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Apresentação
O Direito sem atividade interpretativa seria algo completamente vazio e vão, pois todos os
dispositivos legais sequer poderiam ser considerados um ordenamento jurídico propriamente dito,
não passando de um conjunto de sinais sem o menor sentido. Além disso, dado que um dispositivo
legal qualquer suscita uma multiplicidade de interpretações possíveis, faz-se necessário encontrar
critérios e métodos para se estabelecer, dentre elas, quais são boas e quais não são. Como você
verá, é justamente nesse contexto que entra em cena a questão da hermenêutica.
Bons estudos.
Você e sua mãe estão conversando sobre a importância da atividade interpretativa para a própria
compreensão da realidade. Quanto a isso, você ressalta que se ela não fosse capaz de interpretar as
coisas, sequer poderia pensar sobre elas. Ao ouvir isso, sua mãe pergunta se existe algum modo de
distinguir boas e más interpretações. Você diz que isso é uma questão de hermenêutica.
Diante desse contexto, você deverá explicar para sua mãe a diferença entre hermenêutica e
interpretação.
Infográfico
No infográfico a seguir, você vai entender, em linhas gerais, em que consiste a hermenêutica
filosófica. Além disso, você vai conhecer quem foi Hans-Georg Gadamer e como ele pode
contribuir com os conceitos aqui abordados.
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Conteúdo do Livro
É importante destacar que uma das questões mais importantes no contexto da hermenêutica
jurídica diz respeito à relação entre a interpretação e a aplicação do Direito. Tendo isso em mente,
enquanto a interpretação visa elucidar a norma jurídica que abstratamente pode ser extraída de
um determinado texto legal qualquer, a aplicação visa justamente adequar a norma ao caso
concreto.
No capítulo Hermenêutica filosófica, da obra Filosofia Geral e Jurídica, você vai estudar sobre
a hermenêutica jurídica e sobre a importância da interpretação para a explicitação do sentido dos
dispositivos legais editados pelo legislador.
Boa Leitura.
FILOSOFIA GERAL E
JURÍDICA
Introdução
Sem atividade interpretativa, o Direito seria completamente vazio e vão,
pois todos os dispositivos legais sequer poderiam ser considerados um
ordenamento jurídico propriamente dito, não passando de um conjunto
de sinais sem o menor sentido. Além disso, dado que um dispositivo
legal qualquer suscita uma multiplicidade de interpretações possíveis, é
necessário encontrar critérios e métodos para se estabelecer quais são
boas e quais não são. Como você verá, é justamente nesse contexto que
entra em cena a questão da hermenêutica.
Neste capítulo, você vai refletir sobre a questão da hermenêutica e da
interpretação dos dispositivos legais. Aprenderá sobre a hermenêutica
filosófica de Gadamer, bem como sobre a sua influência para o Direito.
Interpretação e hermenêutica
Embora seja muito comum considerar que nos distinguimos dos demais seres
em virtude da racionalidade, não seria nenhum exagero se tal distinção fosse
posta em função da nossa aptidão para interpretar as coisas. De modo geral,
interpretar é a atividade de atribuir sentido a alguma coisa: textos, sons,
imagens, estrelas, leis, etc. Tendo isso em mente, não é difícil compreender
que a atividade interpretativa é constitutiva da humanidade, pois, se não
2 Hermenêutica filosófica
Segundo a mitologia grega, Hermes, filho de Zeus com a ninfa Maia, é, entre outras
coisas, considerado o mensageiro dos deuses olimpianos. Um dos modos de com-
preender tal atribuição passa pela ideia de que os deuses e os homens não falavam
a mesma língua. Nesse contexto, a tarefa de Hermes era traduzir ou interpretar as
mensagens que os deuses pretendiam comunicar aos homens, de modo que eles
pudessem entendê-las. Com base nisso, torna-se possível concluir que, na sua origem, a
palavra hermenêutica está, sobretudo, ligada à atividade de tornar algo compreensível.
Agora, se esse é o caso, como devemos compreender a ligação entre a hermenêutica
e a interpretação? Seriam uma e a mesma coisa ou coisas distintas?
Hermenêutica filosófica 3
Agora, se esse é o caso, perceba que, sem uma interpretação que seja capaz
de transformar o texto legal em uma norma jurídica propriamente dita, a própria
questão da aplicação da norma ao caso concreto restaria, em alguma medida,
comprometida, pois, se não temos alguma compreensão da norma em abstrato,
sequer somos capazes de saber se ela é ou não aplicável ao caso concreto.
Nesse caso, parece natural considerar que existe uma espécie de primazia
da interpretação sobre a aplicação. Porém, na prática, isso estaria correto?
Embora, por muito tempo, a visão acerca da hermenêutica tenha sido que
ela tem total prioridade sobre a aplicação, contemporaneamente, tal concepção
passou a ser bastante questionada. Nesse contexto, valendo-se de tal questio-
namento, é possível apresentar pelo menos dois modos de conceber a própria
natureza da hermenêutica, bem como a sua função. De um lado, temos aquilo
que podemos chamar de hermenêutica moderna, ou clássica, e, de outro lado,
aquilo que podemos chamar de hermenêutica contemporânea.
de verdade fora, por assim dizer, empobrecido com o passar das gerações,
sobretudo no período moderno. Segundo ele, com o desenvolvimento das
ciências e do método científico, a noção de verdade acabou sendo cada vez
mais identificada com aquilo que a ciência reconhece como tal. Contra tal
posição, Gadamer (2002) defendeu que a verdade é um conceito que possui
uma multiplicidade de significados, não devendo ser identificada tão somente
com as verdades obtidas por meio das ciências.
Quanto a isso, é importante destacar que o filósofo não era especifica-
mente contra as ciências, tampouco desacreditava das verdades obtidas por
meio do método científico. Porém, como sugerido anteriormente, isso não
esgotaria por completo o campo da verdade. Nesse contexto, a sua ideia é
que verdade e verdade científica não são considerados termos sinônimos.
No entanto, se verdade não é um termo que pode ser redutível à sua acepção
científica, então como devemos compreendê-la?
Partindo de uma apurada análise dos grandes filósofos antigos, e contra
o reducionismo científico, Gadamer (2002) defendeu uma concepção mais
contextual e holista do conceito de verdade. Em linhas gerais, o conceito de
verdade é estabelecido em função da própria compreensão que certa comu-
nidade ou sociedade tem a respeito do termo. Quanto a isso, é importante
que você não confunda tal posição com a ideia de que não existem verdades
ou de que as verdades são puramente subjetivas. Ao contrário, além de
assumir que a noção de verdade é constitutiva de nossa própria existência,
Gadamer (2002) também não vê problemas com a ideia de verdades objetivas.
Porém, o próprio sistema no qual essas verdades estão inseridas é objeto de
convenção social. É justo em função disso que é possível falar em verdades
éticas, jurídicas, artísticas, técnicas, práticas, etc.
Para compreender melhor o ponto, é necessário tecer um breve comen-
tário sobre a compreensão gadameriana acerca da linguagem. Para ele,
diferentemente da visão herdada da tradição moderna, a linguagem não
consiste em um mero veículo utilizado para que possamos formular nossos
pensamentos, mas ela é, acima de tudo, o modo como a própria realidade
é compreendida e estruturada. Isto é, segundo ele, não é que a linguagem
seja utilizada meramente para expressar aquilo que experienciamos na
realidade, mas principalmente para que possamos compreender a nossa
própria existência enquanto seres. Ou seja, a nossa própria experiência das
coisas é moldada pela linguagem.
Hermenêutica filosófica 7
Se, do dia para a noite, você fosse parar em uma comunidade indígena da Amazônia que
nunca teve contato com a língua portuguesa nem com os nossos hábitos e costumes,
para compreendê-los, você teria que descobrir como eles usam as palavras, mas não
em um sentido trivial, como saber qual palavra eles usam para denotar árvore, chuva ou
fogo. Por si só, isso não faria com que você pudesse verdadeiramente compreendê-los.
Para compreendê-los de fato, você deveria entender os seus hábitos, bem como os
sentidos que estão vinculados às palavras. Nesse contexto, não bastaria saber que a
palavra fogo significa X, mas também que, quando eles a utilizam, estão invocando
certo deus Y, ou que isso faz parte de certo ritual Z, que possui um significado muito
profundo na sua cultura.
Tendo isso em mente, temos tudo que precisamos para introduzir a noção
de hermenêutica jurídica assim como concebida por Gadamer. Na introdução
da sua obra, ele afirma:
Um modo de ilustrar o ponto vem, por exemplo, do contraste entre a noção de peso
e gosto. Se você está carregando uma mochila que pesa 1 kg e adiciona dentro um
livro que pesa 1 kg, você estará carregando 2 kg. Nesse contexto, a ideia de peso não é
considerada holista, pois o todo pode ser completamente resolvido em função das suas
partes constituintes, sendo considerado uma composição atomista. No caso da ideia
de gosto, suponhamos que você goste de feijão e também de sorvete de chocolate.
Agora, se alguém oferecer para você um prato com feijão e sorvete, é muito provável
que diga que perdeu o apetite. Em função disso, a noção de gosto é identificada com
o holismo, pois o prato é considerado mais do que os ingredientes que o compõem.
Enquanto você está lendo essa sentença, começa com a sua preconcepção do que
as palavras significam e do que elas podem estar querendo significar na sentença.
Porém, depois que você termina a frase, você volta nas palavras que a compuseram
e avalia se a interpretação que estava atribuindo às palavras estava apropriada. Se
você tiver se equivocado acerca da intepretação do significado de alguma palavra,
revisará a sentença. Caso contrário, você seguirá com a leitura da próxima frase. Além
disso, o mesmo processo se repete no contexto de um parágrafo, um texto, uma
bibliografia inteira.
Hermenêutica jurídica
Como você já deve suspeitar, a hermenêutica jurídica é a disciplina que tem por
objetivo refletir sobre a questão da interpretação no contexto jurídico. Nesse
espectro, ela estabelece as bases e os métodos por meio dos quais os textos
legais podem se transformar em normas jurídicas, bem como trata da questão
da aplicação delas ao caso concreto. Quanto a isso, Carlos Maximiliano afirma
que “a hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos
processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do
Direito” (MAXIMILIANO, 1997, p. 17).
Como dito na primeira seção, um texto legal que não passou pelo crivo
da interpretação, rigorosamente falando, sequer pode ser considerado uma
norma jurídica, pois depende da explicitação do seu sentido e alcance via um
procedimento de interpretação. Em primeiro lugar, é importante que você
perceba que isso não significa que o texto legal não possa vir a ser considerado
literalmente uma norma jurídica. Porém, se esse for o caso, isso só significará
que um tal dispositivo legal recebeu uma interpretação literal. Nesse caso,
haverá uma coincidência entre o texto legal e a norma jurídica propriamente
dita. Seguindo essa linha, Eduardo Bittar e Guilherme Almeida, em Curso
de filosofia do Direito, afirmam que:
10 Hermenêutica filosófica
BITTAR, E. C. B.; ALMEIDA, G. A. Curso de filosofia do Direito.11. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
GADAMER. Eric Gerlach, Berkeley, 2015. Disponível em: <https://ericgerlachdotcom.
files.wordpress.com/2015/06/gadamer.jpg>. Acesso em: 16 fev. 2018.
GADAMER, H. G. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filo-
sófica. Petrópolis: Vozes, 2002.
MAXIMILIANO, C. Hermenêutica e aplicação do Direito. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1997.
Leituras recomendadas
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos Direitos humanos. 11. ed. São Paulo: Sa-
raiva, 2017.
FERRAZ JÚNIOR, T. S. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação.10.
ed. São Paulo: Atlas, 2018.
MASCARO, A. L. Filosofia do Direito. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
MORRIS, C. (Org.). Os grandes filósofos do Direito: leituras escolhidas em Direito. São
Paulo: Martins Fontes, 2002.
NADER, P. Filosofia do Direito. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
NADER, P. Introdução ao estudo do Direito. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
REALE, M. Introdução à filosofia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
REALE, M. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
VILLEY, M. Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Dica do Professor
Neste vídeo, de forma resumida, você vai ver que existem muitos métodos de interpretação dos
textos legais. Quanto a isso, é comum encontrar, na literatura sobre o tema, uma classificação que
distingue os métodos de interpretação quanto à sua origem, à sua natureza, bem como quanto aos
seus efeitos. Deixando de lado a classificação com relação à origem, bem como aos efeitos, gostaria
de chamar a sua atenção para cinco modos comuns de interpretar as normas no que diz respeito
à sua natureza. Para saber mais sobre isso, convido-lhe a assistir a dica do professor.
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Exercícios
E) A interpretação não pressupõe que as coisas possuam uma mensagem que deve ser
decodificada.
2) Uma das questões mais importantes no contexto da hermenêutica diz respeito à relação
entre a interpretação e a aplicação do Direito. A propósito disso, é correto afirmar:
A) A aplicação visa elucidar a norma jurídica que abstratamente pode ser extraída de um
determinado texto legal qualquer.
3) Hans-Georg Gadamer foi um filósofo da tradição continental, cuja principal obra foi Verdade
e método. A propósito das ideias contidas em tal obra, sobretudo no que diz respeito ao
conceito de verdade, é correto afirmar:
A) O primeiro passo para compreender o que a filosofia de Gadamer passa pela ideia de que o
sentido das coisas é atomista.
B) Com o método sistemático, valemo-nos das próprias leis do dispositivo normativo como um
todo para elucidar o sentido de dispositivos específicos que fazem parte dela.
C) A ideia por trás do método de interpretação teleológico é buscar a finalidade do texto legal.
D) O método histórico prega que, para explicitar o sentido da norma, não devemos buscar auxílio
no momento histórico em que a norma foi editada.
E) Na base do método axiológico está a busca pelo sentido literal do texto legal.
Na prática
Para que você agregue mais conhecimentos ao seu processo de aprendizagem, veja a seguir como
um futuro profissional explica a uma colega sobre a questão da distinção entre a interpretação e
aplicação do Direito. Dessa forma, você não vai deixar de continuar refletindo sobre a filosofia de
Gadamer.
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Saiba mais
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:
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