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Lisboa
2021
A RELAÇÃO ENTRE EXECUTIVO E LEGISLATIVO NO BRASIL:
HIPÓTESE DE MIGRAÇÃO PARA UM SISTEMA DE GOVERNO MISTO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................
CONCLUSÃO....................................................................................................................
INTRODUÇÃO
Com o presente estudo, almeja-se analisar uma visão geral e atualizada sob o
escopo da doutrina jurídica e politológica acerca dos principais problemas que afetam a
relação entre os poderes Executivo e Legislativo no Brasil, de modo a identificar o atual
estado da arte sobre a matéria, bem como seus contextos, fundamentos e propostas de
reforma para superar os entreves dessa relação, a partir de uma perspectiva jurídico-
constitucional e, também, sob o âmbito da ciência política sobre o assunto.
As questões centrais que se desenvolve no presente trabalho são: i) O que se
entende por Presidencialismo e suas variações; ii) Qual o contexto histórico-político que
gerou o sistema de governo do Brasil, bem como a descrição constitucional e
características preliminares do exercício do presidencialismo brasileiro à luz da relação
entre o Executivo e Legislativo; iii) “Estado da arte” acerca da doutrina constitucional
quanto aos principais problemas que afetam o equilíbrio da citada relação; iv) Análise
das propostas de emendas constitucionais sobre o assunto apresentadas ao longo dos
últimos 30 anos; e v) Possibilidade de reforma constitucional para corrigir o
desequilíbrio entre Poder Executivo e Legislativo no sistema de governo brasileiro.
Esta pesquisa debruçou-se sobre o período que percorre desde a década de 1980,
com ênfase para o ano de 1987, sendo este o ano de elaboração da primeira constituinte
brasileira que não se originou de um golpe e consubstanciou uma ruptura com o regime
ditatorial instituído em 19641, e também para o ano de 1993, em que houve a realização
1
ARCHANJO, Camila. O sistema de governo: Uma análise comparada entre Portugal e Brasil. p. 55-
56. In: ALEXANDRINO, José Melo (coord). Estudos sobre o constitucionalismo no mundo de língua
portuguesa, vol. III – O sistema político no Brasil e em Portugal, Lisboa: AAFDL, 2020.
do plebiscito, a ratificar o sistema de governo presidencialista e a forma de governo
republicana2, e, por fim, a análise culmina nos dias atuais, ano de 2021.
Vale pontuar, ainda, que o presente estudo aborda essencialmente questões típicas
de um sistema de governo em regime de democracia representativa. Ou seja, excluem-
se, aqui, os regimes não democráticos, ao passo que, sob a perspectiva do direito
constitucional, o estudo de Constituições de regimes ditatoriais não é particularmente
proveitoso. Isto poque, os poderes essencialmente atribuídos nesses regimes são
desvirtuados pelo exercício do poder das autoridades, conforme sustenta o professor
Carlos Blanco.3
Não é o alvo do presente trabalho esgotar o assunto, mas sim promover o debate,
haja vista o momento político vivido no Brasil sobre reforma política e mudança no
sistema de governo adotado. Contudo, frisa-se que não é o sistema de governo que está
no centro das discussões atuais, mas sim o sistema eleitoral e o sistema partidário, em
que pese estes conceitos estejam intimamente ligados de maneira indissociável, o que
será analisado oportunamente.
De todo modo, ainda assim, este é um tema relevante que está na ordem do dia,
na medida em que, no Brasil, o atual Chefe de Estado e governo segue reiteradamente
agravando a desarticulação entre o Executivo e o Congresso, sendo este já
vulnerabilizado e hiperfragmentado (com três dezenas de partidos) e, ainda, a acentuar
outros graves e recentes conflitos com o Supremo Tribunal Federal e os Estados.
Neste ponto, cumpre ressalvar também que o tema se coloca ainda mais em pauta
no recente contexto de crise pandêmica no Brasil, em que o Presidente da República foi
e segue a ser apontado por não cumprir as recomendações internacionais, subestimando
a crise, desconsiderando a ciência, e afrontando órgãos do poder político,
nomeadamente, o Congresso, STF e governadores.
Sem contar os sucessivos episódios de vacância ao cargo de Ministro da Saúde no
período da pandemia, sobretudo, em tempos de crescimento alarmante dos casos de
infectados, iminência do colapso do sistema de saúde pública e escândalos de corrupção
acerca das verbas financeiras destinadas ao controle da crise.
Por fim, vale considerar que se pretende que este trabalho seja uma modesta
contribuição à doutrina jurídica brasileira que parece não fornecer à questão a devida
2
Ibidem.
3
MORAIS, Carlos Blanco de. O sistema político. No contexto da erosão da democracia representativa.
Coimbra: Almedina, 2017, p. 22.
atenção que ela suscita. E, com efeito, acaba por deixar o desenvolvimento da matéria
aos politólogos, do que decorre a utilidade e necessidade do presente estudo.
4
DI RUFFIA, Paolo Biscaretti. Diritto Costituzionale. 7 ed. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene,
1965, p. 203 e ss.
5
MORAIS, Carlos Blanco de. O sistema político. No contexto da erosão da democracia representativa.
Coimbra: Almedina, 2017.
6
CANOTILHO, J. J. Gomes / MOREIRA, Vital, Os poderes do Presidente da República: especialmente
em matéria de defesa e política externa. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 13-15.
7
MIRANDA, Jorge. Formas de governo. Lisboa, 1992, p. 125 e 126.
8
ARCHANJO, Camila. O sistema de governo: Uma análise comparada entre Portugal e Brasil. p. 26.
In: ALEXANDRINO, José Melo (coord). Estudos sobre o constitucionalismo no mundo de língua
portuguesa, vol. III – O sistema político no Brasil e em Portugal, Lisboa: AAFDL, 2020.
Além disto, o sistema de governo de determinado país está, ainda, associado ao
seu sistema eleitoral e partidário que são por ele adotados. Existem, aliás, autores que
defendem a inserção do sistema eleitoral e partidário ao conceito de sistema de governo,
como por exemplo, André Gonçalves.9
Por outro lado, também se defende que não se deva haver a citada inserção para
que se evite que intempéries partidárias e eleitorais contaminem o conceito de sistema
de governo, o que particularmente não parece ser razoável, ao passo que as tensões do
sistema partidário e eleitoral efetivamente influenciam o exercício do sistema político,
tal como entendem Marcelo Rebelo e Jorge Miranda10.
José Afonso da Silva11 propõe uma definição minimalista de sistema de governo
como a maneira como os poderes Legislativo e Executivo se relacionam, e assim como
a doutrina clássica, asseverando que os principais arranjos possíveis nesse âmbito são
apenas ilustrativos das variações existentes, quais sejam: i) Parlamentarismo; ii)
Presidencialismo; e iii) Sistema misto ou, como popularmente conhecido,
semipresidencialismo. Os dois primeiros são considerados puros ou clássicos 12 são os
referenciais para o terceiro tipo.
Isto posto, frisa-se será feita a seguir uma breve e superficial sintetização sobre
as referidas classificações, tendo em vista que o foco do presente estudo é restrito
essencialmente o Presidencialismo brasileiro.
No Parlamentarismo, cujo o maior referencial é a Inglaterra, há um poder
Executivo dual, representado pela figura de um Chefe de Estado (Monarca ou
Presidente da República) e um Chefe de Governo (Primeiro-ministro ou Gabinete ou
Ministério). O Chefe de Estado não possui responsabilidade política perante ao
Parlamento, e também não possui poderes políticos significativos.
Já o governo é composto por arranjos entre os partidos políticos no Parlamento.
Assim, o governo depende do Legislativo para se apoiar e conseguir executar seu
programa, sendo politicamente responsável perante o Parlamento, podendo este
9
Ibidem.
10
SOUSA, Marcelo Rebelo de. Os partidos políticos no direito constitucional português. Braga: Livraria
Cruz. 1983; PEREIRA, André Gonçalves. Sistema eleitoral e sistema de governo. In: MIRANDA, Jorge
(org.). Nos dez anos da Constituição. Lisboa: Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1986, p. 191- 202
11
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 1ª ed. 1. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2021, p. 476.
12
GINSBURG, Tom / CHEIBUB, Jose Antonio / ELKINS, Zachary, Beyond Presidentialism and
Parliamentarism. University of Chicago Public Law & Legal Theory Working Paper nº 450, 2013;
CHEIBUB, José Antonio. Presidentialism, parliamentarism, and democracy. New York: Cambridge
University Press, 2007.
constitui-lo ou destitui-lo13. Com efeito, fala-se, pois, que há uma preponderância do
Legislativo sobre o Executivo.
Por sua vez, no Presidencialismo, cujo o maior expoente é os Estados Unidos,
não há divisão do poder Executivo, pois o Presidente concentra as funções de Chefe de
Estado e Chefe de governo, isto é, não há um Executivo dualista, tal como há no
Parlamentarismo.14 Há uma rígida separação entre os poderes Legislativo e Executivo,
podendo haver mecanismos de freios e contrapesos 15. O Presidente é eleito pelo povo,
da mesma forma como o Congresso.
Então, não há responsabilidade política entre o Presidente e o Parlamento. Há
apenas responsabilidade penal. Ou seja, o Presidente responde perante ao Parlamento
apenas em casos de crimes de responsabilidade, que podem culminar em processo de
impeachment. Ademais, o Presidente exerce seu mandato com prazo certo. Desse modo,
sua retirada do cargo se dá apenas nos casos excepcionais, conforme será desenvolvido
oportunamente.
Por fim, o sistema de governo misto ou híbrido ou, como comumente
denominado, Semipresidencialismo, cujos exemplos maiores são Portugal, França e
Áustria, possui uma dinâmica peculiar por combinar características típicas do
Presidencialismo (Presidente eleito por voto popular e com poderes políticos
relevantes), e do Parlamentarismo (responsabilidade política do governo perante ao
Parlamento e dualidade do Executivo). De todo modo, ressalta-se a ausência de
uniformidade na doutrina quanto aos critérios autênticos desse sistema, bem como sua
própria autonomia como sistema de governo.
Nesse sentido, Jorge Reis Novais16 e Robert Elgie17 defendem que haveria
autonomia desse sistema de governo e que existiriam diversas modalidades de
funcionamento desse sistema. Vale dizer que há também divergência na doutrina quanto
à designação desse sistema. Jorge Novais considera a adoção do termo
semipresidencialismo por “mera convenção doutrinária”.18
13
Ibidem.
14
SARTORI, Giovanni. Ingegneria constituzionale comparata. Struture, incentivi ed. Esiti, 3ª ed. Blogna:
Società Editrice il Mulino. 1998, p. 98-99.
15
ARCHANJO, Camila. O sistema de governo: Uma análise comparada entre Portugal e Brasil. p. 34-
35. In: ALEXANDRINO, José Melo (coord). Estudos sobre o constitucionalismo no mundo de língua
portuguesa, vol. III – O sistema político no Brasil e em Portugal, Lisboa: AAFDL, 2020.
16
NOVAIS, Jorge Reis. Teoria das Formas políticas e dos sistemas de governo. Lisboa: AAFDL, 2019, p.
248-253.
17
ELGIE, Robert. Semi-presidencialism in Europe. New York: Oxford University Press, 1999. p. 14-15.
18
NOVAIS, Jorge Reis. Teoria das Formas políticas e dos sistemas de governo. Lisboa: AAFDL, 2019, p.
209.
Contudo, há outros autores que defendem não haver autonomia do conceito, tal
como Paulo Otero19, uma vez que este abarca modelos muito variados, tal como a matriz
francesa e portuguesa.
Há, ainda, autores que defendem que tendo em vista a duvidosa autonomia desse
sistema, recomenda-se o uso do termo “sistema misto”, não Semipresidencial, tal como
o professor Melo Alexandrino20, posto que não haveria justificativa para a criação de um
terceiro gênero de sistema apenas para designar uma experiência atípica que conjuga
características dos dois primeiros modelos.
Observado esse panorama geral sobre os sistemas de governo, adentrar-se-á, a
partir de então, no sistema Presidencialista propriamente dito com maior riqueza de
detalhes.
19
OTERO, Paulo. Direito Constitucional Português. Vol. II. Coimvbra: Almedina, 2010. P. 383 e ss.
20
ALEXANDRINO, José Melo. Lições de Direito Constitucional. Vol. II. 3ª EDIÇÃO. Lisboa: AAFDL,
2018, p. 193.
21
NOVAIS, Jorge Reis. Teoria das Formas políticas e dos sistemas de governo. Lisboa: AAFDL. 2019, p.
179.
22
Ibidem.
23
MILANI, Imaculada. Presidencialismo e Parlamentarismo. In: BASTOS, Celso Seixas Ribeiro,
MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.) Parlamentarismo ou Presidencialismo? Rio de Janeiro.
Forense: Academia Internacional do Direito Econômico e Economia, 1987.
classificação de Reis Novais24, o qual os divide em modelos da seguinte maneira: i)
Presidencialismo puro ou clássico; ii) Presidencialismo adaptado noutros Estados
americanos.
24
NOVAIS, Jorge Reis. Teoria das Formas políticas e dos sistemas de governo. Lisboa: AAFDL. 2019, p.
196.
25
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª Edição. São Paulo: Malheiros: 2010, p. 385-386.
26
Destaca-se o uso de executive orders pelo Presidente, nos EUA, em que alguns autores entendem ser
uma função legislativa por parte do Presidente. MAYER, Kenneth, With the Stroke of a Pen: Executive
Orders and Presidential Poer Princeton, NJ: Princeton University Press, 2001, p.4.
27
Shutdown: Refere-se à paralisação do governo e isso ocorre porque o orçamento do atual ano fiscal não
foi aprovado. Neste cenário, o governo não pode mais se comprometer com nenhum gasto, levando a um
congelamento dos serviços e atividades governamentais até que o orçamento seja aprovado. Disponível
em < www.infomoney.com.br/mercados/shutdown-o-que-e-e-quais-as-consequencias-da-paralisacao-que-
esta-abalando-o-governo-dos-eua/>. Acessado em 02 de fevereiro de 2021.
poderes políticos relevantes; Ausência de responsabilidade política entre o Presidente e
o Congresso, isto é, há uma autonomia entre o Executivo e o Parlamento, e vice-versa;
calendário eleitoral fixo, o que torna os entraves entre Executivo e Legislativo de mais
complexa resolução, por não haver instrumentos não traumáticos de escape no caso de
tensão entre tais poderes28, diferentemente do Parlamentarismo.
Insta mencionar, ainda, certa particularidade própria do cenário norte-americano,
que compõe o seu sistema presidencial puro por excelência: a existência das mid-term
elections29. Desta forma, o Congresso se renova a dois anos (A Câmara dos
Representantes renova-se em sua totalidade e o Senado renova um terço de seus
representantes). Como resultado, a população consegue modificar significativamente o
contexto político no período do mandato presidencial, cuja duração é de quatro anos.
Essa alteração pode ser prejudicial ou favorável ao Presidente norte-americanos,
pois este pode ser eleito ao lado de um Congresso com maioria em seu apoio, mas ao
mesmo tempo, pode haver uma renovação profunda do Legislativo, no bojo desse lapso
de dois anos de mandato.30
Por fim, cumpre dizer que em que pese a nítida autonomia entre Presidente e
Congresso, há entre estes um equilíbrio baseado na noção de freios e contrapesos
(checks and balances31), justamente em prol de se evitar que o Chefe do Executivo
assuma o comando integral do jogo político ao ponto de concentrar demasiadamente
poderes, descambando ao autoritarismo.
No mais, para assegurar esse equilíbrio democrático, impõe-se a existência de
um Poder Judiciário efetivamente independente, principalmente no que diz respeito à
28
MAINWARING, Scott. Democracia Presidencialista multipartidária: O caso do Brasil. Lua Nova. São
Paulo. 1993. p. 21-74. In: ARCHANJO, Camila. O sistema de governo: Uma análise comparada entre
Portugal e Brasil. p. 34-35. In: ALEXANDRINO, José Melo (coord). Estudos sobre o constitucionalismo
no mundo de língua portuguesa, vol. III – O sistema político no Brasil e em Portugal, Lisboa: AAFDL,
2020.
29
Sobre mid-term elections, Sérgio Victor destacar que a legislatura nos Estados Unidos apresenta
característica particular de uma repetição de eleições por períodos relativamente curtos: a Câmara dos
Representantes é integralmente renovada de dois em dois anos e, na mesma altura, é renovado um terço
do Senado. VICTOR, Sérgio Antônio Ferreira. Presidencialismo de coalizão: exame do atual sistema de
governo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 81.
30
Ibidem.
31
No que se refere ao Sistema de freios e contrapesos, que é conhecido também por Teoria da
Separação dos Poderes, foi calcado por Montesquieu e consiste na noção do controle do poder
pelo próprio poder. Sustenta-se a concepção de que os distintos papéis desempenhados pelo
Estado devem se regularem por si mesmos. Logo, é preciso a instauração de três poderes
distintos – Executivo, Legislativo e Judiciário, em prol de haver mais segurança aos cidadãos e
às demandas sociais. MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat, Barão de La Brède e de. O espírito
das leis. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 166-167.
sua função de controle de constitucionalidade das leis, sendo esta função precípua da
Suprema Corte norte-americana desde o início do século XIX.32
Desde a Convenção da Filadélfia de 1787 até os dias atuais, o Presidencialismo
norte-americano, tal como fora formulado originalmente, mostra-se coerente com o
contexto histórico do país.
É importante, todavia, haver extrema cautela quanto à pretensa tentativa de
importar tal sistema a outras realidades distintas e que não se encontram,
essencialmente, competentes para implantar o funcionamento deste modelo. Este é o
ponto que se buscará analisar a seguir.
Com isso, nota-se que o Presidencialismo tende a não ser compatível com a
Democracia. Nessa perspectiva, o autor Jorge Reis Novais41 explica essa questão a partir
do referencial norte-americano, ou seja, a partir do Presidencialismo clássico. Neste
ponto, questiona-se: Por que o Presidencialismo apenas funciona nos EUA?
Segundo o referido autor, a resposta central desta questão está na natureza dos
partidos políticos e na vida política norte-americana. Nos Estados Unidos, os sistemas
36
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2000, p. 393.
37
ARMIENTO, Angel Tuirán. Democracia presidencialista y equilíbrio institucional em Latinoamérica.
In: MENDOZA, Carlos E. et al. Gusmán. Política y derecho. Retos para el siglo XXI. Barranquilla:
Ediciones Uninorte, 2010, p. 161-162. In: ARCHANJO, Camila. O sistema de governo: Uma análise
comparada entre Portugal e Brasil. p. 36-37. In: ALEXANDRINO, José Melo (coord). Estudos sobre o
constitucionalismo no mundo de língua portuguesa, vol. III – O sistema político no Brasil e em Portugal,
Lisboa: AAFDL, 2020.
38
LINZ, J. Juan, Presidential or Parliamentary Democracy: Does it make a Difference?, em The Failure of
Presidential Democracy: Comparative Perspectives, ed. Juan J. Linz e Arturo Valenzuela (Baltimore,
MD: Johns Hopkins University Press, 1994), 57-59.
39
NOVAIS, Jorge Reis. Teoria das Formas políticas e dos sistemas de governo. Lisboa: AAFDL. 2ª
edição. 2019. p. 200-207.
40
LINZ, J. Juan, The virtues of Parliamentarism. In Journal of Democracy, Vol. 1, n.4, 1990.
41
NOVAIS, Jorge Reis. Teoria das Formas políticas e dos sistemas de governo. Lisboa: AAFDL. 2ª
edição. 2019. p. 200-207.
partidário e eleitoral são demasiadamente complexos, ao passo que a forma como estes
estão articulados juridicamente é compatível com a rigidez do seu sistema.
42
"Filibuster" permite que qualquer partido, tenha esse uma maioria ou não, comece um debate sobre a
proposta em questão, que apenas pode ser terminado com uma super-maioria de 60%. Disponível em
<www.jpn.up.pt/2021/04/12/o-que-e-o-filibuster-a-antiga-regra-nao-escrita-que-deixa-o-senado-em-
bloqueio/>. Acessado em 16 de maio de 2021.
43
SARTORI, Giovanni. Engenharia Constitucional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. p.
108.
Pelo todo exposto, extrai-se que o Presidencialismo norte-americano somente é
exportável para contextos políticos onde o risco de tensão ou bloqueio entre o
Presidente e o Parlamento seja praticamente nulo, e que haja efetivo equilíbrio e
separação de poderes políticos.
44
NOVAIS, Jorge Reis. Semipresidencialismo. Volume I – Teoria do sistema de governo
semipresidencial. Coimbra: Almedina, 2007. p. 85.
45
LINZ, J. Juan, The virtues of Parliamentarism. In Journal of Democracy, Vol. 1, n.4, 1990.
46
LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e processo
decisório. Novos estud. - CEBRAP, São Paulo, n. 76, 2006, p. 17-41.
47
MORAIS, Carlos Blanco de. O sistema político. No contexto da erosão da democracia representativa.
Coimbra: Almedina. 2017, p. 402-408; NOVAIS, Jorge Reis. Teoria das Formas políticas e dos sistemas
de governo. Lisboa: AAFDL. 2017, p. 190-194.
48
NOVAIS, Jorge Reis. Teoria das Formas políticas e dos sistemas de governo. Lisboa: AAFDL. 2ª
edição, 2019, pp. 207 ss., 211 ss., 241 ss.
Imaculada Milani49 sustenta que a partir da Constituição de 1946, o sistema
brasileiro classifica-se como misto, ao resultar de uma junção de características dos
sistemas puros presidencialista e parlamentarista.
Para exemplificar essa combinação de sistemas, pode-se citar, por exemplo, a
introdução de características típicas do parlamentarismo ao Presidencialismo brasileiro,
tal como a existência de grandes coligações para que o Presidente consiga executar seu
plano de governo, bem como o uso do impeachment como moção de censura; influência
do poder presidencial a partir do seu apoio com o Parlamento; dentre outras.
Dito isto, importa, então, analisar o contexto histórico e político brasileiro que,
em certa medida, estruturou o sistema de governo até hoje adotado pelo país.
49
MILANI, Imaculada. Presidencialismo e Parlamentarismo. In: BASTOS, Celso Seixas Ribeiro /
MARTINS, Ives Gandra da Silva (coords). Parlamentarismo ou presidencialismo? Rio de Janeiro.
Forense: Academia Internacional de Direito Econômico e Economia, 1987, p. 81. In: ARCHANJO,
Camila. O sistema de governo: Uma análise comparada entre Portugal e Brasil. p. 84-85. In:
ALEXANDRINO, José Melo (coord). Estudos sobre o constitucionalismo no mundo de língua
portuguesa, vol. III – O sistema político no Brasil e em Portugal, Lisboa: AAFDL, 2020.
50
BONAVIDES, Paulo, ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. Porto: Editora Portucalense,
p. 455.
51
BERTONCELO, Edison Ricardo Emiliano. Eu quero votar para Presidente: uma análise sobre a Campanha
das Diretas. In: Lua Nova (online) 2009. Disponível em <
https://www.redalyc.org/pdf/673/67313619006.pdf>. Acessado em 02 de fevereiro de 2021.
constituinte congressual e parlamentar, fruto da conjunção das duas câmaras do
Legislativo.52
Desde a época da aludida comissão provisória já havia questionamento no que diz
respeito ao sistema de governo seria adotado no país. Aliás, destaca-se que chegou a ser
proposto um sistema misto, de cunho parlamentar, que muito se assemelhava ao
português53, uma vez que estabelecia o Presidente com poderes políticos proeminentes e a
existência de um “Presidente do conselho”, similar ao Primeiro-Ministro português.
Contudo, fato é que tal projeto não foi acatado por Sarney, e pelos constituintes da época54.
Com efeito, o sistema de governo selecionado foi o Presidencialismo. Vale-se
asseverar que o artigo 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da
CRFB/198855, a feitura de plebiscito em 1993, para que o povo confirmasse o sistema
adotado. Assim, em 1993, o plebiscito, com cerca de mais 54% de votos da população,
ratificou o sistema como Presidencialismo e manteve a forma de governo como República.
Insta pontuar, ainda, que o sistema de governo brasileiro vigente deve ser
compreendido juntamente com a lógica de representação proporcional de lista aberta, e de
alta fragmentação partidária56, na medida em que a Constituição então promulgada não
modificou o sistema eleitoral nesse sentido.
Após essa breve análise do contexto pré-Constituição de 1988, seguindo o
entendimento de Vinícius Müller 57, em artigo publicado em 2020, podem ser apresentados
algumas características observadas no período pós-1988 sobre o assunto.
52
Emenda Constitucional nº 26/1985. Disponível em < https://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/>.
Acessado em 05 de fevereiro de 2021.
53
Artigos 232 e ss. do anteprojeto constitucional, elaborado pela Comissão Provisória de Estudos
Constitucionais, instituída pelo Decreto nº 91.450, de 18 de julho de 1985. Disponível em <
http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/constituinte/AfonsoArinos.pdf >. Acessado em 05 de fevereiro
de 2021.
54
BONAVIDES, Paulo, ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. Porto: Editora portucalense,
p. 457.
55
“Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (República ou
monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar
no País”. Este artigo foi alterado pela Emenda Constitucional nº 2, promulgada pelas Mesas da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal em 25 de agosto de 1992, e o plebiscito foi realizado em 21 de abril de 1993.
O que o professor Jorge Miranda compreende como inconstitucional porque a norma em questão era
inalterável mediante emenda constitucional (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Vol. 1,
tomo 1, Parte I. Editora Coimbra. 2014, p. 239).
56
SANTOS, FABIANO. O Poder Legislativo no presidencialismo de coalizão. Belo Horizonte: Editora
UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2003, p. 60-63. In: ARCHANJO, Camila. O sistema de governo: Uma
análise comparada entre Portugal e Brasil. p. 84-85. In: ALEXANDRINO, José Melo (coord). Estudos
sobre o constitucionalismo no mundo de língua portuguesa, vol. III – O sistema político no Brasil e em
Portugal, Lisboa: AAFDL, 2020.
57
MÜLLER, Vinícius, «A República em saltos (Parte II), in Estadão/Estado da Arte, 28 de abril de 2020.
Disponível em <https://estadodaarte.estadao.com.br/republica-saltos-ii-muller/>. Acessado em 05 de julho de
2021.
De acordo com o autor, em um primeiro momento, há certa estabilidade política,
de modo que sua estrutura partidária propiciou o que se convencionou denominar
de Presidencialismo de coalizão58. Surgiu, pois, a necessidade de arranjos do Presidente
com um Parlamento dividido em variados partidos59, ou seja, o arranjo em coligações
partidárias.
Nessa fase, há maior estabilização do sistema e crescimento do país. Tem-se uma
alternância de poder político e implementação de políticas de centro e de esquerda. O
Presidente passa a ser o articulador das maiorias no Congresso, passando a ser o centro da
vida política através da articulação (“coalizões em alta”). O poder político é centrado no
Presidente e no Supremo Tribunal Federal.
Ressalta-se que, nesse período, os Presidentes que conseguiram se articular com a
maioria do Parlamento, puderam governar e terminar seus mandatos. Aqui, destacam-se
Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva. Por outro lado, os que não conseguiram,
acabaram por sofrer o processo de impeachment, tal como Collor de Mello e Dilma
Rousseff.
Após essa fase, instaura-se uma grave crise econômica resultante dos desvios de
corrupção, altos gastos com políticas públicas e má gestão dos recursos estatais, bem como
a crise dos mercados internacionais a partir de 2009. O que segundo o referido Autor, gera-
se, pois, um “esgotamento do arranjo das últimas décadas”, colocando-se em xeque a
democracia, a estabilidade econômica e a proteção social60.
Mais tarde, sobretudo, após o impeachment de Dilma, decorrente da alta crise
econômica, financeira e social e sua incapacidade de articulação com o Congresso, a partir
de 2016, há um período de fragilização do Presidente. Com isso, o poder político acabou
por ser deslocado para o Legislativo, na figura do Congresso, bem como para o Judiciário,
na figura do Supremo Tribunal Federal. O centro da vida política brasileira não está mais
no Presidente como articulador, tal como era anteriormente. Ganha, aqui, relevância as
maiorias do Senado e da Câmara.
Ainda é cedo para concluir traços sobre o Presidencialismo brasileiro no governo
de Jair Bolsonaro. Porém, desde já pode-se observar que o Presidente, nos primeiros meses
de governo, considerou que a velha política de coligação entre os partidos poderia ser bem
58
Sobre o Presidencialismo de coalizão, destaca-se que este tema será objetivo de capítulo próprio mais
adiante. Para mais informações: ABRANCHES, Sérgio Henrique. O presidencialismo de coalizão: o
dilema institucional brasileiro, Dados – Revista de Ciências Sociais, v. 31, n.1, 1988. p. 5-34.
59
Ibidem.
60
Ibidem.
sucedida e, então, tentou se articular para obter uma maioria no Congresso, porém não foi
bem sucedido.
De modo que, no fim, ele acabou por não possuir controle da agenda política
brasileira, ao passo em que a sua articulação política do governo no Congresso é quase
nula61. Assim, falta autonomia do Executivo para bancar os acordos e debater assuntos de
relevante interesse social, como saúde, educação e ambiente.
Realizado este apanhado histórico, o próximo passo será propor uma descrição
jurídica sobre as características do Presidencialismo brasileiro, nomeadamente, no que se
refere à interação entre o Executivo e Legislativo.
65
Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal.
Parágrafo único. Cada legislatura terá a duração de quatro anos.
66
Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema
proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.
§ 1º O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será
estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários,
no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais
de setenta Deputados
§ 2º Cada Território elegerá quatro Deputados.
67
Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo
o princípio majoritário.
§ 1º Cada Estado e o Distrito Federal elegerão três Senadores, com mandato de oito anos.
§ 2º A representação de cada Estado e do Distrito Federal será renovada de quatro em quatro anos,
alternadamente, por um e dois terços.
§ 3º Cada Senador será eleito com dois suplentes.
68
ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro. São
Paulo: Companhia das letras. cap. 1. 2018 (ebook).
69
Ibidem. cap. 5.
Nesse contexto, Carlos Blanco70 pontua como problemas centrais do
presidencialismo brasileiro, por exemplo, fatores como: i) A violação da separação de
poderes, na medida em que o Presidente possui vastos poderes legislativos (excesso de uso
de medidas provisórias) e controla a agenda legislativa do Congresso, e que o STF assume
um papel de “legislador constitucional”, ao interpretar a Constituição e tentar suprir a
inércia do Legislativo; ii) O Presidente como posição de liderança até 2015, quando o
Congresso recupera a iniciativa política, e constitui um dos determinantes do
funcionamento do referido sistema de governo; iii) O sistema partidário fluído e
desestruturado com elevada fragmentação parlamentar; iv) O crescimento do STF como
“super Tribunal Constitucional”, destacando-se prerrogativas abusivas por parte desta
Corte que acaba por exercer substancialmente todos os poderes do Estado.
Ainda com o objetivo de ressaltar características gerais sobre o Presidencialismo
brasileiro, cumpre ressaltar, ainda, estudos sobre o assunto realizados por Sérgio Ferreira
Vitor71, os quais confirmam a noção de que, pelo menos, entre 1995 e 2015, o
presidencialismo brasileiro e a representação proporcional garantiram certa estabilidade
política e governabilidade, por conta da intensa articulação entre o Presidente, Congresso e
os grandes partidos de metagolização72.
Contudo, posteriormente, sobretudo, a partir de 2014, fatores como os grandes
escândalos de corrupção, a distribuição de verbas indevidas entre dirigentes e partidos de
coligação, financiamento ilegal de partidos (fenômeno chamado de “caixa 2”),
comprometeram profundamente tal estabilidade, colocando-se em pauta a mudança para
outro sistema em vista dos prejuízos do Presidencialismo até então verificado73.
Apresentado, então, o contexto geral acerca das dificuldades de funcionamento do
Presidencialismo brasileiro no plano fático, a seguir buscar-se-á identificar e desenvolver
70
MORAIS, Carlos Blanco de. O sistema político. No contexto da erosão da democracia representativa.
Coimbra: Almedina, 2019. p. 415 e ss.
71
VICTOR, Sérgio Antônio Ferreira. Presidencialismo de coalizão: Exame do atual sistema de governo
brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 96 e ss.
72
Segundo Carlos Blanco, “(...) a liderança presidencial logrou impor-se no Congresso sobre pequenos e
grandes partidos de metagoligação através de chefes de bancada articulados com o Palácio do Planalto,
o qual reforçado pelo imenso poder legislativo do Executivo concretizado através de medidas
provisórias, garantiu uma estabilidade razoável na governação.” vide MORAIS, Carlos Blanco de. O
sistema político. No contexto da erosão da democracia representativa. Coimbra: Almedina, 2019. p. 408.
73
Sobre o Presidencialismo brasileiro em termos de funcionamento prático, vide MORAIS, Alexandre de.
Presidencialismo. 1ª ed., São Paulo: Atlas. 2004; CARLOS PERIRA-TIMOTHY POWE-ERIC RAILE.
Presidencialismo de Coalizão e Recompensas Paralelas: explicando o escândalo do mensalão in AAVV.
Legislativo brasileiro em Perspectiva comparada. Org. Magna Inácio Lucio Renno. Belo Horizonte. 2009.
p. 207 e ss; MENDES, Gilmar Ferreira. GONET, Paulo Branco. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo. 2015. p. 885 e ss.
melhor cada um dos principais problemas referidos designadamente no que dizem respeito
ao comprometimento da relação entre Executivo e Legislativo no país.
74
ARCHANJO, Camila. O sistema de governo: Uma análise comparada entre Portugal e Brasil. p. 26.
In: ALEXANDRINO, José Melo (coord). Estudos sobre o constitucionalismo no mundo de língua
portuguesa, vol. III – O sistema político no Brasil e em Portugal, Lisboa: AAFDL, 2020.
75
NOVAIS, Jorge Reis. Teoria das Formas políticas e dos sistemas de governo. Lisboa: AAFDL. 2ª
edição, 2019, p. 200-210.
76
MORAIS, Carlos Blanco de. O sistema político. No contexto da erosão da democracia representativa.
Coimbra: Almedina, 2019. p. 406-419.
77
Franco (1975, p. 66) in TAVARES, Marcelo Leonardo. Semipresidencialismo no Brasil: por que não?
Revista de informação legislativa: RIL, v. 54, n. 215, p. 66-67, jul./set. 2017. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/54/215/ril_v54_n215_p59>. Acessado em 10 de abril de 2021.
candidato à Presidência e tenha a maioria necessária junto ao Legislativo 78. Tem-se,
assim, que o modelo de coligações eleitorais e de voto proporcional em eleições
coincidentes, terminaram por incentivar maior fragmentação partidária.79
Nesse âmbito, Luís Roberto Barroso80 sustenta que o modelo presidencialista,
aliado ao sistema eleitoral proporcional de lista aberta, provoca uma relação conflituosa
entre Executivo e Legislativo, marcada por tensões e cooptações. O Presidente da
República, ao acumular a chefia de Estado e a de Governo, sem gozar de participação
direta do Congresso, não consegue governar sem o apoio deste.
Isto posto, o Executivo e Legislativo acabam por ser vincularem em
negociações personalizadas, onde o interesse público cede aos interesses eleitorais,
quando não a objetivos privados ou patrimoniais.81
Paulatinamente, ganha mais espaço na doutrina jurídica brasileira a defesa de
que, no Brasil, a eleição para a Câmara dos Deputados utilize o voto majoritário em dois
turnos combinado com o proporcional em lista fechada em número reduzido de
cadeiras.82 Ou seja, em termos de reforma do sistema eleitoral brasileiro, muito se
defende a implementação de um modelo distrital misto em detrimento do vigente
sistema eleitoral proporcional de lista aberta.
A eleição com escrutínio majoritário em dois turnos estimula as coligações
partidárias nos distritos, minorando o número de partidos políticos com chance de
sucesso para a formação de maioria, com isso, tende-se a não eleger o pensamento
político radical. Os malefícios do voto majoritário, tais como a sub-representação de
minorias e o enfraquecimento do papel do partido político nas deliberações políticas,
podem ser reduzidos com a eleição de parte das cadeiras por meio do sistema
proporcional.83
Já no que diz respeito ao sistema partidário, observa-se que, no Brasil, os
líderes dos partidos também se sobressaem enquanto controladores das votações no
78
ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro.
São Paulo: Companhia das letras.cap. 5. 2018 (ebook).
79
ARCHANJO, Camila. O sistema de governo: Uma análise comparada entre Portugal e Brasil. p. 34.
In: ALEXANDRINO, José Melo (coord). Estudos sobre o constitucionalismo no mundo de língua
portuguesa, vol. III – O sistema político no Brasil e em Portugal, Lisboa: AAFDL, 2020.
80
BARROSO, Luís Roberto. A Reforma Política: Uma proposta de sistema de governo, eleitoral e
partidário para o Brasil. Instituto Ideias. Revista de direito do Estado e Ações Sociais. Rio de Janeiro,
Renovar, 2006. n. 3, p. 287–360.
81
Ibidem.
82
Ibidem.
83
CINTRA, Antonio Octávio. Algumas ideias para a engenharia institucional da consolidação
democrática. In: LAMOUNIER, Bolívar; NOHLEN, Dieter (Org.). Presidencialismo ou Parlamentarismo:
perspectivas sobre a reorganização institucional brasileira. São Paulo: Edições Loyola, 1993. p. 215.
Parlamento, ao passo que junto ao Executivo detêm maior poder de barganha para a
formação das coligações partidárias, que são caras aos Presidentes.
Cumpre ressaltar também a importância dos partidos políticos no Brasil, na
medida em que estes possuem alto poder de influência sobre o candidato à Presidência
da República, cargos de relevância do governo, e dos líderes de bancada, através de
processos pouco transparentes, os quais definem os resultados das votações dos
principais projetos do governo junto ao Congresso Nacional.84
Cumpre destacar que os líderes das Casas legislativas possuem uma função
essencial no Sistema de governo brasileiro, pois decidem a pauta das mesmas e
compõem as comissões parlamentares responsáveis por analisarem projetos antes de
serem votados. Eles são, pois, centrais na relação das coligações entre os parlamentares
e o Presidente.
Nesta medida, tendo em vista tamanha importância dos partidos políticos no
Brasil, em termos de reforma do seu sistema partidário, impõe-se o aprimoramento de
regras de fidelidade partidária e limitações à fragmentação dos partidos políticos.85
Conclui-se, neste ponto, que as alterações sugeridas quanto ao sistema eleitoral
e partidário proporcionariam maiores condições para o incentivo de práticas políticas
mais democráticas e transparentes. O que se propõe, a partir disto, é o aprofundamento
da reflexão acerca da concentração de poderes por parte do Executivo no Brasil, afim de
se ajustar os parâmetros de relacionamento entre os Poderes.
84
FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na nova ordem
constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 10.
85
BARROSO, Luís Roberto. A Reforma Política: Uma proposta de sistema de governo, eleitoral e
partidário para o Brasil. Instituto Ideias. Revista de direito do Estado e Ações Sociais. Rio de Janeiro,
Renovar, 2006. n. 3, p. 287–360.
86
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 1ª ed. 1. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2021, p. 478.
ministros, e ministros do STF e de outros tribunais, propor ações de controle de
constitucionalidade, decretar intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio,
nomear o presidente do Banco Central, dentre outros. Contudo, a citada concentração
resta por colocar o Presidente em conjunturas de demasiada exposição.
O Presidente da República, ao reunir o papel de chefe de Estado e de Governo,
frente à instabilidade da coligação que o ampara, acaba por exercer seu mandato de
modo a ficar excessivamente exposto, em que qualquer crise na Administração pública
é apontada como de sua responsabilidade. 87
Isto resulta, eventualmente, em uma corrosão de sua capacidade de
governação, bem como na danificação de sua legitimidade, que fora alcançada pela via
democrática, por meio do sufrágio universal.88
Segundo Afonso da Silva89, em quase todos os estudos que objetivam
classificar os poderes de presidentes em Democracias presidencialistas, o presidente do
Brasil apresenta-se entre os mais poderosos. Por mais que o exercício de algumas de
suas atribuições seja influenciado por sua relação com outras instituições,
designadamente do Congresso, ainda assim resta evidente que o Presidente da
República toma a centralidade do sistema político no país.
Nessa perspectiva, muitos autores criam diferentes expressões para designar
esse fenômeno de excesso de poderes no Presidente. O sociólogo Régis Castro de
Andrade90 assevera que o sistema de governo brasileiro é “ultrapresidencialista” no
exato sentido de se caracterizar por essa alta concentração do poder de governo no
Executivo.
Observa-se, nesse cenário, que a concentração de poderes do Presidente motiva
a inexistência de partidos fortes, coesos, programáticos, que por sua vez provoca
justamente o fortalecimento do Chefe de Estado. Ou seja, o sistema partidário
fragmentado é, simultaneamente, uma das causas e consequências da propagação de
políticos individualistas, os quais tendem a desenvolver uma relação clientelista com
seu eleitorado (“troca de favores por votos”).
87
TAVARES, Marcelo Leonardo. Semipresidencialismo no Brasil: por que não? Revista de Informação
Legislativa – RIL, v. 54, n. 215, p. 59, jul/set. 2017. jul./set. 2017. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/54/215/ril_v54_n215_p59>. Acessado em 10 de abril de 2021.
88
Ibidem.
89
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 1ª ed. 1. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2021, p. 478.
90
ANDRADE, Régis De Castro. Presidencialismo e reforma institucional no Brasil. In: Lua Nova, São
Paulo, n. 24, 1991, p. 9. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451991000200002>.
Acessado em 10 de abril de 2021. O autor segue a linha do pensamento do politólogo Sérgio Abranches
no que se refere ao fenômeno do presidencialismo de coalizão no Brasil.
E no que se refere à elaboração da Constituição brasileira vigente, tem-se que,
na ocasião, os constituintes de 1987 possuíam grande desconfiança do Legislativo, no
sentido de que este seria dotado de conservadorismo e morosidade. Assim, para
compensarem isto, atribuíram forças desproporcionais entre os poderes políticos. Como
resultado, o poder Executivo foi robustecido com o intuito de suplantar essa
desconfiança e inércia em relação ao Legislativo91.
Conforme mencionado anteriormente, um dos pontos que caracterizam a
concentração de poderes por parte do Executivo é o exercício deste sobre a agenda do
processo legislativo e sobre os gastos do governo.92 Fernando Limongi e Argelina
Figueiredo sustentam que o poder Executivo, no Brasil, se aproveita de tais poderes
como barganha para o alcance de seus interesses frente aos congressistas. Nesse cenário,
há a instauração de um federalismo concentrador, onde se verifica uma
discricionariedade do Executivo da União na figura do Presidente da República em
relação aos parlamentares.
E no que tange especialmente ao poder do Presidente de editar medidas
provisórias com força de lei, sem controle por parte do Congresso Nacional, levou ao
uso indevido e desmedido dessa atribuição.
É, neste âmbito, que Sérgio Resende 93 denominou o Presidencialismo brasileiro
marcado pela hipertrofia do Executivo, de “presidentismo”, uma vez que se verifica a
existência de excessivos poderes ao Presidente. Segundo o autor, no Brasil, em verdade
não, haveria um “Presidente da República”, mas uma “República do Presidente”.
Com vistas a contornar o uso desmedido da aludida medida, a Emenda
Constitucional nº 32/200194 limitou a possibilidade de reedição desta pelo Chefe do
Executivo, adotou um critério material de edição normativa, com base no art. 62, §1º, da
91
LIMONGI, Fernando. O Poder Executivo na Constituição de 1988. São Paulo:USP/CEBRAP, p. 3.
Texto disponibilizado pelo autor na plataforma academia.edu. Disponível em
<www.academia.edu/14157387O_Poder_Executivo_na _constituicao_de_1988>. Acessado em 15 de
maio de 2021.
92
FIGUEIREDO, Argelina C. e LIMONGI, Fernando. Instituições Políticas e Governabilidade:
Desempenho do Governo e Apoio Legislativo na Democracia Brasileira. In: C. Ranulfo Melo e M. A.
Saez (orgs.), A Democracia Brasileira: Balanço e Perspectivas para o Século XXI. Belo Horizonte,
Editora UFMG, 2007, p. 32-33.
93
BARROS, Sérgio Resende de. Medidas, Provisórias. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São
Paulo, n. 53, 2000. p. 81.
94
Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc32.htm>. Acessado em
20 de maio de 2021.
CF/8895, bem como atribuiu o prazo de sessenta dias renováveis por igual período para o
Congresso analisar a medida.
Dentro desse prazo, a pauta das casas legislativas fica bloqueada para discussão
da medida. Com efeito, é comum haver obstrução da pauta, pois não há limite
quantitativo para sua edição. Deste modo, tem-se que o poder Legislativo acaba por ser
restrito em sua produção legislativa.
Por outro lado, o Chefe do Executivo é dotado de amplo poder de agenda, na
medida em que pode editar medidas provisórias e detém iniciativa exclusiva em
determinadas matérias. Como resultado, tem-se uma ingerência do Presidente sobre a
agenda parlamentar.
Outra tentativa de reduzir tamanha ingerência do Executivo sobre o Legislativo
foi a promulgação da Emenda Constitucional nº 86/201596, que é voltada para a
programação orçamentária derivadas de emendas apresentadas pelos parlamentares
individualmente. E no mesmo sentido, a Emenda Constitucional nº 100/2019 97 obriga
a execução da programação orçamentária decorrentes de emendas ao Orçamento Geral
da União (Lei Orçamentária Anual) de parlamentares de Estado ou do Distrito Federal
As emendas supracitadas integram o denominado “Orçamento impositivo” ao
poder Executivo, o qual, na ocasião da análise do orçamento, é obrigado a destinar 1%
da receita corrente líquida do exercício anterior para a execução de projetos suscitados
por parlamentares98.
Objetiva-se com tias medidas, portanto, atenuar o poder presidencial sobre os
recursos da União através da imposição das despesas a serem definidas pelo poder
Legislativo, atribuindo-lhe maior centralidade. Com efeito, nota-se uma tênue
modificação quanto à agenda do Executivo para o Legislativo, em prol de se reduzir o
95
Art. 62, § 1º, CRFB/88. É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: a)
nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal,
processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira
e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos
adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; II – que vise a detenção ou sequestro
de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III – reservada a lei complementar; IV –
já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do
Presidente da República.
96
Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc86.htm >. Acessado em
20 de maio de 2021.
97
Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc100.htm>. Acessado em
20 de maio de 2021.
98
ABRAHAM, Marcus. A certeza da impositividade orçamentária. In: Genjurídico online. São Paulo, 05
julho 2019. Disponível em < http://genjuridico.com.br/2019/07/05/emenda-constitucional-100-
impositividade/>. Acessado em 11 de maio de 2021.
poder de barganha do Presidente (federalismo concentrador) e se aumentar o poder do
Congresso Nacional, sobretudo no que diz respeito às matérias orçamentárias.
Disto, extrai-se que o Chefe do Executivo possui um poder extremamente
personalizado, que sofre um tímido controle do Legislativo. Contudo, sob outra ótica,
ele resta submetido às pressões impostas pelas coligações, na medida em que está
sujeito a ela para assegurar sua governabilidade e tentar executar seu plano de
governo.99 E é este o assunto que se pretende desenvolver a seguir.
99
TAVARES, Marcelo Leonardo. Semipresidencialismo no Brasil: por que não? Revista de Informação
Legislativa – RIL, v. 54, n. 215, p. 59, jul/set. 2017. jul./set. 2017. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/54/215/ril_v54_n215_p59>. Acessado em 11 de maio de 2021.
100
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 1ª ed. 1. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2021, p. 479-480.
101
Ibidem.
É neste exato sentido que o cientista Sérgio Abranches 102 consagrou o termo
Presidencialismo de coalização103 para tratar do aludido fenômeno verificado quanto ao
sistema de governo existente no Brasil, até mesmo anterior à Constituição de 1988.
Essa aliança entre dois ou mais partidos, após as eleições, com o intuito de
compor uma maioria para a formação do governo, que é denominada de coalizão acaba por
aproximar muito o presidencialismo brasileiro aos sistemas parlamentaristas
multipartidários.104 Isto porque, no modelo parlamentarista, há uma típica dependência do
governo às conformações do poder Legislativo.
Uma outra questão que aqui se impõe é que, por definição, não há uma separação rígida
entre os poderes políticos, em que pese o sistema seja entendido como presidencialista,
vez que o Presidente tem ingerência direta sobre o poder legislativo.
Temos, então, que no Brasil predomina uma lógica de governabilidade que implica num
maior grau de conflito, uma vez que o Presidente eleito para chefiar o Executivo não
pode ser deposto em caso de discordância do legislativo. O Presidente só deixa o cargo
quando do fim de seu mandato ou caso cometa algum crime que implique processo de
102
ABRANCHES, Sérgio Henrique. O presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro, Dados
– Revista de Ciências Sociais, v. 31, n.1, 1988, p 21-28.
103
Na ocasião, Sérgio Abranches tratava do relacionamento entre os poderes na Constituição brasileira de
1946. Contudo, a expressão permanece hodierna, pois os atributos verificados em sua elaboração seguiram na
Constituição de 1988.
104
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 1ª ed. 1. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2021, p. 480.
impeachment. Percebe-se, de pronto, uma deficiência neste sistema de governo quanto à
resolução de desordens.
Por fim, uma diferença que se impõe pela própria qualificação dos sistemas de governo
adotados, diz respeito à responsabilidade do Governo perante o Parlamento, que ocorre
em Portugal, haja vista tratar-se de um sistema de base parlamentar, e não há no Brasil,
por ser presidencialista, em que pese existam autores que entendam ter havido uma
deturpação do impeachment, transformando-o numa espécie de moção de censura pelo
Parlamento para demissão do Presidente.
Assim, parte da doutrina tem apontado o uso do instituto do impeachment como uma
espécie de moção de desconfiança, para demissão do Presidente pelo Congresso238 .
Sérgio Abranches vai além, segundo ele, o impeachment resulta da perda de apoio
social pelo Presidente, o que implica uma dissolução da base parlamentar que o
sustentava politicamente e viabilizava seu governo239, mas frisa que este é um
instrumento inadequado para esta finalidade, por se tratar de um processo traumático,
que gera “ruptura política” e “descontinuidade institucional”, com a quebra da
expectativa de continuidade do mandato.
Isto, além de haver no Brasil uma insegurança quanto às regras do procedimento, pois
não há norma clara que reja o processo, dá-se, então, trato ocasional a um procedimento
de tamanha importância no sistema político brasileiro. E aqui surge uma outra
característica do sistema brasileiro que é a presença do STF enquanto moderador do
sistema. Há uma reconhecida judicialização da política, em que o Supremo Tribunal
Federal termina por ser utilizado como árbitro do sistema político, interferindo em
questões de natureza política240, o que é duramente criticado pela doutrina.
Num período de três décadas de democracia, o Brasil teve nove Presidentes245 , sendo
dois depostos em processo de impeachment. Fernando Collor do PRN246, primeiro
Presidente a ser eleito de forma direta através do voto popular em 1989, foi julgado e
renunciou ao cargo antes de ser oficialmente destituído em 1992, em razão de denúncias
de corrupção247. O segundo processo de impeachment foi imputado à primeira
Presidente do Brasil, Dilma Rousseff do PT248, em agosto de 2016249 .
Sérgio Abranches vai além: segundo ele, o impeachment resulta da perda de apoio
social pelo Presidente, o que implica numa dissolução da base parlamentar que o
sustentava politicamente e viabilizava seu governo250, mas frisa que este é um
instrumento inadequado para esta finalidade na medida em que causa uma ruptura
traumática ao sistema.
2.6. Legislativo e Executivo no plano das atribuições legislativas.
Engana-se quem pensa que esta é uma discussão recente. Desde o início do que
chamamos de Brasil, o sistema de governo a ser adotado é tema de calorosos debates.
Nos ateremos aqui à discussão da Constituinte de 1988 que nos traz reflexos até a
atualidade.
Como bem diz o professor José Filomeno, mais o que dependente do arranjo
institucional adotado como sistema de governo, o seu bom funcionamento depende do
azeitamento de suas engrenagens com os sistemas eleitoral e partidário, isso tudo
atrelado, ainda, à cultura política de seus agentes políticos.
O princípio da separação de poderes deve ser entendido menos como uma regra de
engessamento a respeito das relações entre poderes e mais como uma orientação de que
a organização dos poderes deve ser orientada para estabelecer freios e contrapesos e
para otimizar a governabilidade, sem descurar da legitimidade no exercício do poder
político. Com essa postura, o Direito estará contribuindo para o contínuo esforço de
construção de um arcabouço institucional propício ao desenvolvimento e
aperfeiçoamento da democracia.
STF: Não se pronunciou sobre o assunto quando teve oportunidade (MS 22.972 de
2018).
Ao longo dos últimos 30 anos, essas PECs buscavam modificar o sistema de governo
brasileiro, transformando-o em parlamentarista.
*O Senado protocolou, por engano, 1 ofício enviado pelo ministro do STF (Supremo
Tribunal Federal) e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Gilmar Mendes,
com ideias para a composição de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que
institui o sistema semipresidencialista no Brasil.
AS PROPOSTAS DE GILMAR
De acordo com as ideias apresentadas, seria criado o cargo de primeiro-ministro. Para
assumir o cargo, ele teria que ter, no mínimo, 35 anos de idade –a mesma exigida
atualmente para postulantes à Presidência. Leia a íntegra do texto.
Caso não seja aprovada em 2018, a aplicação só poderá ser feita em 2023. Esse
primeiro-ministro atuaria como chefe de governo. Já o presidente seria o chefe de
Estado e comandante supremo das Forças Armadas.
CONCLUSÃO
Para defender um sistema de governo para o Brasil que melhor equilibre a relação entre
o Legislativo e o Executivo, propor-se a atenuação do hiperpresidencialismo
brasileiro com um modelo semipresidencialista, inspirado pelo que existe na França e
em Portugal. Proposta: O Presidente da República seria eleito por voto direto e
conservaria competência importantes, mas limitadas – como, por exemplo, a condução
da política internacional, a indicação de embaixadores e de ministros de tribunais
superiores, a nomeação dos comandantes militares –, inclusive a de nomear o Primeiro
Ministro, que, todavia, dependeria de aprovação do Congresso. Já ao Primeiro
Ministro caberia a condução do dia a dia da política, sujeito às turbulências próprias
função. Em caso de perda de sustentação política, poderia ser substituído pela vontade
majoritária do Congresso, sem que isso importasse quebra da legalidade constitucional.
No semipresidencialismo, o Presidente da República, que desempenha a função de
chefe de Estado, é eleito diretamente pelo voto popular53. Circunstâncias da história
política do país nos últimos cinqüenta anos tornam esse aspecto um fator importante da
identidade constitucional brasileira54, sendo o voto direto, secreto, universal e periódico
uma cláusula pétrea do sistema (art. 60, § 4º, II)55. Por duas vezes o povo brasileiro já
se manifestou em plebiscito pelo presidencialismo – em 1963 e 1993. Além disso, o
movimento conhecido como “Diretas já”, que ao longo de 1984 clamava pela aprovação
de emenda constitucional instituindo eleições presidenciais por sufrágio popular, foi
uma das maiores mobilizações políticas da vida nacional. Acrescente-se ainda que, para
bem e para mal, o Executivo é tradicionalmente mais representativo que o Congresso.
Não por outra razão, a eleição do Presidente desperta na população interesse muito mais
acentuado que as eleições parlamentares. O semipresidencialismo, portanto, permite a
eleição direta do Presidente, traço essencial do sistema político brasileiro.
Por outro lado, o semipresidencialismo pode mitigar a tendência de dissensão entre o
Presidente e o Congresso, que é uma das agruras da política brasileira. Entre nós, o
modelo presidencialista, aliado ao sistema eleitoral proporcional de lista aberta, tem
produzido uma relação conturbada entre Executivo e Legislativo, assinalada por
conflitos e cooptações, com freqüente sucumbimento das virtudes republicanas. De fato,
o Presidente é eleito, passando a acumular a chefia de Estado e a de Governo, sem
qualquer participação direta do Congresso. Porém, não é possível governar sem o apoio
deste. Nesse ambiente, e tendo em conta a fragmentação do quadro partidário,
Executivo e Legislativo se envolvem em negociações personalizadas, nas quais muitas
vezes o interesse público cede aos interesses eleitorais, quando não a objetivos privados
ou patrimoniais.
O semipresidencialismo – conjugado com o sistema eleitoral distrital misto e com um
sistema partidário dotado de mais autenticidade e menor fragmentação – tem a virtude
de aprimorar o código de relação entre o Governo e o Parlamento e de facilitar o
exercício do poder, sem comprometer os mecanismos de controle. Assim, o Governo
somente se constitui por obra da maioria do Congresso, que a ele delega poderes
amplos. Na hipótese de esvaziamento desse apoio, novo Governo deverá ser formado.
Não sendo possível organizar uma maioria parlamentar em torno da constituição de um
Governo, será o caso de se dissolver o Congresso e se convocarem eleições
parlamentares. Assinale-se que, com o sistema eleitoral proposto no próximo tópico, os
pleitos eleitorais serão mais simples e baratos, com predominância de partidos e não de
indivíduos. O semipresidencialismo, portanto, contribui para Governos de maior base
política e para o desenvolvimento de relações mais saudáveis entre Executivo e
Legislativo, pautadas por articulações institucionais e partidárias, não por negociações
pessoais.
Nesse contexto, há um maior controle político sobre os atos do Governo. No
semipresidencialismo, tal controle é feito indiretamente pelo Parlamento ou pelo
Presidente, mas também diretamente pelo povo, nas ocasiões em que o chefe de Estado
dissolve o Parlamento. Assim, a crise pode ser solucionada tanto através de uma mera
alteração de Gabinete, quanto da realização de novas eleições. Se o Gabinete está em
desacordo com o que pensa a maioria do Parlamento, o Gabinete cai. Se é o Parlamento
que se confronta com a vontade popular, é o Parlamento que é dissolvido. O povo tem,
então, o poder de solucionar o impasse, dando a última palavra acerca de quais devem
ser os rumos a serem seguidos pelo país.
Do que se vem expondo até aqui, extrai-se o potencial do semipresidencialismo para
propiciar governabilidade, pela separação adequada entre atos de Estado e ação política.
O Presidente da República, com mandato a prazo certo e a autoridade institucional
indisputável – que incluem a participação na indicação do Primeiro-Ministro e o poder
de dissolução do Parlamento –, é o guardião da estabilidade e da ordem constitucional.
O Primeiro-Ministro e o Gabinete, a seu turno, atuam no front mais inóspito das ações
políticas e das transformações sociais, sujeitos às turbulências do quotidiano do poder.
As crises políticas dificilmente se transformam em crises institucionais e são
neutralizáveis, como regra geral, por institutos como voto de confiança, destituição do
Governo ou convocação de eleições.
Naturalmente, esses poderes típicos do modelo parlamentarista deverão ser exercidos
com moderação e visão de estadista. A destituição reiterada de Governos, por motivos
triviais, constitituir-se-ia em fator de instabilidade e de desarmonia entre os órgãos de
poder. De outra parte, a dissolução do Parlamento somente se justifica quando da
ausência de uma maioria estável, capaz de formar Governos duráveis, ou quando tal
maioria se mostre em flagrante descompasso com a vontade popular56. Devem-se
considerar, a propósito, algumas válvulas de segurança, como por exemplo: a) a
impossibilidade de demissão do Primeiro-Ministro antes de transcorrido um prazo
mínimo de sua nomeação (seis meses, por exemplo), salvo quorum elevadíssimo; (b) a
obrigatoriedade de indicação prévia do nome do sucessor do Primeiro-Ministro, pelos
parlamentares, para que possa ser válida a moção de desconfiança57; e (c) a
impossibilidade de dissolução do Parlamento antes de determinado prazo após as
eleições (dois anos, por exemplo), dentre outras que podem ser cogitadas.
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