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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

GEOGRAFIA DA POPULAÇÃO

GUARULHOS – SP

1
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 5

2 A POPULAÇÃO E SUA HISTORICIDADE .................................................................... 6

2.1 Fases do crescimento populacional ........................................................................... 6

2.2 Motivações para o aumento populacional na história ................................................. 9

2.3 Relação entre geografia populacional e geografia econômica ................................. 11

3 A GEOGRAFIA DA POPULAÇÃO: ENFOQUES CONTEMPORÂNEOS .................... 15

3.1 O papel dos estudos populacionais .......................................................................... 15

3.2 Componentes importantes para o estudo de populações ........................................ 19

3.2.1 Aspectos sociais .................................................................................................... 19

3.2.2 Aspectos socioeconômicos ................................................................................... 21

3.2.3 Aspectos políticos ................................................................................................. 22

3.3 A importância da diversidade de gênero, de etnia e de cultura ................................ 23

4 A TEORIA MALTHUSIANA DO CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO ........................... 27

4.1 Contexto da teoria populacional formulada por Malthus .......................................... 28

4.2 Aspectos históricos da teoria malthusiana ............................................................... 30

4.3 A teoria malthusiana no contexto populacional atual ............................................... 33

5 AS TEORIAS POPULACIONAIS MARXISTA E REFORMISTA.................................. 38

5.1 Contexto histórico das teorias marxista e reformista ................................................ 38

5.2 A contribuição de Marx à geografia populacional ..................................................... 42

5.3 Viabilidade das teorias marxistas e reformistas no contexto atual ........................... 45

6 O NEOMALTHUSIANISMO E A GEOPOLÍTICA DA FOME ....................................... 48

6.1 Aspectos sociais da teoria neomalthusiana.............................................................. 49

6.2 A teoria neomalthusiana e a escassez de alimentos ................................................ 53

2
6.3 Decorrências da revolução verde ............................................................................. 55

7 CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO E CRESCIMENTO VEGETATIVO ....................... 59

7.1 Crescimento vegetativo versus crescimento demográfico ....................................... 60

7.2 Fatores determinantes do crescimento demográfico ................................................ 63

7.3 A historicidade do crescimento vegetativo ............................................................... 66

8 ASPECTOS DA DENSIDADE DEMOGRÁFICA ......................................................... 69

8.1 Regiões densamente povoadas ............................................................................... 70

8.2 As motivações para concentração e dispersão da população .................................. 74

8.3 A influência da economia na densidade demográfica .............................................. 76

9 DIFERENÇAS POPULACIONAIS NO HEMISFÉRIO NORTE E NO HEMISFÉRIO


SUL.............. .................................................................................................................. 80

9.1 Transição demográfica ............................................................................................. 80

9.1.1 Fases da transição demográfica ........................................................................... 81

10 TEORIAS MIGRATÓRIAS......................................................................................... 83

10.1 Historicidade das migrações .................................................................................. 83

10.2 Diferentes teorias e suas influências econômicas .................................................. 87

10.2.1 Teoria microeconômica neoclássica ................................................................... 87

10.2.2 Teoria do capital humano .................................................................................... 87

10.2.3 Teoria dos novos economistas da migração do trabalho .................................... 88

10.2.4 Teoria macroeconômica neoclássica .................................................................. 89

10.2.5 Teorias histórico-estruturalista ............................................................................ 89

10.2.6 Teoria do princípio da causalidade ...................................................................... 91

10.2.7 Teoria das análises institucionais ........................................................................ 92

10.3 Consequências das migrações .............................................................................. 94

10.3.1 Consequências econômicas................................................................................ 94

3
10.3.2 Consequências demográficas ............................................................................. 94

10.3.3 Consequências políticas...................................................................................... 95

10.3.4 Consequências socioculturais ............................................................................. 95

11 MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO ...................... 96

11.1 Migrações ambientais e suas motivações .............................................................. 97

11.1.1 Alterações ambientais e migração ...................................................................... 99

11.2 Migrações por conflitos......................................................................................... 100

11.2.1 Migrações na contemporaneidade .................................................................... 101

11.2.2 Consequências das migrações por conflitos ..................................................... 102

11.3 Influência econômica e a descapitalização no processo migratório ..................... 103

12 MIGRAÇÕES INTERNAS NO BRASIL ................................................................... 106

12.1 Movimentos populacionais no Brasil .................................................................... 107

12.1.1 Movimentos migratórios do período colonial até o século XIX .......................... 107

12.1.2 As migrações internas de meados do século XIX ao século XXI ...................... 110

12.2 Motivações para as migrações ............................................................................. 115

12.3 Consequências das migrações internas ............................................................... 118

13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 121

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material é


semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase
improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer
uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo
hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que
lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida
e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 A POPULAÇÃO E SUA HISTORICIDADE

Projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) para o crescimento


populacional indicam um aumento significativo nos próximos 80 anos, com estimativa
média de 11 bilhões de habitantes em escala mundial. No entanto, sabemos que o
crescimento demográfico global não é contínuo e apresenta oscilações ao longo do
tempo, que ocorrem de acordo com os aspectos ambientais socioeconômicos e culturais
de distintas realidades geográficas. Em uma perspectiva histórico-geográfica, algumas
dessas variações foram traduzidas, com fins analíticos, como fases do crescimento
populacional, nas quais são consideradas as condições sociais, produtivas, políticas,
econômicas e culturais dos distintos momentos históricos da humanidade.

2.1 Fases do crescimento populacional

A partir da segunda metade do século XX, a população mundial aumentou


exponencialmente, alcançando os atuais 7,7 bilhões de pessoas. No entanto, esse
cenário nem sempre foi assim, considerando que o crescimento populacional passou, ao
longo do tempo, por diferentes fases marcadas por aspectos produtivos, sociais e
econômicos ligados a saúde, alimentação, condições sanitárias, entre outros fatores que
afetam a qualidade e expectativa de vida de uma população. Além disso, é importante
considerar que as dinâmicas demográficas em escala mundial são bastante
diversificadas, variando de contexto nacional ou regional. Isso significa, por exemplo, que
as fases de crescimento demográfico de países economicamente desenvolvidos não são
idênticas às fases de crescimento dos países de economias emergentes, isto é, latino-
americanos, africanos e alguns asiáticos (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).
A primeira fase do crescimento populacional é marcada pela Revolução Industrial
na Europa, durante os séculos XVIII e XIX, o que contribuiu para a intensificação da
urbanização. O crescimento urbano é definido não apenas pelo aumento de edificações
nas cidades, mas pelo próprio crescimento demográfico, que pode ocorrer pelo aumento
da taxa de natalidade e pela migração. O papel desempenhado pela industrialização
neste sentido foi fundamental, visto que a produção industrial nos séculos XVIII e XIX
6
costumava utilizar todo o núcleo familiar como força de trabalho (DANTAS; MORAIS;
FERNANDES, 2011). Ou seja, mulheres e crianças (a partir de determinada idade)
também constituíam a mão-de-obra fabril. Esse foi um dos estímulos para o crescimento
das famílias, considerando que mais crianças significavam mais mão-de-obra, o que, por
sua vez, significava mais ingresso de renda na unidade familiar (DANTAS; MORAIS;
FERNANDES, 2011).
Ainda entre os séculos XVIII e XIX, a industrialização também colaborou com o
fenômeno de êxodo rural, quando as populações campesinas se deslocaram para as
cidades em busca de trabalho e melhor qualidade de vida. Esses fatores, somados à
redução nas taxas de mortalidade em função da melhoria das condições sanitárias,
provocaram um aumento exponencial dos índices populacionais no contexto europeu.
Essa primeira fase nos contextos latino-americanos, africanos e asiáticos
primeiramente não corresponde ao mesmo período que na Europa, América Anglo-
saxônica e Oceania. A motivação para o crescimento demográfico acelerado em países
como Brasil, Índia, Colômbia e China foi, além da industrialização e urbanização, o
avanço da medicina a partir da segunda metade do século XX, ampliando a expectativa
de vida em países que já apresentavam altos índices populacionais e elevada taxa de
natalidade. Entre as décadas de 1950 e 1990, a população em regiões como América
Latina e Ásia ultrapassou os índices da Europa quando este continente se encontrava
em fase de expansão demográfica (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).
A segunda fase do crescimento populacional na Europa também foi afetada pela
industrialização e urbanização, ao final do século XIX e início do século XX. Entretanto,
essa fase é marcada pela redução nas taxas de natalidade e mortalidade, devido às
transformações socioeconômicas e produtivas envolvidas na produção industrial. Um
exemplo dessas transformações foram os direitos trabalhistas — como a abolição do
trabalho infantil e a redução das excessivas horas de trabalho —, juntamente com
inovações tecnológicas que implicaram no desenvolvimento e adoção de equipamentos
que substituíram o trabalho humano em atividades exaustivas, elementos que
contribuíram para redução da mortalidade entre os trabalhadores operários, causando
um impacto no crescimento populacional da Europa de forma geral.

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A abolição do trabalho infantil também afetou a dinâmica familiar, pois provocou
uma redução no número de filhos, já que as crianças passaram de produtoras ativas de
renda para meras consumidoras no seio das famílias (DANTAS; MORAIS; FERNANDES,
2011). Além disso, a ampliação dos direitos civis às mulheres, que se inseriram no
mercado de trabalho e passaram a reivindicar direitos do ponto de vista reprodutivo,
afetou significativamente a taxa de fecundidade e natalidade. De forma complementar, o
desenvolvimento urbano da época, associado a melhorias nas condições sanitárias,
contribuiu para uma melhor qualidade de vida da população, aumentando obviamente a
expectativa de vida.
A terceira fase do crescimento populacional no contexto europeu foi
caracterizada por uma estabilização e posterior redução demográfica, em virtude do
declínio na taxa de fecundidade, redução da taxa de mortalidade e consequente aumento
na expectativa de vida da população (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011). A
segunda e terceira fases do crescimento populacional em países subdesenvolvidos,
como Brasil, Índia e México, também foram marcadas pela redução nas taxas de
natalidade e mortalidade. Essas transformações na dinâmica populacional ocorreram em
virtude de fatores sociais, como o acesso aos métodos contraceptivos e parciais
conquistas de direitos reprodutivos pelas mulheres; desenvolvimento urbano e melhoria
nas condições sanitárias; acesso à educação e saúde; e melhoria nas condições de
moradia. Aspectos econômicos também devem ser considerados, como o
desenvolvimento socioeconômico dos países, que resultou em melhoria na qualidade de
vida das pessoas.
No entanto, é importante levar em consideração que não estamos nos referindo
a realidades homogêneas, ainda que distintos países, ricos ou pobres, compartilhem
situações semelhantes em termos socioeconômicos. Em países como Angola,
Moçambique e Etiópia, por exemplo, as taxas de crescimento populacional são elevadas,
alcançando respectivamente 3,3%, 2,9% e 2,4% para o ano de 2017 (THE WORLD
BANK, 2019). É interessante notar que essas taxas são típicas da primeira fase de
crescimento populacional de países como Brasil (2,3% em 1960), Colômbia (3% em
1963) e Chile (2,94% em 1963) (THE WORLD BANK, 2019). O acelerado crescimento
populacional em países africanos pode estar associado a questões sócio produtivas e
8
culturais, como as estruturas agrárias em que a mão-de-obra é essencialmente familiar
e o casamento é uma forma de ampliar o terreno cultivado; a valorização de famílias com
muitos filhos; a prática eventual da poligamia; e o escasso uso de métodos contraceptivos
por parte das mulheres.
Analisando o caso de Moçambique, Cardoso (2007) entende que existe uma
relação entre casamento precoce, nupcialidade e taxa de fecundidade que altera toda a
dinâmica populacional no país. A elevação da idade de casamento, por exemplo, cada
vez mais comum nos contextos urbanos, é considerada um dos fatores que contribui para
a redução das taxas de fecundidade. No entanto, é interessante considerar que o
continente africano é bastante diverso e sua dinâmica populacional merece ser analisada
com os devidos cuidados, considerando suas especificidades histórico-geográficas, em
constante diálogo com as possíveis relações em escala global.

2.2 Motivações para o aumento populacional na história

Na seção anterior, conhecemos as fases do crescimento populacional em uma


perspectiva histórica. Além disso, vimos brevemente que a industrialização, urbanização,
ampliação na produção de alimentos, melhorias nas condições sanitárias e modernização
da medicina foram essenciais para o aumento populacional tanto em países
subdesenvolvidos quanto desenvolvidos. Por essa razão, aprofundaremos esses
condicionantes sociais que impactaram a dinâmica populacional em sua historicidade. Ao
mesmo tempo, existem diversos outros fatores que merecem ser estudados, como as
especificidades socioculturais e econômicas de realidades diversas, para que os
aspectos demográficos sejam lidos com os devidos cuidados ao estabelecermos relações
causais. De forma complementar, reiteramos que o crescimento populacional é
interpretado e analisado por meio de elementos como a natalidade, fecundidade,
mortalidade e migração (DAMIANI, 1998).
Já nos familiarizamos com a noção de que a Revolução Industrial, que teve início
no século XVIII na Europa, transformou, em escala global, a sociedade e sua dinâmica
econômica, produtiva e até cultural. Em termos demográficos, esse fenômeno social foi
determinante tanto para o aumento e posterior redução das taxas de natalidade quanto
9
para o declínio na mortalidade. O trabalho infantil, comum na produção industrial nos
séculos XVIII e XIX, afetou a organização demográfica familiar, estimulando o aumento
no número de filhos nas unidades domésticas e consequentemente elevando a taxa de
natalidade em diversas regiões da Europa, sobretudo no Reino Unido (DANTAS;
MORAIS; FERNANDES, 2011).
Por sua vez, a industrialização levou a um aumento na oferta de alimentos
impulsionado pela modernização da agricultura, por meio da qual foram introduzidos
novos insumos agrícolas, assim como tecnologias logísticas e produtivas que permitiram
uma ampliação na oferta de produtos de primeira necessidade, reduzindo, dessa forma,
a mortalidade entre a população (DAMIANI, 1998). Nesse contexto, a industrialização,
em associação com a modernização agrícola, também foi responsável pela intensificação
da urbanização, como condição e resultado da migração no sentido campo–cidade, que
caracteriza o fenômeno do êxodo rural. Ou seja, populações campesinas, em algumas
situações expropriadas de suas terras e com o objetivo de buscar trabalho e melhor
qualidade de vida, deslocaram-se para as cidades, inflacionando a população urbana.
Segundo outras considerações teóricas a respeito da dinâmica populacional, a
industrialização, assim como a urbanização, apesar de em um primeiro momento ter
estimulado o aumento populacional, de forma geral provocou a redução da fecundidade
(DAMIANI, 1998). Isso ocorreu devido à ampla difusão e incorporação da lógica da
racionalidade e individualidade, características do estilo de vida urbano-industrial nas
sociedades ocidentais modernas, resultando na primazia da família nuclear com poucos
filhos, em detrimento da família ampla (DAMIANI, 1998). Isso significa que, em virtude
dos custos envolvidos na criação e formação dos filhos, a taxa de fecundidade despencou
entre as famílias europeias, que passaram a ser cada vez menores, almejando com isso
um melhor desenvolvimento econômico familiar. Além das questões socioeconômicas, o
avanço da medicina no tratamento, controle e prevenção de doenças, assim como
melhorias nas condições sanitárias, em nível individual e coletivo, foram fatores
determinantes na redução da mortalidade durante o século XIX e início do século XX,
resultando em forte aumento populacional.

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Os progressos da medicina datam de meados do século XIX em diante, com a
introdução da noção de assepsia e a descoberta de anestésicos. No final do
século XIX, destacam-se os bactericidas e a imunologia, citando-se, entre outros,
os trabalhos de Pasteur. A pesquisa em quimioterapia, iniciada na década de
1930, avança até nossos dias (DAMIANI, 1998, p. 32).

No entanto, consideramos importante entender que esses fatores não operam de


forma isolada na dinâmica populacional. Alguns autores mencionados por Damiani (1998)
entendem que aspectos sociais, como os direitos trabalhistas durante o período da
industrialização, foram fundamentais na redução das taxas de mortalidade da população
europeia:

[...] a mortalidade teria sofrido um descenso antes da socialização das grandes


conquistas médicas (vacinas, assepsia hospitalar, anestesia, descoberta de
grande número de vírus e bacilos, ou dos antibióticos às vésperas da Segunda
Guerra Mundial). [...] a redução da jornada de trabalho, a instituição das férias e
do seguro social para os trabalhadores e a revolução tecnológica nas formas de
produção, com as máquinas e equipamentos substituindo os homens em certas
atividades exaustivas, seriam as responsáveis iniciais pela redução da
mortalidade nos países desenvolvidos (DAMIANI, 1998, p. 32).

Isso também significa que as taxas de mortalidade, natalidade, fecundidade e


migração, em uma perspectiva histórica e contemporânea, são indicadores sensíveis às
condições sociais de uma população (DAMIANI, 1998). Ou seja, os elementos da
dinâmica populacional se relacionam diretamente com o desenvolvimento
socioeconômico de um país ou região. Por essa razão, devem ser mutuamente
articulados nos processos de análises, sempre considerando as condições de educação,
moradia, renda, desenvolvimento social e humano de uma realidade geográfica.

2.3 Relação entre geografia populacional e geografia econômica

Considerando que as dinâmicas populacionais estão sempre relacionadas aos


aspectos econômicos, produtivos e políticos da sociedade, fica explícito que não
podemos trabalhar o tema da geografia populacional de forma dissociada das questões
econômicas. O objetivo desta disciplina é analisar a dinâmica populacional em uma
perspectiva espacial, considerando fatores múltiplos, como a própria sociedade, técnica,
tecnologia, trabalho, sistema de produção, natureza, entre outros elementos sócio

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espaciais. Nesse sentido, a geografia econômica desempenha um papel importante, na
medida em que busca compreender de que forma as relações econômicas — entre
fatores de produção (espaço, trabalho e capital) e agentes econômicos (produtores e
consumidores) — em diferentes escalas se materializam e se movem pelo espaço,
produzindo-o e transformando-o (CLAVAL, 2012).
A geografia, como sabemos, passou por distintas fases em sua base
epistemológica, incorporando diferentes perspectivas teóricas, como a regional,
quantitativa, crítica e pós-moderna. Consequentemente, os estudos geográficos focados
em problemáticas econômicas acompanharam a trajetória da disciplina. Na segunda
metade do século XIX, geografia econômica clássica utilizava o método descritivo para
retratar as áreas e fluxos de produção (CLAVAL, 2012) e, do ponto de vista demográfico,
preocupou-se em realizar esboços quantitativos da distribuição da população sobre o
espaço: “É comum a utilização da representação cartográfica dessa repartição, dos
mapas — por pontos e signos volumétricos proporcionais —, e do cálculo das densidades
de população por quilômetro quadrado, em unidades de superfície de diferentes
tamanhos” (DAMIANI, 1998, p. 49).
Nesse sentido, os estudos populacionais em geografia apresentavam pouco
caráter analítico, da mesma forma que não consideravam a dimensão humana e histórica
do processo de distribuição populacional. Sendo assim, não explicavam a diversidade
sócio produtiva do espaço (por exemplo, a diversidade cultural de uma população e o
potencial econômico de um lugar) e sua relação com as dinâmicas de concentração e
dispersão populacional. O paradigma clássico da geografia econômica também enfocou
as potencialidades econômicas dos recursos naturais e, partir disso, suas transformações
e uso pelas atividades humanas (CARVALHO; FILHO, 2017). Em sua relação com a
geografia populacional, passou a avaliar em que medida esse potencial econômico
poderia influenciar o nível de densidade de ocupação populacional em determinada área.
No entanto, a disciplina não considerava inúmeras variáveis — sobretudo as históricas,
técnicas, sociais e produtivas — que poderiam afetar as formas de ocupação e uso do
solo, como as próprias técnicas empregadas pelas pessoas para explorar o potencial
produtivo e econômico de um lugar (DAMIANI, 1998).

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Posteriormente, orientada pelo paradigma da economia espacial, a geografia
econômica se debruçou sobre o tema da localização das atividades econômicas,
especialmente as industriais, considerando o impacto destas sobre o espaço em que
vivemos (CLAVAL, 2005; 2012; CARVALHO; FILHO, 2017). Segundo Damiani (1998, p.
50), na antiga União Soviética da primeira e segunda metade do século XX:

[...] a geografia da população é considerada como um ramo da geografia


econômica, no estudo da interligação dos processos econômicos e demográficos.
O estudo da implantação das empresas e das unidades territoriais de produção
criadas liga-se estreitamente à análise da repartição dos habitantes no território
nacional, da composição e do dinamismo desses grupos.

No entanto, foi em sua vertente mais crítica que a geografia econômica passou
a dialogar com os estudos populacionais em uma perspectiva não apenas quantitativa,
mas também qualitativa, considerando aspectos históricos, culturais, sociais e políticos.

Nessa fase, as pesquisas trataram da localização de atividades agrícolas e


industriais. Surgiu a divisão dos espaços urbanos, para funções produtivas e
funções residenciais. Essa nova perspectiva originou o desenvolvimento de uma
teoria das migrações humanas e contribuiu para a compreensão de situações
onde se buscava rendas mais altas e também atividades de lazer. A geografia
econômica passou a tratar de escolhas residenciais, de segregações urbanas e
do turismo (CARVALHO; FILHO, 2017, documento on-line).

Tal disciplina evidentemente não se isolou das transformações sociais ocorridas


no mundo na segunda metade do século XX — crise econômica, aumento populacional,
urbanização, globalização — e tampouco deixou de acompanhar as marés teóricas das
ciências sociais e humanidades para dar conta das novas problemáticas emergentes.
Portanto, passou a incorporar abordagens críticas diversas — economicista, marxista,
alternativas (CLAVAL, 2005) — para interpretar um novo momento marcado pela
mediação tecnológica e informacional das relações econômicas e espaciais. Com isso,
as discussões sobre mobilidade — de informação, mercadorias, tecnologias, pessoas —
ganham força.
O pensamento geográfico orientado pelo marxismo, por exemplo, parte da
premissa de que as relações econômicas e de produção incidem profundamente no
espaço. De acordo com autores como David Harvey (1980) e Neil Smith (1988), o espaço
geográfico é gerado a partir da produção de mercadorias e das relações sócio produtivas

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dentro do sistema capitalista que produz e reproduz desigualdades sociais, econômicas
e espaciais. Em uma perspectiva demográfica, sabemos que a população se configura
também como força de trabalho, produtora e consumidora de bens e serviços,
contribuindo para a reprodução do sistema de produção capitalista e sua lógica espacial,
ao mesmo tempo em que é atingida por essa estrutura. Fenômenos como a migração,
por exemplo, podem ser motivados por questões econômicas, como crise de desemprego
e declínio de um estado de bem-estar social. A mortalidade, por sua vez, encontra-se
diretamente relacionada às condições socioeconômicas da população, tanto que autores
como Damiani (1998) preferem tratá-la de forma diferencial, visto que atinge
predominantemente a população mais pobre.
Além disso, a geografia é capaz de explicar — tanto de uma perspectiva
econômica quanto espacial — fenômenos como o êxodo rural e a urbanização. Esses
são fenômenos complexos impulsionados pelo processo de modernização da agricultura,
caracterizada pela transformação fundiária e da base técnica da produção agrícola, e
também pela industrialização, que, como vimos, contribuiu para o crescimento
populacional nas cidades, por meio da natalidade e migração. Essa realidade, embora
tenha afetado diversos países, é a marca das realidades condicionadas pelo que
entendemos por subdesenvolvimento:

Se no discurso sobre o subdesenvolvimento a migração era um elemento


secundário de análise, e era ressaltado o crescimento vegetativo, natural,
segundo a literatura em ciências sociais, especialmente a partir dos anos 60,
houve uma inversão: o crescimento natural aparece como subordinado à análise
da migração. Neste momento, a migração rural-urbana definia-se como
fundamental (DAMIANI, 1998, p. 41).

Em suma, entendemos que a relação empírica entre as dinâmicas populacionais


e econômicas é notória e necessita ser trabalhada interdisciplinarmente e com a devida
seriedade. De modo similar, a trajetória de construção do conhecimento na geografia
demonstra que os fenômenos espaciais estão inter-relacionados e que nenhuma
disciplina geográfica deve ser desenvolvida e abordada de forma isolada. Vimos as
diferentes fases e motivações para o crescimento populacional ao longo do tempo,
considerando as diferenciações geográficas entre países e regiões globais.
Historicamente, todas as fases de aceleração e redução do crescimento populacional

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foram afetadas por questões sociais e econômicas, como a Revolução Industrial nos
séculos XVIII e XIX, avanços na medicina e melhorias nas condições sanitárias no século
XX e avanços no desenvolvimento socioeconômico em nível mundial. Nesse sentido,
percebemos que essa relação direta entre aspectos socioeconômicos e dinâmica
populacional tem sido abordada pela geografia econômica, a partir de enfoques
regionais, quantitativos e críticos, desde o século XIX, época da sistematização e
consolidação da geografia enquanto ciência. Essa trajetória epistemológica também é
marcada pela fundação da disciplina de geografia populacional na metade do século XX,
que tem incorporado novos enfoques teóricos (como os estudos críticos e culturais), a
fim de dar conta do caráter multidimensional das dinâmicas populacionais.

3 A GEOGRAFIA DA POPULAÇÃO: ENFOQUES CONTEMPORÂNEOS

Os estudos populacionais passaram, ao longo do tempo, por diferentes


transformações em suas bases teóricas e metodológicas. Essas mudanças estão
relacionadas aos enfoques das diferentes áreas do conhecimento, como ciências sociais,
geografia, história, demografia, economia, bem como às problemáticas demográficas
identificadas na sociedade em nível mundial. Com isso, percebemos uma diversidade de
temas, variáveis, indicadores, análises e interpretações mobilizados para dar conta da
complexidade que marca a dinâmica populacional contemporânea.

3.1 O papel dos estudos populacionais

Os estudos populacionais compreendem diversas áreas do conhecimento que


possuem a população como objeto de estudo. Mas o que é a população? Para responder
essa pergunta, precisamos estabelecer uma distinção entre o que entendemos por
pessoas e por população. De acordo com estudos realizados por Dantas, Morais e
Fernandes (2011), quando falamos em pessoas, estamos nos referindo ao âmbito
individual e quando falamos em população, estamos nos referindo ao coletivo, ou melhor
dizendo, à sociedade. Desse modo, o que vincula o indivíduo à população ou à sociedade

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são questões estruturais e institucionais, como as práticas sociais, classes sociais, as
leis, o trabalho, entre outros fatores (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).
Historicamente, a população sempre foi tema de discussão política ou intelectual.
No campo da geografia, ao longo dos séculos XIX e XX, ela foi considerada a primeira
forma de abordagem a fenômenos humanos complexos (DAMIANI, 1998). Nesse sentido,
além de uma categoria analítica, a população é compreendida como um conjunto de
relações sociais e espaciais, mediada por fatores diversos, como as estruturas, as
instituições, os valores humanos e culturais, a economia, a natureza e o próprio espaço.
Sua dinâmica complexa e sua permanência nos estudos geográficos possibilitaram a
consolidação da disciplina de geografia da população na segunda metade do século XX
(SILVA; FERNANDES, 2016), definida, na época, como:

[...] a ciência que trata dos modos pelos quais o caráter geográfico dos lugares é
formado por um conjunto de fenômenos de população que varia no interior deles
através do tempo e do espaço, na medida em que seguem suas próprias leis de
comportamento, agindo uns sobre os outros e relacionando-se com numerosos
fenômenos não demográficos (ZELINSKY, 1974, p. 17)

No entanto, entendemos que a geografia não possui exclusividade nos estudos


populacionais. A população, como categoria de análise, é abordada a partir de distintas
perspectivas que variam de acordo com a área de estudo, assim como as ferramentas
teóricas e metodológicas em jogo (DAMIANI, 1998). Por essa razão, o papel que os
estudos populacionais desempenham vai variar segundo o interesse de cada disciplina.
Na geografia, por exemplo, sabemos que o estudo populacional busca explicar
espacialmente os fenômenos demográficos; nas ciências sociais, porém, os estudos
populacionais giram em torno da compreensão das relações sociais em determinados
contextos históricos, econômicos e políticos e como estas podem afetar a dinâmica
demográfica. A antropologia, por sua vez, vai se preocupar com o tema da cultura, dos
hábitos e das relações que as populações estabelecem com o meio em que vivem e
transformam (MORMUL, 2013). Por fim, a demografia dedica-se às análises tanto
quantitativas quanto qualitativas da dinâmica populacional, constituindo uma disciplina
fundamental para o desenvolvimento dos estudos populacionais em outras áreas. Com
isso, embora existam componentes básicos que são transversais aos estudos
populacionais em diferentes ciências — número de nascimentos, mortes, migração,
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estrutura etária —, eles são utilizados e interpretados para alcançar o objetivo do campo
de estudo em questão.
Além disso, devemos entender que a função dos estudos populacionais varia não
apenas de acordo com o campo de estudo, mas é afetado e transformado pelas
circunstâncias históricas e políticas. Para entender essa relação, tomemos a ciência
geográfica como exemplo. Percebemos que a trajetória da geografia é marcada por
diferentes paradigmas que se consolidam por razões tanto científicas quanto políticas.
Um exemplo claro disso é a geografia regional, que se forma em um contexto político e
ideológico marcado acima de tudo pelos conflitos territoriais protagonizados por
autoridades francesas e germânicas no século XIX (DOMINGUES, 1985). Assim, os
estudos populacionais em geografia regional se dedicavam a temas como a relação entre
a população e recursos, população e produtividade, assim como número de pessoas que
constituíam uma nação (GEORGE, 1955 apud DAMIANI, 1998). A geografia teorética,
por sua vez, direcionava seus estudos populacionais à compreensão quantitativa da
distribuição populacional.
Após a Segunda Guerra Mundial, os estudos populacionais adquiriram maior
relevância em virtude do aumento das taxas de natalidade, o que, associado às reduções
na mortalidade, provocou um crescimento demográfico em escala mundial. “Tanto os
capitalistas queriam entender a dinâmica populacional para identificar as potencialidades
e vulnerabilidades para a economia quanto os socialistas queriam fundamentar os seus
planos econômicos” (SILVA; FERNANDES, 2016, p. 2). Ademais, como as ciências — a
exemplo da própria geografia e das ciências sociais — eram financiadas principalmente
pelas autoridades estatais, seus estudos (entre esses os demográficos) objetivavam
atender aos interesses políticos e territoriais do Estado.
Durante a década de 1950, geógrafos como Glenn Trewartha, Jacqueline
Beaujeu-Garnier e Wilbur Zelinsky se dispuseram a argumentar sobre o papel que os
estudos populacionais deveriam desempenhar na geografia, defendendo, é claro, suas
afiliações teóricas e metodológicas; Trewartha e Beaujeu-Garnier vinculados à geografia
regional e Zelinsky à quantitativa, corrente teórica mais apreciada nas décadas de 1950
e 1960 (SILVA; FERNANDES, 2016). Para Zelinsky (1974), os estudos populacionais na
geografia deveriam priorizar a compreensão da relação entre a dinâmica populacional e
17
o espaço geográfico, em seus aspectos sociais, econômicos, políticos, técnicos,
tecnológicos.
Ao final do século XX, com o fortalecimento das correntes críticas da geografia,
as atribuições associadas aos estudos populacionais passaram a adquirir maior
complexidade, dando conta de questões históricas, políticas, econômicas e
socioculturais. Em defesa de um maior comprometimento com os fenômenos sócio
espaciais, Damiani (1998) argumenta que os estudos demográficos não devem se limitar
aos aspectos quantitativos, também buscando compreender as relações estabelecidas
entre os diferentes elementos que compõem o comportamento populacional sobre o
espaço. Além disso, devem entender quais são os resultados dessas relações na
produção e transformação do espaço e como a própria dinâmica espacial pode influenciar
as práticas sociais das populações.
Mormul (2013), ao estabelecer uma relação entre a geografia da população e a
geografia humana, defende que os estudos populacionais precisam considerar o contexto
histórico no qual as relações humanas e sócio espaciais são produtoras e produtos. Os
estudos populacionais, neste sentido, possuem a responsabilidade não apenas de
apresentar os dados demográficos vinculados a crescimento vegetativo, mortes,
nascimentos e estrutura etária, mas também de investigar e problematizar o que está por
trás desses dados e quais são suas explicações do ponto de vista histórico-geográfico.
Agora, quando tomamos como exemplo os anais do Encontro Nacional de
Estudos Populacionais de 2018 (CAMPOS et al., 2018), percebemos que não se trata
exclusivamente de estudos estatísticos, mas de trabalhos dedicados a estudar realidades
marcadas por aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais. Sendo assim, as
informações referentes a natalidade, mortalidade, migração, crescimento vegetativo e
estrutura etária não são estáticas, mas relacionais, retratando conjunturas complexas.
Por essa razão, entendemos que no contexto atual o papel dos estudos populacionais
tem sido de investigar, analisar e interpretar a relação população–espaço em sua
heterogeneidade e, no limite, de fornecer subsídios para a elaboração de projetos de
desenvolvimento social em diferentes escalas — local, regional e nacional.

18
3.2 Componentes importantes para o estudo de populações

Compreendemos que a população é um objeto de estudo bastante complexo que


movimenta questões materiais, simbólicas, objetivas, subjetivas, estruturais, espaciais,
entre outras, e que para compreendê-la a partir de suas múltiplas dimensões temos de
percorrer um caminho analítico que parta de categorias de análises mais básicas rumo
às mais complexas (DAMIANI, 1998). Ao afirmarmos, por exemplo, que atualmente a
população no Brasil diminuiu em virtude de melhorias nas condições socioeconômicas
das famílias, precisaremos deixar claro em que consistem essas condições
socioeconômicas e de que forma ocorreram essas melhorias, para, finalmente, entender
seu impacto na vida das famílias e no baixo crescimento demográfico.
Isso também significa que os estudos populacionais são multidisciplinares e
realizam-se a partir de conceitos já desenvolvidos em estudos urbanos, políticos,
econômicos, sociais, territoriais, entre outros, como os conceitos de “segregação” (qual
é o nível educacional de uma população residente em um bairro de baixa renda?),
“desenvolvimento” (quais características socioeconômicas a demografia de um país deve
apresentar para alcançar um alto nível de desenvolvimento humano?) e “desigualdade”
(qual é o impacto das desigualdades socioeconômicas na expectativa de vida de uma
população?). Com base nessas considerações, para que os estudos populacionais,
independentemente da área de estudo, possam cumprir seu papel, é necessário
considerar alguns aspectos básicos (analíticos e empíricos). Mas que aspectos são
esses? Os aspectos sociais, socioeconômicos e políticos. Com isso, vamos especificar
quais são os impactos desses fatores na dinâmica e estrutura populacional, bem como
nos estudos demográficos.

3.2.1 Aspectos sociais

A estrutura social pode ser compreendida como um sistema de organização


social, constituído pelas relações sociais, políticas, institucionais e econômicas que
estabelecemos uns com os outros. Essas relações são mediadas por normas e recursos
(regras, leis, meios de produção, tecnologias) que são mobilizados e corroborados em

19
nossas ações sociais repetitivas. O entrelaçamento dessas relações constitui o que o
sociólogo Giddens (1984) chama de sistema social. Para o autor, as sociedades, em suas
relações e práticas recursivas, legitimam as dinâmicas institucionais, reforçando as
estruturas. As estruturas são simultaneamente potencializadoras e limitadoras da ação
humana. Em outras palavras, nós, como atores sociais, reforçamos as estruturas, ao
mesmo tempo em que temos nossas ações determinadas por elas. Mas afinal, qual é a
relação disso tudo com as dinâmicas e os estudos populacionais?
A estrutura social é um componente importante para os estudos populacionais,
pois permite investigar qualitativamente como as relações sociais, as instituições e as
práticas recursivas da sociedade afetam e são afetadas pela dinâmica e estrutura
populacional. Podemos avaliar o impacto dos aspectos estruturais (políticos,
institucionais e econômicos) de um Estado na dinâmica populacional por meio de uma
diferenciação de gênero entre a população ocupada (que está trabalhando) e a
população desocupada (que não está trabalhando, mas encontra-se disposta a trabalhar)
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2014). A partir disso,
poderemos questionar: existe uma discrepância entre homens e mulheres quando
examinamos o percentual de população ocupada no país? Caso exista, como ela pode
ser descrita, analisada e explicada?
Independentemente da área de estudo, os aspectos sociais estão sempre
presentes nos estudos populacionais, seja de forma explícita nos estudos de natureza
qualitativa — os quais geralmente realizam uma análise da estrutura social em questão
—, seja de forma implícita, a exemplo dos estudos quantitativos, em que os dados
numéricos são priorizados na análise, mas retratam uma realidade social que pode ser
examinada. Além disso, ainda que existam características transversais entre as
sociedades, ou seja, elas são organizadas por Estados, instituições, leis e normas, e cada
sociedade também apresenta suas especificidades históricas, políticas, culturais e
geográficas que não devem ser desconsideradas nos estudos demográficos.

20
3.2.2 Aspectos socioeconômicos

Os aspectos socioeconômicos também estão vinculados à estrutura social, mas,


de uma forma mais precisa, correspondem às questões sociais e econômicas que
influenciam a qualidade de vida da população, além de revelar a dinâmica de
desenvolvimento de um país. Vamos iniciar com um exemplo: se a média da população
brasileira tiver amplas possibilidades de reprodução social e econômica, possuindo boa
renda, trabalho com segurança, acesso à educação e saúde de qualidade, sua qualidade
de vida aumenta. Em termos demográficos, essa realidade é refletida no aumento da
expectativa de vida no Brasil e, consequentemente, no seu Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH).
O IDH foi desenvolvido a partir do conceito de desenvolvimento humano,
preconizado pelo economista Amartya Sen. Esse conceito se constrói com o objetivo de
questionar a perspectiva de desenvolvimento voltada apenas para o crescimento
econômico de um país. Com isso, o desenvolvimento humano corresponde à ampliação
das capacidades e oportunidades que as pessoas têm e podem adquirir ao longo de sua
vida para se realizarem de acordo com os seus desejos, considerando outros aspectos
além do econômico, como culturais, políticos e sociais (PROGRAMA DAS NAÇÕES
UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2020). Podemos nos perguntar novamente: o
que isso tem a ver com os estudos populacionais?
O IDH considera múltiplas variáveis demográficas, como a população total,
urbana, rural, residente masculina e residente feminina, estrutura etária da população
(número de jovens, adultos e idosos), taxa de envelhecimento, taxa de longevidade,
mortalidade, fecundidade, entre outros elementos capazes de explicar a estrutura e a
dinâmica de uma população. A partir disso, busca analisar a evolução desses dados ao
longo do tempo — se diminuíram, se aumentaram, assim como as causas e efeitos
dessas transformações. Em termos quantitativos/qualitativos, o IDH também avalia a
educação de um país, considerando o fluxo escolar por faixa etária, além das
expectativas de anos de estudo, bem como renda per capita, concentração de renda,
taxa de atividade, desocupação, habitação e vulnerabilidade social, além de considerar

21
todos esses aspectos a partir dos diferenciais raciais e de gênero (DANTAS; MORAIS;
FERNANDES, 2011).
Em suma, trata-se de um índice bastante denso, que contém distintos
indicadores e dados oriundos de profundas pesquisas demográficas. A partir disso,
também podemos considerar que o componente socioeconômico é importante para os
estudos populacionais, pois mobiliza variáveis — como educação, trabalho, renda per
capita, escolaridade e moradia — que são comumente trabalhadas em áreas de
economia, economia política, ciências sociais, geografia e saúde coletiva, que, por sua
vez, permitem avaliar de forma mais circunstanciada a dinâmica demográfica de dada
realidade social.

3.2.3 Aspectos políticos

As questões políticas também estão estreitamente vinculadas aos aspectos


mencionados anteriormente, pois é por meio das instituições governamentais que são
pensadas as estratégias de desenvolvimento social para garantir melhor qualidade de
vida à população. Programas habitacionais, de transferência de renda e de erradicação
da fome e extrema pobreza, entre outras políticas públicas, podem, futuramente,
contribuir para o desenvolvimento humano em nível nacional. Agora, como isso pode
influenciar a dinâmica populacional do país? Para responder essa pergunta, podemos
considerar o seguinte exemplo: um sistema de saúde de determinado país consegue
elaborar uma política de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e de
acessibilidade e uso de métodos contraceptivos. O questionamento que um estudo
populacional pode realizar a partir disso é: que impacto essa política exercerá sobre as
taxas de fecundidade, natalidade e mortalidade? O crescimento populacional cairia?
Entraria em estabilidade? De que forma essa política afetaria a qualidade de vida da
população?
Também sabemos da existência de autoridades estatais que realizam práticas
de intervenção direta na dinâmica populacional, no sentido de pensar políticas de
planejamento familiar, visando o controle de natalidade, como foi o caso da China entre
o final da década de 1970 e 2015. O país conseguiu exercer, por 36 anos, um rigoroso
22
controle do crescimento populacional impondo a política do filho único. O resultado dessa
política, somado, é claro, a outros aspectos socioeconômicos e sociais — como a
ascensão do estilo de vida urbano, melhorias nas condições econômicas das famílias,
acesso à educação de qualidade, autonomia financeira e conquistas de direitos
reprodutivos pelas mulheres, etc. —, foi o baixo crescimento populacional já a partir da
década de 1970 (YANG; WANG, 2016). Com isso, as projeções futuras têm indicado
redução da população jovem, aumento da população idosa e redução da população
economicamente ativa (YANG; WANG, 2016). Com este cenário, o Estado chinês
resolveu finalizar a política do filho único.
Nesse contexto, os questionamentos produzidos pelos estudos populacionais
podem ser: quais são os fatores envolvidos nos processos de tomada de decisão das
famílias em relação a ter um ou mais filhos? Em que medida é aceitável política ou
moralmente intervenções governamentais sobre as escolhas que afetam a dinâmica
econômica, social e emocional de uma família? Qual será o impacto econômico na China
caso as projeções demográficas se confirmem? Enfim, são diversas e pertinentes as
interrogações que podem surgir ao considerarmos os componentes políticos nos estudos
populacionais.

3.3 A importância da diversidade de gênero, de etnia e de cultura

Do ponto de vista antropológico, a cultura pode ser concebida como “[...] uma teia
de significados tecida pelo homem. Essa teia orienta a existência humana. Trata-se de
um sistema de símbolos que interage com os sistemas de símbolos de cada indivíduo
numa interação recíproca” (GEERTZ, 2003, p. 39). Nesse sentido, nossas ações
individuais e sociais também são práticas culturais, que transformam o espaço que
produzimos e vivemos. No âmbito geográfico, o giro cultural emergiu a partir da corrente
crítica da geografia e direcionou sua crítica à modernidade e seu determinismo
econômico para explicar os processos sociais e espaciais. Com isso, o giro cultural
defende que os processos sócio espaciais (entre eles os demográficos) estão
estreitamente relacionados à cultura, que também atravessa as relações de classe, raça
e gênero (NARVÁEZ MONTOYA, 2014). Os estudos de Campos et al. (2018), por
23
exemplo, buscam compreender os padrões de mobilidade (migração) entre os grupos
indígenas no Brasil, considerando tanto aspectos culturais (práticas sociais e de relação
com a terra) quanto socioeconômicos (renda, região de domicílio, etc.).
Além disso, a partir da perspectiva cultural na geografia, a cultura também passa
a desempenhar um papel relevante na compreensão das formas de reprodução do
capitalismo na sociedade (ÁLVAREZ GALLEGO, 2014). Nessa linha, busca
compreender, por exemplo, como nos relacionamos com o trabalho produtivo e com o
consumo. Considerando os estudos populacionais, a relação entre os aspectos culturais,
de gênero e etnia é fundamental, pois, por meio de análises de variáveis comuns como
renda, trabalho, mortalidade e expectativa de vida, é possível compreender que a
população não é homogênea, apresentando diferenciações socioeconômicas, orientadas
pelas questões raciais, culturais, de gênero e classe. Nesse sentido, se nos dedicarmos
a compreender a população em um nível pormenorizado, perceberemos que as pessoas
estão inseridas em contextos econômicos, sociais e culturais específicos, comportando-
se de distintas formas ou afetadas em diferentes graus pelos mesmos problemas sociais.
Por essa razão, são necessárias abordagens teóricas e metodológicas sensíveis a essas
realidades e que forneçam subsídios para pensar, no debate público, projetos de
desenvolvimento social, a fim de atenuar as desigualdades que podem ser agravadas e
reforçadas pelas já mencionadas estruturas sociais.
Retomando nossos exemplos, sabemos que o indicador “renda”, comumente
utilizado para avaliar o índice de desenvolvimento humano em diversos países, varia
conforme o grupo social, considerando que a população é compartimentada de acordo
com as condições socioeconômicas das pessoas (estratificação social). Mas você sabia
que existe no Brasil uma diferença significativa de renda entre homens e mulheres?
Considerando o caso do Rio Grande do Sul, a renda per capita para o ano de 2010 entre
as mulheres foi de R$704,32, enquanto para os homens foi de R$711,98 (PROGRAMA
DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2020). Também é possível
notar uma diferença em relação ao rendimento médio por pessoas ocupadas, que para
as mulheres foi de R$1.055 e para homens, de R$1.555,29 (PROGRAMA DAS NAÇÕES
UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2020).

24
A diferença na taxa de desocupação e grau de formalização das pessoas
ocupadas também é evidente: mulheres com 6,33% e homens com 3,08% (taxa de
desocupação para o ano de 2010); e 65,44% para mulheres e 67,13% para homens (grau
de formalização para o ano de 2010), respectivamente. Outra informação interessante e
que dialoga com os dados apresentados é o nível educacional das pessoas ocupadas:
49,57% das mulheres ocupadas têm ensino médio completo (12,9% superior completo)
e 38,88% dos homens ocupados têm ensino médio completo (9,5% superior completo)
(PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2020). Mas como
os dados referentes ao nível educacional dialogam com essa discrepância de renda? É
exatamente essa pergunta que os estudos populacionais em diversas áreas tentam
responder. Nas ciências sociais, são discutidos os impactos que as estruturas sociais
exercem sobre essa dinâmica, com seus valores culturais herdados de uma época
recente em que, segundo as teorias neoclássicas do trabalho, as mulheres eram pouco
aptas para as atividades produtivas, em virtude da maternidade e de sua aptidão “natural”
ao cuidado da família (DEGRAFF; ANKER, 2004).
De acordo com a teoria neoclássica, a racionalidade dos trabalhadores faz com
que eles busquem trabalhos de acordo com suas capacidades e interesses. No caso das
mulheres, essa teoria aponta para a preferência por cargos com salários iniciais altos,
com baixo retorno de experiência e com flexibilidade nos horários de trabalho, de forma
que sejam permitidas saídas temporárias, pois as mulheres são consideradas
responsáveis pelo trabalho de reprodução social na casa (atividades domésticas e de
cuidado familiar) (DEGRAFF; ANKER, 2004).

Igualmente, os empregadores esperam que as mulheres gerem maiores custos


empregatícios (o que muitas vezes é incorreto), devido a uma percepção
generalizada de que, devido às responsabilidades familiares, as mulheres
apresentam maior absenteísmo, maior impontualidade e maior rotatividade.
Desta maneira, cria-se um círculo vicioso inter geracional no qual a participação
na força de trabalho diferenciada por sexo e a segregação ocupacional por sexo
são, ao mesmo tempo, os principais determinantes e as principais consequências
da desigualdade no mercado de trabalho baseada no gênero (DEGRAFF;
ANKER, 2004, p. 166).

Esses valores, que são culturais, relacionais, socialmente construídos e


adquiridos, se perpetuam e se transformam ao longo do tempo, com algumas rupturas —

25
hoje em dia, um número cada vez maior de mulheres tem ensino superior e ocupa cargos
de autoridades — e algumas continuidades — a população feminina ainda recebe
salários menores em comparação à masculina, e as donas de casa, responsáveis pelo
trabalho de reprodução social, são categorizadas como “População Economicamente
Inativa”. Como se não bastasse, considerando a dimensão étnico-racial, se tomamos as
mesmas variáveis que utilizamos para interpretar a desigualdade de gênero, veremos
que a situação não apenas permanece, como se agrava.
Ainda considerando o recorte espacial do Rio Grande do Sul, no ano de 2010 a
renda per capita entre a população negra gaúcha foi de R$558,81 e entre a população
branca, R$1.038,03; os rendimentos médios entre a população ocupada foram de
R$875,06 (população negra) e de R$1.414,51 (população branca). A taxa de
desocupação foi de 6,43% para negros e 4,22% para brancos; e o grau de formalização
foi de 64,21% (negros) e 66,84% (brancos). As informações mais impressionantes são
relacionadas à longevidade e à mortalidade: a expectativa de vida ao nascer é de 74,2
anos para negros e de 75,8 anos para brancos; já a mortalidade infantil é de 14,3%
(negros) e de 11,8% (brancos) (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O
DESENVOLVIMENTO, 2020).
Ademais, o Atlas da Violência dos anos de 2017, 2018 e 2019, elaborado pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), revela que, em escala nacional, a
população jovem negra é a principal vítima de homicídios no Brasil. Ou seja, a taxa
mortalidade, componente básico para avaliar a dinâmica populacional, é maior para essa
categoria social. A realidade das mulheres negras — considerando uma intersecção entre
os componentes étnico-raciais e de gênero — é bastante semelhante:

A desigualdade racial pode ser vista também quando verificamos a proporção de


mulheres negras entre as vítimas da violência letal: 66% de todas as mulheres
assassinadas no país em 2017. O crescimento muito superior da violência letal
entre mulheres negras em comparação com as não negras evidencia a enorme
dificuldade que o Estado brasileiro tem de garantir a universalidade de suas
políticas públicas (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2019,
p. 39)

Outro estudo, realizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais


em 2015, apontou que, entre os anos de 2003 a 2013, o percentual de homicídios de
mulheres negras aumentou 54% (WAISELFISZ, 2015, p. 30). A partir de uma breve
26
interpretação desses dados, podemos retomar a definição de taxas de mortalidade em
uma perspectiva diferencial, como aponta Damiani (1998). Para a autora, é fundamental
considerar as taxas de mortalidade estratificadas por condições socioeconômicas. Assim,
para interpretarmos os referidos dados demográficos, podemos considerar o diferencial
em termos de gênero e raça — questionando sobre as razões que explicam essa
significativa discrepância entre as taxas de mortalidade e renda entre a população negra
e branca no país — e em termos de localização, incluindo outras populações racializadas
como os indígenas. E a partir daí, podemos vislumbrar quais são as ações possíveis para
reduzir esse quadro de desigualdade social e qual é o papel dos estudos populacionais
nesse processo.
Enfim, consideramos importante evidenciar que a relação étnico-racial e de
gênero nos estudos populacionais não deve cumprir o papel de “ornamento teórico”, no
sentido de apenas reconhecer a diversidade social. Como foi possível perceber nas
considerações apresentadas nesta seção, estamos falando de problemas estruturais e
concretos da sociedade que devem ser analisados com a devida seriedade e cuidado.
São problemáticas de natureza demográfica, social, geográfica, histórica, etc., a partir
das quais o estudo populacional, revisitando suas atribuições nos estudos geográficos
do século XIX, constitui uma importante forma de aproximação para interpretar esses
fenômenos complexos (DAMIANI, 1998).

4 A TEORIA MALTHUSIANA DO CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO

Quando falamos sobre teorias demográficas, Thomas Malthus ainda permanece


entre os intelectuais mais mencionados. Apesar de inúmeros questionamentos e críticas
à sua proposição teórica, ela serviu de inspiração para a construção do pensamento
econômico clássico, para a retomada das discussões demográficas após a Segunda
Guerra Mundial, para discussões sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento e para
as críticas ambientalistas da década de 1970.

27
4.1 Contexto da teoria populacional formulada por Malthus

É importante deixar claro que todo conhecimento produzido nas áreas de


ciências sociais e humanidades é construído a partir da observação de alguma realidade.
Nesse sentido, as hipóteses e teorias são situadas no tempo e no espaço; são
desenvolvidas e comunicadas por alguém em determinado lugar, em determinado
período e de acordo com os valores socioculturais de determinada época. Podemos
ilustrar essa afirmação com um exemplo. A teoria do capital de Karl Marx (1818–1883)
foi desenvolvida a partir de sua observação e análise das transformações sociais (como
a separação do trabalhador dos meios de produção e a agudização das desigualdades
socioeconômicas) e produtivas (como os processos de acumulação de capital e inovação
tecnológica que afetaram as dinâmicas de trabalho operário) ocorridas com o
fortalecimento do modo de produção industrial na Inglaterra do século XIX. Sendo assim,
entendendo que “o conhecimento não nasce independente do movimento real da vida”
(DAMIANI, 1998, p. 12), analisaremos, antes de mais nada, o contexto histórico no qual
foi desenvolvida a teoria populacional formulada por Thomas Robert Malthus (1766–
1834).

Na segunda metade do século XVIII, dois eventos históricos ganhavam corpo na


Europa: a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. O ambiente de ideias
características do Iluminismo colocava o problema da pobreza na pauta de
debates. Assim, vários pensadores sociais de época surgiram com não menos
numerosas explicações para o fenômeno da pobreza (SOUZA; PREVIDELLI,
2017, documento on-line).

Entre o final do século XVIII e início do século XIX, o processo de industrialização


na Europa levou à substituição do trabalho manufaturado — isto é, realizado por pessoas
utilizando equipamentos artesanais — por maquinários, destituindo muitos trabalhadores
de seus postos de trabalho. Além disso, o frequente uso de mão-de-obra considerada
mais barata, como a infantil e a feminina, em determinadas fases da produção industrial
agravou a situação de fragilidade socioeconômica do operariado, gerando
descontentamento entre os trabalhadores (DAMIANI, 1998).
Esse período também é marcado pela primeira fase do crescimento populacional
na Europa, em que houve um aumento significativo no contingente demográfico,

28
vinculado à referida Revolução Industrial. Esta, associada à Revolução Agrária —
definida pela transformação na estrutura fundiária e modernização da agricultura, com o
uso de insumos e novas tecnologias produtivas —, transformou a dinâmica populacional
europeia a partir da intensificação da migração no sentido campo–cidade, bem como pela
urbanização e aumento nas taxas de natalidade, visto que muitas famílias escolhiam ter
mais filhos, pois estes poderiam constituir mão-de-obra fabril.
É interessante entender que as teorias malthusianas não surgem apenas em um
contexto sócio produtivo, mas em um momento de efervescência intelectual e política, no
qual emergem diferentes formas de pensar e interpretar a realidade da época, definida
pela industrialização, pela acumulação de capital por grupos sociais restritos e pela
intensificação das desigualdades socioeconômicas. Nesse mesmo contexto, surgem
críticas sociais por parte de intelectuais dedicados a compreender os processos de
desigualdade oriundos do sistema de produção capitalista que vinha se fortalecendo
desde o século XVI na Europa. Entre os intelectuais contemporâneos de Malthus que
também abordavam a questão da expansão demográfica, podemos destacar os filósofos
Marquês de Condorcet (1743–1794) e William Godwin (1756–1836).
Esses teóricos defendiam uma sociedade igualitária, na qual os trabalhadores
não deveriam ser separados dos meios de produção, possuindo, portanto, autonomia
produtiva. Godwin e Condorcet indicavam que uma das características primordiais do
capitalismo consistia nessa separação entre trabalhadores e seus meios de subsistência.
Esse processo ocorreu na Europa entre os séculos XIV e XVIII, convertendo os
agricultores em trabalhadores livres, que poderiam vender sua força de trabalho.
Segundo Damiani (1998), tal processo viria a ser interpretado por Karl Marx no século
XIX como processo de acumulação originária, considerada a gênese do próprio
capitalismo (DAMIANI, 1998).
De acordo com Marx, foi a partir desse processo de separação entre
trabalhadores e os meios de produção que foram se aprofundando e se agudizando os
problemas de desigualdades sociais, visto que uma pequena parcela da população
acabava detentora dos meios de produção para a acumulação de capital, enquanto uma
significativa maioria tinha de vender sua força de trabalho para sobreviver em condições
miseráveis. Décadas antes, no entanto, Godwin e Condorcet já denunciavam as mazelas
29
vividas pela população inglesa, compreendendo que somente uma sociedade igualitária
seria capaz de resolver a situação de miséria vivida naquele momento (DAMIANI, 1998).
Sendo assim, para esses intelectuais, a expansão demográfica não era considerada um
problema que poderia agravar a situação de miséria e fome. Pelo contrário, seguindo a
tendência do Iluminismo a respeito da relação população e riqueza, segundo eles, uma
população maior seria capaz de aumentar a produção e gerar mais riqueza. Em virtude
dessa postura, o economista Thomas Malthus os considerava “excessivamente otimistas”
(SOUZA; PREVIDELLI, 2017). Para Malthus:

[...] uma sociedade igualitária estimularia nascimentos, dessa forma estendendo


a todos a pobreza. A luta pela sobrevivência, nessas condições, faria triunfar o
egoísmo. Malthus discorda, inclusive, da assistência do Estado aos pobres,
considerando-a nefasta, porque, diminuindo a miséria a curto prazo, favorece o
casamento e a procriação dos indigentes (DAMIANI, 1998, p. 14).

A miséria, para ele, não era encarada como um problema, mas como um
obstáculo positivo ao acelerado processo de crescimento populacional, que, segundo
Malthus, comprometia uma relação equilibrada entre o tamanho da população e a
produção dos meios de subsistência, ou seja, de alimentos. Para ele, a miséria
funcionaria como um fator de regulação natural, responsável por reequilibrar duas forças
desproporcionais: a multiplicação da população e a produção dos meios de subsistência.
Para explicar sua posição teórica e política, em 1798 ele escreveu o ensaio intitulado
“Essay on the principle of population” (Ensaio sobre o princípio da população), material
que posteriormente, em 1803, seria republicado com novas considerações a respeito da
população: “escrita nos contextos históricos da Revolução Francesa e Revolução
Industrial, a obra dialoga diretamente com as ideias de transformação social da primeira
e os problemas de distribuição de riqueza da segunda” (SOUZA e PREVIDELLI, 2017,
documento on-line).

4.2 Aspectos históricos da teoria malthusiana

No início do século XIX, Malthus concentrou-se na produção de alimentos para


discutir a relação entre a pobreza e as condições de subsistência da população. Sua tese
central, publicada em seu ensaio a respeito do princípio da população, defendia que o
30
problema da fome e da miséria tinha como principal causa o excedente populacional.
Dessa forma, argumentava que:

[...] há um fundo de subsistência que só depende do trabalho agrícola e, a partir


do valor desse fundo, é definida a condição para se ter mais ou menos filhos.
Para ele, quando a produção agrícola é maior, aumenta o valor monetário do
fundo, o que acarreta um “estímulo ao crescimento populacional”; assim os
trabalhadores poderiam oficializar a união mais jovens, quando a taxa de
fertilidade é maior, consequentemente o número de filhos por casal também
aumentaria. De maneira análoga, caso o valor do fundo diminua, há um
desestímulo ao casamento precoce e, assim, uma diminuição na taxa de
crescimento populacional (BIFFI; DA SILVA; TRIVIZOLI, 2018, documento on-
line).

Para fundamentar o que ele chamava de princípio da população, Malthus


recorreu aos modelos matemáticos para afirmar que a população crescia a um ritmo
geométrico (1, 2, 4, 8, 16...), enquanto a produção de alimentos, a um ritmo aritmético (1,
2, 3, 4, 5…). Sendo assim, se a população cresce em ritmo mais acelerado que a
produção de alimentos, o resultado não poderia ser outro: fome e miséria.

[...] o crescimento natural da população, que é determinado pela paixão entre os


sexos, excede a capacidade da terra para produzir alimentos para o homem. A
dificuldade da subsistência exerce uma forte e constante pressão restritiva,
sentida em um amplo setor da humanidade: os mais pobres ficam com a pior
parte e a menor parte, convivendo com a fome e a miséria (DAMIANI, 1998, p.
13).

Desse modo, ele encarava a situação de miséria pela qual passavam as


populações mais pobres como uma barreira ao crescimento populacional, que acabaria
contido com ações positivas:

[...] que seriam a fome, a miséria, as epidemias, catástrofes naturais, desnutrição


e guerras, que aumentariam a mortalidade; e os obstáculos preventivos, no que
pregava as famílias serem formadas mais tarde ou terem seus filhos só após
poderem se sustentar; esses obstáculos diminuiriam a natalidade, sem a
necessidade dos obstáculos positivos entrarem em ação (MARTINS; PIMENTEL,
2014, documento on-line).

Nesse caso, a miséria — caracterizada pelo desemprego, fome, condições de


saúde precárias, etc. — apresentava duas funções importantes. Além de reduzir a
população, fosse pelo adoecimento e morte ou pela redução de matrimônios e número

31
de filhos, ela motivava os produtores a aumentarem a produção de alimentos para
abastecer a população crescente (DAMIANI, 1998; BIFFI; DA SILVA; TRIVIZOLI, 2018).
Agora, “quanto à produção de alimentos, ela não é ilimitada. Varia segundo a
existência de espaços cultiváveis, fertilidade do solo, disponibilidade dos
empreendedores para se voltarem a essa atividade etc.” (DAMIANI, 1998, p. 14). No caso
europeu, Malthus entendia que a produção de alimentos estaria mais comprometida
devido à escassez de terras cultiváveis e à primazia dada à produção manufaturada e,
posteriormente, industrial, as quais, apesar de enriquecer uma nação, como defendia o
economista Adam Smith, não a abasteceria com alimentos para sustentar uma população
cujo crescimento se tratava de um impulso natural (DAMIANI, 1998).
No entanto, estudos como os Souza e Previdelli (2017), dedicados a
compreender em profundidade a teoria desenvolvida por Malthus em diálogo com seu
contexto social e histórico, entendem que as referidas teses produzidas a respeito das
dinâmicas populacionais e sua relação com a capacidade produtiva de um país — a
exemplo de Godwin, Condorcet e Malthus — apresentavam uma insuficiente base
empírica, visto que as informações demográficas disponíveis no século XVIII e XIX eram
bastante escassas e pouco precisas, pois foi exatamente nessa época em que se
realizaram os primeiros censos (SOUZA; PREVIDELLI, 2017). Ademais, no que concerne
à teoria de Malthus sobre a relação desigual entre população, produção de alimentos e
pobreza, os autores afirmam que tinha pouco fundamento matemático:

Ainda que, nessa primeira edição, Malthus não tivesse realizado sequer um
cálculo aproximado a partir de dados demográficos, ou mesmo uma
demonstração algébrica de sua tese central, ela era boa demais para ser
descartada pelos defensores do capitalismo industrial. Colocados contra a
parede pelos críticos das consequências da Revolução Industrial — que viam a
pobreza crescer à margem do progresso material de sua época — tais
apologistas agarraram-se à tábua de salvação malthusiana, atribuindo a causa
da pobreza ao excesso de pobres, e, em última análise, ao destempero
demográfico das classes menos favorecidas (SOUZA; PREVIDELLI, 2017,
documento on-line).

Segundo o acadêmico canadense Steven Pinker (2018), é verdade que a teoria


malthusiana não se confirma quando aplicada a qualquer período histórico mais recente.
Em sua análise, porém, o período da história humana que se estende dos primórdios de
nossa espécie até o início do século XIX pode, a bem da verdade, ser chamado de:
32
Era Malthusiana, quando eventuais avanços na agricultura ou na saúde eram
logo anulados pelo resultante aumento da população — apesar de “era” ser um
termo estranho para designar 99,9% do tempo de existência da nossa espécie.
A partir do século XIX, porém, o mundo encontrou a Grande Saída, termo do
economista Angus Deaton para designar a libertação da humanidade de seu
legado de pobreza, doença e mortalidade precoce (PINKER, 2018, p. 78–79).

De acordo com o autor, a partir da época da “Grande Saída”, percebeu-se que a


população humana não necessariamente deve crescer a uma taxa geométrica, porque:

[...] quando as pessoas se tornam mais ricas e mais bebês sobrevivem, elas
passam a ter menos filhos. [Além disso], descobrimos que o estoque de alimentos
pode crescer geometricamente quando se aplica conhecimento para aumentar a
quantidade de gêneros capaz de ser extraída de um pedaço de terra (PINKER,
2018, p. 101–102).

No entanto, no contexto europeu, o cenário de desenvolvimento econômico do


modelo industrial, somado à modernização da agricultura, que expandiu a produção de
alimentos, foi acompanhado, ao final do século XIX e início do século XX, por um baixo
crescimento populacional. Ou seja, as melhorias na produção dos meios de subsistência,
assim como nas situações socioeconômicas da população, evidenciaram uma
estabilização no número de filhos presentes nas famílias europeias. Apesar desse
contexto levantar questionamentos sobre a teoria populacional malthusiana, ela foi
retomada na segunda metade do século XX por abordagens demográficas que buscavam
problematizar a relação entre recursos disponíveis em nível mundial e a explosão
demográfica ocorrida especialmente nos países latino-americanos, asiáticos e africanos
(DAMIANI, 1998).

4.3 A teoria malthusiana no contexto populacional atual

A teoria populacional malthusiana foi desenvolvida em um contexto espaço-


temporal específico, ou seja, na Europa do final do século XVIII e início do século XIX,
período marcado por uma transição na base produtiva (manufatura → indústria) e por um
alto crescimento populacional. Além disso, de acordo com os intelectuais socialistas da
época (Fourier, Marx, Godwin), as considerações malthusianas sobre a relação entre
pobreza e expansão demográfica correspondiam às visões políticas e intelectuais

33
estreitamente vinculadas ao sistema econômico capitalista. Malthus seria, para esses
teóricos socialistas, um defensor da economia burguesa — que vinha se fortalecendo
desde o século XVII, atingindo sua expressão máxima com o capitalismo industrial do
século XIX (DAMIANI, 1998). A partir disso, podemos nos perguntar: a teoria malthusiana
é relevante para o contexto populacional atual?
Apesar de questionada, a teoria populacional malthusiana inspirou algumas
conceitualizações no pensamento econômico, como a lei dos rendimentos
decrescentes, desenvolvida pelo economista David Ricardo. Segundo essa lei, a
contratação de mais trabalhadores por uma indústria contribuiria para seu rendimento
produtivo e econômico até certo limite. A partir de então, esse rendimento tenderia ao
declínio e não seria necessária a incorporação de mais trabalhadores na produção
(DAMIANI, 1998). A relação dessa lei econômica com a teoria demográfica malthusiana
é reforçada a partir da interpretação de que tanto a produção agrícola quanto a industrial
seriam incapazes de dar conta de um contingente populacional excessivo. Por essa
razão, reforça-se a necessidade de controle do aumento demográfico.
A teoria malthusiana também foi reelaborada logo após a Primeira Guerra
Mundial, em virtude da baixa natalidade da população europeia. De acordo com Damiani
(1998), o entendimento da época era de que o fraco crescimento populacional na Europa,
com a redução na presença de jovens, estava comprometendo o desenvolvimento
produtivo e econômico. Com isso, foi valorizada a concepção de crescimento ótimo de
população, segundo a qual deveria existir um limite para o crescimento demográfico, em
que tanto a insuficiência quanto o excesso no número de habitantes poderiam
comprometer a disponibilidade de recursos (econômicos, produtivos, técnicos, etc.) para
garantir boa qualidade de vida à população (DAMIANI, 1998). Além disso, também após
a Segunda Guerra Mundial a teoria malthusiana foi retomada com nova roupagem e
identificada como neomalthusianismo, o qual, direcionando suas análises aos países
subdesenvolvidos, buscava avaliar a relação entre a quantidade (crescente) de
habitantes e a capacidade dos meios de subsistência e recursos naturais de um território
(DAMIANI, 1998), considerando as novas questões sociais e econômicas do momento,
como o alto crescimento populacional global e o desenvolvimento do meio técnico,

34
científico e informacional. Na perspectiva ambientalista, destacam-se os teóricos Paul
Ehrlich e Garrett Hardin (CORAZZA; ARAÚJO, 2009).
Em linhas gerais, segundo a perspectiva neomalthusiana, o subdesenvolvimento
de países latino-americanos, africanos e asiáticos está diretamente vinculado à sua
população excedente, que compromete seu crescimento econômico. Ou seja, de acordo
com os neomalthusianos, a condição de subdesenvolvimento desses países é resultado
de seu excessivo contingente populacional. Por essa razão, seriam necessárias políticas
de controle de natalidade em tais realidades. A partir dessas considerações,
perguntamos: qual é o problema dessa abordagem?
O problema é que, assim como sua ideia original, essa nova perspectiva
malthusiana desconsiderou a complexidade das dinâmicas sociais, econômicas e
políticas em escalas nacionais e globais. Segundo Damiani (1998), tais dinâmicas são
mediadas por históricas relações de poder entre países ricos e pobres; por relações
coloniais que, em alguns países africanos, ainda se mantinham na década de 1950; pelos
interesses econômicos das empresas privadas (especialmente as farmacêuticas) —
maximização de seus lucros — que se beneficiaram com as políticas de planejamento
familiar (controle de natalidade) e de esterilização em massa da população pobre,
implementadas em países como Índia e Colômbia. A partir dessas considerações,
entendemos que, apesar de sua insuficiência argumentativa e empírica, como apontavam
seus críticos, as teorias malthusianas e neomalthusianas contribuíram em ações políticas
concretas, a exemplo da Grande Fome da Irlanda (1845–1849) e das referidas políticas
de controle de natalidade nos países subdesenvolvidos na segunda metade do século
XX. Por outro lado, fecharam os olhos às novas lógicas de consumo descontrolado
(especialmente nos Estados Unidos e Europa, após a Segunda Guerra), que se
ampliaram em escala mundial (DAMIANI, 1998).
Nesse sentido, partindo das reflexões de Lefebvre (1978 apud DAMIANI, 1998),
de que as ideologias se originam do real interpretado e representado, Damiani (1998)
entende que:

[...] o malthusianismo e o neomalthusianismo têm um fundamento real, mas


podem ser, de tal forma, mutilantes como interpretação, que acabam
obscurecendo o entendimento. Mais ainda, eles justificam ações e situações. São

35
análises de caráter geral, especulativo, que ao mesmo tempo representam
interesses definidos, limitados, particulares (DAMIANI, 1998, p. 22).

O avanço na produção de alimentos, cujo reconhecimento é atribuído


principalmente à modernização da agricultura (processo que ocorreu na segunda metade
do século XIX na Europa e no século XX na América Latina), demonstrou que os meios
de subsistência, aos quais se referia Malthus, poderiam ser produzidos em larga escala,
com vias à resolução do problema da fome em escala mundial. No entanto, em virtude
da dinâmica contraditória do capitalismo, cuja prioridade é a acumulação de capital,
presenciamos uma má distribuição de alimentos, os quais, em momentos de baixo preço
no mercado, são descartados como lixo ou estocados — dependendo de seu grau de
perecibilidade —, esperando uma oscilação positiva em seu preço (DAMIANI, 1998;
ABRAMOVAY, 2010). Além disso, a referida lógica contraditória do capitalismo também
contribui para a destruição de uma condição material fundamental para a sua reprodução:
a natureza. O esgotamento dos solos, a destruição de matas nativas, a extinção de
animais e as mudanças climáticas (aquecimento global) são consequências de uma
dinâmica sócio produtiva que busca exaurir os recursos naturais fundamentais para a
existência humana. É nesse sentido que as teorias malthusianas, em certa medida, ainda
se encontram com o momento atual:

Mesmo que Malthus tenha subestimado o poder da tecnologia em enfrentar os


limites da natureza e preconizado métodos hoje inadmissíveis para resolver o
problema da fome, a verdade é que ele tocou num ponto central: o crescimento
econômico encontra barreiras naturais, que podem ser contornadas, mas não
suprimidas (ABRAMOVAY, 2010, documento on-line).

Realizando uma releitura das considerações malthusianas para o contexto atual,


Abramovay entende que o problema atual, relacionado ao esgotamento dos
ecossistemas, não é exclusivamente a expansão demográfica mundial, mas o seu padrão
de consumo:

Em 2030 [...] metade da população mundial terá uma renda entre US$ 6 mil e
US$ 30 mil, muito mais que os 29% que estão nessa faixa de renda hoje. O que
se pode chamar de classe média e que no início dos anos 1990 referia-se a 1%
da população chinesa chega hoje a 35%. Claro que isso é muito positivo. Mas se
essa população emergente adotar os padrões de consumo (alimentar e não
alimentar) existentes nos Estados Unidos, será impossível preencher as
necessidades de todos, mesmo com um extraordinário progresso técnico. E,

36
portanto, se nos Estados Unidos e, de maneira geral, entre as populações mais
ricas do mundo, os padrões de consumo não se alterarem, não há como
compatibilizar os ganhos recentes na renda dos pobres com a manutenção dos
serviços básicos que os ecossistemas prestam às sociedades humanas
(ABRAMOVAY, 2010, documento on-line)

Consideramos importante demarcar que as preocupações apresentadas por


Abramovay em relação ao contingente populacional, padrão de consumo e
comprometimento dos ecossistemas não estão relacionadas às considerações
ambientalistas da década de 1970, a exemplo de Ehrlich e Hardin, tampouco filiam-se às
proposições teóricas de Malthus. O que Abramovay (2010) aponta, enquanto economista
e intelectual envolvido na discussão sobre o rural brasileiro, é a importância de ações
concretas, governamentais e não governamentais (como os movimentos sociais
camponeses) na divulgação da importância de mudanças positivas, tanto nas dinâmicas
produtivas agroalimentares quanto nos padrões de consumo pela população. Como
vimos, a teoria malthusiana, em linhas gerais, buscou compreender a relação entre a
pobreza e as condições de subsistência da população na Inglaterra, ao final do século
XVIII e início do século XIX. Tal período é definido pela expansão demográfica, pelo
fortalecimento da industrialização e do capitalismo, bem como pela intensificação da
pobreza e da precarização de vida de parcela dos trabalhadores operários.
Apesar de ter sido desenvolvida em um contexto específico, a teoria malthusiana
foi reincorporada, com adaptações, às realidades sócio demográficas do século XX.
Sendo assim, identificada como neomalthusianismo, tomou fôlego dentro das discussões
sobre superpopulação e subdesenvolvimento e a relação entre população e
disponibilidade dos recursos naturais, a partir da perspectiva ambiental. Não obstante
sua adaptação às discussões sobre as problemáticas atuais, a teoria elaborada por
Malthus segue sendo considerada, especialmente pelas correntes teóricas críticas,
insuficiente para dar conta da complexidade que caracteriza o tema da população na
contemporaneidade.

37
5 AS TEORIAS POPULACIONAIS MARXISTA E REFORMISTA

A teoria marxista, desenvolvida no século XIX, ao se consolidar como uma das


análises mais sofisticadas sobre o sistema produtivo e econômico capitalista e seu
impacto nas relações sociais, popularizou-se em diferentes campos do conhecimento.
Em virtude de sua natureza complexa, essa teoria se ramificou em temáticas diversas,
entre essas a questão demográfica, problemática privilegiada para avaliar a questão da
pobreza no século XIX. Na primeira metade do século XX, as visões marxistas foram
retomadas pela perspectiva reformista, a qual defende reformas socioeconômicas
positivas à qualidade de vida da população como forma de estabilizar o acelerado
crescimento demográfico identificado na época.

5.1 Contexto histórico das teorias marxista e reformista

Assim como Thomas Malthus (1766–1834), Karl Marx (1818–1883) também


desenvolveu suas considerações teóricas em um período marcado por profundas
transformações nas relações econômicas, de produção e trabalho na Inglaterra, resultado
da Revolução Industrial em curso no país desde meados do século XVIII. É importante
entendermos que a industrialização na Inglaterra e a consolidação do capitalismo não
ocorreram de um dia para o outro, sendo um processo paulatino, apresentando suas
manifestações iniciais nos séculos XVI e XVII (DAMIANI, 1998).
Nessa época, um conjunto de acontecimentos contribuiu para que a Inglaterra se
estruturasse como a pioneira no processo de industrialização na Europa. Entre esses
acontecimentos, podemos destacar, primeiramente, a relação colonial que a Inglaterra
estabeleceu com diversos territórios nos continentes americano, africano e asiático, o
que contribuiu para o seu fortalecimento enquanto império durante aproximadamente
quatro séculos.
Outro fator importante foi a consolidação da classe burguesa que, com a
imposição de seus interesses políticos e econômicos, orientou a nova organização
socioeconômica e produtiva que entrou em curso no país. Também devemos mencionar
a expropriação dos camponeses de suas terras, as quais deram lugar à criação de
38
ovelhas, para a produção de lã que alimentaria a produção têxtil; essa separação dos
camponeses de seus espaços de trabalho caracteriza o que Marx denominou, no século
XIX, de acumulação originária, progenitora da acumulação capitalista. Os camponeses,
então, se direcionaram às cidades na condição de trabalhadores livres, inflacionando a
população urbana (DAMIANI, 1998). Além disso, consideramos importante mencionar
que, ao longo do século XVIII, a exploração de matérias-primas, como o carvão e o ferro,
foi imprescindível para o fortalecimento da matriz energética (carvão como fonte de
energia) e o desenvolvimento de maquinário (HOBSBAWM, 1977).
Ao final do século XVIII e início do século XIX, o processo produtivo na Inglaterra
passou por uma transição do trabalho manufaturado ao industrial, com o uso de
maquinário. O resultado desse processo foi a substituição de trabalhadores em
determinadas etapas da produção; o uso da mão-de-obra infantil e feminina,
consideradas baratas; e o aumento da precarização da vida dos trabalhadores operários
(DAMIANI, 1998). O modo de produção industrial, orientado pela lógica capitalista,
garantia o seu desenvolvimento não apenas pelo emprego de novos fatores de produção,
mas por meio da exploração dos trabalhadores, com salários reduzidos, extensas e
exaustivas cargas de trabalho (em torno de 16 horas diárias), uso da mão-de-obra infantil,
em sua fase inicial, e condições de trabalho insalubres. De acordo com Hobsbawn (1977),
essa realidade provocou revolta entre o proletariado, que se organizou para exigir
melhorias nas condições laborais, como melhores salários e diminuição da jornada de
trabalho, a qual, no século XIX, foi reduzida para 10 horas por dia.
Essa série de mudanças na dinâmica social, econômica e produtiva na Inglaterra
também gerou impactos na demografia do país. Como resultado dos avanços da
produção industrial, do aumento da natalidade, do êxodo rural e intensificação da
urbanização, ocorreu um crescimento populacional significativo nas cidades inglesas. Tal
período é conhecido, nos estudos demográficos, como a primeira fase do crescimento
populacional na Europa. Essa realidade, somada ao aumento da pobreza e à
precarização da vida dos trabalhadores das indústrias, suscitou questionamentos
diversos entre intelectuais como Thomas Malthus, William Godwin, Adam Smith e Karl
Marx.

39
Segundo Marx, o excessivo contingente populacional identificado no período
industrial não era resultado de uma relação desequilibrada entre o crescimento da
população e a produção dos meios de subsistência, como apontava a teoria malthusiana.
Para Marx, o ser humano é um ser social que interfere no curso de sua história e do
mundo em que vive. Desse modo, o crescimento da população não pode ser considerado
apenas como um impulso natural, como um resultado direto do aumento da oferta de
alimentos. O homem e a mulher são mais que um conjunto de funções biológicas. Além
disso, todo sistema econômico e social, segundo Marx, apresenta a sua lei geral de
população (SOUZA; PREVIDELLI, 2017), que incorpora tanto elementos considerados
da natureza humana quanto os fatores sociais e histórico de cada período (DAMIANI,
1998).
Além disso, Marx também se debruçou sobre o tema da pobreza. Contrariando
Malthus, na visão marxista o pobre não é caracterizado apenas como alguém privado
dos meios de subsistência, mas como aquele que não consegue obtê-las por meio do
trabalho: “[...] a qualidade de necessitado do trabalhador decorre do fato de ele depender
sempre da necessidade que o capitalista — que o emprega — tem de seu trabalho”
(DAMIANI, 1998, p. 16–17). No contexto ao qual se referia Marx, a população excedente
não era vista em termos absolutos, mas em sua posição relativa ao capital e ao sistema
de produção industrial da época, o século XIX. Em outras palavras, a superpopulação
não era lida exclusivamente como um processo de crescimento natural (absoluto) da
população, e sim interpretada a partir de sua relação (funcional) com o sistema produtivo
capitalista, isto é, como mão-de-obra excedente disponível para atender as necessidades
do capital. Segundo essa perspectiva, a superpopulação relativa é simultaneamente
resultado e condição para o desenvolvimento do capital (DAMIANI, 1998).
Para melhor compreendermos essa relação, precisamos entender que a
população também constitui força de trabalho. Somos todos trabalhadores e
trabalhadoras, certo? Agora, vamos imaginar o período de expansão da produção
industrial no século XIX e a consolidação do sistema capitalista, com suas leis e regras
para funcionar de forma satisfatória. No capitalismo, o objetivo da produção é acumular
mais capital e isso ocorre por meio do lucro. Para aumentar o lucro é necessário reduzir
os custos de produção e torná-la mais eficiente. Isso significa que para se desenvolver,
40
a produção industrial não tem condições de absorver toda a população existente como
força de trabalho (assalariada). O trabalho humano é fundamental, mas a produção
industrial passa a necessitar cada vez mais de outros fatores de produção (máquinas,
novas técnicas, tecnologias, matérias-primas) para expandir a produção existente e
inovar suas formas produtivas, visando sempre o lucro. Nesse contexto, observa-se a
substituição crescente de trabalhadores pelo maquinário, e o resultado disso não pode
ser outro: a constituição de uma população trabalhadora desocupada, ou, como chama
Marx, um exército industrial de reserva (DAMIANI, 1998).
Na visão marxista, esse contingente populacional disposto a trabalhar opera uma
função importante para a reprodução do capitalismo industrial, a qual se beneficia do
excedente de pessoas desempregadas para justificar, por meio da crescente demanda
por trabalho, o reduzido salário entre os trabalhadores empregados e suas excessivas
horas de trabalho. Por isso, Marx fala de uma superpopulação relativa, que é ao mesmo
tempo resultado e condição para a acumulação capitalista.

A maquinaria, como já foi mencionado, expulsa o trabalhador adulto de certas


etapas produtivas e o substitui pelo trabalho feminino ou infantil. Isso, segundo
Marx, implicaria rápido rendimento das gerações trabalhadoras, com casamentos
precoces, por exemplo. Este trabalhador adulto, diante da concorrência, seria
pressionado a aceitar formas de exploração de seu trabalho, extensa ou
intensivamente ainda mais lesivas. Quanto maior a jornada de trabalho de um
trabalhador em particular, menos trabalhadores novos serão empregados. Isso
abrevia a vida do trabalhador, por seu desgaste acelerado (DAMIANI, 1998, p.
18–19).

Retomando as considerações de Marx sobre a superpopulação, “[...] o excedente


demográfico não seria dado, dessa forma, em virtude de sua força endógena, de maneira
absoluta, mas em função da operacionalidade do modo de produção capitalista” (SOUZA;
PREVIDELLI, 2017, documento on-line). Nesse sentido, Marx defendia que em uma
sociedade mais igualitária — socialista, de acordo com sua proposição teórica e política
— em que não houvesse separação entre os trabalhadores e os meios de produção, com
uma distribuição justa das riquezas produzidas pela população, a relação entre o
crescimento populacional e a produção de recursos seria mais equilibrada (DANTAS;
MORAIS; FERNANDES, 2011). Como podemos perceber, trata-se de uma proposta

41
diametralmente oposta à malthusiana, segundo a qual a miséria, como um fenômeno
natural, seria a principal reguladora dessa relação população/meios de subsistência.
É interessante notar como a perspectiva marxista exerceu significativa influência
no desenvolvimento de novas teorias e estudos contemporâneos diversos, entre esses
os populacionais. Dando um salto espaço-temporal, nos deparamos, na segunda metade
do século XX, com uma realidade de alto crescimento populacional, sobretudo nos países
subdesenvolvidos. A razão dessa nova dinâmica populacional é atribuída especialmente
aos avanços da biomedicina no tratamento, prevenção e controle de doenças, reduzindo
a mortalidade e levando ao fortalecimento da industrialização nas cidades e no campo
(modernização da agricultura, com a mecanização da produção, uso de novas
tecnologias, adoção de insumos químicos e concentração de terras), o que resulta na
saída de pessoas do campo em direção à cidade — êxodo rural — na busca por emprego
e melhor qualidade de vida, mas nem sempre se concretizado.
Nesse contexto, emerge a teoria reformista para pensar a dinâmica populacional.
Inspirada pelas assertivas marxistas, essa perspectiva entende que reformas
socioeconômicas seriam necessárias para estabilizar o crescimento populacional. Nesse
caso, formas de garantir melhor qualidade de vida à população (como garantia de acesso
à educação e saúde de qualidade, bem como distribuição de renda) não apenas
ajudariam a reduzir as taxas de fecundidade, natalidade e mortalidade entre a população
como contribuiriam para o desenvolvimento econômico e social dos países latino-
americanos, africanos e asiáticos (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).

5.2 A contribuição de Marx à geografia populacional

As reflexões teóricas realizadas por Marx ao longo do século XIX se


preocupavam em entender a vida social e política impactada pelo modo de produção
capitalista. Para isso, o teórico desenvolveu uma abordagem metodológica que foi
denominada, posteriormente, de materialismo histórico. Segundo Netto (2011), tal
abordagem pode ser definida, em linhas gerais, como um método de compreensão da
realidade social considerando o contexto histórico e as relações materiais na sociedade.

42
Nesse sentido, podemos dizer que muitas discussões epistemológicas e
filosóficas foram desenvolvidas no trabalho intelectual de Marx e incorporadas por outros
intelectuais, cuja posição teórica é identificada como marxista. Sendo assim, o nível de
complexidade da abordagem marxista para explicar a sociedade é resultado também de
muitas interpretações realizadas por teóricos em diferentes áreas, como sociologia,
economia e geografia. A perspectiva marxista na geografia — tendo como principais
expoentes teóricos, como David Harvey, Henri Lefebvre, Milton Santos e Pierre George
— consolidou- -se a partir da segunda metade do século XX, com o objetivo de investigar
a natureza social do espaço. O pensamento geográfico orientado pelo marxismo parte
da premissa de que as relações sociais, econômicas e produtivas incidem profundamente
no espaço, a partir da produção e circulação de mercadorias, das relações sociais e
produtivas mediadas pelo capitalismo e pela produção e reprodução das desigualdades
socioeconômicas e espaciais (HARVEY, 1980; SMITH, 1988).
Esse pressuposto também é considerado ao se analisar as dinâmicas
populacionais na primeira e segunda metade do século XX. No entanto, uma parcela
significativa dos estudos em geografia de cunho marxista estava preocupada em
compreender a produção e reprodução do capital sobre o espaço geográfico, priorizando
temas como a produção do espaço urbano, os fluxos de mercadorias e a produção de
desigualdades sociais, deixando em segundo plano as questões demográficas
(MORMUL; GIROTTO, 2015). Contudo, para Pierre George o tema do crescimento
populacional e o que se entende por superpopulação ainda se constituíam como
problemáticas a serem analisadas para entender os processos contraditórios de
desenvolvimento econômico e social.
George é considerado um dos precursores dos estudos populacionais em
geografia a partir de uma perspectiva crítica. Segundo Mormul e Girotto (2015), foi este
geógrafo quem cunhou o termo geografia da população, a partir de sua obra de mesmo
nome. Neste livro, além de descrever a distribuição da população sobre a superfície
terrestre (o que também evidencia sua afiliação inicial à geografia francesa clássica), ele
aborda temáticas sobre desigualdades socioeconômicas, tanto em países desenvolvidos
quanto subdesenvolvidos, bem como o envolvimento da população na produção e no
consumo (GARCIA; SALVI, 2018), considerando sua diferenciação socioeconômica.
43
Orientando-se pela ideia de superpopulação relativa de Marx, George (1955 apud
DAMIANI, 1998) elabora uma crítica à ideia de ótimo de população, que foi desenvolvida
na primeira metade do século XX, na Europa, com o objetivo de definir teoricamente um
estado de equilíbrio entre a quantidade de habitantes e os recursos disponíveis, para
garantir a qualidade de vida a cada indivíduo. O problema da perspectiva de ótimo de
população é que a variação do ótimo se daria de acordo com as condições de produção
em determinado contexto e a capacidade de consumo das pessoas (DAMIANI, 1998).
Entretanto, essa capacidade de consumo dos indivíduos varia de acordo com as suas
condições socioeconômicas. Desse modo, não existe nivelamento-padrão ou
homogêneo para definir o grau de satisfação das necessidades das pessoas: “[...] o
estado de superpopulação dependeria, enquanto realidade subjetiva, de as pessoas se
contentarem ou não com um baixo nível de vida” (DAMIANI, 1998, p. 68).
Nesse sentido, para George (1955 apud DAMIANI, 1998), uma definição a priori
tanto do nível de vida da população quanto de uma determinação de ótimo de população
seria artificial e subjetiva, pois a compreensão da existência de uma superpopulação
ocorreria em momentos de crise do sistema socioeconômico capitalista. Explicando
melhor: o problema do desemprego não é resultado de uma superpopulação, mas de um
problema oriundo do próprio sistema econômico (DAMIANI, 1998), pois, como vimos, no
capitalismo ela pode ser mobilizada para a acumulação de capital, com a oferta e procura
de mão-de-obra.

Do ponto de vista técnico, o ótimo é tanto mais elevado quanto mais se sustentar
não produtores. E, do ponto de vista econômico, o ótimo é tanto mais elevado
quanto maior for o número de participantes efetivos na partilha da produção. Esta
última consideração, conclui o autor, leva à forma de superpovoamento relativo
social, atingindo certas camadas sociais (DAMIANI, 1998, p. 68).

Partindo desta perspectiva, George (1975 apud DAMIANI, 1998), em sua


consideração sobre os países subdesenvolvidos, entende que a superpopulação está
relacionada ao lento desenvolvimento socioeconômico desses países — com insuficiente
oferta de trabalho, bens e serviços —, pois não conseguem absorver toda sua população
economicamente ativa. Em uma breve crítica a George, Damiani (1998) entende que
devem ser matizadas essas comparações de padrões de desenvolvimento entre os
países pobres e ricos, sobretudo quando se busca determinar como deve ser o ritmo ou
44
a forma de desenvolvimento, os níveis de satisfação das necessidades e padrões de
consumo.
Esse aspecto é reforçado pelo argumento de que, no limite, o capitalismo cria
necessidades que variam de acordo com o status e a condição socioeconômica das
pessoas. “Aos trabalhadores são reservadas desde a limitação das necessidades aos
mínimos produtos vitais até a manipulação de suas necessidades” (DAMIANI, 1998, p.
71). Para a geógrafa, é fundamental considerar as especificidades de cada país —
especialmente naqueles em que o exército de reserva é maior — para pensar sobre os
problemas e as necessidades da população e lidar, com os devidos cuidados, com as
problemáticas demográficas.
Em sua obra Sociologia e Geografia, George reforça a necessidade de associar
as questões sociais às demográficas, de forma que as dinâmicas populacionais possam
ser compreendidas de uma forma mais crítica (MORMUL; GIROTTO, 2015). Com isso,
vemos que os estudos populacionais em geografia se desenvolvem a partir de um esforço
multidisciplinar, no qual os aportes teóricos e metodológicos de outras áreas, como a
própria sociologia, a demografia e a economia, são imprescindíveis. A partir da segunda
metade do século XX, com o fortalecimento da perspectiva crítica da geografia de
orientação marxista, os estudos populacionais nesta disciplina deixaram de ser
meramente descritivos e passaram a incorporar um teor mais analítico, problematizando
os fenômenos sociais.

5.3 Viabilidade das teorias marxistas e reformistas no contexto atual

Entendemos que a teoria reformista se inspirou no marxismo do século XIX para


compreender a relação entre população e pobreza. Como vimos, Marx atribuía
responsabilidade ao próprio sistema capitalista pela situação de precariedade em que
viviam os trabalhadores operários. Para ele, a separação do proletariado dos meios de
produção seria uma das causas das desigualdades sociais, pois, com isso, o trabalhador
necessitaria vender a sua força de trabalho para garantir a própria sobrevivência, fi cando
subordinado às necessidades de mão-de-obra do empregador e de expansão do capital
(GORENDER, 1985).
45
De acordo com a teoria marxista, a condição de propriedade privada dos meios
de produção — somada à lógica produtiva que envolve a articulação da exploração do
capital, matérias-primas e força de trabalho humana — resulta na acumulação de capital
(DAMIANI, 1998). Esse lucro, no entanto, não é compartilhado de forma igualitária entre
os operários: o trabalhador recebe seu salário (na produção industrial do século XIX, o
salário era extremamente baixo), enquanto o capitalista mantém para si os ganhos
produzidos. O resultado dessa relação de trabalho é a concentração de renda entre os
detentores dos meios de produção e o aumento da desigualdade socioeconômica entre
o que se entendia na época por burguesia e proletariado. Para Marx, portanto, era
necessário pensar transformações estruturais no sistema social, econômico e produtivo
para eliminar essas desigualdades sociais e de renda.
Transportando essa reflexão para a contemporaneidade, sabemos que o sistema
capitalista passou por transformações ao longo do tempo, adaptando-se ao contexto
atual e construindo estratégias para a sua reprodução na sociedade. Desse modo,
algumas características básicas de sua lógica produtiva permanecem: a propriedade
privada dos meios de produção, o trabalho assalariado e a acumulação de capital como
objetivo primordial. Essa lógica social e produtiva também produz efeitos na sociedade,
como a concentração de renda em determinados grupos sociais em detrimento de outros.
Essa concentração de renda, segundo a teoria marxista, intensifica a
precarização da vida dos trabalhadores — a maioria da população —, exacerbando a
desigualdade social e a pobreza. Na leitura de Marx, no século XIX, essa dinâmica
socioeconômica era a responsável pela superpopulação relativa, como vimos na seção
anterior. Para a teoria reformista formulada na segunda metade do século XX, a pobreza,
a qual deve ser eliminada por meio de reformas sociais e econômicas, também é
responsável pelo acelerado crescimento populacional, especialmente nos países
subdesenvolvidos (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).
Portanto, para estabilizar a expansão demográfica, são necessárias reformas
que promovam melhorias na educação, saúde, distribuição de renda, distribuição
igualitária de bens e serviços, entre outras políticas que elevem o padrão de vida da
população. Dessa maneira, com melhor qualidade de vida e acesso à educação, as
pessoas tomarão decisões coerentes com a sua condição socioeconômica em relação
46
ao planejamento familiar. Tomando por base essas considerações, podemos questionar
em que medida essa proposição reformista é factível para o contexto atual, tendo em
vista que, para a reprodução do sistema capitalista, também é necessária a manutenção
de parcela significativa da população em situação de precariedade e com baixos salários.
As análises demográficas realizadas por órgãos oficiais, como o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), consideram indicadores como renda, saúde e
educação para avaliar a dinâmica populacional em diversos países e seu grau de
desenvolvimento, pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Um indicador
comumente utilizado é o Índice de Gini para analisar o nível de concentração de renda
entre a população rica e pobre.
Numericamente, quando o índice é igual a 0, isso significa que existe uma
situação de igualdade máxima de renda; por outro lado, se for igual a 1, indica situação
de desigualdade máxima. Se tomarmos o Brasil como exemplo, veremos que entre os
anos de 2016 e 2018, o índice de Gini variou de 0,537 a 0,545; ou seja, nesse período
de dois anos, a concentração de renda aumentou no país (INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2019). Isso também indica que a desigualdade
socioeconômica no Brasil também incrementou, afetando negativamente a qualidade de
vida da maioria das pessoas (DAMIANI, 1998). Se interpretarmos esse cenário a partir
da teoria populacional reformista, já conhecemos a influência que essa realidade
socioeconômica exercerá na demografia brasileira: aumento do crescimento
populacional. Essa realidade, como sabemos, não é ignorada pelas organizações
multilaterais, como a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e o
Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), as quais buscam pensar políticas de
promoção de desenvolvimento econômico, social, humano e sustentável para os países
subdesenvolvidos, considerando, igualmente, o efeito dessas políticas na dinâmica
demográfica e no crescimento populacional.
Essas entidades multilaterais, em articulação com os governos nacionais,
entendem que as problemáticas populacionais são afetadas por aspectos sociais
(educação, saúde, violência) econômicos (renda, concentração de renda, trabalho,
crescimento econômico) e políticos (como programas sociais e de desenvolvimento). Isto
é, não se trata de um tema isolado, circunscrito à população em si. Por essa razão, não
47
pode ser explicado por meio de uma única área do conhecimento — pela mera
perspectiva geográfica, sociológica ou estatística —, devendo ser trabalhado a partir de
políticas de desenvolvimento em sua multidimensionalidade, como por programas de
acesso à educação, políticas habitacionais, programas paliativos de transferência de
renda, políticas de equidade de gênero, acesso à informação sobre métodos
contraceptivos e programas que garantam acesso à saúde, especialmente reprodutiva
(FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2018).
Nesse sentido, considerando as teorias reformistas, entendemos que, embora a
viabilidade de mudanças estruturais seja mais desafiadora para o momento atual, e que
essa teoria não encontre oportunidades para se materializar na dinâmica social
estritamente de acordo com os pressupostos marxistas, algumas de suas influências são
observadas em políticas de desenvolvimento em escala nacional. A teoria marxista
desempenhou um papel fundamental nos estudos populacionais, buscando compreender
a relação entre a população e a pobreza no século XIX e influenciando a teoria reformista
emergente após a Segunda Guerra Mundial. A compreensão-chave desta teoria é que a
concentração de renda, a pobreza e a desigualdade socioeconômica são responsáveis
pelo crescimento acelerado da população e não o contrário, como apontava a teoria
malthusiana. Esse ponto de vista se fortaleceu na esfera da geografia da população, a
qual, apesar de não ser um tema prioritário no âmbito da corrente crítica da geografia,
passou a questionar, a partir dos estudos do geógrafo francês Pierre George, a impacto
do desenvolvimento econômico e social no alto crescimento demográfico em países
considerados subdesenvolvidos. No contexto atual, as teorias marxistas e reformistas
revelam certa influência nas políticas de desenvolvimento socioeconômico, sobretudo
nos países subdesenvolvidos.

6 O NEOMALTHUSIANISMO E A GEOPOLÍTICA DA FOME

A teoria malthusiana foi retomada na segunda metade do século XX por teóricos


anglo-saxões, com o objetivo de problematizar os processos de crescimento populacional
nos países subdesenvolvidos, bem como suas implicações no meio ambiente e na
escassez de alimentos. Sob a identificação de neomalthusianismo, as considerações de
48
Malthus foram readaptadas para o contexto social e econômico pós-Segunda Guerra
Mundial, interpretando a superpopulação como a causa da pobreza e da fome em países
latino-americanos, africanos e asiáticos. Com isso, apontava-se como solução políticas
de controle de natalidade e planejamento familiar nessas realidades.

6.1 Aspectos sociais da teoria neomalthusiana

Conforme já foi apresentado em tópicos anteriores, a teoria neomalthusiana,


remonta à teoria populacional elaborada por Thomas Malthus, ao final do século XVIII e
início do século XIX. Assim como a teoria malthusiana foi construída em um contexto
marcado pela superpopulação vinculada à Revolução Industrial na Inglaterra — momento
conhecido demograficamente como a primeira fase do crescimento populacional na
Europa —, a proposta neomalthusiana surge na segunda metade do século XX, após a
Segunda Guerra Mundial (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).
No entanto, precisamos entender que a teoria neomalthusiana não é elaborada
“do zero”, pois, a bem da verdade, as ideias construídas por Malthus no século XVIII não
foram completamente abandonadas, apenas reanimadas, com algumas adaptações ao
contexto em questão, em momentos anteriores à Segunda Guerra Mundial. Um exemplo
apresentado por Damiani (1998) é a noção de ótimo de população. Para a autora, trata-
se de um malthusianismo às avessas, pois entende que o baixo crescimento populacional
decorrente da Primeira Guerra Mundial (1914–1918) e da Grande Depressão de 1929
estava comprometendo o desenvolvimento econômico dos países europeus e dos
Estados Unidos. De acordo com a ideia de “ótimo” de população, deve existir uma
quantidade ideal de pessoas em um território para dinamizar a produção, pela
participação no mercado produtivo e pelo consumo. Seguindo esse raciocínio, se a
população ultrapassar o “ponto ótimo”, problemas como desemprego e miséria poderiam
ocorrer, pois os recursos disponíveis não dariam conta da parcela excedente.
Após a Segunda Guerra Mundial, no entanto, o desenvolvimento econômico e
urbano-industrial se intensificou nos países do Hemisfério Norte. O desenvolvimento das
ciências naturais e da saúde também se expandiu, em conjunto com os avanços
tecnológicos. No contexto dos países subdesenvolvidos, também houve transformações,
49
pois paulatinamente passaram a adotar as tecnologias necessárias para fortalecer a
produção industrial e agrícola, além dos avanços na medicina.
Foi nesse período que se consolidou a primeira fase do crescimento populacional
em países latino-americanos, africanos e asiáticos. Nesses países, houve uma acelerada
expansão demográfica, resultado da revolução médico-sanitária, com melhorias no
tratamento, controle e prevenção de doenças, reduzindo a mortalidade. Esse crescimento
populacional também é atribuído à industrialização (tardia) desses países, tanto nos
espaços urbanos quanto nos espaços rurais, esses últimos por meio da mecanização da
produção agrícola, pelo uso de novas tecnologias, adoção de insumos químicos e
concentração de terras. Esse fenômeno no âmbito rural, como veremos na próxima
seção, é conhecido como a modernização da agricultura (SILVA, 1982; KAGEYAMA,
2008), representado pelo que conhecemos como revolução verde. A atuação da
revolução verde do ponto de vista demográfico resultou na saída de pessoas do campo
em direção à cidade — fenômeno conhecido como êxodo rural — na busca de emprego
e melhor qualidade de vida.
A redução da mortalidade em países que já apresentavam alta natalidade
resultou em alto crescimento populacional, encarado como um problema a ser enfrentado
(DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011). Isso porque, segundo a perspectiva
neomalthusiana emergente na década de 1950, a superpopulação dos países
subdesenvolvidos era a causa de seu lento desenvolvimento e constituía uma ameaça
aos recursos naturais do planeta (MENDONÇA, 2014). O argumento dos
neomalthusianos reforçava que estrutura populacional predominantemente jovem desses
países os obrigava a investir em serviços não produtivos, como hospitais e escolas, em
vez de priorizar atividades com maior retorno econômico, como as industriais. Além disso,
a superpopulação inflacionava a quantidade de força de trabalho em um contexto
econômico- -produtivo incapaz de absorver a mão-de-obra excedente (DAMIANI, 1998).
Por essa razão, seriam necessárias políticas de controle de natalidade. Essas eram
fomentadas internamente, no âmbito nacional, e internacionalmente, pela ação de
organizações multilaterais como o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas
(ONU) (DAMIANI, 1998). Na década de 1970, ainda que as taxas de natalidade
estivessem em declínio nos países subdesenvolvidos, especialmente nos latino-
50
americanos, foram fomentados projetos de planejamento familiar, com a distribuição de
contraceptivos e sua comercialização a preços acessíveis.
Em retrospecto, podemos estar nos perguntando: mas as entidades multilaterais
não incorporam a teoria reformista em sua abordagem ao tema da população? Sim,
também. A proposta de pensar a importância da promoção do desenvolvimento
socioeconômico em conjunto com a dinâmica demográfica foi, de fato, adotada por essas
organizações. No entanto, elas também consideraram a importância de se pensar
políticas de planejamento familiar nos países subdesenvolvidos (DAMIANI, 1998),
sobretudo durante as décadas de 1960 e 1970, em que se observava uma explosão
demográfica. Com isso, queremos dizer que ambas teorias demográficas — reformista e
neomalthusiana — foram matizadas, reinterpretadas e manejadas nas políticas de
desenvolvimento fomentadas por algumas organizações multilaterais, como as
mencionadas.
Uma manifestação disso foi a combinação de políticas sociais elaboradas por
entidades multilaterais como a ONU e o Banco Mundial, pensadas para melhorar a
qualidade de vida da população, como acesso à moradia, renda mínima e programas
voltados ao planejamento familiar, como educação sexual, políticas de promoção à saúde
sexual e reprodutiva, acesso à métodos contraceptivos, tudo isso promovendo a
igualdade de gênero, a autonomia nos processos de tomada de decisão e a saúde da
população jovem, entre outros elementos que contribuem para o desenvolvimento social
e humano. Retomando as considerações neomalthusianas em sua integridade, outra
questão problematizada era o que se entendia por um desequilíbrio entre o número de
habitantes e os recursos disponíveis, especialmente os naturais:

No interior dessa teoria, ficavam evidentes o receio de comprometer os recursos


naturais mundiais (Paul Ehrlich fala da proliferação humana como maior ameaça
ao ambiente do planeta) e a pressão e ameaça política representada por essa
população, principalmente face ao avanço do comunismo. Nessa teoria, estava
presente um racismo renovado, definido como o pavor da prolificidade de "raças
inferiores" (o "perigo amarelo" e o "perigo comunista"). Desembocava em
estratégias demográficas precisas: o controle da natalidade, o planejamento
familiar (DAMIANI, 1998, p. 23).

Para teóricos ambientalistas como Paul Ehrlich (1883–1915) e Garret Hardin


(1915–2003), a pressão sobre os recursos naturais era um problema exclusivamente

51
demográfico (CORAZZA; ARAÚJO, 2009), sendo que mudanças de comportamento,
transformações tecnológicas ou atuações institucionais não eram priorizáveis para
pensar a relação entre população, desenvolvimento e ambiente.
Por isso, para Damiani (1998) essa nova perspectiva malthusiana não
considerava a complexidade das dinâmicas sociais, econômicas e políticas em escalas
nacionais e globais, da mesma forma que não explicitava as relações de poder, tampouco
os interesses de autoridades políticas e econômicas no controle do crescimento
demográfico. Tais dinâmicas são mediadas por históricas relações de poder entre países
ricos e pobres, pelas relações coloniais que em alguns países africanos ainda se
mantinham na década de 1950 e pelos interesses econômicos das empresas privadas
(especialmente as farmacêuticas) que se beneficiaram com as políticas de planejamento
familiar (controle de natalidade) e de esterilização em massa da população pobre,
implementadas em países como Índia e Colômbia.
Além disso, não questionava a lógica capitalista de produção e consumo - uso
de combustíveis fósseis, produção exponencial de lixo, uso intensivo de agrotóxicos na
produção agrícola e superprodução de alimentos mal distribuídos — responsável pela
degradação ambiental e pela precarização de parcela significativa da população. A
emergente abordagem neomalthusiana, com viés ambientalista, tampouco problematizou
os níveis de consumo característicos dos países desenvolvidos: “[...] um norte-
americano, por seu nível de vida, sobrecarrega os recursos e a natureza 20 a 50 vezes
mais do que uma pessoa desfavorecida de um país subdesenvolvido” (DAMIANI, 1998,
p. 26).
Com isso, percebemos que as dinâmicas demográficas e de desenvolvimento,
em nível mundial, não devem ser interpretadas de forma reducionista. Sendo assim, é
necessário levar em conta a complexidade presente nessas relações, articulando não
apenas aspectos demográficos e ambientais. É preciso entender a importância das
questões sociais (pobreza, educação, acesso à amenidades geográficas), econômicas
(desenvolvimento econômico, renda, trabalho, padrões e níveis de produção e consumo),
culturais (padrão de consumo) e científicas e tecnológicas (desenvolvimento de
tecnologias sustentáveis ou não), que são mediadoras de nossa relação com a natureza
e da forma como a transformamos.
52
6.2 A teoria neomalthusiana e a escassez de alimentos

A partir de sua preocupação com a relação entre quantidade de habitantes e


recursos vitais de um território, a teoria neomalthusiana retoma a discussão em torno da
escassez dos meios de subsistência. Para os neomalthusianos, como vimos:

[...] era necessário um controle rígido da natalidade, uma vez que (a) o número
de consumidores tende a aumentar em proporção superior ao produto nacional,
o que leva ao empobrecimento geral da população; (b) a relação entre o
contingente economicamente ativo e a população global tende a ser
desfavorável; (c) o aumento da população leva à necessidade de ampliação do
fator trabalho em detrimento da formação de capital; (d) o crescimento contínuo
da população provoca destruição do meio ambiente e o esgotamento de recursos
não renováveis [...]. Como se vê, nas preocupações dos neomalthusianos não
constava qualquer perspectiva de alteração da realidade, isto é, de modificação
das estruturas econômicas e sociais ou das relações entre países ricos e pobres
(MENDONÇA, 2014, documento on-line).

A terra, por sua vez, era considerada o único fator de produção capaz de gerar
riqueza (MENDONÇA, 2014) e que se encontrava em ameaça de exaurimento, devido
ao aumento demográfico, sobretudo em países latino- -americanos, africanos e asiáticos.
Josué de Castro (1908–1973), médico, geógrafo, especialista em geografia dos
países subdesenvolvidos e presidente do conselho executivo da ONU para a Alimentação
e a Agricultura (FAO) na década de 1950, estabeleceu em seu livro Geopolítica da Fome
(1951) críticas contundentes às colocações de Vogt, afirmando que não levava a sério
informações científicas produzidas a respeito das dinâmicas demográficas na América
Latina (a região, ao contrário do que afirmava Vogt, não era densamente povoada),
desconsiderando, igualmente, as estruturas históricas (colonialismo e imperialismo),
econômicas e sociais (entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos) relacionadas ao
problema da fome em nível mundial. Assim, na opinião de Castro:

[...] os povos chamados subdesenvolvidos já se aperceberam da profunda


contradição que existe entre os preceitos morais de igualdade, fraternidade e
humanitarismo pregados e defendidos pelos teorizantes da civilização ocidental
e a crua e cínica disputa pelo lucro a que se entregam os grupos mercantilistas
dominantes nos países bem desenvolvidos e industrializados do mundo. Daí sua
suspeita e sua hostilidade ao colonialismo e ao imperialismo do branco. [...] Não
se pode deixar de compreender a justa revolta dos povos mais pobres [...].
Primeiro, porque não pode interessar a estes povos miseráveis a manutenção de
um status quo no qual sua participação no banquete da terra foi sempre reduzida
a algumas migalhas jogadas, de quando em vez, da farta mesa dos ricos.
Segundo, por não lhes parecer razoável procurar restabelecer o equilíbrio
53
exatamente à custa [...] daqueles que até hoje mais sofreram as consequências
desse desequilíbrio. Terceiro, porque sendo o desequilíbrio uma consequência
social dos defeitos e erros das conjunturas econômicas vigentes [...], cabe a estes
mentores da economia mundial encontrar uma salvação para a crise e não
transferir o encargo para os povos até hoje dominados pela força econômica
dessas grandes potências (CASTRO, 1968, p. 157–158).

Para Castro, o que os neomalthusianos — norte-americanos em sua maioria —


faziam era responsabilizar os próprios famintos pela fome que sofriam, já que, de acordo
com esta teoria que reanimava Malthus, a principal causa da escassez de alimentos nos
territórios subdesenvolvidos era o destempero demográfico dos pobres, que não
controlavam a natalidade. De modo similar, Castro entende que os neomalthusianos
norte-americanos apresentavam uma visão bastante parcial sobre a manifestação e o
significado da fome nos países subdesenvolvidos, considerando que o Estados Unidos
compreendia a população mais bem alimentada do mundo e que não vivenciou a
experiência da fome coletiva. Com isso, atribuir o problema da fome ao contingente
populacional revelava apenas uma noção incompleta de um problema profundo e
estrutural (CASTRO, 1968; MENDONÇA, 2014).
De forma geral, Diniz (1984, p. 23) aponta que a situação da alimentação no
mundo ainda na década de 1970 apresentava as seguintes características:

[...] 15% da população mundial subalimentada; declínio dos estoques de


alimentos, tanto em espécie como em produção potencial dos países
exportadores; aumento nos preços dos insumos agrícolas e dos alimentos;
aumento da demanda, relacionada ao crescimento demográfico; aumento mais
destacado do consumo, relacionado à elevação da renda per capita em alguns
países; aumento da produção apenas ligeiramente maior do que o crescimento
demográfico; declínio das colheitas de grãos; aumento do comércio mundial de
alimentos, tendo como foco apenas alguns países industrializados; manutenção
da ajuda em alimentos dos países industrializados; desvios significantes das
dietas nacionais médias em relação às necessidades normais, tanto em direção
à supernutrição como à subnutrição.

Ainda que não exatamente semelhantes, essas cifras e características já eram


realidades décadas antes, sendo objetos de preocupação e análise para Josué de
Castro. Mobilizando sua vasta experiência intelectual e política sobre o tema, Castro
apontava que as respostas para o problema da fome passavam por aspectos sociais
(como a estrutura fundiária), econômicos (mudanças nas leis comerciais para garantir
melhor distribuição dos alimentos produzidos) e produtivos (desenvolvimento das

54
técnicas de produção agrícola). No contexto brasileiro, por exemplo, Castro entendia que
era necessária uma transformação na estrutura fundiária por meio da reforma agrária e
o incremento da produção agrícola por meio do desenvolvimento das técnicas.
Para tanto, ele considerava imprescindível o desenvolvimento econômico dos
países subdesenvolvidos, que se fortaleceriam por meio da cooperação econômica em
âmbito internacional. A eliminação da fome era considerada, então, resultado e condição
para o desenvolvimento econômico, noção evidenciada pela consolidação de
organizações como a FAO/ONU e a Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe (Cepal) na segunda metade do século XX. Além disso, Castro defendia a
necessidade de políticas alimentares, responsáveis por viabilizar a distribuição adequada
de alimentos a preços justos, a fim de evitar problemas relacionados a superprodução e
subconsumo, pois, para ele, não bastava a produção de víveres com o uso de novas
técnicas agrícolas se os alimentos não estivessem ao alcance de quem necessita e não
poderiam pagar (DINIZ, 1984).

6.3 Decorrências da revolução verde

Como vimos, após a Segunda Guerra Mundial e a partir da década de 1950,


houve avanços sem precedentes nos âmbitos da ciência e da tecnologia. Nos países em
desenvolvimento, esses avanços se materializaram nas áreas da saúde, como já
sabemos, bem como na produção industrial e agropecuária, transformando as formas
tradicionais de ocupação e uso do solo (DINIZ, 1984). No âmbito produtivo da agricultura,
o uso de motomecanização na produção e de insumos químicos como pesticidas,
fungicidas, herbicidas e fertilizantes abriram a possibilidade de expansão da produção de
alimentos. Esse momento de intensificação da produção agrícola é conhecido na
literatura como “revolução verde”, que teve início nos países desenvolvidos e
subdesenvolvimentos (ou em desenvolvimento) a partir das décadas de 1950 e 1960.
No entanto, as consequências fundiárias da revolução verde caracterizam-se
pela concentração de terra e pela evasão de pequenos agricultores de suas
propriedades, devido à sua incapacidade de competir com os grandes produtores no
mercado. Além disso, o processo de industrialização da produção agrícola, que buscava
55
substituir o manejo manual, contribuiu para a liberação de mão-de-obra para as cidades,
intensificando o fenômeno do êxodo rural (DINIZ, 1984). Mazoyer e Roudart (2010)
complementam a discussão apontando para algumas continuidades dessas
características na atualidade, como a especialização produtiva, dando preferência aos
cultivos com bons rendimentos econômicos, o uso de variedades vegetais e raças de
animais selecionados, o uso massivo de agroquímicos e a priorização da venda ao
mercado internacional, no lugar do abastecimento interno, elevando os preços no próprio
local de origem.
Cabe mencionar também que o pacote tecnológico promovido pela revolução
verde não foi incorporado apenas pelas grandes produções, como de cereais, gado e
biocombustíveis. Na “pequena” produção, cuja mão-de-obra é essencialmente familiar,
os insumos químicos e motomecanização também se fizeram presentes. A diferença
entre a produção em larga e pequena escala é a diversidade. Enquanto a primeira —
com maior grau de mecanização e redução de mão-de-obra — concentra-se na produção
de commoditties como arroz, milho e soja para o processamento e alimentação animal,
a segunda, com maior uso de mão-de-obra (basicamente familiar) e baixa mecanização,
apresenta maior diversidade produtiva, concentrando-se em alimentos de consumo
direto, como hortaliças, feijão, mandioca, etc.
As transformações de cunho tecnológico provocadas pela revolução verde se
sustentaram sobre o argumento de ampliar a produção de alimentos e reduzir o problema
da fome no mundo. De fato, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar
encontrou-se em declínio contínuo a partir da década de 1980 (ABRAMOVAY, 2010).
Com isso, podemos observar um movimento contrário às afirmações de Malthus no
século XVIII e dos neomalthusianos na década de 1950. O novo modelo produtivo
agropecuário finalmente apresentou condições de produzir a quantidade de alimentos
necessária para satisfazer a crescente população humana. No entanto, algumas
contradições foram observadas, à medida que esse modelo produtivo foi se consolidando
ao longo do tempo, comprometendo não apenas sua capacidade produtiva, mas a própria
resiliência dos ecossistemas mundiais. O problema da desigual distribuição de alimentos
que Castro denunciava permaneceu, tendo em vista a existência de regiões preteridas
na cadeia dessa distribuição, como algumas regiões africanas. Ademais, em períodos de
56
preço baixo no mercado, os alimentos eram (e ainda são) descartados como lixo ou
estocados — dependendo de seu grau de perecibilidade —, à espera de uma oscilação
positiva em seu preço (DAMIANI, 1998). Outro problema é a degradação do meio
ambiente pelo desmatamento, pelo uso intensivo de mecanização no solo e pelo uso
excessivo de insumos químicos. Atualmente, do ponto de vista alimentar, temos o
consumo excessivo (ou a supernutrição à qual se refere Diniz) de alimentos,
especialmente industrializados, evidenciado pelo problema da obesidade em nível
mundial (ABRAMOVAY, 2010).
Esse conjunto de problemas (sociais, ambientais e alimentares) tem suscitado
questionamentos e problematizações em torno desse modelo produtivo oriundo da
revolução verde, conhecido atualmente por agronegócio. Ao mesmo tempo em que a
agropecuária baseada na produção em larga escala especializada, no uso de máquinas,
de sementes geneticamente modificadas e insumos químicos, é considerada uma das
atividades que mais produz impacto no meio ambiente, a atividade agrícola é uma das
mais ameaçadas pelas mudanças climáticas. De acordo com estudos realizados pelo
International Food Policy Research Institute (IFPRI), nos próximos 30 anos o ritmo de
produção agrícola diminuirá significativamente, devido ao aquecimento global observado
na superfície terrestre (ABRAMOVAY, 2010). Uma das consequências mais
preocupantes disso será o aumento nos preços dos alimentos, o que dificultará ainda
mais seu acesso pela maioria da população.

O resultado global dessa situação é aterrador. A previsão é que a oferta calórica


mundial per capita em 2050 seja inferior à de 2000. Pior, tudo indica que a
produção agropecuária estará ainda mais concentrada em alguns poucos países
do que hoje. Em outras palavras, o cenário é de ampliação da dependência
alimentar em que se encontra parte crescente dos países em desenvolvimento.
Enfrentar essa questão exige mudanças cruciais no próprio sistema alimentar
dominante no mundo contemporâneo (ABRAMOVAY, 2010, p. 40).

Essas consequências da modernização da agricultura têm estimulado


pesquisadores, intelectuais, agricultores e movimentos sociais camponeses a pensar
alternativas para esse cenário preocupante. Uma das alternativas propostas é o aumento
da diversidade produtiva (no lugar do monocultivo), assim como a adoção de manejo
ecológico, que, segundo pesquisas realizadas por agrônomos e agroecólogos, mostram-
se mais resilientes às mudanças no clima em comparação ao manejo convencional
57
(ALTIERI; NICHOLLS, 2012). Outra medida compreendida como minimizadora dos
efeitos das mudanças climáticas é a valorização da produção agrícola familiar,
especialmente na América Latina, que é responsável pela produção de parcela
significativa dos alimentos consumidos pela população, além da valorização da
biodiversidade presente nos diferentes biomas do mundo, mediante políticas de
conservação.
Atualmente, entendemos que o problema da fome no mundo não se resolve
apenas pelo viés técnico-científico, conforme preconizava a revolução verde da década
1960. Principalmente no contexto dos países em desenvolvimento, trata-se também de
um problema social (estrutura fundiária), econômico (ajustes nos preços) e político
(políticas de desenvolvimento sustentável), como bem apontou Josué de Castro, décadas
atrás. Nesse sentido, mudanças na estrutura fundiária são necessárias para garantir a
produção familiar, baseada na agro biodiversidade. De modo similar, transformações nas
dinâmicas logísticas e comerciais são fundamentais para possibilitar o acesso da
população aos alimentos — de acordo com os relatórios elaborados pela FAO/ONU em
2011 e 2013, os preços altos dos alimentos têm gerado preocupações sobre a segurança
alimentar da maioria da população (MENDONÇA, 2014). Com isso, políticas promotoras
do desenvolvimento rural sustentável também se fazem necessárias, para garantir a
produção de alimentos a preços justos para a população. Todas essas mudanças
também exigem transformações em nosso padrão de consumo que, como indica
Abramovay (2010), exerce significativa pressão sobre os recursos naturais.
Assim, é bastante complexa a discussão que gira em torno do problema da fome
no mundo, e, ao contrário do que imaginamos, ainda se revela bastante atual. Não foram
poucos os esforços intelectuais e políticos para lidar com essa problemática. Vimos que
na década de 1950, logo após a Segunda Guerra Mundial, as discussões sobre a fome
e a superpopulação foram retomadas, reanimando a teoria malthusiana. De acordo com
os neomalthusianos, o acelerado crescimento populacional identificado nos países
subdesenvolvidos comprometia uma relação equilibrada entre número de habitantes e
disponibilidade dos meios de subsistência, além de exercer forte pressão sobre os
recursos naturais. Nessa mesma época, o médico, nutrólogo e geógrafo brasileiro Josué
de Castro assumia uma postura bastante crítica diante das declarações
58
neomalthusianas, afirmando que o problema da fome — segundo ele, pouco conhecida
pelos neomalthusianos norte-americanos — já era um empecilho muito antes do alto
crescimento demográfico identificado na segunda metade do século XX. Para Castro, o
problema da fome no mundo, especialmente nos países pobres, não apresentava como
causa o contingente populacional, e sim o padrão de produção, distribuição e consumo,
que compromete a segurança alimentar de parcela significativa da população. Sob esse
prisma, este é um problema estrutural que deve ser resolvido com medidas sociais,
políticas e econômicas (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).
Na tentativa de abordar o problema da fome do ponto de vista técnico, inovações
tecnológicas e científicas foram incorporadas na produção agrícola (como a
motomecanização, o uso de insumos químicos e de sementes geneticamente
modificadas). Esse pacote tecnológico foi incorporado principalmente na produção
agrícola em larga escala, com a justificativa de ampliar a produção de alimentos e atenuar
o problema da fome. No entanto, vimos que alguns problemas oriundos da própria lógica
contraditória do capitalismo emergiram nesse processo, desafiando o objetivo primário
da modernização da agricultura: a concentração de terras, a distribuição desigual de
alimentos, seu alto preço no mercado e a degradação ambiental.

7 CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO E CRESCIMENTO VEGETATIVO

O que significa crescimento demográfico? Quais são as variáveis envolvidas


nesse processo, quais são os tipos de crescimento, suas características básicas e quais
são suas implicações na sociedade? Para responder essas questões, é preciso, antes
de mais nada, conhecer e distinguir com rigor conceitos ainda mais básicos, como taxa
de natalidade, taxa de fecundidade, taxa de mortalidade, migração, emigração,
imigração, crescimento horizontal e crescimento vegetativo, além de buscar entender os
fatores sociais, econômicos e culturais que levam a variações nesses índices em
diferentes épocas e regiões.

59
7.1 Crescimento vegetativo versus crescimento demográfico

Em linhas gerais, o crescimento vegetativo, ou natural, é caracterizado pela


diferença entre o número de nascimentos e o número de óbitos que ocorreram em
determinado lugar no transcorrer de certo período (geralmente se considera o período de
um ano). O resultado dessa diferença pode ser positivo, ou seja, o número de
nascimentos foi maior que o número de mortes — o que evidencia um aumento do
crescimento vegetativo —, ou pode ser negativo, em que o total de mortes é maior que o
total de nascimentos. Além disso, é claro, o crescimento vegetativo pode ser zero — total
de nascimentos igual ao total de óbitos (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011). Já o
crescimento demográfico é definido pela soma do crescimento vegetativo e do balanço
de migrações que ocorreram em determinado lugar ao longo de um ano. Desse modo, o
crescimento demográfico de uma cidade, município, região ou país ocorre por meio de
dois processos: crescimento vegetativo (diferença entre o número de nascimentos e
mortes) e crescimento horizontal, que se refere ao saldo migratório de um lugar.
O crescimento horizontal, também conhecido como saldo migratório,
corresponde à diferença entre o número de pessoas que, dentro do período de um ano,
entraram em determinado lugar para viver e o número de pessoas que saíram deste
mesmo lugar para viver em outro. Podemos dizer que o crescimento horizontal é positivo
quando o número de pessoas que chegaram (imigrantes) é maior que o número de
pessoas que saíram (emigrantes). E o saldo migratório é negativo quando o número de
pessoas que saíram é maior que o de pessoas que entraram (DANTAS; MORAIS;
FERNANDES, 2011). Considerando que estamos falando sobre fenômenos humanos e
sociais como nascimentos, óbitos e migração, é importante estarmos atentos ao fato de
que tanto o crescimento vegetativo quanto o horizontal são influenciados por questões
sociais (como o índice de violência, que pode afetar o número de óbitos em uma cidade),
econômicas (a renda per capita pode interferir na expectativa de vida de uma população),
políticas (se um país investe em políticas de bem-estar social e como isso afeta as taxas
de migração externa) e culturais (a influência da cultura de famílias extensas no número
de nascimentos de um país) (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).

60
Assim, os aspectos sociais, socioeconômicos e políticos são fundamentais para
os estudos populacionais. Esses componentes permitem analisar o comportamento
demográfico de determinado lugar em sua complexidade e explicar por que o crescimento
vegetativo de um país aumentou, diminuiu, se estabilizou ou por que o número de
pessoas que saíram (emigraram) de determinado país cresceu. Os aspectos sociais nos
permitem compreender como as relações sociais, econômicas e políticas que
estabelecemos uns com os outros e com o espaço em que vivemos afetam a dinâmica
populacional. Consideremos uma cidade brasileira hipotética e sua realidade social: se
sua política de bem-estar social é deficiente, a qualidade de vida de sua população será
afetada; se o índice de violência urbana é alto e o serviço de segurança da cidade é
ineficiente, o número de óbitos deve aumentar; se sistema de saúde é precário, isso pode
comprometer a expectativa de vida das pessoas.
Os aspectos socioeconômicos — que não estão isolados dos aspectos sociais
— também influenciam na qualidade de vida da população, além de revelar a dinâmica
de desenvolvimento de um país, afetando os índices de óbitos, nascimentos e emigração.
Apoiando essa afirmação em exemplos, vamos comparar países latino-americanos e
seus Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). Selecionamos três países com o maior
IDH da América Latina e mais três países com o menor IDH da região. Além disso,
identificamos seus índices de mortalidade (óbitos) entre a população masculina (Quadro
1).
Quadro 1. Relação entre IDH e taxa de mortalidade masculina para o ano de
2014

Fonte: Adaptado de Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2015); World Bank
Group (2019a).
61
Ao realizarmos uma breve leitura dos dados apresentados, notamos que os
países com pior IDH — que é, de forma geral, calculado considerando fatores como
saúde, renda e educação — apresentam também o maior número de óbitos entre a
população masculina. É evidente que nossa leitura dessas informações entende que
existe uma multiplicidade de fatores mediando essa relação IDH–mortalidade e que a
relação causal entre ambos índices deve ser interpretada em sua complexidade. Um
exemplo interessante para entender essa afirmação é o índice de mortalidade masculina
entre os países com os piores IDHs: Haiti, Honduras e Guatemala. Se focássemos
apenas no entendimento de que, quanto menor o IDH, maior a mortalidade, não
conseguiríamos explicar por que a taxa de mortalidade de Honduras é menor que a de
Guatemala, sendo que este último apresenta maior IDH; ou que a Argentina, com IDH
maior que o Uruguai, apresenta maior mortalidade masculina.
O mesmo podemos afirmar com relação à ideia predominante de que quanto pior
for a condição socioeconômica e o nível educacional de uma família brasileira, maior será
seu número de filhos, sendo que taxa de fecundidade, ainda que seja maior entre as
camadas mais pobres, tem diminuído significativamente entre este mesmo grupo social
(FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2019). Ainda considerando a
influência dos aspectos sociais e econômicos nas dinâmicas de crescimento vegetativo
e horizontal, tomemos como exemplo dois casos extremos de maior e menor IDH na
América Latina: Argentina e Haiti, respectivamente. Notamos nas informações contidas
no Quadro 2 que, no caso do Haiti, país com o pior IDH da região, o saldo migratório é
negativo, o que significa que existem mais pessoas saindo do país para viver em outros.

Quadro 2. Relação entre IDH e saldo migratório para o ano de 2012

Fonte: Adaptado de Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2015); World Bank
Group (2019a)

62
Agora que conhecemos os elementos que constituem o crescimento vegetativo
e horizontal, podemos avançar para uma breve discussão sobre em que consiste o
crescimento demográfico de determinado lugar.

7.2 Fatores determinantes do crescimento demográfico

Como vimos, o crescimento demográfico ocorre por meio dos processos de


crescimento vegetativo e horizontal. Além disso, vimos a importância de contabilizar os
números de nascimentos, óbitos e saldo de imigrantes e emigrantes para que seja
possível ter uma visão mais circunstanciada do processo de crescimento demográfico e
melhor entender sua dinâmica. Para tanto, também é necessário compreender em
detalhes em que consistem esses fatores determinantes que abordamos anteriormente.
Afinal, como é definido e calculado o número de nascimentos, mortes e migração? Nesta
seção, examinaremos novos conceitos demográficos: taxa de natalidade, taxa de
fecundidade, taxa de mortalidade e migração, considerando seus processos variantes,
imigração e emigração. A taxa de natalidade corresponde ao número de nascimentos
ocorridos anualmente para cada mil habitantes, em relação à população total de
determinado lugar (DAMIANI, 1998).

Para entender melhor como funciona o cálculo da taxa de natalidade,


imaginemos um país fictício, o País A, com uma modesta população total de 550 mil
habitantes. Sabemos que no ano de 2019 nasceram neste país 2.500 pessoas. Apenas
com esses dados, já é possível calcular a taxa de natalidade para 2019.

63
Assim, a taxa de natalidade do País A é de 4,54‰, o que significa que para cada
grupo de mil pessoas, nasceram 4,54 crianças vivas no ano de 2019. É importante
lembrar que a taxa de natalidade se encontra diretamente relacionada com a taxa de
fecundidade, que se refere ao número de filhos que uma mulher teria durante a sua idade
reprodutiva. Isso significa que se a taxa de fecundidade diminuir, a taxa de natalidade
também sofrerá decréscimo (DAMIANI, 1998).
Considerando o caso brasileiro, a taxa de fecundidade atual é de 1,7, ou seja, as
mulheres brasileiras têm em média 1,7 filhos ao longo de sua idade reprodutiva. Esse
valor, de acordo com os estudos realizados pelo Fundo de Populações das Nações
Unidas, encontra-se abaixo da taxa de reposição populacional do Brasil, que atualmente
é de 2,2 (FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2018). Tanto a taxa de
natalidade quanto a de fecundidade são influenciadas por aspectos econômicos, sociais
e culturais de uma nação. A ativa participação de mulheres no mercado de trabalho, por
exemplo, ou a ampliação de seu acesso à educação e melhorias em sua situação
socioeconômica, bem como o acesso a informações e métodos contraceptivos, podem
influenciar em sua disposição com relação a ter filhos.
Já a taxa de mortalidade, como o nome sugere, equivale ao número de óbitos
ocorridos anualmente para cada 1000 habitantes em relação à população total de um de
determinado lugar (DAMIANI, 1998).

Consideremos novamente o País A, com seus 550.000 habitantes. As


informações que temos é de que o número de falecimentos, independente da causa, para
o ano de 2019 foi de 800 pessoas.

64
Interpretando os dados, vemos que a taxa de mortalidade do País A, em 2019,
foi de 1,45‰, indicando que a cada mil habitantes desse país, 1,45 pessoas faleceram.
Não ignorando o fato de que os óbitos podem ocorrer de forma natural, em virtude do
envelhecimento e outras causas, retomemos nossa discussão da seção anterior, sobre o
impacto do cenário socioeconômico de uma realidade geográfica específica sobre o
índice de mortalidade. A partir disso, podemos nos questionar sobre as motivações
relacionadas a esse índice ou analisá-lo de forma mais circunstanciada; entender suas
causas, saber sua diferenciação por sexo (masculino, feminino), por idade (estratificação
por faixa etária), por condição socioeconômica, etc.
Com as informações de que dispomos, já podemos calcular o crescimento
vegetativo, ou natural, do País A. Basta tomarmos a taxa de natalidade (4,54‰) e subtrair
desse valor a taxa de mortalidade (1,45‰). Com isso, obteremos um crescimento
vegetativo de 3,09‰ (ou 0,309%). Esse valor indica que houve um crescimento de 3,09
pessoas para cada grupo de mil habitantes do país. Vimos que outro processo que
influencia diretamente o crescimento demográfico é a migração, que se trata de um
fenômeno antigo, bastante complexo e de grande importância em escala mundial. Em
síntese, podemos definir migração como o deslocamento de um lugar para outro
realizado por pessoas, podendo ocorrer dentro de um mesmo país ou entre países
diferentes (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011). Nesse caso, conforme
mencionamos anteriormente, podemos ter a emigração, que ocorre quando as pessoas
saem de determinado país em direção a outro, e a imigração, que define a entrada de
pessoas em um país no qual desejam viver.
O fenômeno da migração entre países pode ocorrer por diversos motivos, como
escolhas pessoais, necessidades ou oportunidades que surgem em diferentes
localidades. Outro fator que pode influenciar o processo de migração é a falha de um país
em proporcionar qualidade de vida à sua população, na forma de segurança, saúde,
educação e trabalho com renda mínima para garantir a subsistência. Esse fator
socioeconômico pode estimular certas pessoas a migrar para buscarem oportunidades
em outros países. De acordo com o relatório publicado pela Organização das Nações
Unidas (ONU) em 2019, o número de migrantes internacionais neste mesmo ano foi
estimado em 272 milhões, correspondendo a 3,5% da população mundial
65
(ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL PARA LAS MIGRACIONES, 2019). O país que
recebeu o maior número de imigrantes em 2019 foi o Estados Unidos, com 19% do total
(50,7 milhões de imigrantes internacionais). A Índia, por outro lado, corresponde ao país
com o maior número de emigrantes (17,5 milhões), ou seja, de pessoas que saíram do
país para viver em outros.
Sabemos que o saldo migratório, ou o crescimento horizontal, de um país é um
dos componentes básicos para calcular o seu crescimento demográfico. Continuando
com nosso exemplo fictício envolvendo o País A, estabelecemos que o número de
pessoas que migraram para o país em 2019 foi de 1.650 e o número de pessoas que
saíram foi de 550. Com isso, a migração líquida do País A foi de 1.100 pessoas, ou 0,2%.
Desse modo, o crescimento demográfico do País A pode ser calculado da seguinte forma:
0,309% (crescimento vegetativo) + 0,2% (crescimento horizontal) = 0,509% (crescimento
demográfico). Outra forma de calcular esse valor é por meio da seguinte fórmula:

Dessa forma, chegamos à conclusão de que o crescimento demográfico do País


A foi de 0,509%, representando o número aproximado de 2.800 pessoas.

7.3 A historicidade do crescimento vegetativo

A historicidade do crescimento vegetativo está diretamente relacionada às fases


de crescimento populacional — desde a Revolução Industrial, dos séculos XVIII e XIX,
até a contemporaneidade — dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, que foram
influenciadas por fatores sociais, econômicos e produtivos. Se entendemos o
crescimento vegetativo como a diferença entre o número de nascimentos e falecimentos
ocorridos em uma população em determinado espaço e tempo, devemos especificar que
fatores sociais, produtivos e econômicos em diferentes momentos históricos da
humanidade influenciaram essa dinâmica demográfica. Já sabemos que um marco
histórico que transformou a dinâmica populacional em nível mundial foi o fortalecimento
66
da Revolução Industrial ao longo do século XIX na Inglaterra e em outros países
europeus. No entanto, vamos dar um pequeno passo atrás na história. As dinâmicas
populacionais anteriores ao processo de industrialização na Europa (especialmente nas
sociedades feudais) eram marcadas por uma alta taxa de natalidade, fecundidade e
mortalidade, em virtude da pobreza extrema e precárias condições sanitárias da época,
que resultavam em baixa expectativa de vida. Por essa razão, o crescimento vegetativo
nas civilizações pré-industriais era baixo (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).
A alta taxa de fecundidade entre as famílias se justificava por diferentes fatores.
Um deles se referia ao alto índice de mortalidade infantil e à valorização da família ampla,
considerando também que parte significativa do trabalho empreendido, anterior ao século
XVIII, era agrícola, artesanal, manufaturado e essencialmente familiar. Por isso, era
necessária uma família com maior número possível de filhos. Com a evolução das
atividades produtivas ao longo do século XVIII — definida pelo desenvolvimento da
manufatura, pela construção de um caminho que direcionava à produção industrial,
acompanhado de uma série de expulsões de famílias de camponeses de suas terras —,
a dinâmica natural do crescimento populacional foi se reconfigurando, sobretudo nos
espaços urbanos, que recebiam um número cada vez maior de antigos camponeses, na
qualidade de trabalhadores livres (DAMIANI, 1998).
Conforme acompanhamos a historicidade da população, percebemos que a
produção industrial ao final do século XVIII e ao longo do século XIX impactou a dinâmica
demográfica das famílias europeias. Como as indústrias incorporavam toda a família
como mão-de-obra (pai, mãe, filhos e filhas), as famílias proletárias consideravam
vantajoso ter um maior número de filhos, cada qual ajudando como ganha-pão. Como
resultado, houve um aumento significativo nas taxas de fecundidade entre as mulheres
inglesas, resultando no aumento da natalidade no país pioneiro da produção industrial.
Não podemos esquecer que foi exatamente nessa conjuntura que foram
desenvolvidas as considerações teóricas malthusianas sobre o crescimento da
população inglesa. É interessante notar que a preocupação de Tomas Malthus (1766–
1834) girava primordialmente em torno do crescimento vegetativo da população, que ele
encarava como um processo natural e inevitável, assim como a mortalidade. Não por
acaso, a teoria malthusiana entendia os óbitos resultantes da miséria e da fome como
67
barreiras naturais, ou obstáculos positivos ao crescimento populacional natural que,
segundo o teórico, ocorria em progressão geométrica, em comparação com o
crescimento aritmético da produção de alimentos (DAMIANI, 1998). O desenvolvimento
da produção industrial no século XIX, definida pela incorporação de novas técnicas e
tecnologias no processo produtivo e sua expansão para outros países da Europa,
também exerceu influência no crescimento vegetativo da população deste continente. A
substituição do trabalhador por maquinário em algumas etapas do processo produtivo,
especialmente as mais extenuantes e insalubres, contribuiu para a redução da
mortalidade entre essa classe social (DAMIANI, 1998). Além disso, conquistas
trabalhistas como a redução da jornada de trabalho e a abolição do trabalho infantil
também ajudaram a reduzir a mortalidade. O número de filhos entre as famílias
proletárias também caiu, considerando que os filhos deixaram de representar mão-de-
obra familiar, e o número de óbitos entre as crianças também diminuiu (DANTAS;
MORAIS; FERNANDES, 2011).
Ainda no século XIX, os avanços no campo da medicina também
desempenharam um papel fundamental na queda das taxas de falecimento, com
melhorias no tratamento e prevenção de doenças. Já no século XX, o desenvolvimento
da pílula anticoncepcional e de estudos sobre métodos contraceptivos, em conjunto com
as discussões que se encontravam em curso sobre os direitos civis e reprodutivos das
mulheres já na segunda metade do século XX, resultou no declínio das taxas de
fecundidade entre as mulheres europeias e de outros países como Estados Unidos e
Canadá. No contexto de países subdesenvolvidos, os meados do século XX foram
marcados por altas taxas de fecundidade e natalidade. Na década de 1960, por exemplo,
enquanto o Reino Unido apresentava uma taxa de fecundidade de 2,69 filhos por mulher,
no Brasil este valor era de 6,07 (WORLD BANK GROUP, 2019). Em virtude do
desenvolvimento na área médico-sanitária, que reduziu drasticamente o índice de
mortalidade em países com elevada natalidade (latino-americanos, africanos e asiáticos),
o crescimento vegetativo aumentou exponencialmente.
De acordo com o WORLD BANK GROUP (2019), no contexto brasileiro, a
fecundidade e a natalidade foram caindo paulatinamente, não apresentando qualquer
aumento desde a década de 1960. Atualmente, tanto a taxa de natalidade e quanto a de
68
fecundidade no Brasil são baixas, alcançando índices próximos aos de países
desenvolvidos, como o próprio Reino Unido. China e Colômbia também apresentaram
decréscimo nesses índices a partir da década de 1970. Alguns países como Moçambique
e Nigéria, apesar de ainda apresentarem altas taxas de fecundidade e natalidade, vêm
reduzindo essas cifras — apresentando algumas oscilações — nos últimos 60 anos. Entre
os fatores responsáveis por essa redução da fecundidade e natalidade, especialmente
em países latino-americanos, podemos citar a difusão do planejamento familiar, realizado
principalmente por entidades multilaterais; o acesso aos métodos contraceptivos e à
informação sobre saúde reprodutiva; aumento nos custos de vida nas cidades, que
reduziram o número de filhos por família; a participação cada vez maior das mulheres no
mercado de trabalho; e o aumento na busca por investimentos que garantam melhor
qualidade de vida à família, como acesso à educação, saúde e renda (DANTAS;
MORAIS; FERNANDES, 2011).
Conhecemos alguns conceitos importantes para compreender melhor as
dinâmicas demográficas: taxa de natalidade, taxa de fecundidade, taxa de mortalidade,
migração, emigração, imigração, crescimento horizontal, crescimento vegetativo e
crescimento demográfico. Vimos que o crescimento vegetativo se refere ao movimento
natural de crescimento populacional, caracterizado pela relação entre nascimentos e
mortes, enquanto o crescimento demográfico incorpora tanto o crescimento natural
quanto as mobilidades demográficas (migrações). Devemos sempre lembrar que tanto o
crescimento vegetativo quanto o demográfico são fenômenos e conceitos espaço-
temporais, ou seja, ocorrem e são interpretados em determinado lugar e em determinado
período. Por isso, sua historicidade também deve ser analisada, levando em conta outros
elementos, como a sociedade, a economia, a educação, a produção, o trabalho, a
política, entre outros fatores que mobilizamos para construir e transformar o espaço
geográfico.

8 ASPECTOS DA DENSIDADE DEMOGRÁFICA

A densidade demográfica, como conceito e índice populacional, relaciona-se com


o processo de distribuição da população sobre a superfície terrestre. Trata-se de um tema
69
geográfico, pois busca compreender a relação entre sociedade e território, mas também
é uma problemática social, pois corresponde aos aspectos envolvidos nos processos de
concentração e dispersão populacional em determinado território. Além disso, não deixa
de ser uma temática econômica, pois considera a influência de questões como trabalho,
renda, educação e desenvolvimento socioeconômico sobre a dinâmica de distribuição e
concentração demográfica.

8.1 Regiões densamente povoadas

Para compreendermos o fenômeno da densidade demográfica, precisamos antes


de mais nada esclarecer alguns conceitos demográficos básicos, como população
absoluta, população relativa, território populoso, território povoado, superpopulação,
superpovoamento, subpovoamento. Os dois primeiros conceitos podem ser definidos
como (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011):

• População absoluta: refere-se ao total de habitantes de determinado lugar. A


população total de um lugar (cidade, país, região) é obtida por meio dos recenseamentos
demográficos.
• População relativa: corresponde à densidade demográfica de um lugar, isto é,
a quantidade de habitantes por área. É calculada pela divisão entre a população total de
um determinado lugar e sua respectiva área, sendo expressa pela unidade hab./km2

As informações sobre população absoluta e população relativa nos ajudam a


entender em que medida um país é populoso e povoado. Esses termos, apesar de
parecidos, são conceitualmente distintos, além de serem importantes para
compreendermos o processo de densidade demográfica.

• O termo populoso refere-se à população total de um lugar, quer se trate de


uma cidade, estado ou país, entre outras divisões político-administrativas. Dizemos, por
exemplo, que um país é populoso tendo em vista sua vasta população total.

70
• O termo povoado está vinculado à população relativa, isto é, corresponde à
razão entre a população absoluta de um lugar e sua área territorial.

Dizemos, por exemplo, que um país é densamente ou fracamente povoado


considerando o seu número de habitantes por área. Outros conceitos fundamentais para
entendermos a dinâmica da densidade demográfica — mas dessa vez em sua relação
com aspectos socioeconômicos — são os seguintes:

• Superpopulação e superpovoamento: esses conceitos referem-se a um


contingente demográfico acima da quantidade e disponibilidade de recursos (materiais,
sociais e econômicos) para satisfazer as necessidades da respectiva população. Assim,
estão relacionados ao grau de desenvolvimento socioeconômico de um território. Por
exemplo: se um país apresenta um baixo desenvolvimento econômico e não possui
condições de atender sua população com serviços como educação e trabalho, podemos
dizer que este país se encontra em situação de superpovoamento.

• Subpovoamento: corresponde a um contingente demográfico abaixo da


quantidade e disponibilidade de recursos e serviços para satisfazer as necessidades da
população. Um território nesta categoria também é chamado de infrapovoado.

Agora que definimos os conceitos básicos para compreender o processo de


densidade demográfica, podemos aplicá-los em contextos geográficos e históricos de um
dado lugar a fim de entender sua dinâmica de ocupação populacional. Podemos ver no
mapa da figura abaixo os países de acordo com sua densidade demográfica e as regiões
mais densamente povoadas do mundo.

71
Figura 1. Países do globo e sua densidade populacional em 2019.
Fonte: Population Pyramid (2019, documento on-line).

Uma observação interessante que podemos fazer sobre esse mapa é que países
populosos como Estados Unidos e Brasil — os quais ocupam respectivamente o terceiro
e o sexto lugar entre os mais populosos do mundo (UNITED NATIONS, 2019) — não são
densamente povoados. A densidade demográfica do Brasil, como vimos, é de 24,78
hab./km², enquanto a dos Estados Unidos é de 33,47 hab./km². Isso significa que um país
populoso pode, mesmo assim, apresentar baixa densidade populacional. Com isso,
podemos perguntar: quais são, então, os fatores que favorecem a concentração da
população em determinado lugar? Entendemos que esses fatores são múltiplos:
espaciais, naturais, sociais, históricos, econômicos, políticos, etc. É importante estarmos
atentos ao fato de que um território com reduzida dimensão territorial — como Macau,
que é a região mais povoada do mundo, possuindo uma área de 115,3 km² para uma
população absoluta de 640.446 habitantes — provavelmente será mais densamente
povoado que um país com dimensões continentais, como a Rússia, que mesmo com uma
população total de 145.872.260 de habitantes, apresenta uma densidade demográfica
equivalente a 8,53 hab./km². Outro fato a ser destacado é que um mesmo país, como o
Brasil, pode apresentar regiões com maior ou menor densidade demográfica, a depender
de seu contexto histórico, socioeconômico e suas características físico-naturais (figura
abaixo).

72
Figura 2. Brasil e sua densidade demográfica em 1960, 1980 e 2010.
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010a, documento on-line).

O Brasil é considerado um país com alta população absoluta, mas com baixa
população relativa, pois apresenta uma ampla dimensão territorial constituída por
recursos naturais que, historicamente, favoreceram a elevada ocupação de seu território
em áreas específicas, como a costa atlântica, possuidora de abundantes recursos
hídricos, terras férteis com relevo adequado para a produção agrícola e abertura marítima
ao comércio exterior (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011). É exatamente nessa
região que observamos, ao longo do tempo, o desenvolvimento de atividades produtivas
agroexportadoras durante o período colonial, processos de urbanização ao longo dos
séculos XIX e XX e a crescente industrialização a partir da segunda metade do século
XX (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011). Se observarmos o mapa da figura acima,
veremos que as áreas mais densamente povoadas, ao longo de 50 anos, seguem sendo
as próximas ou localizadas na faixa litorânea, onde se encontram grandes cidades, como
Rio de Janeiro (região Sudeste do país) e Salvador (região Nordeste) que, em uma
perspectiva histórica e contemporânea, constituem grandes centros econômicos da

73
nação. Além disso, não podemos deixar de mencionar a região onde se localiza São
Paulo, que possui a maior densidade demográfica do país e que, atualmente, é
considerada uma megalópole, apresentando uma concentração de atividades produtivas
e econômicas dos mais variados tipos. Ademais, a região litorânea do Brasil apresenta
historicamente uma estrutura logística que possibilita o fluxo de mercadorias e pessoas,
sendo este um fator que tem contribuído para o adensamento populacional nessa faixa
territorial.
Ainda observando o mesmo mapa da figura acima, constatamos que as regiões
localizadas no interior do país (Norte e Centro-Oeste), embora tenham, entre 1960 e
2010, aumentado o seu nível de ocupação territorial e densidade populacional —
resultado de projetos nacionais de colonização, expansão da fronteira agrícola e
desenvolvimento regional —, permanecem sendo as áreas menos povoadas do país,
com exceção dos recortes espaciais que representam os grandes centros urbanos
(DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011). Se considerarmos os dados do
recenseamento de 2010, veremos que a população total do Brasil era de 190.755.799
milhões de pessoas e a densidade demográfica de então era de 22,43 hab./km²
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010b). Nesse sentido, ao
observarmos o mapa da densidade demográfica mais recente na figura acima, de 2010,
constatamos que o país apresenta áreas cuja população relativa varia de menos de 10
hab./km² a mais de 100 hab./km², revelando uma distribuição populacional bastante
desigual pelo território. No cômputo geral, o país apresenta uma baixa densidade
demográfica, ou seja, é pouco povoado.

8.2 As motivações para concentração e dispersão da população

Na seção anterior, examinamos en passant alguns fatores que podem estimular


a concentração ou dispersão demográfica, como os fatores territoriais, naturais, sociais,
históricos, econômicos e políticos (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011). Na
presente seção, abordaremos alguns deles e aprofundaremos por meio de exemplos.
Enquanto área do conhecimento, a geografia tem se preocupado em compreender a

74
relação sociedade/meio/espaço/território/natureza e como estes são transformados no
processo de produção ou construção do espaço geográfico.
Nesse sentido, sabemos que a natureza — interpretada de forma geral como um
conjunto de elementos como relevo, vegetação, animais, solo e clima — também constitui
um objeto de estudo geográfico. Retomando brevemente a trajetória da ciência
geográfica, entendemos que tanto a geografia preconizada por Friedrich Ratzel quanto a
escola francesa de Vidal de la Blache, com suas distinções teórico-epistemológicas,
buscavam compreender de que modo o espaço físico-natural influenciava as formas de
ocupação do território e transformação da natureza.
Como exemplo, tomemos a região sul do Rio Grande do Sul, precisamente a
região de Pelotas. Os municípios dessa região encontram-se entre duas formações
geomorfológicas distintas: a Planície Costeira, com relevo plano, abundante e complexa
hidrografia e proximidade ao mar; e o Escudo Cristalino, que apresenta relevo irregular,
riqueza de recursos hídricos, solos férteis, vegetação original abundante, etc. Essa
configuração físico-natural possibilitou alguns processos de formação social, territorial e
histórica, bem como o desenvolvimento de atividades voltadas sobretudo à agricultura e,
mais recentemente, à agroindústria (SALAMONI; WASKIEVICZ, 2013).
Na área mais plana da região, por exemplo, desenvolveu-se durante os séculos
XVIII e XIX a criação de gado e a produção de charque, que representava a principal
atividade produtiva da região nessa época. Ao longo do século XIX, o povoado ampliou
sua população e suas atividades econômicas. Por meio de um conjunto de ações e
relações sociais, políticas e econômicas converteu-se, com o passar do tempo, em
freguesia e na década de 1830 alcançou o estatuto de cidade (GUTIERREZ, 2001;
ROSA, 1985). Sua economia gira em torno do setor primário, com a produção de
commodities e cultivares da agricultura familiar. Seu setor secundário é voltado
principalmente à agroindústria, com produção em pequena, média e larga escala,
enquanto seu o setor terciário concentra-se na prestação de serviços diversos, como
comércio, turismo rural e educação.
A região do Escudo Cristalino, com relevo mais acidentado e vegetação mais
densa, também foi ocupada, mas em menor intensidade. Na segunda metade do século
XIX, essa foi uma área de colonização europeia não ibérica, mas anteriormente já era
75
habitada por povos nativos e, posteriormente, por população africana e seus
descendentes, que representaram a principal mão-de-obra do polo estancieiro-
charqueador entre os séculos XVIII e XIX (GUTIERREZ, 2001). Atualmente, essa área
do município de Pelotas é classificada como zona rural. Possui como principal atividade
econômica a agricultura e a agroindústria de base familiar. Além disso, é formada por
pequenas aglomerações, apresentando densidade demográfica bem menor que a da
sede municipal onde se localiza a cidade.
Com esse exemplo, podemos perceber que o processo de adensamento
demográfico ou povoamento não é um simples resultado de fatores naturais; é produto
de um conjunto de ações humanas em uma perspectiva social, histórica, política, cultural
e econômica. De acordo com Dantas, Morais e Fernandes (2011, p. 171), esses fatores
históricos e econômicos são os principais responsáveis pelas aglomerações
populacionais que vêm elevando a densidade demográfica de algumas regiões do
mundo:

Na atualidade, a distribuição desigual da população pelo planeta está mais


associada aos fatores históricos e socioeconômicos do que aos fatores naturais,
tendo em vista que a revolução tecnocientífica possibilitou a superação de parte
considerável das limitações naturais, o que levou a humanidade a expandir sua
ocupação ao conquistar espaços antes inabitáveis.

Com base nessas considerações, é importante entendermos que, embora


existam fatores que influenciam diretamente o adensamento demográfico, para
compreendermos o processo de povoamento de determinado lugar devemos considerar
as particularidades naturais, históricas e socioeconômicas de sua realidade geográfica.

8.3 A influência da economia na densidade demográfica

Para entender a influência da economia na densidade demográfica, precisamos,


antes de mais nada, lembrar que fatores sociais e econômicos — em conjunto com
elementos territoriais e, em certa medida, naturais — podem influenciar diretamente nos
processos de distribuição, mobilidade, concentração e dispersão demográfica por um
território. Esses fatores são múltiplos, mas daremos atenção aos elementos básicos
utilizados para avaliar o nível de desenvolvimento econômico, social e humano de um
76
país: renda, saúde e educação, bem como o potencial produtivo dos setores da
economia: agrícola, industrial e de serviços. Para iniciar essa reflexão, voltemos às
nossas considerações a respeito da relação sociedade–meio, que é objeto de estudo da
geografia. Sabemos que a ocupação de um território ocorre por meio da relação entre
sociedade e natureza. Esta última é pensada como um conjunto de elementos como
relevo, clima, vegetação, solo, etc., que confere potencialidades para a sua própria
transformação e do espaço geográfico. Nesse sentido, a densidade demográfica,
compreendida como a concentração populacional em determinada área, pode ocorrer
não apenas a partir dessa relação da sociedade com a natureza em seu potencial de uso,
mas das relações sociais que vão se construir sobre o espaço geográfico, de cooperação
e divisão do trabalho, para conseguir transformar o espaço em habitável e produtivo. Nas
palavras de Damiani (1998, p. 50):

[...] a noção de valor de uma superfície envolveria o nível de civilização e o jogo


de relações de intervenção para sua "valorização", efetuado por uma dada
população. Uma maior densidade da população poderia significar maior
cooperação e complexidade da divisão do trabalho.

De forma complementar, a autora entende que existe uma relação direta entre
as dinâmicas populacionais e econômicas, afirmando que:

O nível ou potencial de existência não seria determinado pela unidade geográfica


de superfície, mas pela localização da população, referenciada por um marco
espacial, definido por critérios técnicos e econômicos, que permitem classificá-lo
segundo seu grau de desenvolvimento (DAMIANI, 1998, p. 50).

Com base nessas reflexões, podemos interpretar que se um determinado país —


em sua historicidade e complexidade — apresenta um bom nível de desenvolvimento
socioeconômico, no sentido de ampliar as capacidades e oportunidade de sua população,
e apresenta uma dinâmica produtiva capaz de satisfazer as demandas e necessidades
da população em termos de consumo e trabalho, ele pode ser atraente do ponto de vista
demográfico. De fato, um país assim pode, ao longo do tempo, aumentar sua população
absoluta e relativa, elevando sua densidade demográfica.

Dentre os fatores que explicam a concentração demográfica na Europa,


especialmente nos países mais populosos integrantes da União Europeia, está o
dinamismo econômico do bloco, o que tornou a área um foco de atração

77
populacional. Nos EUA, um país populoso e de densidade demográfica
relativamente elevada, as maiores concentrações estão nos aglomerados
urbanos situados nas proximidades do Oceano Atlântico; nesta área, encontram-
se duas das maiores megalópoles do mundo: Boston/Washington e
Chicago/Pittsburgh. Os fatores que explicam essa elevada concentração
populacional são a disponibilidade de recursos naturais, a existência de uma
densa rede hidrográfica e o processo de colonização do território. Recentemente,
surgiu uma megalópole (San Diego/San Francisco) na Costa Oeste dos EUA, em
decorrência do desenvolvimento do Vale do Silício, importante centro tecnológico
(DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011, p. 174).

Ao mesmo tempo, devemos estar atentos ao fato de que a concentração


demográfica em determinada área pode ser desigual e diferencial, a partir de aspectos
sociais e econômicos, como classe social e condição socioeconômica. Por essa razão,
Damiani (1998) entende que é necessário tornar mais complexa a discussão sobre a
densidade demográfica, considerando não apenas a perspectiva quantitativa da
distribuição da população sobre o território, mas também sua variação espaço- -temporal.
Assim, para a autora seria importante levar em conta, por exemplo, os aspectos históricos
sobre o fenômeno da migração e seus desdobramentos, bem como outras variáveis
sociais fundamentais para pensar as dinâmicas demográficas de um dado lugar — idade,
gênero, população em idade ativa, situação ocupacional, distinção entre população rural
e urbana, classe social, etc. Historicamente, sabemos que a industrialização e a
urbanização, que também estão diretamente relacionadas com a questão econômica,
são fatores que contribuíam e ainda contribuem para o aumento da densidade
populacional. O papel da Revolução Industrial na Europa, entre os séculos XVIII e XIX,
sobre a inflação da população urbana é bem reconhecido no âmbito dos estudos
populacionais. Da mesma forma, o processo de industrialização que se consolidou na
segunda metade do século XX nos países subdesenvolvidos, entre eles os latino-
americanos, não apenas estimulou o aumento da população absoluta desses países
como também favoreceu uma concentração demográfica em seus espaços urbanos,
resultado da crescente migração no sentido campo–cidade a partir da década de 1950.
Outra questão pertinente nessa discussão é a relação entre desenvolvimento
socioeconômico e a superpopulação ou superpovoamento de um país. Vimos que a
superpopulação e o superpovoamento referem-se a um contingente populacional
superior à quantidade e à disponibilidade de recursos para satisfazer a população de um

78
dado território. Já o subpovoamento é o contrário, ou seja, o número total de habitantes
se encontra abaixo da quantidade e disponibilidade de recursos para satisfazer as
necessidades da população e insuficiente para dinamizar a economia, por meio do
trabalho, produção e consumo. A condição de superpovoado atribuída a um país não
está diretamente relacionada à sua densidade demográfica, mas ao seu grau de
desenvolvimento socioeconômico. O que isso significa? Que se um país, independente
do seu nível de distribuição e concentração populacional, não produz e dispõe de
recursos sociais e econômicos para atender as necessidades de sua população, ele é
considerado um país superpovoado. Com isso, entendemos que mesmo um país que
apresente baixa densidade demográfica ou seja pouco populoso pode ser superpovoado
(DAMIANI, 1998).
A partir disso, também analisar em que medida a densidade demográfica de um
lugar pode influenciar sua dinâmica econômica. Ao identificar de que forma uma
população está distribuída por determinado território, as autoridades de gestão e
planejamento em nível local ou nacional podem avaliar a melhor forma de alocar recursos
e elaborar políticas de desenvolvimento territorial, de acordo com seu contingente
populacional, em termos absolutos e relativos:

[...] os governos federal, estadual e municipal utilizam dos dados de densidade


para ações estratégicas na área de trânsito, saúde, educação, saneamento e
segurança pública. A exemplo, a implantação de um corredor de transporte
público, dimensionamento de rede esgoto, de uma escola ou de um hospital
ocorre mediante aproveitamento dessas obras pelo maior número possível de
habitantes, ou seja, áreas densamente povoadas (SANTOS; HOLMES; RAMOS,
2018, p. 177).

Para uma prática de planejamento mais acurada e coerente com a realidade,


torna-se imperativo saber mais sobre a dinâmica demográfica em uma perspectiva
estrutural, considerando a idade, o gênero, o número de habitantes economicamente
ativos, a situação ocupacional da população, relacionando, é claro, com outros aspectos
não quantificáveis, como sociais e culturais.

79
9 DIFERENÇAS POPULACIONAIS NO HEMISFÉRIO NORTE E NO HEMISFÉRIO
SUL

A transição demográfica e a expectativa de vida estão relacionadas à qualidade


de vida da população, que varia muito de uma região para outra, o que confere diferentes
realidades a cada território. Em um período de transição demográfica, o crescimento da
população se desacelera, ou seja, as taxas de natalidade são menores, bem como as
taxas de mortalidade, o que demonstra uma boa expectativa de vida. Entretanto, a
expectativa de vida é um indicador muito desigual quando avaliamos os países de
maneira individual, de forma que nem todos têm as mesmas condições de desenvolverem
suas vidas de forma plena (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).

9.1 Transição demográfica

Esses indicadores variam em função de fatores ambientais que, por sua vez,
levam uma população a aumentar, diminuir, oscilar ou se estabilizar. Para
compreendermos as respostas, é importante integrar as informações dadas pelos
indicadores e associá-las aos fatores ambientais, de maneira a analisar os processos
populacionais. A teoria da transição demográfica foi elaborada em 1929 pelo pesquisador
Warren Thompson, cujos princípios foram aplicados em estudos realizados por Frank
Notestein e publicados em 1944. Essa teoria baseia-se na análise das mudanças das
taxas de natalidade e de mortalidade, como essas alterações ocorrem em cada região e
como se relacionam aos fenômenos da industrialização e da modernidade. Ou seja,
consiste em uma teoria que considera a tendência de crescimento de uma população em
uma determinada localidade de acordo com os ciclos que ocorreram e se intensificaram,
sob diversas razões, no decorrer do tempo (ARAUJO; TAVEIRA; FOGAÇA, 2016).
Dessa forma, para a teoria da transição demográfica não existe um processo
único e constante que determina as oscilações demográficas, como um crescimento
populacional muito elevado. Esses processos variam com o tempo em função de
acontecimentos históricos que podem alterar as perspectivas de crescimento. Assim, os
processos com grande elevação das taxas tenderiam a se estabilizar com o tempo,
80
especialmente pelas sucessivas modificações nas taxas de natalidade e de mortalidade
em virtude de acontecimentos como: melhorias nas condições de saúde, seja no
atendimento hospitalar ou no saneamento básico; aumento da escolaridade, que se
reflete em melhores condições de vida e consciência dos cuidados com a saúde e a
alimentação; guerras, conflitos, pandemias e violência urbana, que atuam como fatores
que interferem nas taxas de mortalidade, etc. Nesse contexto, a transição demográfica
pode ser dividida em fases, de acordo com os fenômenos relacionados à modernidade,
sendo de grande importância para analisar o crescimento vegetativo de uma população.

9.1.1 Fases da transição demográfica

A transição demográfica pode ser dividida em quatro fases, que caracterizam os


períodos de crescimento demográfico a que as regiões foram submetidas em função de
acontecimentos históricos e fatores ambientais. A primeira fase ou a fase do
crescimento lento ocorreu desde os primórdios da civilização, por volta de 4.500 a.C.,
com o aparecimento das primeiras cidades, até o início da Revolução Industrial, no século
XVIII. Foi uma fase caracterizada por altos índices de natalidade e mortalidade, o que
resultou em um baixo crescimento vegetativo. Esse fenômeno é decorrente das
condições de vida até o século XVIII, que eram insalubres, além de outras questões,
como muitas horas de trabalho servil, guerras, epidemias sem controle, entre outros, que
dizimaram milhares de pessoas. Dessa forma, as taxas de natalidade, mesmo sendo
altas, não eram capazes de repor a população. No mundo moderno, algumas
comunidades muito isoladas e primitivas, como tribos indígenas e outros grupos
populacionais tradicionais, ainda permanecem na primeira fase da transição demográfica,
com baixa expectativa de vida (ARAUJO; TAVEIRA; FOGAÇA, 2016).
Ademais, em alguns países com baixo Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), sobretudo os países do Hemisfério Sul e notadamente os que estão localizados
no continente africano, ainda é possível observar grupos populacionais vivenciando a
primeira fase de crescimento populacional, devido a péssimas condições de saúde da
população, falta de saneamento básico e outros mecanismos que possam assegurar o
crescimento vegetativo de forma sustentada.
81
A segunda fase, também chamada de fase do crescimento acelerado, iniciou-
se na Inglaterra a partir de meados do século XVIII, durante a Revolução Industrial,
quando foi verificado um grande progresso nas técnicas, na urbanização e na medicina
(ARAUJO; TAVEIRA; FOGAÇA, 2016). Melhorias nos hábitos de higiene e no acesso a
água tratada, aumento do número de escolas e do acesso à informação, além dos
avanços tecnológicos, elevaram a qualidade de vida e possibilitaram uma queda das
taxas de mortalidade. Essas melhorias também afetaram as taxas de natalidade, que
continuaram cada vez mais elevadas, ocasionando uma explosão demográfica em um
curto período de tempo.
Na terceira fase ou fase da desaceleração, que em escala temporal pode ser
observada a partir do século XX, houve uma acentuada redução das taxas de natalidade
em virtude de políticas governamentais no âmbito do planejamento familiar, como no
Japão, na China e na Índia. Além disso, os métodos contraceptivos e a inserção da
mulher no mercado de trabalho também contribuíram para a redução da natalidade.
Como se não bastasse, um conjunto de melhorias na saúde, educação e renda
promoveu o aumento da expectativa de vida, reduzindo as taxas de mortalidade. Tal
redução da natalidade e da mortalidade ocorreu de modo significativo nos países do
Hemisfério Norte, seguida por alguns países em desenvolvimento.
Por fim, a quarta fase, também chamada de fase de estabilização, iniciou-se
no século XXI para algumas regiões do mundo, especialmente no Hemisfério Norte, com
destaque para países europeus e asiáticos, como China e Índia, além de comportar as
projeções futuras. Nesse sentido, é um período em que as taxas de natalidade e de
mortalidade seriam equivalentes, o que estabilizaria o crescimento demográfico,
resultando em pequenas taxas de crescimento vegetativo e na manutenção da população
(ARAUJO; TAVEIRA; FOGAÇA, 2016). Devemos destacar que a transição demográfica
no mundo ocorreu e ainda acontece de maneira desigual. Apesar de estarmos no século
XXI, o que nos insere de forma teórica na terceira ou quarta fase da transição
demográfica, existem muitos países que ainda se encontram na segunda fase, como os
países africanos. Além disso, é importante salientar que mesmo os países que se
encontram em fases semelhantes apresentam algumas diferenças em relação ao tempo
de transição entre as fases. Essas diferenças estão relacionadas às políticas estatais de
82
saúde, educação e renda, que afetam as taxas de natalidade, de mortalidade e de
expectativa de vida.

10 TEORIAS MIGRATÓRIAS

As motivações às migrações de populações ao longo do tempo foram diversas,


associadas a elementos econômicos, sociais, culturais e assim por diante. Seja como for,
as consequências dos movimentos migratórios tendem a ser drásticas tanto para as
regiões de origem quanto para as regiões de destino, em escalas regionais e globais.
Assim, os movimentos migratórios apresentam aspectos positivos e negativos para os
locais de atração e para os locais de repulsão, de acordo com a estrutura e a conjuntura
de cada região.

10.1 Historicidade das migrações

A imigração faz parte da história da humanidade, e mesmo quando o ser humano


se tornou sedentário, ou seja, quando passou a se fixar nos lugares, a migração ainda
coexistiu como fenômeno. As migrações podem ser definidas como os deslocamentos
populacionais que ocorrem de uma região para outra, visando o estabelecimento
definitivo ou temporário, através de uma fronteira política ou administrativa em função de
algum fator motivacional, como aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais, etc. Na
Antiguidade, porém, não havia fronteiras, países ou controles como existem nos dias
atuais. Historicamente, os movimentos migratórios acontecem desde os primórdios da
civilização. A ausência de habitação fixa é uma das características principais do
nomadismo, modo de vida do período Paleolítico — até 10.000 a.C. —, que impunha a
necessidade de deslocamento para áreas mais abundantes em alimentos e também mais
protegidas para a sobrevivência (FUNARI, 2018). Nossos ancestrais se deslocavam de
um lugar para outro em busca de alimentos e proteção. Permaneciam por um tempo em
cada local, cuja duração era determinada pela capacidade da região em atender as
necessidades básicas do grupo, já que eram povos coletores e caçadores, usufruindo do

83
que a natureza fornecia. Quando as necessidades já não eram atendidas, eles se
deslocavam novamente em busca de novos lugares.
No decorrer do tempo, o ser humano aprendeu a cultivar alguns alimentos e a
domesticar os animais, buscando se estabelecer em vales próximos aos grandes rios e
diminuir a necessidade de se deslocar em busca de alimentos e segurança. A partir do
momento em que o ser humano dominou as primeiras técnicas agrícolas, passou de
nômade para sedentário, ou seja, com moradia fixa. Nascia a era neolítica, e com a
redução da necessidade de migração por alimentos e segurança, os grupos
populacionais passaram a se unificar e se fortalecer para a proteção das habitações
contra os inimigos, surgindo assim os primeiros exércitos. As primeiras áreas com vida
sedentária mais robusta estavam localizadas às margens dos rios, pela necessidade de
irrigação. A ocupação de forma fixa iniciou-se nos vales do rio Nilo, no Egito; dos rios
Tigre e Eufrates, no Iraque; do rio Indo, no Paquistão, Afeganistão e Índia; e do rio
Amarelo, na China (FUNARI, 2008). O estabelecimento de grupos humanos nos vales
dos rios foi o responsável por espalhar as cidades e a vida sedentária para as áreas em
torno dos vales fluviais. Além disso, a fixação dos grupos, de diversas etnias, contribuiu
para a invenção e o avanço da escrita, bem como para o surgimento das ciências exatas,
como a matemática e a astronomia, na busca por entender os ciclos de cheias e secas
dos rios.
No Oriente, a ocupação dessas regiões e o desenvolvimento de seus povos
despertaram o interesse de outros grupos por essas áreas, iniciando-se os primeiros
conflitos e invasões, a partir de 3.000 a.C., quando os semitas invadiram as cidades
sumérias e estabeleceram o Império dos Acádios (FUNARI, 2018). Ao mesmo tempo,
outros grupos também buscavam novos territórios, seguindo-se uma série de invasões à
Mesopotâmia por povos persas e gregos, e ao Egito, por várias etnias e por todas as
direções, sendo depois finalmente conquistado pelos gregos e persas, entre outros. No
Ocidente, da mesma forma que o nomadismo foi superado pelo sedentarismo, as
primeiras cidades evoluíram para grandes Impérios, como o Grego, o Romano e o
Germânico. A partir do século V d.C., iniciaram-se na região os primeiros conflitos e
invasões com o objetivo de conquista territorial. Tanto no Oriente quanto no Ocidente, as
conquistas e as invasões estimularam os movimentos migratórios, já que muitos povos e
84
etnias temiam por suas vidas e pelos novos regimes. Por isso, deslocavam-se em busca
de novas moradias. O Império Romano, inclusive, foi destruído em função da grande
imigração dos bárbaros para o seu território. Dessa maneira, as migrações ocorreram em
função de fatores de sobrevivência, como busca por alimentos e proteção, e também por
fugas após invasões e conflitos em seus territórios de origem. Além disso, devemos
destacar que também existiam os movimentos migratórios ocasionados por catástrofes
naturais e mudanças climáticas.
Os padrões migratórios mudaram a partir dos séculos XIV e XV, graças à era das
grandes descobertas, iniciadas no território europeu. Nos séculos subsequentes, os
continentes americano, africano e partes do continente asiático foram invadidos por
correntes migratórias, que buscavam conquistar, explorar e colonizar essas regiões. O
período das grandes descobertas foi o responsável por iniciar um novo tipo de migração
internacional, de caráter não voluntário e forçado, que foi o tráfico de escravos. Os
escravos eram trazidos principalmente da África para trabalhar nas Américas. Com a
abolição da escravatura no século XIX, outro fenômeno migratório foi iniciado, também
relacionado ao trabalho, mas de forma voluntária. Não só os escravos se deslocaram
internamente em busca de oportunidades, mas também migrantes de outras
nacionalidades, especialmente europeias, que viam nas Américas uma nova
oportunidade de vida (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011). Com a Revolução
Industrial, entre os séculos XVIII e XIX, à medida que novas tecnologias e maquinários
passaram a ser implantados nos processos fabris, muitos trabalhadores foram
dispensados em decorrência da sua substituição pelas máquinas. Dessa maneira, uma
grande massa populacional buscou na migração para o “Novo Mundo”, especialmente
para as Américas, novas oportunidades de trabalho e de vida (DANTAS; MORAIS;
FERNANDES, 2011).
A partir do século XX, outros eventos também promoveram intensas correntes
migratórias, como a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, especialmente a última.
Durante a Segunda Guerra, a questão dos refugiados tornou-se muito evidente em
decorrência da perseguição dos alemães a determinados grupos, como os judeus. Ao
mesmo tempo, alguns países como Estados Unidos, Canadá e Austrália aproveitaram os
conflitos para estimular as correntes migratórias para seus países, aumentando sua força
85
de trabalho para aproveitar o grande incremento econômico do pós-guerra. No século
XXI, as migrações ocorrem de maneira constante, sendo observados tanto os fluxos de
quem busca novas oportunidades em outros países como também os fluxos relacionados
aos refugiados por conflitos. Ao longo da história, percebemos que os movimentos
populacionais foram se estabelecendo a partir de diversos contextos e também em
diferentes escalas. A migração tornou-se cada vez mais complexa, pois não se tratava
mais de um simples deslocamento populacional. À medida que foram acrescentados
outros elementos a essa dinâmica, os deslocamentos também passaram a envolver
interesses e questões de ordem estrutural e conjuntural de organizações sociais, das
condições políticas e econômicas, das relações de trabalho, entre outros.
Dessa maneira, os movimentos migratórios são considerados fenômenos que
envolvem as escalas mundial, regional e local, e ocorrem associados às condições
socioeconômicas, políticas, culturais e ambientais. As condições socioeconômicas atuam
tanto na atração quanto na repulsão de movimentos migratórios, de acordo com as
condições de cada região, dependendo se atendem ou não aos desejos e necessidades
dos indivíduos. Já as condições políticas também são fatores de atração e repulsão, pois
de acordo com o regime político ou com a forma de condução governamental, muitas
pessoas se sentem livres ou coagidas a expressar seus sentimentos, lutar por seus
direitos e cumprir com seus deveres. As questões culturais são bastante amplas, pois
envolvem tradições, valores e hábitos, que também influenciam na atração ou na
repulsão de migrantes. Ademais, também temos as questões ambientais, relacionadas
tanto ao desejo de morar em um lugar com clima mais quente ou mais frio, mas também
em virtude dos problemas ambientais, como as mudanças climáticas e as catástrofes
naturais. As variáveis envolvidas nos processos migratórios são muitas e com diferentes
graus de complexidade. Entretanto, boa parte dos movimentos migratórios tem como
motivação inicial os elementos socioeconômicos. Para explicar os fenômenos migratórios
associados a esses elementos, existem diversas abordagens teóricas, tema da próxima
seção.

86
10.2 Diferentes teorias e suas influências econômicas

As principais abordagens teóricas que procuram compreender o fenômeno da


migração abordam a questão sob dois aspectos, que envolvem elementos micro e macro.
A análise micro considera a questão do indivíduo, da família ou do domicílio. Já as teorias
que tratam sobre os aspectos macro das migrações consideram os elementos
conjunturais das regiões de origem e destino do migrante. Nesse tipo de análise,
considerando os fatores macro e micro, é possível avaliar as correntes teóricas e assim
compreender as migrações.

10.2.1 Teoria microeconômica neoclássica

A teoria microeconômica neoclássica considera que os indivíduos são seres


racionais, de posse de informações acerca das diferenças de renda entre a sua região e
as demais, sendo capazes de avaliar as circunstâncias e escolher as melhores
alternativas. Nesse sentido, a migração aconteceria em função do cálculo que o indivíduo
faz dos custos e dos benefícios; obtendo um resultado positivo, ou seja, que gera
rendimento monetário, ele decide por migrar. Dessa forma, ele escolhe como destino os
locais onde suas habilidades pessoais podem ser mais produtivas, considerando o salário
que vai receber e os custos associados à mudança. Os movimentos migratórios, para a
teoria microeconômica clássica, são provocados não apenas pelas diferenças salariais
entre duas regiões, que são impostas e reguladas pelo mercado, mas também pelas
diferenças nas taxas de emprego, devendo existir pelo menos uma dessas diferenças
para propiciar um movimento migratório. Assim, tais movimentos ocorreriam até o
momento em que a expectativa de renda fosse equalizada (SANTOS et al., 2010).

10.2.2 Teoria do capital humano

Para a teoria do capital humano, os indivíduos avaliam de maneira racional os


custos e os benefícios das diversas atividades e hábitos que executam e possuem. Todo
e qualquer investimento realizado por um indivíduo em seu processo educacional, desde

87
a aquisição de outros conhecimentos até sua formação e seu treinamento profissional,
serão determinados pela relação entre os custos de todo o processo de formação e os
benefícios futuros que ele espera receber por esse investimento. Essa análise sobre o
investimento em uma carreira também se aplica ao ato de migrar, pois está relacionada
ao grau de decisão de um núcleo familiar ou de um indivíduo sobre a sua movimentação
migratória, ou seja, se o investimento necessário para a migração e os retornos que
poderão ser obtidos compensarem e comportarem as questões relacionadas ao
casamento, à separação e ao tamanho da família. Dessa forma, o investimento no
processo migratório requer um tempo para que possa gerar resultados. A renda do
imigrante logo que ingressa no país de destino é, na maioria das vezes, menor quando
comparada aos nativos, pois está relacionada à ausência de algumas habilidades, como
o domínio do idioma. No decorrer do tempo, o imigrante pode passar a investir seus
rendimentos em sua formação ou na aquisição de novas habilidades, de acordo com o
tempo que permanecerá no país e sua expectativa de ganhos em relação aos
investimentos (SANTOS et al., 2010).

10.2.3 Teoria dos novos economistas da migração do trabalho

A teoria proposta pelos novos economistas aborda a motivação e as influências


para a migração de grupos domiciliares ou famílias inteiras. De acordo com essa teoria,
a decisão de migrar é tomada por um conjunto de pessoas que possuem algum tipo de
ligação, não somente por um indivíduo, ou seja, esses indivíduos podem estar
associados a um domicílio ou por outras associações definidas culturalmente. Assim,
quando há a decisão de migrar em conjunto, os custos e os benefícios são divididos, de
forma a maximizar os ganhos e reduzir os riscos. Além disso, a função do grupo é também
diminuir os riscos de piora no padrão de vida, a partir da diversificação da aplicação dos
seus recursos financeiros e humanos, de forma que os indivíduos possam desempenhar
diferentes atividades e ampliar as fontes de recursos. Nesse sentido, essa teoria, ao
contrário da teoria neoclássica, afirma que as migrações podem continuar a ocorrer
independentemente da diferença salarial, para que a renda do conjunto domiciliar não
sofra uma redução, baixando o padrão de vida da coletividade. A migração representaria
88
uma possibilidade de melhoria das condições de vida de um conjunto, dentro de um grupo
de referência, que pode ser tanto do local de origem quanto do lugar de destino.
Entretanto, as migrações domiciliares tendem a buscar os lugares em que o retorno do
movimento migratório seja grande o suficiente para superar o padrão de referência
(SANTOS et al., 2010).

10.2.4 Teoria macroeconômica neoclássica

A teoria macroeconômica neoclássica atribui o fenômeno migratório às


diferenças geográficas de oferta e de procura por trabalho, afirmando que o mercado de
trabalho seria o motivo principal e primordial para que os movimentos migratórios
ocorram. Assim, considerando o mercado de trabalho como ponto de partida, o
deslocamento dos indivíduos e grupos ocorreria das regiões com menores salários ou
excesso de mão-de-obra para as regiões com maiores salários ou escassez de mão-de-
obra. Dessa forma, o padrão de movimentos migratórios em função do mercado de
trabalho tenderia a um equilíbrio, considerando o padrão normal de deslocamento
migratório, e as diferenças salariais só iriam refletir os custos financeiros e físicos do
deslocamento geográfico. Uma vez eliminada a diferença salarial, o movimento
migratório cessaria. Entretanto, na teoria microeconômica neoclássica, a oferta e a
demanda de empregos são consideradas em função das organizações. Ou seja, as
empresas, de maneira individual, atuam na dinâmica global do mercado de trabalho. Já
a teoria macroeconômica neoclássica teria a sua oferta e demanda de oportunidades de
trabalho associada ao consumo, ao produto interno bruto (PIB), à renda e à quantidade
de moeda, ou seja, o funcionamento sistêmico da econômica (PRADO, 2010).

10.2.5 Teorias histórico-estruturalista

A teoria histórico-estruturalista tem por objetivo examinar as relações e as


funções que os diversos elementos possuem dentro de um determinado sistema, de
forma que, sendo todos interdependentes, não é possível analisá-los de maneira isolada.
Dessa forma, quando os fenômenos migratórios são examinados, deve-se considerar
89
não somente os fatores que atraem ou expulsam os indivíduos, mas também as
condições sociais, culturais e outras de caráter subjetivo que estão relacionadas tanto ao
lugar de origem quanto ao lugar de destino. A migração seria um processo de mobilização
social, no qual as informações do local de destino são coletadas e, a partir delas, gera-
se um sentimento de expectativa melhor sobre o local de destino do que o gerado pelo
local de origem, motivando o indivíduo a migrar. Além disso, a teoria considera três níveis
de análise para a migração: ambiental, normativo e psicossocial. O nível ambiental refere-
se aos fatores de expulsão e de atração, como o clima, catástrofes e impactos
ambientais, a maneira como ocorre a comunicação entre a origem e o destino, bem como
a acessibilidade entre os lugares.
O nível normativo consiste nas expectativas e nos padrões de comportamento
que são socialmente institucionalizados, e que fornecem os parâmetros para que os
indivíduos avaliem suas condições de existência. Por último, na análise psicossocial
devem ser consideradas as atitudes e as expectativas dos indivíduos em relação à
migração. Como se não bastasse, para a teoria histórico-estruturalista as migrações são
condicionadas pelos fatos históricos, sendo muitas vezes resultado de um processo
global de mudanças, que se refletem em desigualdades regionais, também consideradas
os motores da migração (SANTOS et al., 2010). As desigualdades regionais motivam as
pessoas a migrarem, pois, todos os indivíduos estão em busca de melhores condições
de vida, seja em termos econômicos, sociais, políticos ou ambientais.
Contudo, devemos também considerar que existem fatores de expulsão que
forçam a migração, que podem ser de dois tipos: fatores de mudança ou fatores de
estagnação. Os fatores de mudança consistem nas próprias alterações nas relações
econômicas, políticas, sociais e culturais resultantes, por exemplo, das relações
capitalistas. A alteração estrutural das relações rurais ocorreu a partir de meados do
século XIX, com a modernização dos setores agrícolas, que diminuíram a oferta de
emprego e de terras, obrigando a população rural a migrar para as cidades. Os fatores
de estagnação estão relacionados à incapacidade ou à falta de condições estruturais
para adaptarem uma situação em função da modernidade, como também ocorre com os
pequenos produtores rurais, que não conseguem elevar sua produtividade devido à falta
de técnica e de investimentos. No caso dos fatores de atração, o mercado de trabalho
90
continua sendo o maior motivador dos movimentos migratórios, especialmente quando
envolvem uma melhor remuneração quando comparada ao local de origem. Entretanto,
independentemente dos fatores que atraem ou que expulsam os indivíduos, dentro do
mercado de trabalho e a sua falta, há ainda uma série de obstáculos relacionados ao
processo de migração, que atuam na dificuldade de recolocação tanto no país de destino
quanto nos países de origem, como a baixa qualificação dos migrantes, o excesso de
mão-de-obra, que reduz os salários de todo o conjunto, e a marginalização dos indivíduos
menos qualificados (SANTOS et al., 2010).

10.2.6 Teoria do princípio da causalidade

A teoria do princípio da causalidade considera, em sua análise, a noção de


equilíbrio estável, de forma que qualquer mudança ou ação em um sistema provocaria
uma reação interna, em que o sistema buscaria um novo ponto de equilíbrio. Quando a
teoria é aplicada às questões migratórias, ela conduz à análise de que todo o processo
de migração e suas mudanças causadas tanto na origem quanto no destino podem entrar
em equilíbrio ao longo do tempo. Entretanto, quando considerados os processos sociais
envolvidos na migração, o ponto de equilíbrio nem sempre é retomado. Há ainda o
princípio da causalidade cumulativa e o papel exercido pelas redes sociais. Nesse
contexto, o equilíbrio da migração em um sistema social seria atingido, pois os processos
seguem somente em uma direção, mesmo que se movam em circuitos para atingir essa
direção (função do migrante). Quando a direção é atingida, supõe-se que ocorreu um
equilíbrio de forças durante o deslocamento de um ponto a outro na única direção, o que
implica dizer que foi atingido um estado de equilíbrio (SANTOS et al., 2010).
No entanto, a migração como um processo social pode provocar, além da ação
de forças contrárias que tendem a se reequilibrar com o tempo, novas mudanças que
movimentarão o sistema, de forma a acumular os processos sociais, aumentando a sua
força ao longo do tempo, sem atingir um ponto de equilíbrio. E a ausência do ponto de
equilíbrio está relacionada à circulação de renda entre a origem e destino (SANTOS et
al. 2010). As desigualdades de renda impostas pelos grupos que possuem membros no
exterior também fomentam a chamada cultura migratória, resultante do contato com a
91
estrutura social e econômica das regiões de destino. Esse contato contribui para a
mudança de hábitos de consumo dos migrantes, que passam a apresentar um estilo de
vida diferente do local de origem. O novo estilo ingressa nos valores daquela região, a
ponto de os jovens considerarem a migração como um rito de passagem para aquele
estilo de vida. Para a teoria do princípio da causalidade, a migração — por ser um
processo seletivo, já que os migrantes são selecionados no destino em função de suas
habilidades e competências, como grau de escolaridade, domínio do idioma e
experiências —, promove a depreciação do capital humano nos locais de origem, pois
nunca atingem o nível necessário para serem selecionados e, por outro lado, se
acumulam nos locais de destino, pois não atendem as exigências. A depreciação na
origem provoca a estagnação econômica do lugar, o que estimula novos movimentos
migratórios para as áreas mais dinâmicas.
Outro fator causal considerado pela teoria está relacionado ao papel das redes
sociais, que contribuem de forma importante nos processos migratórios. As chamadas
redes migratórias de trabalho atuam de forma a reduzir os riscos de a migração ser
malsucedida, auxiliando o migrante na busca por emprego, moradia, entre outros, graças
à sua rede de contatos. Dessa forma, quanto maior a rede social de migrantes de uma
determinada origem, maiores são os fluxos migratórios, que, devido à força dessas redes,
se sobrepõem até mesmo às questões salariais e aos níveis de emprego em função do
suporte no local de destino. O mesmo raciocínio se aplica à rede de familiares no exterior,
o que facilita e encoraja o movimento migratório em função da existência de parentes no
local de destino (SANTOS et al., 2010).

10.2.7 Teoria das análises institucionais

A teoria das análises institucionais atribui o equilíbrio ou a redução do


desequilíbrio causados pelos movimentos migratórios à atuação de instituições privadas,
públicas ou assistenciais. Essas instituições trabalhariam com o objetivo de
contrabalancear a quantidade de indivíduos que desejam migrar para um determinado
destino e o número de migrantes que estes países estariam dispostos a receber. Nesse
sentido, as instituições atuam como agências, que centralizam as oportunidades de
92
acordo com as demandas do país de destino, sejam de interesse nacional ou de interesse
privado. Nesse sentido, a teoria considera que o fenômeno migratório está relacionado à
estrutura econômica do país de destino, geralmente um país desenvolvido, que tem como
fator de atração a oferta de trabalho e a necessidade de migrantes para desempenhar
uma série de funções. A imigração, para essa teoria, seria provocada não por um fator
de expulsão dos países de origem, mas por existir fatores de atração nos países de
destino, como a oferta de empregos por instituições públicas e privadas. Essa oferta de
empregos e oportunidades tem por objetivo atender as demandas e necessidades dos
empregadores nesses países. A imigração, nesse contexto, pode ser tratada também
como uma instituição, já que existem normas para sua concretização e objetivos e formas
de organização. As instituições podem ser definidas como um conjunto de convenções,
valores e padrões regularizados de interação que seriam conhecidos e praticados pelos
indivíduos em uma determinada sociedade. O papel das instituições consistiria na oferta
de condições para a regulamentação das transações entre os indivíduos, ou seja,
definição das regras, as garantias, entre outros (SANTOS et al., 2010).
Se considerarmos a imigração como uma instituição, e por ela ser uma atividade
que envolve riscos diversos, seria necessário, portanto, a sua institucionalização, ou seja,
a sua transformação em um sistema com leis e normas, permitindo que somente
indivíduos específicos ocupem as posições disponibilizadas. Quanto maiores os riscos
envolvidos na transação da migração, maiores são as redes e as hierarquias formadas,
criando um sistema com uma dinâmica própria, de forma que as normas estabelecidas
se tornam automatizadas. Essa ação fomenta, por exemplo, a chamada “fuga de
cérebros”, fenômeno migratório em que indivíduos com alta qualificação e especialização
em áreas estratégicas são atraídos para regiões com melhores oportunidades de
emprego e renda. A migração, de maneira geral, é motivada por fatores econômicos, e o
ato de migrar causa uma série de impactos, de ordem positiva e negativa, tanto para o
país de destino quanto para o país de origem. Isso pode resultar em grandes
consequências de ordem regional e global, relacionadas aos campos demográficos,
econômicos, políticos e socioculturais, que veremos a seguir.

93
10.3 Consequências das migrações

Os deslocamentos migratórios podem provocar grandes alterações de ordem


positiva e negativa em elementos importantes que compõem as regiões de origem e
também as regiões de destino. Nesse sentido, podemos dividir as consequências das
migrações em níveis econômicos, demográficos, socioculturais e políticos.

10.3.1 Consequências econômicas

Com relação às consequências econômicas, podemos destacar a alteração da


população economicamente ativa, o que pode ser positivo para o país de destino, já que
está recebendo uma grande parcela de pessoas dispostas a trabalhar e, como
consequência, que acabam contribuindo com tributos, impostos e movimentação dos
fluxos de bens, serviços e capitais. Contudo, as regiões de origem dos migrantes perdem
tanto em população economicamente ativa quanto em força de trabalho, especialmente
os jovens, além de promover um envelhecimento da população, diminuindo a
arrecadação e a circulação de capitais, o que impacta em todo o sistema econômico a
longo prazo. Por outro lado, há também incremento do sistema econômico dos locais de
origem devido ao aumento do fluxo financeiro vindo dos migrantes que estão na área de
destino. Geralmente, muitos migrantes enviam remessas de capitais seja para ajudarem
os seus grupos familiares, seja como forma de investimento em bens permanecentes,
como imóveis (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).

10.3.2 Consequências demográficas

Com relação às consequências demográficas, podemos destacar a evolução da


dinâmica populacional, já que o crescimento da população não está associado somente
ao crescimento vegetativo, mas também ao saldo migratório. As regiões que recebem
mais migrantes tendem a apresentar uma dinâmica de crescimento populacional, já que
há entradas constantes de indivíduos. Entretanto, a migração também acarreta
problemas sociais, como desemprego, além de aumentar a exigência de serviços básicos

94
da região de destino, como saúde, educação e segurança, o que pode provocar um
desequilíbrio econômico, político e social. Já as regiões que perdem contingentes
demográficos para a migração apresentam, como consequência, a redução da população
ativa e também do crescimento populacional, o que reduz a geração de renda e outros
aspectos econômicos, como as dinâmicas industriais e comerciais. Além disso, os
processos migratórios também podem alterar a estrutura demográfica da população,
desequilibrando as taxas relacionadas ao gênero e também aos grupos etários, bem
como nos serviços básicos prestados à população, como saúde, educação, transporte e
segurança. Ademais, também promove uma redistribuição da população, podendo
acentuar ou suavizar os desequilíbrios regionais (DANTAS; MORAIS; FERNANDES,
2011).

10.3.3 Consequências políticas

As consequências políticas estão relacionadas às leis e às normas que cada país


possui para a entrada e até mesmo a saída de migrantes. Essas leis envolvem políticas
de controle da entrada de migrantes, bem como os aspectos burocráticos para conseguir
a permissão para entrar em um país, além das questões relacionadas à ilegalidade, ou
seja, indivíduos que ingressam no país de destino sem atender às exigências legais.
Dessa forma, os fluxos migratórios podem afetar as relações diplomáticas entre os
países, já que muitas vezes, devido a fatores econômicos, políticos e até mesmo naturais,
uma grande movimentação migratória pode ocorrer e ser barrada na fronteira pelo país
de destino. Dentre as causas, além do não atendimento das exigências, há também um
endurecimento das leis migratórias devido ao impacto dos migrantes nos aspectos
políticos, sociais, econômicos e culturais na população residente.

10.3.4 Consequências socioculturais

Uma das consequências mais impactantes relacionadas à migração são as


questões sociais e culturais. Em tempos de crise econômica mundial, em que muitas
economias se encontram em recessão, os migrantes não são muito bem vistos pela
95
população residente. A aceitação condicional, a não aceitação ou mesmo a perseguição
ao migrante resulta na xenofobia. No decorrer da história da migração, os migrantes, em
sua maioria, foram e são considerados concorrentes na busca por emprego e também
no acesso aos serviços essenciais, como saúde, educação e segurança. Quando as
economias atratoras, especialmente as europeias e a norte-americana, estavam mais
aquecidas, os migrantes eram bem-vindos para desempenhar funções que os cidadãos
naturais desses países não tinham interesse em desempenhar. Com a crise, aumentou-
se a necessidade de outras formas de geração de renda, e esses serviços que antes
eram apenas para migrantes passaram a ser disputados pela população local (DANTAS;
MORAIS; FERNANDES, 2011).
Outra consequência associada aos aspectos socioculturais refere-se à
dificuldade de integração do migrante, o que eleva as tensões sociais e impede que as
relações pessoais sejam estabelecidas em sua plenitude. Essas barreiras também são
impostas pelo idioma do país de destino, além das diferenças de hábitos, costumes e
valores. Além disso, com a tensão agravada em decorrência da economia em
desaceleração, os migrantes muitas vezes são responsabilizados pela crise econômica
que atinge esses países. Por fim, há ainda os aspectos culturais tanto dos países de
destino quanto dos países de origem, que além de costumes e valores, envolvem também
as questões religiosas. O modo de vida ocidental, por apresentar valores mais liberais,
pode ser estranhado por pessoas de outras manifestações religiosas, como aquelas
oriundas do Oriente Médio, o que pode gerar atrito e dificuldade de adaptação — para
ambas as partes.

11 MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

As migrações, na maioria das vezes, são explicadas à luz dos elementos


econômicos e pela busca dos indivíduos por uma melhor qualidade de vida. Os
movimentos migratórios atuais também compartilham da mesma prerrogativa, mas sua
motivação inicial, além de ser diferente, na maioria das vezes tem a ver com
deslocamentos forçados. Já a migração ambiental é motivada pelas condições do meio
ambiente, sejam elas relacionadas a catástrofes naturais, como terremotos, tufões e
96
vulcanismo, mas também por fenômenos potencializados pelas mudanças climáticas de
causas antrópicas, como os eventos extremos de secas e chuvas.

11.1 Migrações ambientais e suas motivações

As migrações foram fenômenos presentes na vida dos nossos antepassados,


pois desde os tempos mais remotos os hominídeos permaneciam em constante
movimento pelo continente africano, em decorrência de seu comportamento nômade. A
busca por alimentos para caçar e coletar e a busca por novas terras cultiváveis foram
grandes motivadores da movimentação migratória, pois à medida que eram exauridos os
recursos de uma determinada região, era necessário migrar para outra. Entretanto,
quando o ser humano dominou as primeiras técnicas agrícolas e pastoris, o Período
Paleolítico foi substituído pelo Período Neolítico, quando o nomadismo foi praticamente
abandonado em favor do sedentarismo.
As primeiras áreas com vida sedentária estavam localizadas às margens de rios,
devido à necessidade de irrigação. Assim, iniciou-se nos vales do rio Nilo, no Egito; dos
rios Tigre e Eufrates, no Iraque; do Indo, no Paquistão, Afeganistão e Índia; e do rio
Amarelo, na China, conforme já explanado em capítulo anterior. O estabelecimento de
grupos humanos nos vales dos rios foi responsável pela estruturação das cidades e,
consequentemente, pela adoção da vida sedentária nessas áreas. Além disso, a fixação
dos grupos de diversas etnias contribuiu para a invenção e o avanço da escrita, bem
como para surgimento das ciências exatas, como a matemática e a astronomia, para
entender os ciclos de cheias e secas dos rios (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).
A movimentação de indivíduos entre os territórios, portanto, pode ser motivada por
diversos fatores, como satisfação de necessidades básicas, conflitos, invasões e
desastres naturais e antrópicos. Essas motivações estão associadas aos fatos e
fenômenos que ocorrem no decorrer da história da humanidade, como a própria evolução
humana, aumento das demandas relacionadas à sobrevivência e as expansões
territoriais.
As forças da natureza sempre desafiaram o ser humano, como os terremotos,
tsunamis e vulcanismo, que estão associados à dinâmica interna da Terra. Há também
97
os fenômenos meteorológicos e climáticos, que podem atuar de forma independente,
como furacões, tufões, etc., ou que podem interferir e intensificar alguns processos
relacionados à dinâmica externa ou intemperismo, como erosão, movimentos de massa,
inundações, entre outros. Historicamente, a ocorrência desses fenômenos e a
consequente devastação promovida por eles estimulou, muitas vezes de maneira
compulsória, a migração humana para outros locais mais seguros. Em épocas mais
recentes, são os aspectos econômicos e políticos constituem um dos principais
motivadores para as migrações populacionais. Entretanto, as causas naturais ou
ambientais também continuaram a existir, mas como novos elementos. Acontecimentos
como a Revolução Industrial e a Segunda Revolução Agrícola, que ocorreram de maneira
independente a partir do século XVIII, promoveram um grande progresso técnico e
científico nas áreas industriais e agrícolas, com o aumento da produção em todos os
setores. Por outro lado, também recrudesceram os problemas ambientais. Embora o ser
humano já viesse há milênios exercendo grandes impactos sobre a natureza — e a
extinção em massa da megafauna americana é um bom exemplo —, a partir dessa época
ele passou a atuar de maneira mais predatória, alterando o funcionamento e o ponto de
equilíbrio dos sistemas naturais. A partir de então, para encontrarem um novo ponto de
equilíbrio, tais sistemas passaram a reagir às interferências, de forma que as
consequências também são sentidas pela sociedade.
Os movimentos migratórios ocasionados por mudanças ou catástrofes
ambientais naturais ou provocadas pelo homem, de caráter temporário ou permanente,
foram intensificados. Grupos de pessoas ou mesmo populações são obrigados a
abandonar seu local de origem para encontrar refúgio ou abrigo em outras regiões.
Devido a essa peculiaridade, os migrantes que se deslocam de maneira compulsória em
função de problemas ambientais são também chamados de refugiados ambientais
(DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011). Apesar dos deslocamentos meio ambientais
serem antigos, a sua discussão ainda é recente, pois embora os afetados sejam tratados
como refugiados, as normas internacionais que regulamentam o status de refugiado
ainda não contemplam essa modalidade, sendo objeto de intensa discussão jurídica. As
diversas alterações no meio ambiente, sejam de ordem natural ou antrópica, atuam,
portanto, como motivadores dos deslocamentos populacionais.
98
11.1.1 Alterações ambientais e migração

As alterações ambientais podem ser de duas ordens, naturais ou antrópicas, e


envolvem as dinâmicas interna e externa da Terra, que são responsáveis por todos os
fenômenos superficiais, subsuperficiais e de profundidade que ocorrem em nosso
planeta. A dinâmica interna da Terra consiste nos processos que acontecem em
profundidade, e estão relacionados ao comportamento geofísico e geoquímico das
camadas terrestres (ERNESTO et al., 2009). Essa dinâmica é responsável pela
movimentação das placas tectônicas, cujo deslocamento pode promover os abalos
sísmicos, responsáveis pelos terremotos. Quando esses abalos ocorrem na crosta
oceânica, podem ocasionar maremotos ou tsunamis. Além disso, temos também os
processos vulcânicos, que tornam ativos de tempos em tempos os diversos vulcões
espalhados pelo mundo. Todos esses fenômenos, quando acontecem e dependendo de
sua magnitude, promovem um grande deslocamento populacional em função dos danos
causados.
A dinâmica externa da Terra refere-se aos processos que ocorrem em superfície,
e estão relacionados à interação entre atmosfera, hidrosfera, litosfera, biosfera e
pedosfera. São fenômenos potencializados pelo ser humano, pois o uso dos recursos
naturais, a manipulação dos solos, o desmatamento, as construções e os aterramentos
alteram o equilíbrio dos sistemas. Com isso, e associado às mudanças climáticas,
eventos como chuvas extremas ou períodos prolongados de chuvas podem provocar
movimentos de massa, processos erosivos, assoreamento dos rios e inundações. Além
disso, há também o impacto das mudanças climáticas e sua atuação como um fator de
expulsão, já que essas alterações, provocadas pela elevação geral da temperatura global
em função do aumento da emissão dos gases do efeito estufa, modificam os fenômenos
meteorológicos. Nesse sentido, essas mudanças podem provocar eventos mais
extremos, como chuvas e secas, bem como o aumento da incidência de tufões, ciclones
e tempestades tropicais (ANDRADE; ANGELUCCI, 2016). Todos esses problemas
geram impactos na economia, com a redução da produção agrícola, destruição de
infraestrutura e desalojamento, como também os perigos inerentes a esses eventos, que

99
obrigam milhares de pessoas, todos os anos, a buscarem novos lugares para recomeçar
suas vidas.

11.2 Migrações por conflitos

As migrações humanas são fenômenos presentes desde mais de 10 mil anos


atrás, quando nossos ancestrais migravam para locais em que suas necessidades
básicas fossem atendidas. Mesmo quando o motivo era a busca por áreas seguras e que
atendessem à demanda por alimentos para todos, as relações entre os grupos e no
próprio grupo não eram sempre de cooperação e troca. Muitas vezes, também
apresentavam conflitos, fosse pela liderança, por discordância de opiniões ou disputas
diversas. As grandes migrações provocadas por conflitos e invasões remontam a no
mínimo 3.000 a.C. no Oriente, quando os semitas invadiram as cidades sumérias e
estabeleceram o Império dos Acádios (FUNARI, 2018). A partir daí, em busca de novos
territórios, seguiu-se uma série de invasões à Mesopotâmia por povos persas e gregos,
e ao Egito, por vários povos e de todas as direções, sendo depois finalmente conquistado
pelos gregos e persas, entre outros. No mundo ocidental, as migrações pacíficas
existiram em alguns momentos, especialmente quando eram realizadas por vontade
própria, na busca por lugares novos e mais seguros e com maior oferta de suprimentos
para todos. Entretanto, as migrações em decorrência de conflitos e invasões eram
frequentes, devido à necessidade de expansão dos territórios. Na Antiguidade, entre 264
a.C. e 146 a.C., durante as Guerras Púnicas entre Roma e Cartago, houve uma grande
migração forçada dos cartagineses para outras regiões, sobretudo para o norte da África
(SILVA, 2017).
O ritmo das migrações forçadas aumentou a partir do século V d. C., quando,
cada vez mais violentas, destruíram muitas províncias no Ocidente. Associadas às
conquistas e invasões mulçumanas, dos vikings e dos normandos, obrigaram a migração
dos povos para outras regiões na Europa (MOREIRA, 2004). Os migrantes por conflitos
são impulsionados a fugir da sua região de origem devido a ameaças ou perseguições
propriamente ditas, por razões como raça, religião, nacionalidade, pertencimento a
determinado grupo social ou opiniões políticas. Além disso, esses grupos de indivíduos
100
podem ter sua vida, segurança e liberdade ameaçadas em função da violência
generalizada, agressão estrangeira, conflitos internos, violação massiva de direitos
humanos ou outros fatores que perturbem gravemente a ordem pública (MOREIRA,
2004). Esses migrantes, ao se deslocarem, buscam um refúgio, ou seja, um local para
se protegerem da perseguição. Dessa forma, os migrantes por conflitos também são
chamados de refugiados.

11.2.1 Migrações na contemporaneidade

Em épocas recentes, as migrações por conflitos ganharam destaque a partir da


Primeira Guerra Mundial (1914–1918) e com a Revolução Russa (1917–1923), quando
houve um aumento significativo no número de migrantes. A partir de então, as primeiras
discussões sobre os migrantes por conflitos, sua proteção e seus impactos iniciaram-se
no ano de 1921 (SILVA, 2017). A Segunda Guerra Mundial, que ocorreu entre 1939 e
1945, representou um marco importante para os problemas relacionados às migrações
por conflitos, já que foram registrados alguns dos maiores movimentos populacionais dos
tempos modernos, com mais de 40 milhões de migrantes provenientes dos mais diversos
países da Europa. Além disso, foram registradas aproximadamente 13 milhões de
pessoas de origem alemã expulsas de países como Polônia, Checoslováquia e antiga
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), além de 11,3 milhões de
trabalhadores forçados e pessoas deslocadas na Alemanha (MOREIRA, 2004). Nas
décadas de 1960 e 1970, uma onda de movimentos nacionalistas se ergueu nas colônias
africanas e asiáticas, que culminaram, respectivamente, em sua descolonização e na
criação de novos Estados independentes. A maioria dessas colônias conseguiu realizar
uma transição de forma pacífica, mas muitas apresentaram processos violentos e guerras
civis, como na Argélia, Ruanda e Paquistão (MOREIRA, 2004).
Já nas décadas de 1970 e 1980, ocorreram vários conflitos armados em alguns
países da América Latina, principalmente em El Salvador, México, Nicarágua, Guatemala
e Chile, em decorrência de regimes ditatoriais que passaram a ser questionados pelo
povo. Esses conflitos resultaram em um fluxo de mais de 2 milhões de migrantes, com
destinos variados, como Honduras, Belize, Estados Unidos e Canadá, cujo ponto de
101
origem eram os países da América Central (MOREIRA, 2004). Ao mesmo tempo em que
esses conflitos ocorriam no mundo, a Guerra Fria iniciada em 1947, ao final da Segunda
Guerra, com a doutrina Truman (capitalismo contra comunismo), entre os Estados Unidos
e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, também estava em andamento,
polarizando uma disputa ideológica entre o Leste–Oeste. As diferenças ideológicas
também promoveram movimentos populacionais ao longo de várias décadas, e com o
final da Guerra Fria, no início da década de 1990, novos movimentos migratórios se
estabeleceram, como o retorno aos países de origem.
Os conflitos atuais, a partir dos anos 2000, se caracterizam por serem de caráter
interno, ou seja, os conflitos acontecem dentro de um país ou território, com guerras civis
violentas que promovem a movimentação populacional. Entretanto, os conflitos
permaneceram, e nos dias atuais apresentam, como objeto de disputa, questões étnicas
e religiosas, políticas, econômicas, recursos naturais e pontos estratégicos, que
provocam conflitos separatistas, invasões e atentados terroristas. Esses elementos
comprometem a segurança e a paz dos territórios, estimulando, seja de forma voluntária
ou compulsória, a migração de grandes massas populacionais. As migrações por
conflitos causam grandes consequências não só em aspectos culturais, relacionadas ao
abandono de seu território, mas também econômicos, pois os migrantes deixam tudo
para trás, necessitando de auxílio para sua sobrevivência e para recomeçar uma nova
vida. Ademais, há as questões sociais, políticas e jurídicas que envolvem os refugiados
e sua inserção em novo país, como a xenofobia, o impacto nas economias e o mercado
de trabalho no país anfitrião.

11.2.2 Consequências das migrações por conflitos

De maneira geral, para analisar as migrações internacionais na


contemporaneidade e entender seus impactos, é preciso levar em conta a diversidade
dos processos de redistribuição da população em âmbito global e assim entender os
fenômenos associados às migrações atuais. Esses fenômenos envolvem fatores
econômicos, como as condições econômicas e sociais e o bem-estar social; questões
culturais, como as relações entre tribos e grupos sociais rivais, além das diferenças
102
religiosas; e também elementos políticos, como os regimes autoritários e ditatoriais, que
promovem insatisfação, revolta e perseguição. As teorias migratórias clássicas atribuem
como motivação principal os aspectos econômicos, que estão ligados ao mercado de
trabalho e a melhores condições de vida. A migração para lugares onde os migrantes
conseguem garantir a curto, médio ou longo prazo uma qualidade de vida melhor do que
em sua localidade de origem é uma importante perspectiva de atração, somada a outros
elementos associados ao movimento migratório, como família, rede de apoio no país de
destino, entre outros (SANTOS et al., 2010).
As dinâmicas associadas às migrações por conflitos diferem das motivações
econômicas, já que nessas os migrantes anseiam por um lugar específico para se
refugiar, preferencialmente próximo ao seu país de origem, em função de laços afetivos
que ainda mantêm. Além disso, os migrantes econômicos são estimulados por fatores
conjunturais, ou seja, por crises temporárias, mas que em alguns casos podem atingir
dimensões estruturais, como no caso da Síria, por exemplo. Nesse sentido, a absorção
de grandes massas populacionais migrantes por parte dos países tornou-se um grande
problema, em função dos impactos na economia de destino, bem como por atritos sociais
ocasionadas pelas diferenças culturais. Com relação ao aspecto econômico, a recepção
aos migrantes por parte do país de destino não é algo simples, já que nem sempre esses
migrantes estão preparados, do ponto de vista educacional e mercadológico, para serem
inseridos de imediato no mercado de trabalho. Dessa forma, é necessário todo um
amparo por parte do país anfitrião para o atendimento das necessidades básicas, bem
como de preparação para que esses grupos possam se tornar economicamente ativos,
o que pode causar impactos na economia de forma geral. Além disso, existem também
as diferenças culturais, como o idioma e os hábitos, costumes e valores, que dificultam a
integração dos migrantes com a população residente, isolando-os ainda mais do convívio
social.

11.3 Influência econômica e a descapitalização no processo migratório

Mesmo nas migrações por questões ambientais e por conflitos, apesar de


apresentarem fatores motivadores iniciais diferentes daqueles discutidos pelas teorias
103
migratórias clássicas, o elemento econômico permeia os fluxos populacionais de forma
direta e indireta. Os grandes fluxos migratórios tornaram-se muitos mais complexos após
a Segunda Guerra Mundial, pois todos os elementos motivadores estão relacionados, de
alguma forma, aos conflitos originados no período da Guerra Fria, mesmo após o seu
encerramento. As desigualdades sociais ainda presentes nas nações fomentaram o
desejo de uma vida melhor, e muitos indivíduos encontram na migração a oportunidade
para mudarem suas vidas e a de suas famílias. Devemos salientar que, a grosso modo,
as crises econômicas e as prioridades políticas, econômicas e sociais de alguns países,
como Brasil e outros da América Latina, bem como diversos países do continente africano
e asiático, impedem o seu pleno desenvolvimento econômico e social. Isso afeta a oferta
de oportunidades para a sua população, de forma que nem todos conseguem usufruir
das mesmas chances de crescimento, o que também constitui elementos motivadores de
fuga (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).
As relações entre migrantes e países desenvolvidos foram se alterando com o
tempo, justamente em função dos aspectos econômicos e sociais. No início da década
de 1990, com o final da Guerra Fria, havia a esperança de que os conflitos se reduzissem
e que o mesmo acontecesse com a massa populacional migrante. Entretanto, certos
conflitos étnico-raciais e religiosos seguiram eclodindo, como ocorre no Sudão,
Afeganistão e Israel, gerando uma grande população refugiada. Somado a isso, a má
situação econômica de muitos países também motivou mais migrantes a buscarem
outras regiões para viver. A aceleração da economia imposta pelo capitalismo e pela
globalização aumentou as taxas de consumo da população, que também trouxeram
consequências do ponto de vista ambiental, como a degradação dos solos e das águas
e mudanças climáticas, que passaram a ser fatores de expulsão de muitos grupos
populacionais (ANDRADE; ANGELUCCI, 2016). A cultura globalizada de aquisição e
consumo desenfreado, bem como a descartabilidade dos produtos em função de
modismos e incentivo ao consumo, exacerbou a exploração dos recursos naturais,
levando ao colapso desses sistemas e, em alguns casos, até mesmo inutilizando-os.
Entre 1950 e 1975, os países desenvolvidos acolheram muitos migrantes por
conflitos devido a interesses econômicos, culturais e políticos. Países capitalistas como
Alemanha Ocidental, Itália, França, Portugal e Espanha aceitavam os migrantes de
104
países comunistas, principalmente do leste europeu, para compor a força de trabalho,
além de diminuir a animosidade do mundo em relação ao sistema econômico. Além de
comporem a força de trabalho, eles possuíam características similares à população local,
como a fisionomia e os hábitos culturais, diluindo-se no meio da sociedade capitalista
(SILVA, 2017). Porém, a partir da década de 1970, com a entrada de migrantes vindos
da Ásia e da África, os países capitalistas desenvolvidos alteraram a sua política amistosa
de imigração. Como a população asiática e africana não oferecia qualquer vantagem
geopolítica ou ideológica, pois estavam distantes da discussão entre o capitalismo e o
socialismo, além de representarem um custo de admissão maior em função de aspectos
sociais e culturais, eles passaram a ser vistos como problemas, aumentando a xenofobia.
Durante a recessão internacional entre os anos de 1975 e 1980 — que fomentou
discussões sobre a retomada do liberalismo econômico, que resultariam na globalização
— os migrantes eram vistos como um grande encargo econômico, pois já não havia
oportunidades para os que estavam ali, e também como um fardo social, devido ao
choque cultural entre imigrantes e residentes. Dessa forma, como o recebimento de
imigrantes não era mais vantajoso, desenvolveu- -se até cero ponto uma percepção
negativa a seu respeito (MOREIRA, 2004). Como consequência, os países desenvolvidos
passaram a adotar políticas mais restritivas em relação aos migrantes. Taxados como
refugiados ou não, o objetivo de controlar o fluxo das fronteiras e de acolhimento de
pessoas era necessário, já que representavam grandes custos econômicos em seus
países. Esses custos estariam relacionados ao fornecimento de moradia, alimentação,
acesso ao sistema de saúde e educacional e treinamento para a inserção do migrante no
mercado de trabalho, além de auxílio financeiro, até que ele se inserisse no contexto da
região (SILVA, 2017). A globalização, como um processo de mundialização da economia,
globalizou não só as relações econômicas, como também as relações culturais,
demográficas, ambientais, políticas e sociais. Essas relações também se associam aos
movimentos migratórios, pois são motivados pelo conjunto dessas questões, com mais
ou menos relevância, de acordo com as condições e a maneira como operam em seus
países de origem.
As dinâmicas populacionais e migratórias são ditadas pela economia e pela
globalização. Elas mudam e se reorganizam a todo o tempo, de acordo com o fluxo de
105
migrantes, que alteram a sua direção em função das circunstâncias conjunturais.
Entretanto, os países e regiões de origem permanecem cada vez mais à margem do
desenvolvimento e do sistema econômico global, de forma que os fluxos migratórios se
mantêm ao longo dos anos, descapitalizando ainda mais a economia e por fim,
alimentando o ciclo constante de emigração e pobreza. Os fenômenos migratórios
causam consequências nos países e regiões de destino, mas especialmente nos países
e regiões de origem. Como a migração geralmente envolve indivíduos que são
classificados como economicamente ativos, ao abandonar sua região ou país, eles
também provocam a descapitalização dessas economias. Assim, a força de trabalho
local, responsável pela geração de renda, passa a ser empregada em outro país. A
capacidade de movimentação econômica por parte dos grupos sociais que permanecem
é menor, resultando em um empobrecimento da população. Essa situação mantém o
ciclo de migração ativo, pois se as condições são ruins, os indivíduos continuam a migrar,
aumentando as desigualdades regionais (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).

12 MIGRAÇÕES INTERNAS NO BRASIL

Os fluxos migratórios no Brasil iniciaram-se ainda no período colonial, motivados


pelos ciclos econômicos da cana-de-açúcar, do algodão, da mineração, da borracha e do
café, que se constituíram em fatores de atração. À medida que os ciclos alteravam o seu
eixo geográfico, uma pequena parte da população livre migrava em busca de novas
oportunidades, enquanto outros grupos permaneciam nos locais estagnados
desenvolvendo uma agricultura de subsistência. A partir do ciclo do café no século XIX,
os ciclos migratórios internos tornaram-se mais intensos, e essas áreas de subsistência,
especialmente no Nordeste, se transformaram em polos de repulsão populacional. Esses
deslocamentos populacionais ocasionaram várias consequências tanto nos locais de
origem de migrantes quanto nos locais de destino. Dentre os impactos, podemos
destacar a redução da parcela economicamente ativa das áreas de origem,
empobrecendo e estagnando cada vez mais a economia dessas regiões, em oposição
ao enriquecimento do local de destino, com aumento da sua força de trabalho e geração
de renda, mas com maior oferta de trabalhadores em relação à demanda, o que reduzia
106
os salários e aumentava as desigualdades sociais e regionais (DANTAS; MORAIS;
FERNANDES, 2011).

12.1 Movimentos populacionais no Brasil

A movimentação da população no Brasil está relacionada à distribuição das


atividades econômicas ao longo da história do país, que influenciou, ao mesmo tempo,
os processos de desruralização, urbanização e regionalização da sociedade brasileira.
Essas transformações, portanto, estão associadas a fatos históricos relacionados à
situação do Brasil como colônia de exploração, que fomentou alguns dos seus ciclos
econômicos, como do açúcar, do algodão, da mineração e do café, bem como algumas
políticas governamentais a partir da década de 1940 de incentivo à ocupação do Centro-
-Oeste e do Norte, que são de grande importância no entendimento dos movimentos
migratórios. As migrações internas são fenômenos sociais amparados e condicionados
por processos globais, regionais e locais. Sendo assim, diferentes lugares tendem a se
adequar às exigências do capital e, como consequência, os fluxos populacionais seguem
nessa esteira. Nesse sentido, a acumulação de capital molda os deslocamentos
populacionais tanto no sentido migratório (espacial) quanto também social. Assim, para
a melhor compreendermos os movimentos migratórios no Brasil, podemos avaliá-los de
acordo com seu período histórico.

12.1.1 Movimentos migratórios do período colonial até o século XIX

O período compreendido entre a chegada dos colonizadores, em 1500, até


meados do século XIX foi marcado por deslocamentos populacionais que contribuíram
de forma decisiva na configuração do território brasileiro (OLIVEIRA, 2006). Os primeiros
movimentos populacionais ocorreram em função dos ciclos econômicos impulsionados
pelas atividades econômicas desenvolvidas em períodos específicos, como, inicialmente,
a exploração do pau-brasil e o escambo com os indígenas. Em seguida, outros ciclos se
estabeleceram, como do açúcar, nos séculos XVI e XVII; da borracha, entre 1870 e 1910;
da mineração, no século XVIII; do algodão, entre os séculos XVIII e XIX; da pecuária
107
(século XVI no Nordeste e século XVIII no Sul do Brasil); e do café, no final do século XIX
e início do século XX. Eles influenciaram os fluxos migratórios, que ocorreram de forma
irregular, e moldaram o estabelecimento dos núcleos populacionais no território
(FURTADO, 2010). À medida que novos ciclos se iniciavam, a população livre migrava
para a região onde essas atividades econômicas estavam efervescentes em busca de
oportunidades de trabalho e de negócios. Posteriormente, com a decadência dos ciclos
econômicos em decorrência da exaustão da exploração do produto ou ainda em virtude
da concorrência por parte de outras colônias de exploração, alguns grupos permaneciam
nas áreas decadentes, realizando atividades de subsistência, enquanto outros buscavam
novos lugares para garantir sua sobrevivência e sua subsistência.
É importante observar que, além do movimento de pessoas livres, também havia
outro fluxo muito importante e expressivo associado à migração interna, que era
composto por escravos e indígenas. Muitos grupos indígenas foram dominados e
escravizados no início da colonização para a extração do pau-brasil. Entretanto, havia
diversos conflitos entre índios e colonizadores, e por isso a mão-de-obra era escassa
para empreendimentos do porte das grandes lavouras de produtos voltados para a
exportação, como a cana-de-açúcar. Com a implantação do modelo da grande lavoura
de exportação no ciclo da cana-de-açúcar, escravos africanos passaram a ser adotados
para compor a massa trabalhadora do empreendimento açucareiro, por constituírem uma
mão-de-obra mais barata, nascendo assim o tráfico de escravos. Quando o ciclo do
açúcar entrou em decadência, muitos desses escravos se deslocaram com seus donos
para o interior do Nordeste, onde já existiam áreas utilizadas na pecuária (FURTADO,
2010). No século XVI, a atividade pecuarista no Nordeste era destinada tanto ao
abastecimento dos engenhos com força animal quanto para alimentação. Até a abolição
da escravatura, em 1888, os fluxos migratórios para os escravos eram, na verdade,
movimentos forçados, já que não constituíam uma mão-de-obra assalariada e livre, e
seguiam de forma compulsória os seus proprietários (OLIVEIRA, 2006).
Tanto no período em que os ciclos econômicos eram extrativistas quanto na
passagem do extrativismo para a economia agroexportadora, os fluxos migratórios
internos funcionavam no sistema de atração–repulsão, ou seja, quando o ciclo econômico
estava em ascendência, atraía indivíduos, e quando entrava em decadência, os repelia
108
para outras regiões mais prósperas. Entretanto, uma das características dos ciclos
econômicos no Brasil era que as novas atividades econômicas não absorviam toda a
população resultante da atividade anterior, sugerindo que cada ciclo tinha uma dinâmica
populacional própria (OLIVEIRA, 2006). Os ciclos, ao deslocarem o eixo geográfico da
atividade exportadora, promoviam a ocupação de novos territórios e o surgimento de
novos núcleos de assentamento, que poderiam motivar ou não fluxos migratórios de uma
região para outra, de acordo com a necessidade de mão-de-obra. Como essa demanda
de trabalhadores era suprida pelos colonos e pelos escravos africanos, não sobravam
oportunidades para os demais indivíduos, como os trabalhadores livres.
Nesse sentido, a maioria dos indivíduos permanecia nos núcleos populacionais
que foram formados em função da atividade econômica, exercendo ali alguma atividade
de subsistência. Essa peculiaridade é importante para entender a falta de articulação
entre os núcleos populacionais durante séculos, que somente foi estabelecida com o
surgimento de um ciclo econômico mais forte: o ciclo do café e o processo de
industrialização. A vinda da família real portuguesa em 1808 mudou a questão do tráfico
e compra de escravos. D. João VI não sabia quanto tempo permaneceria em território
brasileiro, mas sabia que a quantidade de escravos existentes no Brasil poderia causar
má impressão em outras monarquias. Mais tarde, como resposta à promulgação da Lei
Bill Aberdeen, em 1845, pela Inglaterra, que proibia o tráfico de escravos e previa a
perseguição, interceptação e apreensão de navios negreiros no Oceano Atlântico, o
poder legislativo brasileiro, já no Segundo Reinado, promulgou em 1850 a lei Eusébio de
Queiroz, que proibia a entrada de novos escravos no Brasil. Além disso, em novembro
de 1850 foi aprovado um decreto incentivando a vinda de imigrantes do exterior para
trabalhar no país. Entre 1808 e 1850, houve alguns fluxos migratórios da Europa para o
Brasil, mas eram muito pequenos, já que o tráfico de escravos ainda acontecia. Como se
não bastasse, potenciais migrantes percebiam a instabilidade da monarquia e temiam ser
escravizados (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).
O fim do tráfico negreiro e, posteriormente, o fim da escravidão, em 13 de maio
de 1888, associados ao acelerado desenvolvimento da economia cafeeira, impuseram
uma grande demanda por mão-de-obra, o que novamente estimulou a busca por
imigrantes estrangeiros. A vinda de imigrantes para Brasil no final do século XIX e início
109
do século XX foi financiada por fazendeiros, que lhes ofereciam subsídios para virem
trabalhar no Brasil. Outro elemento motivador para os imigrantes estrangeiros foi a crise
econômica na Europa em decorrência da automação das indústrias, sem contar com a
transição demográfica experimentada por seus países de origem (OLIVEIRA, 2006). Os
imigrantes europeus que chegaram ao Brasil acabaram gerando ainda fluxos migratórios
internos. Os deslocamentos domésticos se basearam, primeiramente, em fluxos rurais–
rurais entre fronteiras agrícolas, em que os migrantes se movimentavam de uma fazenda
para outra em busca de trabalho ou de melhores salários. Em um segundo momento,
esses fluxos passaram a ser rurais–urbanos, o chamado êxodo rural, pois com o dinheiro
acumulado pelos migrantes, muitos deles foram para as cidades, compondo novos
espaços.

12.1.2 As migrações internas de meados do século XIX ao século XXI

Com a Independência do Brasil e a expansão do ciclo do café a partir de 1850, o


Brasil passou a integrar a nova divisão internacional do trabalho, relacionada ao
capitalismo industrial, em que os países subdesenvolvidos eram fornecedores de
matérias-primas e produtos primários, que em muitos casos eram manufaturados nas
metrópoles ou em países desenvolvidos, sendo depois revendidos para os países
subdesenvolvidos com maior valor agregado. A população continuava a determinar seus
fluxos em função da economia, buscando, portanto, as áreas produtoras que
demandavam mais mão-de-obra, localizadas na região centro-sul do país, entre Rio de
Janeiro, Zona da Mata mineira e São Paulo. Até 1888, a necessidade de trabalhadores
era suprimida pelos escravos africanos e pelos poucos imigrantes que aqui chegavam.
Com a proibição do tráfico de escravos, a demanda por outros trabalhadores aumentou,
estimulando a migração interna e especialmente a imigração estrangeira (OLIVEIRA,
2006). O estímulo à imigração estrangeira ocorreu em função da pouca oferta de mão-
de-obra disponível na região sudeste. Apesar da economia açucareira ter estagnado, os
fluxos populacionais com origem na região Nordeste se destinaram para outros ciclos
mais próximos, como o ciclo do algodão no Maranhão, que atraía os indivíduos para
trabalharem no cultivo e na indústria de fiação e tecelagem. Ademais, alguns fluxos
110
migratórios foram para o sul da Bahia, onde o cultivo do cacau estava em pleno
desenvolvimento.
Também existiu um fluxo espontâneo de não escravos, composto por
trabalhadores de outras regiões do Brasil e vindos de Portugal que haviam se aventurado
na exploração de ouro e pedras preciosas em Minas Gerais. No período de decadência
do ciclo da mineração, no final do século XVIII, dirigiram-se para São Paulo, mas não
foram para as áreas cafeeiras, e sim em busca de terras livres. Dessa forma, não existia
um excedente populacional que pudesse ser transferido para as regiões produtoras de
café, sendo necessário o estímulo à imigração estrangeira. Mais tarde, mesmo com a
crise da superprodução de café e a Primeira Guerra Mundial (1914– 1918), que afetaram
as exportações, a economia cafeeira continuou expandindo suas plantações e
influenciando as dinâmicas migratórias do país. Essa fase durou até 1930, quando o
período agroexportador brasileiro foi sendo substituído por um processo descontínuo de
industrialização, que ainda era ditado pela dinâmica do capital cafeeiro (PATARRA,
2003).
O processo de industrialização iniciado a partir de 1930 promoveu a ocupação e
o desenvolvimento de uma rede urbana pré-existente desde o período colonial, formada
pelos centros que haviam se constituído em mercados para a importação de fabris
(PATARRA, 2003). Nesse sentido, a industrialização intensificou a urbanização das
regiões que eram impulsionadas pela economia do café, como São Paulo, Rio de Janeiro,
algumas cidades do Vale do Paraíba e da Zona da Mata mineira. Ao mesmo tempo, os
núcleos urbanos do sul do país, que eram responsáveis pelo fornecimento de
mantimentos para as populações do centro-sul, também começaram a se desenvolver,
bem como os núcleos do Nordeste (Salvador e Recife) e do Norte (Manaus e Belém),
como exportadores de produtos primários. A atividade agroexportadora do café, que
redundou em grande acumulação de capital e industrialização, gerou um crescimento da
população de São Paulo. Ela representava 9,7% da população do país em 1890 e
alcançou, em 1950, 17,6%. Ao mesmo tempo, a população do Nordeste e do estado de
Minas Gerais sofreu um decréscimo, sinalizando a mudança do eixo geográfico do fluxo
migratório para o estado de São Paulo (PATARRA, 2003). Na década de 1940, foram
observados diversos fluxos migratórios rumo à região Centro-Oeste e ao norte do Paraná.
111
Para o Centro-Oeste, as principais regiões fornecedoras de migrantes foram o Sudeste,
com aproximadamente 96 mil pessoas oriundas dos estados de Minas Gerais, São Paulo
e Espírito Santo, e o Nordeste, com cerca de 103 mil migrantes vindos do Nordeste
oriental, Maranhão, Piauí e interior da Bahia (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).
Os migrantes que se destinaram ao Centro-Oeste foram atraídos pela oferta de
terras para o desenvolvimento agrícola da região, mediante incentivos estatais, para a
produção de grãos e carne. Nessa região, o Governo Federal criou dois núcleos de
colonização: a Colônia Agrícola Nacional de Goiás (atual município de Ceres) e a Colônia
Agrícola Nacional de Dourados (no atual estado do Mato Grosso do Sul). Além disso,
havia outros atrativos na região Centro-Oeste, como a exploração de diamantes e cristal
de rocha na bacia hidrográfica do rio Araguaia e a exploração do babaçu no vale do rio
Tocantins, quando este ainda pertencia ao estado de Goiás. Na década de 1940, a região
norte do Paraná, com solos bastantes férteis, também passou a atrair migrantes em
função da venda de lotes de terra por uma incorporadora de origem inglesa, que criou
núcleos de colonização privados. Na região Nordeste também houve um fluxo similar de
indivíduos que, fugindo das secas, foram em busca de terras para a agricultura de
subsistência no Maranhão.
Na década de 1950, a industrialização chegou ao Nordeste pela implantação de
polos industriais próximos a Salvador, Recife e Fortaleza, por meio de incentivos fiscais
às indústrias que se instalaram na região Sudeste na etapa de internacionalização
industrial brasileira. Ainda assim, os fluxos migratórios internos partindo do Nordeste
continuaram para diversas regiões do país e ainda para o interior da própria região, onde
houve movimentos migratórios principalmente para o Maranhão devido à exploração de
babaçu e cultivo de arroz (OLIVEIRA, 2006). Nesse contexto, existiram movimentos
direcionados do Nordeste para o Sudeste, especificamente para o munícipio de São
Paulo e arredores, além da cidade do Rio de Janeiro, cujos deslocamentos foram
incentivados pelo intenso processo de industrialização que essas regiões estavam
vivenciando.
Além disso, também houve movimentos do Nordeste para o Centro-Oeste e
extremo Norte, principalmente para o Mato Grosso e Rondônia, em função do garimpo,
e para Goiás, em decorrência da construção da capital do Brasil, Brasília. Para a região
112
Sul, houve deslocamentos populacionais tanto de nordestinos quanto de gaúchos para o
estado do Paraná, para trabalhar na cafeicultura. Entre as décadas de 1960 e 1970, os
movimentos migratórios internos principais, partindo da região Nordeste, continuaram
para a região Centro-Oeste e Amazônia. Entretanto, a implantação do Regime Militar, em
1964, ampliou o incentivo à migração para a região Norte, com o objetivo de ocupação
territorial (PATARRA, 2003). Devido à preocupação com a segurança nacional, o governo
militar criou uma política de integração da Amazônia, que foi viabilizada por meio de
projetos agropecuários e de incentivos fiscais. Essas ações foram essenciais para a
ocupação da região e para o estabelecimento de fluxos migratórios rumo ao norte do
país.
Nas décadas de 1960 e 1970, o Nordeste ainda se configurava como a principal
área de repulsão populacional, e os fluxos migratórios dessa região seguiam para todas
as regiões do país, principalmente para o Sudeste, devido à sua industrialização, para os
estados do Paraná, Mato Grosso e Goiás, em função da expansão agrícola e do cultivo
do babaçu, e para a Amazônia, devido à necessidade de mão-de-obra. Ainda houve
outros fluxos internos importantes na época devido à expansão da fronteira agrícola,
levando indivíduos do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e Minas Gerais rumo a
terras no Mato Grosso. Além das migrações internas de caráter regional, é importante
destacar a grande emigração do Sudeste rural para o Sudeste urbano na década de 1960
e 1970, fenômeno que também foi observado do Nordeste rural para o Nordeste Urbano
e para o Sudeste urbano a partir de 1970, bem como do Sul rural para o Sul urbano e do
Centro-Oeste rural para o Centro-Oeste urbano. Nas décadas de 1970 e 1980, os
deslocamentos internos em direção à região amazônica prosseguiram, incentivados
pelos programas e projetos governamentais para a ocupação da região. Um deles foi o
Projeto de Integração Nacional, que promoveu obras de caráter estrutural, como as
grandes rodovias Transamazônica e Cuiabá–Santarém, além de um projeto de
colonização da região por meio de assentamentos de migrantes ao longo dessas
rodovias (PATARRA, 2003).
A partir da década de 1980, observou-se uma mudança na tendência migratória
interna do país em termos de volumes, fluxos e características dos movimentos. Houve
uma redução de fluxos populacionais em direção ao Sudeste, especialmente para as
113
grandes cidades e metrópoles, passando a predominar migrações de curta distância e
intrarregionais. Já os movimentos populacionais para a região amazônica e para os
municípios de pequeno e médio porte se mantiveram estáveis. A redução do
deslocamento populacional para a região Sudeste ocorreu em função da crise econômica
que se instalou nas décadas de 1980 e 1990, além do fenômeno da descentralização
industrial. A crise econômica afetou o mercado de trabalho, aumentando as taxas de
desemprego e tornando incerto para o migrante o sucesso do seu deslocamento. O
próprio processo de descentralização industrial, em que as indústrias se transferiram da
região metropolitana para outros locais, como o interior do estado de São Paulo e estados
fora da região Sudeste, também contribuiu para a redução dos fluxos migratórios para o
Sudeste. No caso da região amazônica, ela ainda permaneceu atrativa devido ao
desenvolvimento de diversas atividades econômicas que estavam sendo fomentadas
pelo Estado, como os incentivos ao aumento da relevância da Zona Franca de Manaus,
além da expansão das fronteiras agrícolas e dos garimpos. Além da redução do fluxo
migratório, também foi possível observar, a partir da década de 1990, o movimento de
retorno dos migrantes para a região Nordeste. O movimento em sentido contrário deveu-
se à crise econômica vivenciada pelo Sudeste, além do desenvolvimento das capitais e
das cidades médias e pequenas da região Nordeste, que passaram a oferecer
oportunidades de trabalho na agroindústria e no turismo, que absorveram parte da
população (PATARRA, 2003).
As migrações inter-regionais para a região Centro-Oeste também perderam
intensidade a partir dos anos 1980, devido a mudanças na forma de ocupação das terras
e das áreas de fronteira. Com a modernização da agricultura, houve a incorporação de
grandes áreas de terra, além da utilização de técnicas de cultivo mais modernas e
voltadas à produção em larga escala para exportação. A modernização da agricultura
ocasionou a expulsão dos pequenos agricultores e colonos, que acabaram migrando do
campo para a cidade, no chamado êxodo rural. O início da reação da economia brasileira,
a partir de meados da década de 1990, também promoveu importantes reflexos nos
movimentos migratórios, especialmente na região Nordeste e, em menor escala, no Norte
do país. Os incentivos estatais para que instituições privadas com alto capital acumulado
investissem no Nordeste resultaram no desenvolvimento de regiões com estruturas
114
econômicas modernas, ativas e dinâmicas, promovendo um desempenho positivo nessas
áreas, com geração de empregos e renda. Dentre as atividades econômicas instaladas
no Nordeste, destacam-se o complexo petroquímico de Camaçari; o polo têxtil e de
confecções de Fortaleza; o complexo minero-metalúrgico de Carajás; o polo
agroindustrial de Petrolina/ Juazeiro, que se desenvolveu a partir da agricultura irrigada
com as águas do rio São Francisco; regiões onde há a agricultura moderna de grãos
(cerrados baianos e o sul do Maranhão e do Piauí); o polo de fruticultura de Rio Grande
do Norte, irrigado pelo Vale do Açu); o polo de pecuária intensiva do agreste de
Pernambuco; e os diversos polos turísticos implantados nas principais cidades litorâneas
do Nordeste (PATARRA, 2003).
Já a região Centro-Oeste foi marcada por dois processos bastante expressivos e
quase simultâneos: a ocupação e expansão das fronteiras agrícolas por grandes
empresas, que realizaram vultuosos investimentos em tecnologia, mecanização e
produção em larga escala; e o crescimento das cidades em decorrência do próprio
desenvolvimento do campo e também com as migrações campo–cidade. A região
Sudeste passou a vivenciar, em meados da década de 1990, uma redução do
crescimento populacional, que foi ocasionada pela diminuição tanto da taxa de
fecundidade quanto dos fluxos migratórios, com os chamados migrantes de retorno, que
rumaram das regiões metropolitanas para suas cidades de origem. Outra região que
também apresentou uma redução no crescimento populacional foi o sul do Brasil, devido
aos reflexos do grande êxodo rural nas décadas de 1970 e 1980, que levou milhares de
indivíduos a buscarem terras no Centro-Oeste (PATARRA, 2003).

12.2 Motivações para as migrações

As migrações, de maneira geral, podem ser motivadas por fatores econômicos,


naturais, políticos, étnicos, religiosos, culturais e laborais, sendo as causas econômicas
consideradas as motivações primárias e principais. Nesse caso, as migrações acontecem
devido ao desejo do indivíduo ou de seu grupo de usufruir de melhores condições de
vida, proporcionadas por salários mais elevados, condições dignas de trabalho e
atendimento das necessidades básicas, como saúde e educação. As causas naturais
115
estão relacionadas aos fenômenos ambientais, que podem ser de ordem natural ou
antrópica, cuja manifestação promove a migração forçada dos indivíduos devido aos
riscos de permanência na região. Já as causas políticas estão associadas, por exemplo,
a mudanças de governo ou no sistema político, que podem diminuir a liberdade e a
participação das pessoas nos processos decisórios, além da geração de conflitos, que
podem forçar a migração. Por sua vez, as razões étnicas e religiosas estão relacionadas
aos conflitos e perseguições ocasionados por discordâncias entre etnias e manifestações
religiosas. As motivações culturais são aquelas em que os indivíduos se deslocam para
conhecer outras culturas ou estudar, como os intercâmbios acadêmicos, linguísticos e
culturais. Já as causas laborais estão associadas aos deslocamentos realizados por
motivos profissionais. Considerando as motivações gerais para a migração, podemos
perceber que os movimentos migratórios internos no Brasil foram estimulados
principalmente pelos elementos econômicos e pelas desigualdades socioeconômicas
existentes entre as regiões. As diferenças econômicas e até mesmo a impossibilidade de
geração de renda facilitava o surgimento dos fluxos migratórios, que se manifestaram em
ciclos de acordo com o aparecimento das oportunidades, relacionadas às atividades
econômicas das regiões (PATARRA, 2003).
Durante o período colonial e imperial, os deslocamentos populacionais pautaram-
se nos ciclos econômicos, que foram responsáveis pela formação de uma estrutura
territorial com uma rede primitiva de cidades. Esses ciclos necessitavam de mão-de-obra,
e a busca pela subsistência levou uma parte pequena da população a constituir os
movimentos migratórios, de um ciclo para outro, enquanto outros grupos permaneciam
nos núcleos urbanos mesmo após findado do ciclo, desenvolvendo atividades de
subsistência e migrações curtas entre áreas rurais. Os fluxos migratórios tornaram-se
mais robustos a partir do ciclo da mineração, no século XVIII, e do café, entre os séculos
XIX e XX, que demandavam não apenas mão-de-obra, mas também mantimentos, o que
promoveu fluxos comerciais e, como consequência, mais fluxos migratórios. A partir da
década de 1930, as motivações seguiram relacionadas aos aspectos econômicos e à
busca por melhores condições de vida e de geração de renda. Contudo, a direção dos
movimentos migratórios se diversificou: além do fluxo rural–rural, também passou a
existir, de forma mais contundente, o fluxo rural–urbano, especialmente para a região
116
Sudeste, que vivenciava o início do processo de industrialização e urbanização. Nesse
sentido, passaram a existir duas correntes de distribuição populacional: enquanto as
migrações rurais abriam fronteiras agrícolas e povoavam o interior do Brasil, outros fluxos
concentravam os indivíduos nas cidades (PATARRA, 2003).
A atração de fluxos migratórios para as regiões mais desenvolvidas, como o
Sudeste e o Sul, também ocorreu devido à oferta de políticas sociais nas cidades, que
podem ser consideradas motivações sociais, como os serviços nas áreas de saúde
pública, previdência social e assistência médica, educação básica e ordenamento do
mercado de trabalho que passaram a ser oferecidos a partir da década de 1940. O
sentido das setas migratórias, portanto, dependia das dinâmicas econômicas vigentes no
território. No campo, isso redundou em situações de expulsão em função da
concentração fundiária e do sistema de produção para o atendimento do mercado
capitalista, que não comportava os pequenos agricultores e proprietários de terra. As
próprias políticas estatais acabaram expulsando a população rural a partir do momento
em que passaram a fomentar a grande empresa agroexportadora, aumentando os fluxos
migratórios para as cidades, especialmente na década de 1970. A concentração da
atividade econômica no Sudeste, associada ao excedente populacional desocupado
gerado pelo campo em função da concentração fundiária, além dos fluxos das pequenas
e médias cidades com economias mais estagnadas, contribuíram para os movimentos
migratórios para o Sudeste até a década de 1970. Tais fluxos apresentavam uma
motivação econômica, que se tornou ainda mais intensa devido às mudanças na
estrutura agrária e no desempenho econômico das regiões, que obrigaram os indivíduos
a migrarem em busca de melhores condições de vida (PATARRA, 2003).
A partir da década de 1980, os movimentos migratórios e a distribuição da
população se pautaram por crises econômicas de ordem estrutural, relacionadas às
políticas desastradas e também à transição do Regime Militar e conjuntural. A
concentração urbana e industrial no Sudeste começou a perder força com os incentivos
à instalação de indústrias fora das regiões metropolitanas e também em outras regiões
do país. Nessa época houve também uma especialização do espaço urbano: áreas
industriais nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, ou seja, de atividades
secundárias, tornaram-se áreas com atividades terciárias, voltadas para os serviços, que
117
exigiam novas habilidades, qualificação e competências dos trabalhadores. Essa
transição permitiu o fortalecimento das redes urbanas em torno dos grandes centros, de
forma que as cidades passaram a desenvolver relações de interdependência e
complementaridade. Assim, novas rotas de deslocamentos foram estabelecidas em
função das mudanças do mercado de trabalho e dos custos de vida, aumentando as
migrações de retorno, de curta distância, das metrópoles para as cidades médias, e
também migrações pendulares ou diárias, em que as pessoas trabalham em uma cidade
e residem em outra.

12.3 Consequências das migrações internas

Os movimentos populacionais internos que ocorreram e que ainda ocorrem no


Brasil são motivados principalmente por elementos econômicos, seja em busca de
melhores oportunidades de trabalho e geração de renda e/ou por melhor qualidade de
vida. Todos esses fluxos populacionais ocasionaram uma série de impactos nos locais
de origem e de destino dos migrantes, cujas consequências também foram influenciadas
pelo momento histórico vivido pelo país em cada ciclo de migração interna. Assim,
podemos categorizar essas consequências em seus aspectos econômicos,
demográficos, políticos, sociais e culturais, que se inter-relacionam a todo o tempo. Com
relação aos impactos econômicos, podemos citar que a saída de indivíduos de uma
determinada região provoca a diminuição da sua população economicamente ativa e
também da força de trabalho, o que pode promover a estagnação econômica dos lugares
de origem. Ao mesmo tempo, a transferência de mão-de-obra indica que o lugar de
destino se encontra mais dinâmico, de forma que o seu progresso e o seu
desenvolvimento também geram impactos positivos em torno dessas regiões, como pode
ser observado no município de São Paulo e no desenvolvimento da sua região
metropolitana (PATARRA, 2003).
O mesmo se aplica ao êxodo rural, cujos indivíduos foram forçados a migrar em
decorrência da expansão das fronteiras agrícolas, e ainda a migração rural–rural. A
expansão das fronteiras provocou a mudança da estrutura fundiária, que priorizou a
grande propriedade com produção voltada para a exportação em detrimento dos
118
pequenos proprietários, o que forçou as famílias agricultoras a migrarem para as cidades.
Além disso, a própria mecanização da agricultura reduziu os postos de trabalho nas
grandes lavouras, o que também foi um fator motivador da migração para outras áreas
rurais em busca de sobrevivência. Com o processo de industrialização do país, os fluxos
de indivíduos do campo para cidade promoveram impactos importantes. Essas pessoas
participaram ativamente como mão-de-obra na construção de toda a infraestrutura
básica, tanto para o funcionamento dos centros urbanos quanto das indústrias.
Entretanto, o espaço construído pelos migrantes não era voltado para seu próprio
consumo, e sim para outras classes sociais, gerando um dos principais problemas
urbanos, que foi a ocupação desordenada das áreas periféricas, com a consequente
favelização. Com o avanço da industrialização, a oferta de empregos em áreas que
exigiam baixa qualificação foi sendo reduzida, pressionando ainda mais a população
migrante para as periferias e para os subempregos, aumentando as desigualdades
econômicas e sociais (PATARRA, 2003).
Os deslocamentos populacionais também provocam impactos demográficos nos
locais de origem, que tendem a testemunhar a partida de jovens do sexo masculino, o
que promove desequilíbrio de gênero e uma redução das taxas de natalidade e de
crescimento vegetativo. Nos lugares de destino, a chegada de migrantes ocasiona o
aumento da natalidade e o rejuvenescimento da população, além da concentração da
força de trabalho. Ao mesmo tempo em que a população ativa aumenta, gerando mais
riquezas para a região de destino, a concentração de trabalhadores também eleva a
oferta em relação à demanda, o que provoca a redução dos salários e o aumento da
pobreza. A concentração das atividades relacionadas a indústria e agropecuária no
centro-sul do país, verificada a partir da década de 1930, promoveu um atraso no
desenvolvimento econômico das regiões Nordeste, Norte e extremo sul em função da
concentração das políticas prioritárias estatais naquela região (DANTAS; MORAIS;
FERNANDES, 2011).
Somente a partir de 1960, novamente por meio de incentivos estatais, as regiões
Norte e Nordeste foram inseridas nos fluxos econômicos já estabelecidos no país, mas
sempre em benefício da região hegemônica (PATARRA, 2003). Com isso, as
desigualdades regionais ainda permaneceram, e os efeitos nos deslocamentos
119
populacionais só foram observados a partir de 1980, com a crise econômica e a
descentralização industrial. Entre 1945 e 1980, o intenso desenvolvimento em função do
aquecimento da economia, associado a um processo acelerado e pouco planejado de
urbanização, também contribuiu para o deslocamento populacional, o que alterou de
forma importante a estrutura demográfica das cidades. Entretanto, apesar da expansão
do mercado de trabalho e da inserção dessa parcela da população na dinâmica da
cidade, o modelo econômico apresentava características concentradoras, tanto de renda
quanto de população. Além disso, caracterizava-se por ser também excludente, já que o
espaço urbano não apresentava os mesmos elementos e oportunidades para todos.
As diferenças de renda entre a população trabalhadora e os responsáveis pelos
meios de produção eram enormes, originando uma sociedade urbana com uma estrutura
social complexa e fragmentada. Essa fragmentação, como consequência, refletiu no
espaço urbano, com a segregação dos espaços de acordo com a renda e a atividade
econômica. Nesse contexto, surgiram as periferias urbanas, que representavam o espaço
urbano destinado e possível de ser consumido pela classe trabalhadora urbana, graças
à especulação imobiliária e aos interesses empresariais e políticos na gestão do território.
Seja como for, os movimentos populacionais no Brasil foram iniciados na época colonial,
devido aos ciclos econômicos e à necessidade de sobrevivência e busca de
oportunidades. Tais movimentos se estenderam durante séculos, sendo a região
Nordeste a principal fonte de emigrantes, enquanto a região centro-sul do país foi a maior
receptora de migrantes. Os deslocamentos populacionais no país foram motivados
majoritariamente por questões econômicas, na busca por melhores condições de vida e
de trabalho. Essas movimentações promoveram uma série de consequências, que
intensificaram as desigualdades regionais e fomentaram problemas sociais associados
ao êxodo rural, em que pessoas com pouca qualificação não conseguiam boas
colocações no mercado de trabalho urbano. O mesmo se aplica às migrações entre
cidades, que geralmente envolve pessoas menos qualificadas que buscam novas
oportunidades (DANTAS; MORAIS; FERNANDES, 2011).

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