além da própria palavra ‘tira-
dentes’, chamavam-lhe o ‘corta-vento’, ‘gramaticão’, ‘o República’, ‘o Liberdade’”.
Imbuído da missão de protagonizar um levante contra o domínio português, Tiradentes,
recorreu ao seu superior:

Sabendo que uma revolta não se concretiza com palavras, espalhou a ideia entre
os seus camaradas, conseguindo o apoio de seu comandante, o Tenente- -
Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, de ilustre linhagem, em cuja casa
reuniam-se os conjurados. Sem dúvida, José Alvares Maciel exerceu muita
influência, pois era cunhado de Freire de Andrade (FROTA, 2000, p. 215–216).

A participação e contribuição de Tiradentes na Inconfidência Mineira foi muito


importante. Nas palavras de Márcio Jardim (1989, p. 85): “radicalizou suas posições ao
ponto de não [sic] importar-se com a entrega da própria vida”. Conforme veremos adiante,
Tiradentes foi o único dos inconfidentes a ser executado. Superior de Tiradentes, o militar

122
Francisco de Paula Freire de Andrade foi o inconfidente de mais alta patente envolvido
no movimento. Em 1789, Francisco de Paula era tenente-coronel e ocupava o posto de
comandante do Regimento Regular de Cavalaria de Minas (RRCM), unidade conhecida
também como “Dragões Reais de Minas”. Vindo de uma família de posses, ainda que
fosse filho ilegítimo de um conde, Francisco de Paula casou-se com Isabel Querubina de
Oliveira Maciel, cujo dote rendera a Francisco de Paula uma boa quantia em dinheiro.
Juntando a riqueza pessoal de Francisco de Paula com o dote de sua esposa, eles eram
um dos casais mais ricos da capitania (JARDIM, 1989). A casa de Francisco de Paula
era ponto de encontro onde eram realizadas as reuniões com os principais inconfidentes.
Ao assumir o ministério português, Melo e Castro propôs mudanças com relação à
colônia, a começar pela substituição do governador Luís da Cunha Meneses pelo
Visconde de Barbacena.

Melo e Castro, em suas instruções, acusava os Dragões e suas “abomináveis


extorsões e assaltos armados” de serem parcialmente responsáveis pelo
calamitoso estado da Fazenda de Minas. Se a reforma da tropa regular — e
Barbacena planejava uma reestruturação radical — ameaçava sua posição
pessoal, não chega a ficar claro (MAXWELL, 2005, p. 146).

O Visconde de Barbacena recebera em outubro de 1788 um relatório sobre a lista de


militares da capitania, que continha o nome de oficiais já afastados e outros tantos
inexistentes. Essa lista “inchada” aumentou o montante a ser pago aos militares. A Junta
da Fazenda determinou que os pagamentos fossem suspensos até a confirmação das
comissões das tropas. As listas em questão foram elaboradas por Francisco de Paula e
“continham muito mais tropas do que as realmente em serviço” (MAXWELL, 2005, p.
147). Logo, Francisco de Paula teve grande envolvimento no movimento. Na visão de
Márcio Jardim, o mais importante inconfidente foi Tomás Antônio Gonzaga, a quem vimos
anteriormente e creditado pela criação das Carta Chilenas. Tomás Antônio Gonzaga
nasceu em agosto de 1744, na cidade do Porto, em Portugal, onde vivera até os 7 anos
de idade, quando seu pai, desembargador João Bernardo Gonzaga, foi nomeado ouvidor
de Recife. Gonzaga e sua família permaneceram em Recife até 1759, quando seu pai
assumiu o cargo de Intendente Geral do Ouro na Bahia. Aos 17 anos, Gonzaga teria
completado os estudos em Salvador, provavelmente no Colégio dos Jesuítas. Em 1761,
Gonzaga e seu irmão, José, retornaram à Portugal para estudarem na Universidade de
123
Coimbra, onde Gonzaga iniciara seus estudos de direito em 1763. Durante o curso na
Universidade, Gonzaga estudou com Inácio José de Alvarenga Peixoto, que se tornaria
também um inconfidente (JARDIM, 1989).
Após concluir o curso de Direito, em fevereiro de 1768, advogou por um tempo na
cidade do Porto. Em 1778, iniciou sua carreira na magistratura, sendo nomeado Juiz de
Fora na cidade de Beja. Em 1782, Gonzaga é nomeado Ouvidor Geral de Vila Rica,
assumindo o posto em dezembro deste mesmo ano (JARDIM, 1989). Gonzaga criticou
anonimamente o governador da capitania de Minas Gerais, Luís da Cunha Meneses, por
meio das Cartas Chilenas, citadas anteriormente. Em 1786, Gonzaga foi nomeado
Desembargador para a Relação da Bahia, mas retardou sua ida para o Nordeste com o
pretexto de organizar o seu noivado (JARDIM, 1989). Sabe-se agora que sua ida foi
retardada dado seu envolvimento com a Inconfidência Mineira. Permanecendo em Minas
Gerais com recursos próprios, Gonzaga usou de sua influência para criar condições
favoráveis ao levante: “pressionava constantemente seu amigo Bandeira, cujo papel era
o de exigir a derrama, para que pedisse a cobrança da dívida total de mais de 500 arrobas
de ouro devidas à Fazenda e não só os atrasados do ano anterior” (MAXWELL, 2005, p.
147). Gonzaga almejava com tal atitude inflamar ainda mais os ânimos dos mineiros
contra a dominação portuguesa. Márcio Jardim defende que Gonzaga foi o mais
importante dos inconfidentes:

O papel de Tomás Antônio Gonzaga na revolução mineira de 1789 foi dos mais
importantes e decisivos. Embora a historiografia específica sobre seu caso
pessoal seja polêmica e contraditória, tenho certeza de que a leitura moderna
dos Autos não deixa dúvida quanto a três fatos fundamentais: a) Gonzaga
participara efetivamente da conspiração; b) era um de seus principais líderes [...];
c) tinha responsabilidade capital na revolta, com a tarefa de redigir a Constituição
e os documentos legais mais importantes de institucionalização da nova situação
política a ser criada (JARDIM, 1989, p. 103).

Do grupo de inconfidentes civis, destaca-se a participação do poeta e minerador


Cláudio Manuel da Costa, nascido em Mariana, Minas Gerais, em 1729. Kenneth Maxwell
o aponta como um dos mais instruídos dos inconfidentes, o qual viria a auxiliar Gonzaga
na elaboração das leis do novo Estado sonhado. Ainda de acordo com Maxwell, Cláudio
Manuel da Costa teria traduzido o livro Riqueza das Nações, de Adam Smith (2005).
Dentre outros civis que se envolveram na Inconfidência, destacam-se:

124
• Domingos de Abreu Vieira, comerciante português, nascido em 1924, que mantinha
estreitos vínculos pessoais com os principais inconfidentes. Abreu Vieira teria garantido
o fornecimento da pólvora necessária para deflagração da Inconfidência. De acordo com
Maxwell (2005, p. 148), Abreu Vieira tinha uma grande dívida com a Fazenda Real e se
envolveu na Inconfidência “porque ela proporcionava um meio de eliminar suas dívidas”.
• João Rodrigues de Macedo, contratador português, citado por Melo e Castro como
um dos maiores devedores da Fazenda. Macedo era de uma abastada família de
Coimbra e vivia no mais belo palácio particular da capitania de Minas Gerais, que abriga
hoje a Casa dos Contos, em Ouro Preto. Segundo Maxwell, a dívida de Macedo era “oito
vezes maior do que seu ativo” (2005, p. 149). Macedo era um dos mais interessados no
rompimento político com Portugal, para que sua fortuna fosse assegurada.
• Joaquim Silvério dos Reis, também contratador português, nascido em 1755 ou
1756, em Monte Real. Quando foi preso, em 1789, “era um dos homens mais ricos da
capitania e, ao lado de João Rodrigues de Macedo, o mais endividado em relação ao
Erário” (JARDIM, 1989, p. 156). Silvério dos Reis aderiu à conspiração no início de 1789,
a contragosto de Gonzaga, que inclusive criticava Silvério do Reis nas Cartas Chilenas,
chamando-o de Silverino.
• José Alvares Maciel, nascido em Vila Rica (atual Ouro Preto) em 1760, sendo o
mais jovem dos inconfidentes. Maciel estudou em Coimbra, onde concluiu o curso de
Filosofia Natural (equivalente ao de Engenharia Química), em 1785. Aluno exemplar,
Maciel teria em Portugal entrado em contato com os ideais iluministas e também, de
acordo com Márcio Jardim (1989, p. 143), teria aderido à Maçonaria, “e este fato permite
provar que a Maçonaria não era inexistente no Brasil e em Minas Gerais naquela época,
como se pensa geralmente”. José Alvares Maciel era de uma família rica e sendo
totalmente dependente de seu pai, “o jovem Maciel via-se ameaçado de perder seu
patrimônio em virtude das ordens de Melo e Castro” (MAXWELL, 2005, p. 143).
• Inácio José Alvarenga Peixoto, nascido no Rio de Janeiro, em 1742. Graduou-se
em Direito na Universidade de Coimbra em 1768. Foi nomeado Juiz de Fora na cidade
de Sintra, em Portugal, pelo Marquês de Pombal, ainda em 1768. Abandonou a
magistratura para se dedicar à mineração e ao latifúndio. Assim como Gonzaga e Cláudio
125
Manoel, Alvarenga era um excelente poeta, com poemas bastante conhecidos do público
(JARDIM, 1989). Tal como os demais inconfidentes mencionados, Alvarenga Peixoto
estava endividado com a Fazenda e também com João Rodrigues de Macedo, que lhe
emprestara dinheiro desde que este estudava em Coimbra (MAXWELL, 2005).
• Clérigos: Padre Carlos Correia de Toledo e Melo, o mais radical dos eclesiásticos
envolvidos na Inconfidência Mineira. Nasceu em Taubaté em 1731 e “era um rico
proprietário de terras, com grandes lavouras e trabalhos na mineração, sendo senhor de
numerosos escravos na comarca de Rio das Mortes” (MAXWELL, 2005, p. 145). Com
atuação decisiva na Inconfidência Mineira, o padre Carlos Correia pode ser considerado
um dos principais líderes, que arregimentou vários adeptos (JARDIM, 1989). Padre José
da Silva e Oliveira Rolim, nascido em Diamantina, em 1747. Filho do primeiro
administrador do Real Contrato dos Diamantes, Oliveira Rolim pode ser considerado, “em
termos de liquidez, o mais rico dos inconfidentes” (JARDIM, 1989, p. 296).
Diferentemente de outros inconfidentes, Oliveira Rolim não tinha dívidas com a Fazenda,
mas fora expulso da capitania de Minas Gerais pelo governador Luís da Cunha Meneses,
em 1876. Retornou à capitania, de modo clandestino, no ano seguinte. Segundo Maxwell
(2005, p. 145), “O Padre Rolim tentara obter de Barbacena a revogação da ordem de seu
banimento, sem êxito, e sua mágoa levou-o — aparentemente — a aderir à conspiração”.
Padre Luís Vieira da Silva, nascido em 1735, em Congonhas, Minas Gerais. O historiador
Márcio Jardim aponta com convicção que o Padre Luís Vieira da Silva foi o maior líder
da Inconfidência Mineira, ao lado de Tomás Antônio Gonzaga. De acordo com Jardim
(1989, p. 276), “Luís Vieira foi o criador do movimento, líder intelectual, coordenador,
estrategista”. Entusiasta admirador da luta dos norte-americanos pela independência,
“Luís Vieira muitas vezes falava contra o direito de Portugal sobre a América”
(MAXWELL, 2005, p. 148).

21.2 As propostas dos inconfidentes

Motivados pela expectativa da efetivação da derrama, os inconfidentes iniciaram


discussões sobre o movimento ainda em 1788. As primeiras reuniões foram realizadas
em dezembro de 1788, na casa do tenente-coronel Francisco de Paula Freire de
126
Andrade. Além do anfitrião, estavam presentes na primeira reunião José Alvares Maciel,
cunhado de Francisco de Paula, Tiradentes e o Padre Carlos Correia. Holanda (2008, p.
443) afirma que “Discutiram-se as possibilidades do levante por ocasião do lançamento
da derrama e suas probabilidades de sucesso, tendo-se em vista a autossuficiência da
Capitania de Minas Gerais”. Nada de concreto fora decidido nessa reunião. Na segunda
reunião, foi acrescentado o Padre Oliveira Rolim. Alvarenga Peixoto só participaria
futuramente, sendo chamado pelo Padre Correia. Kenneth Maxwell assim discorre sobre
os planos dos inconfidentes:

Os conspiradores esperavam que a derrama fosse imposta em meados de


fevereiro [de 1789]. Contando com a inquietação geral do povo, eles se
propunham instigar um motim sob cuja cobertura, e com a conivência dos
Dragões, o governador seria assassinado e se proclamaria uma república
independente. O alferes Silva Xavier deveria provocar a agitação em Vila Rica.
Teria o auxílio de companheiros que chegariam antecipadamente à cidade [...].
Quando os Dragões fossem convocados para enfrentar a multidão, Freire de
Andrade deveria atrasar-se até que o alferes tivesse partido para Cachoeira
[residência do governador da Capitania]. Introduzindo-se na escolta do
governador, ele prenderia e executaria Barbacena, voltando então para Vila Rica.
Freire de Andrade, à frente dos Dragões, faria face à multidão perguntando-lhe o
que pretendia. E o alferes, mostrando a cabeça do governador, bradaria que
queriam a liberdade. A seguir seria proclamada a república e lida uma declaração
de independência. [...] Se a conspiração fosse descoberta, todos deveriam negar
qualquer conhecimento dela. Não haveria nada escrito (MAXWELL, 2005, p. 142,
acréscimo nosso).

Tarefa difícil é a de precisar os reais objetivos do movimento, pois as fontes


disponíveis são os discursos dos réus e das testemunhas ouvidas no processo aberto
pela Coroa (FAUSTO, 2004). Conforme já mencionado, os inconfidentes pretendiam se
libertar da dominação colonial imposta por Portugal. Cabe ressaltar aqui que o anseio de
libertação do domínio português não se estendia a toda a colônia, uma vez que nesse
período não havia um sentimento de unidade nacional. Logo, os inconfidentes
pretendiam tornar a capitania de Minas Gerais independente de Portugal, contando que
posteriormente outras capitanias, sobretudo de São Paulo e do Rio de Janeiro, viessem
a aderir ao movimento. Os demais objetivos almejados pelos inconfidentes podem ser
resumidos da seguinte forma, segundo Maxwell (2005):

• separação da região mineira de Portugal e constituição de uma república cuja


capital seria São João del-Rei;
127
• fundação de uma universidade em Vila Rica;
• criação de uma Casa da Moeda para emissão de papel-moeda;
• abertura de fábricas de tecidos, ferro e pólvora, buscando o desenvolvimento
industrial;
• não haveria exército permanente e os cidadãos deveriam usar armas e servir à
milícia nacional quando necessário;
• Tomás Antônio Gonzaga governaria a república nos três primeiros anos, depois
disso, eleições seriam realizadas anualmente.

Os inconfidentes decidiram também qual seria a bandeira que iria guiá-los: “uma
bandeira com um triângulo ao centro (influência maçônica), gravada com a frase de
Virgílio: ‘Libertas quae sera tamen’ (Liberdade ainda que tardia)” (FROTA, 2000, p. 216).
Dois pontos sensíveis dividiam as opiniões dos inconfidentes: qual deveria ser o
tratamento dispensado ao governador Visconde de Barbacena e a questão da
escravidão. Com relação ao Visconde de Barbacena, a primeira proposta apresentada,
de executá-lo, passou a ser vista como radical demais. Alguns defendiam a expulsão do
governador da capitania. A primeira ideia, de executá-lo “parece ter sido a aprovada,
embora contra a opinião de Alvarenga Peixoto e de Carlos Correia. Gonzaga parece ter
sido favorável à decapitação do governador por ser o modo mais seguro de tornar
irreversível o compromisso com o levante” (MAXWELL, 2005, p. 152). A questão da
escravidão foi um assunto polêmico e sem consenso, já que muitos dos líderes eram
donos de escravos:

De um lado, no plano ideológico, é incompreensível que um movimento pela


liberdade mantivesse a escravidão; de outro, no plano dos interesses, como é
que membros da elite colonial, dependentes do trabalho escravo, iriam libertá-
los? Essa contradição surge no processo dos inconfidentes, mas é bom ressalvar
que nem sempre depoimentos derivados de interesses pessoais predominam nas
declarações. Alvarenga Peixoto, um dos maiores senhores de escravos entre os
conjurados, defendeu a liberdade dos cativos na esperança de que eles assim se
tornassem os maiores defensores da República. Outros, como Alvares Maciel,
achavam, pelo contrário, que sem escravos não haveria quem trabalhasse nas
terras e nas minas. Segundo parece, chegou-se a uma solução de
compromissos, pela qual seriam libertados somente os escravos nascidos no
Brasil (FAUSTO, 2004, p. 117–118).

128
Quando Tiradentes se dirigiu ao Rio de Janeiro, a fim de conseguir adesões e armas,
o movimento foi denunciado ao Visconde de Barbacena por Joaquim Silvério dos Reis,
cujo nome passou a ser associado a traição. Conforme visto anteriormente, Silvério dos
Reis era um dos maiores devedores entre os inconfidentes. Logo, se a Inconfidência
lograsse êxito, ele teria suas dívidas perdoadas, caso contrário poderia ser sua ruína.
Temendo que o movimento pudesse não dar certo, Silvério dos Reis decidiu delatar os
inconfidentes. A carta redigida em 15 de março de 1789 por Silvério dos Reis dava conta
de todos os envolvidos na Inconfidência, bem como de todos os detalhes de como o
movimento seria levado a cabo (MAXWELL, 2005). Um dia antes de receber a denúncia
de Silvério dos Reis, o Visconde de Barbacena já tinha cancelado a derrama, acabando
com o estopim que seria necessário para o início da Inconfidência Mineira.
O movimento tinha sido findado antes mesmo de começar. O Visconde de Barbacena
mandou prender os envolvidos, o que causou surpresa na população, ao ver que os
inconfidentes eram homens de grande prestígio na capitania. Tiradentes foi preso dia 10
de maio de 1789, no Rio de Janeiro. De acordo com Jardim (1989, p. 378), “No dia
seguinte, a Devassa aberta, Tiradentes sofreu o primeiro de 11 interrogatórios; ficará
mudo e na negativa até janeiro de 1790”. Durante os interrogatórios, conforme havia sido
combinado, alguns prisioneiros negaram o movimento. Mas nem todos negaram. O
alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, assumiu a iniciativa do movimento,
sendo considerado o principal líder, o que não era verdade. Entretanto, essa posição
parecia confirmar suas ações durante o planejamento do movimento, quando ele
divulgava abertamente suas ideias, mostrando-se fiel a suas crenças e um inconfidente
entusiasmado.
O processo dos conjurados, denominado Autos da Devassa, só foi proclamado em
1791, e, durante esse período, a maioria de seus participantes ficou presa no Rio de
Janeiro. A sentença previa a pena de morte na forca para 11 dos réus, e pena de desterro
(exílio) a outros sete. Contudo, no dia seguinte, a pena de morte foi transformada em
desterro, exceto a do alferes Silva Xavier. Confira a seguir a lista de condenados e suas
respectivas penas (JARDIM, 1989):

129
• Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes: condenado à morte por enforcamento,
seguido de esquartejamento.
• Francisco de Paula Freire de Andrade: condenado à morte, pena comutada em
degredo perpétuo para Angola. Faleceu em 1808 sem ter retornado ao Brasil.
• Tomás Antônio Gonzaga: condenado ao degredo em Moçambique, onde atuou
como advogado. Faleceu em 1810 sem ter retornado ao Brasil.
• Cláudio Manuel da Costa: não chegou a ser julgado, pois morreu na prisão, em
Minas Gerais, no dia 4 de julho de 1789.
• Domingos de Abreu Vieira: condenado à morte por enforcamento, teve a pena
comutada em degredo para Angola. Faleceu 28 dias após chegar em Luanda, no dia 9
de outubro de 1792.
• João Rodrigues de Macedo: não chegou a ser interrogado e julgado, pois
literalmente pagou para não ser preso.
• Joaquim Silvério dos Reis: mesmo tendo se envolvido nas reuniões com os outros
inconfidentes, não chegou a ser preso, por delatar o movimento.
• José Alvares Maciel: preso somente em outubro de 1789, foi condenado à morte
por enforcamento, mas teve a pena comutada em degredo para Angola. Faleceu em
1804.
• Inácio José Alvarenga Peixoto: condenado à morte por enforcamento, teve pena
comutada em degredo perpétuo para Angola. Chegou em Luanda em julho de 1792,
faleceu pouco mais de um mês depois, em Ambaca, Angola.
• Padre Carlos Correia de Toledo e Melo: foi condenado à morte por enforcamento,
mas por ordem da rainha de Portugal, Maria I, foi enviado para Lisboa, onde ficou preso
na Fortaleza de São Julião da Barra, até 1796. Depois de solto, foi para o Convento de
São Francisco da Cidade, onde veio a falecer em 1803.
• Padre José da Silva e Oliveira Rolim: assim como o Padre Toledo e Melo, Oliveira
Rolim foi condenado à morte, tendo a pena comutada por ordem da rainha Maria I.
Também ficou preso na Fortaleza de São Julião até 1796. Depois disso, passou a viver
no Mosteiro de Santo Bento da Saúde. Em 1804, obteve a licença para voltar ao Brasil.
Faleceu em 1835, em Diamantina.

130
• Padre Luís Vieira da Silva: originalmente condenado ao degredo perpétuo na ilha
de São Tomé, mas assim como os demais padres, foi enviado para Lisboa, onde
permaneceu preso na Fortaleza de São Julião da Barra, até 1796. Depois disso, foi para
clausura no Convento de São Francisco da Cidade, onde permaneceu por mais 6 anos.
Regressou ao Brasil por volta de 1805 e faleceu em Paraty, no Rio de Janeiro, em 1809.

No dia 21 de abril de 1782, na atual Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, Tiradentes


foi executado na forca, seu corpo foi esquartejado e a cabeça exposta num mastro em
Vila Rica. A execução de Tiradentes foi utilizada pela Coroa portuguesa para
desencorajar novos movimentos pela emancipação da colônia. No entanto, outras
manifestações contra o domínio metropolitano ocorreram em diferentes regiões da
colônia.

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