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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

História do Direito Português

Dr. Rui Figueiredo Marcos


Eduardo Figueiredo
2013/2014

Bibliografia:
ALMEIDA COSTA, Mário Júlio, História do Direito Português, 5ª edição, Almedina, 2012
FIGUEIREDO MARCOS, Rui Manuel de, A Legislação Pombalina, Almedina
FIGUEIREDO MARCOS, Rui Manuel de, A História do Direito e o seu Ensino na Escola de Coimbra, Almedina
Eduardo Figueiredo 2013/2014

Introdução

Considerações Preliminares. Plano da exposição.

1. Noção de História do Direito

Define-se História do Direito como a disciplina que descreve e explica as instituições e a vida jurídica
do passado, nos seus múltiplos aspetos normativos, práticos, científicos e culturais. Porém esta não se
confunde com o direito atual historicamente estudado, ou seja, com a análise do passado estrito do direito
que vigora nos nossos dias. É importante atentar também na história das instituições e princípios jurídicos
já abolidos e inexistentes na atualidade.
A orientação tradicional considera que a história do direito estuda a evolução dos sistemas jurídicos,
enquanto elemento aglutinador dos fenómenos jurídicos de cada época, ao longo do tempo e a sua
transformação. Realça-se assim o aspeto de disciplina histórica. A consideração através de um ângulo
jurídico salienta a sua utilidade para o jurista moderno, enquanto que, se partirmos de uma vertente mais
histórica, se adquire uma visão geral do homem e da sociedade. Estas duas perspetivas completam-se.
O interesse pela história do direito remonta ao século XVI e ao movimento humanista que considerava o
ius romanorum como apenas “mais um direito de muitos”. Porém, só alcança estatuto científico no século
XIX, quando se adota um método histórico-crítico. Na segunda metade do século XIX, a ciência histórica
chega mesmo a pretender assimilar a ciência jurídica, pois com a Escola Histórica “o passado não teria
apenas um valor pedagógico (…) mas um autêntico valor ontológico.”.
A contemplação do direito deve ser feita culturalmente, vinculando-o à realidade social e procurando
“erguer a história do direito até a um cume, onde conseguisse avistar a realidade jurídica na sua autêntica
integridade”.

1.1. A História do Direito como Ciência Histórica


A história pode ser classificada, segundo um critério divulgado (mas não pacífico), como história
narrativa, pragmática e genética.
A história narrativa tem como única finalidade a pura descrição dos factos e personagens do passado. É
a mais simples forma de conceber a disciplina histórica.
A história pragmática procura extrair do passado ensinamentos para orientação dos homens. A “lição da
história” traduz-se num conjunto de regras e princípios de conduta futura. Surgiu no século V a.C.
A história genética visa uma compreensão dos fatos, das ideias e das instituições do passado na sua
sequência ou dependência orgânica, dentro de um processo causal e teleológico. Traduz-se numa “história
científica” que usa métodos rigorosos de investigação. Só com a evolução dos alicerces culturais e
filosóficos, no séc. XVIII é que esta perspetiva surgiu. Destaca-se o contributo das reflexões kantianas e
positivistas.
A história do direito deve revestir-se de uma natureza essencialmente genética, procurando a
explicação dos fenómenos jurídicos do passado, aprofundando-se os motivos que levaram à origem e
transformação das instituições e princípios jurídicos.

1.2. A História do Direito como Ciência Jurídica


Há várias perspetivas que podem ser apontadas para o estudo do direito:
A perspetiva técnica ou dogmática entende o direito como um conjunto de normas vigentes que
disciplinam a vida social, encarando-as em si mesmas com a finalidade de as interpretar, sistematizar e
aplicar.
A perspetiva filosófica que coloca na órbita do jurídico, os problemas ou interrogações que constituem
o discurso filosófico. Destaca-se o problema do conhecimento, axiológico, ontológico… Vê o direito como
dimensão supratemporal, colocando-se estes problemas a respeito da ideia de direito independentemente

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da fórmula específica que assume em determinado momento histórico. Podemos falar de uma perspetiva
virada para o futuro.
A perspetiva histórica que estuda as instituições e os princípios jurídicos no seu passado, investigando
os seus precedentes e as causas da juridicidade do direito atual.

1.3. Uma compreensão integral do direito na história


A história do direito assume, graças á peculiaridade epistemológica de que a disciplina se reveste, o
caráter de ciência plenamente jurídica, mas também associada a um sólido estatuto cientifico-histórico. Se
a história do direito, tanto é o direito historicamente encarado, como o descerrar da sua historicidade,
tudo aconselha que se siga uma compreensão integral do fenómeno jurídico, desenvolvendo-se uma
ambivalência que estude as conexões sistemáticas e históricas de forma unitária. Porém, não devemos
descurar a perspetiva que nos fará ver o jurídico na história, sem nunca deixar de o predicar como jurídico
enquanto assimilado e objetivado por um pensamento específico.

2. Objeto da história do direito

Quanto ao objeto e conteúdo, a história do direito tem três áreas fundamentais que representam outras
subdisciplinas relacionadas, mas suscetiveis de estudo autónomo. São elas:

2.1. História das fontes


Esta assume diversos significados na terminologia jurídica: como sentido filosófico (como fundamento
da validade ou obrigatoriedade do direito), sentido político (como órgãos criadores do direito), sentido
técnico-jurídico ou formal (como modos de formação do direito), sentido material (como textos e diplomas
em que o direito se contém) e sentido sociológico (como fatores sociais que explicam a génese e o
conteúdo das normas jurídicas).
No que toca ao sentido filosófico, o problema prende-se com a filosofia do direito e sua história. No que
toca aos órgãos que emanam as normas jurídicas, trata-se de história do direito político e constitucional.
No seu sentido formal, pretende-se saber se o direito de um povo derivou, em certo momento histórico, da
lei, do costume, da jurisprudência ou da doutrina. Podemos identificar não uma exclusividade, mas
predominância de uma dessas fontes. Quanto aos diplomas que contêm as normas jurídicas, conclui-se que
a elaboração e técnica que preside à realização de códigos reflete os conceitos e o ambiente jurídico da
época. No seu sentido sociológico, defende-se que não se deve procurar um direito fora da circunstância ou
realidade me que se insere.

2.2. História das instituições


Esta área fundamental procura estudar o próprio direito tal como se acha contido nas normas jurídicas
das diferentes épocas. Esta análise engloba, ainda, o estudo aprofundado das instituições e análise do
ordenamento jurídico efetivamente seguido.
Importa distinguir um “direito prático”, enquanto aquele direito que realmente se adota (e que destaca
a sua existência entre os povos antigos e a sua resistência à observância de normas jurídicas inovadoras, em
detrimento de práticas consuetudinárias.), e um “direito oficial”, enquanto direito criado pelo legislador
sob a forma de normas contidas em diplomas legais.

2.3. História do pensamento jurídico


O conceito de pensamento jurídico é complexo, podendo ser considerado como um “operador do
direito” que desempenha uma função mediadora entre o mundo das normas ou dos valores jurídicos e a
vivência destes em situações concretas.
Assim, ocupa-se da atividade científica, cultural e também prática que, em cada época, sempre
acompanha o direito. Importa, ainda, a formação dos juristas, as correntes doutrinais e a literatura
jurídica.

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3. Classificações da História do Direito

3.1. História externa e história interna do direito (Leibniz)


A história interna constitui o que geralmente se chama história do direito, ocupando-se dos sistemas
jurídicos que vigoraram no passado em todos os seus aspetos. Procura o conhecimento do próprio sistema
jurídico em si.
A história externa tem como objeto o estudo dos fatores metajurídicos de ordem política, social,
económica, religiosa, cultural,etc… que exerceram influência na formação do direito das várias épocas.
Realiza, assim, a análise dos elementos exteriores a um sistema jurídico, mas que nele se repercutiram
direta ou indiretamente.

Crítica: só a história interna constitui autêntica história do direito, já que a história externa se trata de
uma história da civilização. Modernamente, criou-se um novo alcance ao conceito: história do direito é o
ramo da história jurídica que se ocupa das instituições e a história externa incide sobre as fontes de direito
do passado. Contudo, há quem continue a considerar esta distinção desadequada pois não esgota o objeto
da história do direito.

3.2. História geral e história especial do direito (Brunner)


A história geral pretende fornecer uma visão de conjunto do direito de cada época, através de uma
apreciação dos sucessivos sistemas jurídicos. Toda a história externa constitui história geral, mas o inverso
não se verifica. Ocupa-se do ambiente histórico em que se desenvolveu o direito de um povo, das suas
ideias, instituições que influenciaram o mundo jurídico.
A história especial dedica-se ao estudo monográfico e pormenorizado das várias instituições. Tem o
mesmo objeto que a história interna. Esta pondera minuciosamente as instituições jurídicas.

4. O método cronológico e o método monográfico na exposição da história do direito

São possíveis dois métodos nos estudos histórico-jurídicos: o cronológico e o monográfico.


O método cronológico consiste em expor as fontes, as instituições e o pensamento jurídico segundo
vários períodos estabelecidos, de forma a ficar-se com uma visão de conjunto de cada um deles. É usado
para o estudo da história geral.
Vantagem: permite uma visão em conjunto das instituições jurídicas num determinado momento
histórico.
Desvantagem: introduz na evolução das instituições certas quebras que ela na verdade não possui.

O método monográfico consiste numa análise da linha evolutiva das diversas instituições, consideradas
por si mesmas, sem a preocupação de avaliar as influências e interdependências, no mesmo ciclo histórico,
de umas em relação às outras. É usado no estuda da história especial e interna.
Vantagem: evita a desvantagem supramencionada.
Desvantagem: não consente o confronto das diversas instituições dentro do mesmo período histórico.

5. Enquadramento do direito português. Seus fatores básicos.

A ciência do direito comparado tem procurado reconduzir as várias ordens jurídicas atuais a alguns
sistemas ou famílias, reconhecendo-se a existência de vários direitos. Torna-se, assim, possível definir a
convergência dos diversos direitos em famílias e aproximá-los ou contrapô-los, de acordo com certos traços
de natureza substancial ou formal. Há quatro grandes sistemas jurídicos/famílias que têm sido apontadas:
a) Família romano-germânica: família na qual se incluem as ordens jurídicas da maior parte dos países
do Ocidente europeu continental, bem como as do que destes derivam, como a América Latina.
b) Família do Direito Comum (Common Law): Maioritariamente jurisprudencial e também designada de
anglo-americana.

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c) Família dos direitos socialistas: Abrange os anteriores ordenamentos dos países do leste europeu.
d) Família dos direitos religiosos e tradicionais: Nos primeiros incluímos o direito muçulmano, judaico
e hindu; nos segundos alguns direitos orientais e africanos.

O direito português integra-se na família do direito romano-germânico. Importa referir dois elementos:
o romano e o germânico. Deve-se, ainda, acrescentar o cristão.
a) Elemento Romano: Ocupa uma posição de relevo, estando nos alicerces da consciência jurídica
europeia contemporânea. O direito romano foi estudado desde a sua criação e a sua presença e
influência é significativa nos tempos modernos. Os romanos contribuíram para uma compreensão
espiritual do direito e a ideia de que ele se traduz numa criação do estado.
b) Elemento Cristão: Forneceu à consciência jurídica europeia valores muito significativos, primeiro
sobre a influência exercida sobre o direito romano e, mais tarde, pelo surgimento de uma ética
social cristã que tem vindo a modelar a consciência jurídica europeia.
c) Elemento Germânico: Trouxe uma compreensão específica ao direito europeu que determinou as
mudanças de onde partiram as formações estatais da Idade Média. É relevante o contato entre as
conceções e instituições romanas e outras provenientes do Volksrecht. («Direito Popular Alemão»)

6. Plano da exposição

Parte I. Análise do direito peninsular anterior à fundação da nacionalidade portuguesa


I.I Sistema jurídico primitivo ou ibérico
I.II Período Romano
I.III Período Germânico (Suevos e Visigodos)
I.IV Período da Conquista Árabe e Reconquista Cristã

Parte II. História do Direito Português propriamente dito

7. Formação e evolução da ciência da história do direito português

Como se desenvolveu a disciplina da história do direito português?


Na formação da historiografia nacional, destacam-se três grandes figuras: Mello Freire (fins do
século XVIII) para a sua criação; Gama Barros (séc. XIX-XX), para a sua individualização, e Paulo Mêrea (Séc.
XX) para a sua renovação.

7.1. Os estudos histórico-jurídicos anteriores À segunda metade do século XVIII


É no século XVIII que surge a disciplina da História do Direito Português, porque até essa época o direito
romano renascido e o direito canónico constituíam o objeto absorvente do ensino universitário e literatura
jurídica. O estudo do direito nacional era um exercício praticado num plano subalterno e sob orientação
dogmática. Existia, assim, um desinteresse pelas instituições e vida jurídica do passado.
Já antes do séc. XIX, o movimento renascentista trouxe uma nova forma de encarar os problemas
jurídicos, a que não era estranha uma certa orientação histórica. O incremento dos estudos históricos, de
matiz erudito, nos inícios do séc. XVIII, pode simbolizar-se com a Academia Real da História através de duas
contribuições principais:
 A recolha de inúmeras fontes de interesse histórico-jurídico – António Caetano de Sousa
 Trabalho bibliográfico de Diogo Barbosa Machado.

7.2. Criação da ciência da história do direito português


É na segunda metade do séc. XVIII que surge uma historiografia jurídica em moldes científicos,
definindo-se o conceito filosófico da disciplina, as suas preocupações metodológicas, etc… O racionalismo
(nas questões metodológicas e formais) e o iluminismo (no conteúdo normativo e historicidade)
contribuíram para a renovação da ciência jurídica.

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Estas ideias chegaram a Portugal numa época já tardia. O Iluminismo português revela influências
italianas. Destaca-se o contributo de Verney com a criação da obra “Verdadeiro método de estudar” que
atingia muitos aspetos da mentalidade portuguesa da época e dos diversos ramos do ensino em Portugal.
Quanto à Faculdade de Leis e de Cânones aconselha o método expositivo sintético-compendiário, indicando
o estudo do direito nacional e da sua história, bem como outras disciplinas que proporcionem uma conceção
viva da realidade social.
Procede-se a várias transformações no ensino universitário, nomeadamente no sector jurídico,
começando a lecionar-se direito pátrio e respetiva história. O Compêndio Histórico (1771) criou um
programa para a disciplina e exigia a criação de um compêndio elementar da disciplina a realizar pelo
professor. O primeiro foi criado por Mello Freire, considerado o fundador da história do direito português.
Destaca-se a Academia Real das Ciência (Caetano do Amaral, Anastácio de Figueiredo…) e Universidade de
Coimbra (coletânea de fontes e compilações de assentos dos tribunais superiores) e seus contributos.

7.3. Consolidação da história do direito português como disciplina científica


Destaca-se a obra de Alexandre Herculano e a sua influência sobre o espírito e a cultura portuguesa,
nomeadamente a nível historiográfico. O seu contributo traduz-se nos progressos introduzidos na ciência
geral da história e pelo estudo de alguns importantes temas histórico-jurídicos.
O séc. XIX marca o encontro dos cânones historiográficos românticos e o novo espírito científico. De
forma rigorosa e objetiva, apontava-se para o estrito conteúdo das fontes e para a compreensão dos
acontecimentos através de leis gerais. Herculano destaca-se por conseguir conciliar nos seus trabalhos a
historiografia e a novelística. São patentes na sua obra as diretrizes do seu espírito cientifico. Presidindo a
Real Academia das Ciências, Herculano divulgou fontes e procurou analisá-las. Destaca-se ainda com o
estudo de matérias jurídicas, nos mais variados campos, desde o direito público ao privado.

7.4. Individualização da historiografia jurídica portuguesa


Faltava, ainda, uma teoria historiológica especifica da esfera do direito. Esta individualização será feita
por Gama Barros nos inícios do século XX. Até então os temas predominantes eram a história externa,
fontes do direito e bibliografia de antigos jurisconsultos. A obra de Gama Barros teve um grande contributo,
individualizando a historiografia jurídica portuguesa. Denota grande influência de Savigny e do positivismo
da época.

7.5. Renovação moderna de ciência da história do direito português


A história do direito é, hoje, cultivada essencialmente nos meios universitários. Destaca-se o contributo
de Paulo Mêrea, com a publicação de várias obras de história e filosofia do direito, investigando e
refletindo sobre temas da mais avultada importância. Ainda se destaca o contributo de Cabral de Moncada,
Guilherme Braga da Cruz e Marcello Caetano.

8. Elementos da História do Direito Peninsular


Reconhecem-se vários períodos que constituem, no seu todo, a história do direito peninsular:

8.1. Período Primitivo ou Ibérico


Falamos de um sistema anterior à dominação romana. A Península era um conjunto bastante
diversificado a todos os níveis. Existe, ainda, uma reconstituição muito fragmentária e insegura das
instituições deste período. As fontes disponíveis eram muito escassas.
Vários povos habitaram a Península antes da ocupação romana, notando-se várias diferenças culturais e
económicas entre eles. Alguns limitavam-se à agricultura e pecuária, mas outros já conheciam a atividade
industrial e mineira, sendo que o uso da moeda não era uma novidade. Destacam-se os Tartéssios, Celtas,
Iberos, Celtiberos e Franco-Pirenaicos. Apontamos também algumas colonizações estrangeiras como:
Fenícios, Gregos e Cartagineses.

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Organização política e social


A Península Ibérica não era uma unidade política, sendo que a maioria dos estados primitivos
assentava na tribo, cada um uma com o seu culto religioso, chefia política e direito próprio. O caráter
fechado desses grupos apresentava algumas atenuações, por exemplo, através da clientela ou acordos de
hospitalidade. A organização política carateriza-se pelas várias monarquias, hereditárias ou vitalícias. Os
sistemas republicanos que surgiram tinham cariz aristocrático.
Por vezes eram criadas confederações de tribos ou cidades, para afastar os estrangeiros e
invasores, tendo objetivos político-militares. Há também situações de domínio e anexação de estados.
Quanto às classes sociais, distinguem-se os homens livres dos servos/escravos. As dificuldades
sociais e económicas levavam os homens livres (classe mais privilegiada – príncipes – e outros menos
privilegiados) a criarem relações de clientela com os mais poderosos, obrigando-se a uma absoluta
fidelidade ao patrono em troca de proteção económica e social.

Direito Peninsular Pré-romano


A falta de elementos históricos não permite a reconstituição histórica. Existiram vários
ordenamentos jurídicos diferentes a que chamamos direito primitivo. Era um direito de natureza
predominantemente consuetudinária, sendo o costume entendido como a prática reiterada das mesmas
condutas, perante problemas e situações sociais, acompanhadas da convicção da sua obrigatoriedade. O
monopólio do costume atenuou-se em vários povos graças aos pactos de hospitalidade: uma comunidade
atribuía equiparação de direitos a outra.
Não se considera que existiram leis no sentido rigoroso da palavra, mas apenas preceitos
consuetudinários que foram escritos para garantir a sua fixidez e publicidade. Assiste-se a uma confusão do
jurídico e do ético e religioso, sendo a mitologia um veículo de transmissão e sedimentação do costume.
Quanto às instituições, a falta de fontes leva os historiadores a usar o método comparativo –
estabelecendo analogias – e o método das sobrevivências – procurando vestígios – para as tentar
determinar: instituição familiar monogâmica e patriarcal, violência das penas do direito penal.
Os povos colonizadores, instauraram o seu direito, mas permitiram que os povos conquistados
observassem os seus preceitos tradicionais se o não contrariasse.

8.2. Período Romano


Distinguem-se o período da conquista até 19 a.C. e o período da romanização. O primeiro carateriza-se
pela subjugação dos povos locais e extração das riquezas. Já o segundo período carateriza-se pela expansão
do direito romano.
A fase da conquista demorou quase dois séculos e ficou marcada por muita resistência e avanços e
recuos. A fase da romanização marca-se pela:
a) Expansão de hábitos e costumes e uma assimilação lenta da cultura e da civilização dos romanos
pelos povos autóctones, através da ação de legiões romanas que disseminavam hábitos, da ação de
funcionários administrativos e colonos, a abertura de estradas (aumento das relações comerciais),
superioridade da técnica romana (revolucionou todos os ramos de produção económica),
desenvolvimento do regime municipal e culto religioso.
b) A concessão da latinidade aos habitantes da Península: distinção entre cidadãos (tinha capacidade
jurídica plena face ao direito civil), latinos (distinguiam-se entre latinos antigos1, latinos coloniais 2
e latinos junianos3) e peregrinos (sem privilégios e sem proteção jurídica pelo direito romano.
Estavam sujeitos ao ius gentium). Os Peninsulares eram vistos como latinos coloniais.
c) Concessão da cidadania romana por Caracala.

1
Primitivos habitantes do Lácio com várias regalias e direitos.
2
Habitantes das províncias a quem a latinidade foi concedida como privilégio. Tinham alguns direitos, como o de votar
nos comícios e o ius comercii. Todos os latinos podiam vir a ver reconhecida a cidadania romana se desenvolvesse
alguns cargos no senado local ou cúria.
3
Escravos libertos, sem direitos de cidadania.

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Fontes do Direito: Predominam as leis relativas à fundação de colónias e de municípios. (ex: Tábuas de
Aljustrel) Destacam-se, ainda, éditos e decretos de magistrados, senatusconsultos e constituições imperiais.

Instituições Jurídicas: O Direito Romano não foi todo integralmente recebido e aplicado, mesmo depois de
generalizada a cidadania. Vigorou um Direito Romano Vulgar com uma estrutura menos complexa e mista
que o Direito Romano Oriental. Levantam-se, ainda hoje, vários problemas quanto a este processo de
vulgarização do Direito Romano. Fala-se de um fenómeno cultural generalizado. Esta vulgarização tem dois
traços fundamentais: descaraterização do sistema romano clássico e revitalização dos direitos locais ou
regionais.

8.3. Período Germânico ou Visigótico


Antes das invasões
Eram um povo de raça indo-europeia que invadiram a europa e a Península Hispânica (no séc. V).
Alguns adotaram o Cristianismo, o que influenciou as suas conceções. O seu grau de civilização e cultura
era bastante mais baixo que o dos Romanos. O direito romano vulgar, embora sem as soluções e técnicas da
época clássica, oferecia uma estrutura muito mais desenvolvida que a dos invasores – as chamadas “leis
bárbaras”.

As invasões
Foram uma infiltração lenta impulsionada por várias causas: motivos de índole económica (falta de
meios de subsistência), caráter guerreiro e aventureiro desses povos e a decadência económica,
institucional e política do Império Romano. Agrupavam-se em comunidades económico-agrárias – Marca. Só
depois das invasões surgiram os primeiros Estados germânicos, em geral monarquias eletivas.
Durante a sua migração através do império mantiveram os seus costumes jurídicos, não os impondo as
comunidades romanizadas e vigorando o princípio da nacionalidade de direito. Verifica-se uma coexistência
de organizações político-administrativas. A persistência do direito romano levou à sua fusão com o direito
germânico.

Fontes do Direito dos Estados Germânicos: Há vários modos de formação e revelação das normas jurídicas,
textos e monumentos que as continham e órgãos criadores. Há também vários documentos de aplicação do
direito, que celebraram atos jurídicos concretos.

A) Modos de Formação/Revelação das normas Até ao séc. V, surge como um direito


jurídicas: O caráter exclusivamente consuetudinário.
consuetudinário do primitivo direito Entre os séculos V e IX, surgem monumentos
germânico e a redução desse direito a escritos de conteúdo, extensão e importância muito
escrito após as invasões. desiguais. São criadas vários tipos de textos que
contêm normas jurídicas. São três categorias
apontadas abaixo.
A1) Leis dos Bárbaros ou Leis Populares No sentido técnico-jurídico, não são autênticas leis.
São um conjunto de precitos jurídicos
consuetudinários reduzidos a escrito. Algumas
foram redigidas com a colaboração de assembleias
populares. A sua extensão e conteúdo é variável.
A2) Leis Romanas dos Bárbaros Coletâneas de textos de direito romano organizadas
nos Estados Germânicos com finalidades diversas.
A3) Capitulares Normas jurídicas avulsas promulgadas pelos reis
germânicos. Eram autênticos diplomas legislativos.
B) Documentos de aplicação do direito. Os Formulários são coletâneas de fórmulas destinadas à
formulários e textos de atos jurídicos celebração de contratos e outros atos jurídicos.
Quanto aos documentos de atos jurídicos concretos,
reportamo-nos às cartas e diplomas.

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Fontes do Direito do Período Visigótico:


1) Principais Fontes do Direito do Período Visigótico
Há apenas três textos legais completos com elementos seguros:
1.1) Código de Eurico: Criado peplo rei Eurico, foi a primeira coletânea sistemática do direito
visigótico que reuniu várias leis dos bárbaros (como as Leis Teodoricianas), ocupando-se do
direito privado, em grande parte. Mostra grande recetividade perante o direito romano vulgar.
Vai ser revisto, dando origem ao Código Revisto de Leogivildo.
1.2) Breviário de Alarico: Criado por Alarico II, pertence à categoria das leis romanas dos bárbaros.
É uma seleção de iura (Epítome de Gaio e Sentenças de Paulo) e leges (Código Teodosiano). Era
acompanhado de interpretações.
1.3) Código Visigótico: Criado em 654, teve três formas (recesvindiana, ervigiana e vulgata). Dá-se
o nome de forma vulgata do Código Visigótico a um conjunto de manuscritos e épocas muito
diferentes que vão desde a dominação visigótica até à reconquista. São revisões não oficiais de
origem privada, que modificam e acrescentam a forma ervigiana. É produto de três correntes
jurídicas (romana, germânica e canónica). ~
2) Direito Consuetudinário Visigótico: Podemos admitir a sua existência, mas é imperativo
compreender que triunfou o direito escrito.
3) Direito Canónico: Falamos das normas jurídicas próprias da igreja católica no reino visigodo.
Disciplinava aspetos seculares e religiosos. Destacam-se os Concílios de toledo que tiveram grande
importância na criação de preceitos jurídico-canónicos. É de destacar a ligação entre a legislação
civil e os cânones conciliares.

Controvérsia em torno da legislação visigótica


Tese da personalidade ou nacionalidade de direito: Existia um ordenamento jurídico para a população
germânica e outro para a população romana. Defendida por Zeumer e Brunner.
Tese da Territorialidade de direito: Aplica-se em todo o Estado um só ordenamento jurídico. Defendida por
Garcia-Gallo.
É defendida uma posição conciliatória, introduzida por Paulo Merêa.

Ciência do Direito
As escolas do direito romanas entraram em decadência, mas existiram inúmeros juristas de valor e
muita literatura jurídica do período visigótico. Destaca-se Santo Isidoro, bispo de Sevilha. Teve grande
impacto no desenvolvimento do direito canónico e da organização política em torno da ordem divina da
criação, ideia que despontará no surgimento da Respublica Christiana.

Prática Jurídica
Grande parte das fontes históricas perdeu-se no tempo, sendo que pouco documentos chegaram até
nós. Resta-nos o recurso a formulários, como as Fórmulas Visigóticas – conjunto de quarenta e seis fórmulas
descobertas num códice da Catedral de Oviedo – e as Fórmulas de Holkham.

8.4. Período do Domínio Muçulmano e a Reconquista Cristã


Invasão Muçulmana
A vinda dos Árabes para a Península dá origem a dois blocos diferenciados: o cristão e o islâmico. Os
invasores trazem o direito muçulmano para uma península desorganizada politicamente graças à quada do
Estado Visigótico, ficando o ordenamento jurídico tradicional cristão entregue ao seu destino. Não
obstante, a presença muçulmana trouxe inúmeros progressos científicos, culturais e técnicos. ~

Fontes do Direito Muçulmano: O direito muçulmano tinha uma natureza confessional, não havendo
distinção entre religião e direito. Na sua chegada à Península, o direito muçulmano estava ainda em
formação e a criação do direito não oferece autonomia substancial relativamente à revelação divina. As
principais fontes eram o Alcorão e a “Sunna”.

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O Alcorão é o conjunto de revelações de Alá que os fiéis recitam e que foram feitas a Maomé. Contém
vários ensinamentos de caráter religioso, moral e jurídico.
A “Sunna” é a conduta pessoal de Maomé conhecidos pela tradição oral e mais tarde compilados. São
recebidos de forma implícita.
A necessidade levou a que se criassem fontes complementares do direito maometano: Consenso
unânime da comunidade e a ciência do direito, sem perder de vista o nexo religioso. Foram criadas várias
escolas. Os cristãos foram obrigados a converter-se ao Islamismo e os segundos, mediante um pagamento
de imposto de capitação, podiam conservar o seu credo. Quem mantivesse o seu credo no cristianismo,
seria considerado moçárabe. O direito islâmico também os influenciava.

A Reconquista
Destaca-se a falta de unidade jurídica e a importância do direito consuetudinário e de decisões
judiciais que o esclareciam e enunciavam. Foram criadas amplas compilações de foros e costumes e até
forais, caraterizando-se este sistema jurídico de consuetudinário e foraleiro.
Elemento Primitivo – Surgem dúvidas quanto à influência exercida pelas instituições primitivas na
formação do direito peninsular medieval, em grande parte graças à incógnita que se mantém acerca das
condições da sua existência.
Elemento Romano – A permanência de um direito romano vulgar. É um elemento primacial na época.
Elemento Germânico – Influência do direito dos povos germânicos, em especial visigótico (Com o código
visigótico).
Elemento Cristão e Canónico – Indiretamente, influenciará o direito peninsular através da legislação
romana posterior a Constantino.
Elemento Muçulmano – Influência reduzida da natureza confessional do direito islâmico e a autonomia
jurídica e judicial de que gozaram os indivíduos que se mantiveram cristãos.
Elemento Hebraico – Contributo do direito hebraico por meio de influências cristãs e muçulmanas.
Elemento Franco – Influências na região do Nordeste da Península, graças à proximidade desse Estado
transpirenaico.

Surgimento de Portugal
Alexandre Herculano considerava que a terra portucalense constituía o dote de D.Teresa, revestindo a
natureza de senhorio hereditário. Assim, a origem de Portugal devia-se a um título jurídico e não a uma
subordinação política ao Estado Leonês cuja independência se deveu a uma rebelião vitoriosa. Paulo Merêa
refletiu sobre esta posição e considera que a concessão da terra portucalense era uma doação de senhorio
hereditário, com vínculo de vassalagem. A verdade é que o enigma da natureza jurídica da concessão da
terra portucalense só desapareceu com o conhecimento do ato que a formalizou.

9. Periodização da História do Direito Português

9.1. Visão em conjunto da História do Direito Português


A divisão da história do direito português tem sido encarada a partir de vários critérios diversos –
adotando-se, em geral, um critério jurídico interno. Reconhecem-se nexos de complementaridade entre
esses critérios. O processo evolutivo do direito português pode ser dividido em três ciclos básicos. Esta
periodização não pressupõe um critério homogéneo, sendo reconhecidos problemas específicos que
conferem personalidade própria às sucessivas épocas. Assim, referem-se:
a) O Período da individualização do Direito Português que se estende desde a fundação da
nacionalidade ou, mais concretamente, o ano em que Afonso Henriques passa a intitular-se rei
(1140) até aos começos do governo de Afonso III (1248). A independência política de Portugal não
envolveu uma autonomia imediata no campo do direito, mantendo-se o sistema jurídico herdado do
Estado leonês. Só depois surgiram fontes tipicamente portuguesas. Falamos de um direito de base
consuetudinária e foraleira, caraterizada pelo empirismo jurídico, como predomínio da atividade
dos tabeliães na sua evolução.

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Eduardo Figueiredo 2013/2014

b) O Período do Direito Português de Inspiração Romano-Canónica que se inicia a meados do século


XIII e encerra na segunda metade do séc. XVIII. Marcado pela forte penetração do direito comum.
Esta subdivide-se em dois subperíodos.
B1) Época da receção do direito romano renascido e do direito canónico renovado (direito comum).
B2) Época das ordenações, que se inicia em 1446/7 com o inicio da vigência das ordenações
afonsinas. Esta codificação de preceitos oficiais aplicáveis a todo o país foi um marco na evolução
do nosso direito, com a centralização legislativa que tem pressupostos políticos evidentes e
consequências muito relevantes. Estas acentuam a independência do direito próprio do reino face
ao direito comum, subalternizado no posto de fonte subsidiária e apenas devido à concessão do
monarca.
c) O Período da Formação do Direito Português Moderno que se inicia com o consulado de Marquês
de Pombal na segunda metade do séc. XVIII, com a Lei da Boa Razão (1769) e os Estatutos da
Universidade de 1772 que influenciam o mundo da história do direito. Este ciclo, que conduzirá ao
direito dos nossos dias, inicia-se com a generalização das correntes doutrinárias do direito natural
racionalista, do Iluminismo e do uso moderno. No séc. XIX acresce o individualismo lançado pela
Revolução Francesa, em conexão com o liberalismo económico e político que conduz ao positivismo
jurídico e ao movimento codificador. No séc. XX modifica-se o pensamento político e económico,
edificando-se um autêntico direito social que introduziu grandes mudanças no campo da dogmática.
Assim, falamos de três Subperíodos:
C1) Época do jusnaturalismo racionalista: Desde a segunda metade do séc. XVIII aos inícios do séc.
XIX (1820 – Revolução Liberal).
C2) Época do individualismo: Desde 1820 até à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) Também é
chamado de época liberal graças à corrente política que marca o seu início. Tem um caráter
poliédrico, reduzindo ao mesmo denominador todos os aspetos políticos, económicos…
C3) Época do Direito Social: Engloba o direito do Estado Novo Corporativo e o Direito Pós Revolução
de 1974. A ideia de Estado Social foi superada na década de 80 do séc. XX pela ideia de um Estado
Regulador, cujo objetivo é o controlo de prestações de serviços.

10. Período da Individualização do Direito Português

10.1. Fontes do Direito Português anteriores à segunda metade do século XIII


Apenas a partir do reinado de Afonso III é que assistimos a uma personalização do direito português.
Esta fase, que vai desde a fundação da nacionalidade ao início do reinado de Afonso III, trata-se de uma
fase que representa a continuação básica do quadro jurídico tradicionalmente estabelecido. Fica marcado
essencialmente pelas fontes do direito leonês. Importa distinguir as fontes que se conservaram em rigor e
as que despontaram após a autonomia política portuguesa.

a) Fontes de direito do Reino de Leão que se mantiveram em vigor

I – Código Visigótico
Permanece como fonte do direito ainda durante todo o século XII. É frequente a sua citação em
documentos do território português, quer anteriores à fundação da nacionalidade, quer posteriores. Umas
vezes trata-se de invocações formais ou genéricas do código visigótico; outras vezes aduz-se o respetivo
conteúdo de modo mais ou menos preciso ou com alterações sensíveis. Tanto era utilizado pelas
reminiscências eruditas ou fórmulas routineiras dos juízes e dos tabeliães, que não traduziam verdadeira
aplicação dessa fonte, como por serem testemunhos de vigência efetiva dos seus preceitos.
Constituía, porém, o único corpo de legislação geral capaz de servir de lastro jurídico comum ou ponto
de referência dos povos peninsulares, para efeitos supletivos. A partir do séc. XIII começam a escassear as
referências a este código por virtude da sua perda de autoridade, conforme se desenvolviam os precitos
consuetudinários locais e surgia uma legislação oficial eficaz de índole romano-canónica.
Esta fonte do Direito permaneceu em Leão e Castela, sendo que no séc. XIII assistimos a uma
revitalização que lhe deu o nome de Fuero Juzgo, sendo tomado como estatuto municipal.

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Eduardo Figueiredo 2013/2014

II – Leis dimanadas de Cúrias ou Concílios reunidos em Leão (1017), Coiança (1055) e Oviedo (1115)
Discute-se se estas assembleias se tratam de cortes extraordinárias ou de concílios. A Cúria, filiação da
Aula régia visigótica, era um órgão auxiliar do rei que tinha um caráter iminentemente político. Das
reuniões extraordinárias ou plenárias da Cúria resultou mais tarde a instituição de Cortes. (A diferença é
que estas últimas, os representantes do clero, povo e nobreza tinham a iniciativa de propor assuntos a
apreciação e decisão: os chamados agravamentos, artigos ou capítulos.).
Os Concílios caraterizavam-se pela sua natureza eclesiástica. Todavia, como os altos dignatários da
igreja também participam nas cúrias, também os concílios eram, por vezes, convocados pelo rei e nele
colaboravam leigos.
Para as distinguir, há que considerar a entidade convocante, as matérias versadas e a sanção canónica
ou régia das decisões que se tomam. Falamos de Cúria de Leão e Concílio de Coiança e Oviedo. Presume-se
que as normas resultantes destas assembleias tiveram aplicação no nosso país, encontrando-se em
cartulários portugueses e sendo as leis de Oviedo juradas por D,. Afonso Henriques.

III – Forais de terras portuguesas anteriores à independência


Continuaram a ter eficácia após a fundação da nacionalidade forais do séc. XI e XII. Os monarcas
leoneses outorgaram um número apreciável de fontes de direito local cuja força vinculativa se conservou
após as respetivas localidades se transformarem em território português.
Foral ou Carta de Foral é o diploma concedido pelo rei, um senhor laico ou eclesiástico, a determinada
terra, contendo as normas que disciplinam as relações dos povoadores ou habitantes entre si, e destes com
a entidade outorgante. O Foral é uma espécie mais significativa das cartas de privilégio. (São, em sentido
amplo, todos os documentos que atribuem prerrogativas ou isenções de qualquer natureza. Em sentido
restrito, são diplomas que criam para certas comunidades uma disciplina jurídica especifica e mais
favorável do que a comum.).
Primeiramente, tratava-se de documentos muito rudimentares como as cartas de povoação que
pretendem povoar o que está ermo e atrair nova mão-de-obra a locais já habitados em troca da adesão ás
cláusulas estabelecidas no diploma pelo rei ou senhor. Muitos destes ficaram na base de núcleos
populacionais autónomos.

Alexandre Herculano adota uma posição muito restrita que considera que forais são os diplomas que
conferem existência jurídica a um município, indiciada que seja por uma qualquer magistratura própria e
privativa. Deste mínimo requisito, sobe, na sua divulgada classificação, até aos documentos onde a
orgânica concelhia se estrutura, de forma perfeita, considerando que sem ele, pelo contrário, se está em
face de meras cartas de povoação ou contratos agrários coletivos.
Distingue concelhos rudimentares (Tinham um magistrado administrativo ou fiscal, mas não um juiz);
concelhos imperfeitos (tinham um magistrado judicial nomeado pelo senhor ou assembleia de vizinhos, mas
a organização concelhia não é definida no foral); concelhos perfeitos (Têm vários juízes com funções
jurisdicionais plenas e a organização municipal está definida no documento.).

Paulo Merêa defende que importa não ligar valor excessivo à questão das magistraturas municipais,
manifestação visível, mas muitas vezes serôdia, duma formação concelhia. Não resta dúvida de que a ideia
municipal podia existir antes que se verificassem aquelas magistraturas, enquanto, por outro lado, se
observa que pequenas povoações com juiz de sua eleição não eram havidas como concelhos.

Quanto ao conteúdo, os preceitos dos forais tendem a disciplinar as seguintes matérias: liberdades e
garantias das pessoas e dos bens dos povoadores; impostos e tributos; imunidades coletivas; serviço militar;
ónus e formas de provas judiciais, entre outros. Incluem-se, essencialmente, normas de direito público.

IV – Costume
Era a principal fonte do direito privado, prosseguindo alinha das normas consuetudinárias leonesas. Era
utilizado um conceito de costume muito amplo, abrangendo todas as fontes de direito tradicionais que não
tinham caráter legislativo. Era a denominação genérica em que se incluíam sentenças da Cúria Régia,

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depois designadas de costumes da corte, de juízes municipais e de juízes arbitrais, isto é, nomeados por
acordo das partes, cujas decisões se tornavam precedentes vinculativos, assim como pareceres de juristas
consagrados.

b) Fontes do direito posteriores à fundação da nacionalidade


Surgiram algumas fontes tipicamente portuguesas, principalmente do ponto de vista formal. A elas se
deve a individualização e autonomização do sistema jurídico do nosso país.

I – Leis Gerais dos Primeiros Monarcas


Destacam-se as leis de aplicação geral, embora não tenha sobrado grande tempo aos monarcas para um
esforço legislativo que incutisse personalidade relevante ao direito português. Estes encontravam-se
absorvidos com os esforços de consolidação da independência e expansão territorial.
Destaca-se uma lei de Afonso Henriques através de várias referências em bulas pontifícias – lei sobre as
barregãs dos clérigos. Também se destaca uma provisão de Sancho I que oferece as características de
diploma geral e se porta a 1210.
Com Afonso II, a legislação é incrementada com as Cúrias (e não cortes) de Coimbra de 1211, criando
um conjunto de leis influenciadas pelo direito justinianeu. Estas não formavam um corpo legislativo
unitário. Aí se inclui uma norma em que se tem encontrado solução para o conflito entre direito canónico e
leis do Reino, dando-se hegemonia ao primeiro. Estes preceitos legislativos, para além de proteger a coroa,
combateram os abusos de funcionários régios e assume relevo na garantia das liberdades individuais e a
condenação expressa da vindicta privada, substituindo-a por decisões forenses. Para mais, promove a
defesa das classes populares contra a prepotência dos poderosos, defende a inviolabilidade do domicílio e
consagra a liberdade de servir a quem desejasse e a liberdade de celebrar casamento. Afonso II tende a
sobrepor a lei aos preceitos consuetudinários inconvenientes. Esta legislação não era produto direto da
vontade do rei já que este só a promulga depois de ouvida a Cúria Régia – Assembleia que assessorou o rei e
que vigorou na monarquia portuguesa até ao séc. XIII. Era uma instituição que intervinha no governo do
reino, na formação da legislação e na administração da justiça. Era o órgão administrativo e judicial mais
importante, mas também o órgão político supremo, solucionando todos os problemas que afetavam a vida
da nação.

II - Forais
Devido À escassez de leis gerais, abundam fontes do direito local. Durante os primeiros reinados
concederam-se muitos forais e cartas de povoação. As preocupações de conquista e de povoamento das
terras que se reconduziam ás de defesa contra as investidas serracenas e ameaças leonesas, determinaram
a necessidade conceder essas cartas de povoação e forais. Até Afonso III foram as principais fontes do
direito português.

III – Concórdias e Concordatas


Consistem em acordos efetuados entre o rei e as autoridades eclesiásticas, comprometendo-se a
reconhecer direitos e obrigações relativos aos estado e À Igreja. Resultam de respostas aos agravamentos
proferidos em Cortes pelos representantes do clero. Também podiam derivar de negociações entre o rei e
as autoridades eclesiásticas. Quando intervia o Papa, falamos de concordatas. Casos fosse com autoridades
eclesiásticas nacionais estamos perante as concórdias.
A concordata entre a Santa sé e a República Portuguesa foi assinada em 1940 durante o Papado de Pio XII e
governo de Salazar. Foi substituída em 2004. Houve uma revisão que instituiu o direito ao divórcio a quem
tivesse instituído casamento católico em 1775.

10.2. Aspetos do sistema jurídico da época


a) Considerações Gerais
O direito português, até meados do séc. XIII, teve uma base consuetudinária e uma legislação que
timidamente ia aflorando. O esforço de fomento social e económico conduzia à difusão de fontes de direito
local: as cartas de povoação e os forais. No início da nacionalidade, o nosso sistema jurídico era rudimentar

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com instituições primitivas. O Direito hispânico da reconquista cristã era o resultado de uma amálgama de
camadas jurídicas sobrepostas, aos quais se juntaram preceitos do chamado direito romano vulgar,
influências canónicas que se verificaram mercê da legislação romana posterior a Constantino, costumes
germânicos e influências árabes e ainda outras influências como a franca, não esquecendo os aspetos
económicos, políticos e sociais do tempo.
No âmbito do direito privado importa falar da ação dos tabeliães que criavam contratos, não existindo
preceitos gerais individualizadores dos vários estatutos. São estas escrituras tabeliónicas que modelam os
vários negócios jurídicos. A autonomia, definição e disciplina destes só se verificou com o renascimento do
direito romano e renovação do direito canónico.

b) Aspetos fundamentais do tabelionado medieval português


A vida individual e coletiva sempre foram marcadas por atos fundamentais que careciam de uma
memória escrita. Na Idade Média era a instituição notarial que desenvolveu a ars dictandi que velava pelo
rigor e propriedade linguística dos escritos. Normalmente, não contemplavam questões jurídicas.
Porém, como o surgimento de múltiplos documentos jurídicos, as fórmulas notariais foram adquirindo
um caráter cada vez mais jurídico, assistindo-se à afirmação prática e cientifica da instituição notarial
inscrita no arco medievo. Destaca-se a importância de dois fatores: a tendência associativa que surgiu no
seio dos notários e o lançamento das bases doutrinais de uma nova disciplina.
O surgimento de uma literatura especialmente vocacionada para a abordagem de problemas práticos
que careciam de registo escrito levou ao florescimento da ars notariae, que chegou a ser aceite nas escolas
jurídicas universitárias. O poder autenticador do notário derivava da autoridade que cedo lhes foi confiada.
O tabelionado público português implantou-se ao longo do século XIII. O poder régio deteve o seu
senhorio no que toca à criação e controlo da atividade notarial. Conclui-se que a atividade tabeliónica
repousava sob o manto tutelar da coroa.

c) Contratos de exploração agrícola e de crédito

Foram as traves mestras da vida económica e social medieval. Antes das influências romanas, tais
contratos surgiam como um conjunto de negócios inominados e sem contornos rigorosos. Ao procurar-se a
individualização destes contratos, tornou-se necessário equacionar, caso a caso, a forma jurídica com a
respetiva finalidade económica que as partes tinham em vista.

CONTRATOS DE EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA – Pretendem conduzir o concessionário de prédio alheio à


conquista de uma posição mais firme em face ao senhorio, graças a vários fatores económicos, políticos e
sociais. O aspeto propriamente jurídico revela-se no princípio da conquista da propriedade através do
trabalho, que é um conceito fundamental da época.
ENFITEUSE (ou aforamento ou emprazamento) COMPLANTAÇÃO
Contrato através do qual se operava a repartição Contrato pelo qual se opera a cedência total do
entre os contraentes, daquilo que a ciência do terreno pelo proprietário a um agricultor com um
direito chamaria o domínio direto e domínio útil de prazo, para que o agricultor o fertilizasse,
um prédio. geralmente com a plantação de vinhas ou outras
espécies duradouras.
Domínio Direto: Pertence ao senhorio e traduz-se na O prazo variava de quatro a oito anos e, decorrido o
faculdade de receber do foreiro ou enfiteuta, a prazo, procedia-se à divisão do prédio entre ambos,
quem cabia o domínio útil, uma pensão anual (foro geralmente em partes iguais, o que permitia ao
ou cânon), em regra consistindo numa parte proprietário ver a sua terra cultivada. Se, durante o
proporcional dos frutos que o prédio produzia. período de quatro a oito anos, a terra desse frutos,
estes eram geralmente do agricultor que não tinha
Domínio Útil: Pertencia ao foreiro ou enfiteuta e de pagar renda.
uma das faculdades nele compreendido era cultivar
e reservar os frutos para si, exceto o foro; e de Isto sem embargo de incluir neste contrato certas
alienar a respetiva posição a um terceiro, com ou cláusulas acessórias, tal como na enfiteuse.
sem direito de preferência do senhorio. ´

Teve larga importância para o cultivo de terras

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ainda não arroteadas ou pouco produtivas, visto que


carateriza o negócio o encargo assumido pelo
agricultor de praticar diligente esforço no seu
aproveitamento.

CONTRATOS DE CRÉDITO – Surgem, depois dois contratos, com uma importante função de crédito ou
financeira, aos quais a proibição canónica de usura não foi estranha.
COMPRA E VENDA DE RENDAS (Censo Cognitivo) PENHOR IMOBILIÁRIO
O proprietário de um prédio, carecido de capitais, Transferência da posse de um terreno pelo
cedia a uma pessoa que deles dispusesse, em proprietário devedor ao credor durante um período
compensação de uma determinada soma para de tempo mediante o pagamento de uma quantia de
sempre recebida, o direito a uma prestação capital O capitalista usufruía de frutos nesse
monetária anual imposto como encargo sobre esse período.
prédio.
As finalidades da transferência da posse são: uma
Assim, o proprietário cede o direito a uma forma de remuneração do capital e garantia de
prestação monetária anual imposta como encargo pagamento, m ais forte que o ónus real.
sobre o prédio, que fica com o ónus real, quem
troca da entrega imediata, pelo outro, de uma Diferenças em relação à compra e venda de rendas:
certa quantia de capital. Pode haver remissão do o proprietário fica desapossessado do terreno,
ónus, com devolução do capital. fornece uma garantia maior do que a fruição do
terreno e permite a aplicação do capital a curto
O negócio representava uma forma de investimento prazo.
que teve função análoga ao empréstimo com juros,
sem que fosse abrangido pela proibição de usura, ao
menos em termos tão radicais.

PERÍODO DO DIREITO PORTUGUÊS DE INSPIRAÇÃO ROMANO-CANÓNICA

11. Época da Receção do Direito Romano Renascido e do Direito Canónico Renovado

11.1. O Direito Romano Justinianeu desde o século VI até ao século XI


A revitalização intensa do direito romano inicia-se em Itália durante o século XI, desenvolvendo-se
este ao longo do século seguinte. Este novo interesse teórico e prático do Corpus Iuris Civilis torna-se um
fenómeno dos Estados da Europa Ocidental, falando-se de um renascimento do Direito Romano. Porém,
este nunca deixou de ser aplicado e estudado como o termo nos indica. No Oriente, as formas justinianeias
permaneceram até à queda de Constantinopla, essencialmente sobre a forma de resumos, traduções,
paráfrases e até como algumas modificações.
A vigência das coletâneas justinianeias, no Ocidente, foi algo efémera, ligando quase unicamente à
Itália graças ao domínio bizantino e à promulgação da pragmática sanctio de 554. Foi por esta época que as
coletâneas justinianeias chegaram ao mundo ocidental, sendo preservadas e analisadas por vários centros
de cultura eclesiástica, não deixando, porém, de cair em esquecimento.

11.2. Pré-Renascimento do Direito Romano


Surge no século XII com a chamada Escola de Bolonha ou dos Glosadores. A explicação da génese do
direito romano nunca se poderia limitar a aspetos episódicos, como alguns autores defendem, articulando-
se num conjunto de forças de vária ordem. Assim, há um conjunto de fatores que contribuíram para o
movimento de intensificação do estudo do direito romano justinianeu.
Fatores Políticos:
• Restauração do Sacro - Império Romano Germânico que, sob a égide da igreja, contribuiu para uma
renovação política e para a aplicação do direito das coletâneas justinianeias às matérias temporais.
• Após a morte de Carlos Magno, as relações entre o Papado e o Império agudizaram-se. Procurava-se no
direito justinianeu apoio para o robustecimento da posição imperial.

Fatores Religiosos e Culturais:


• Universalismo decorrente da fé e do espírito de cruzada, unificando os homens acima da raça e da
história.
• A interpretação cristã do mundo levou a um fervor na exaltação da romanidade.

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• Progresso geral da cultura.

Fatores Económicos:
• Aumento da população que contribuiu para o êxodo rural, lançando as potencialidades da nascente
economia citadina, como o seu caráter monetário, industrial e comercial. Tudo isto densificava os
problemas de direito.

Conclui-se, assim, que um conjunto de fatores políticos, religiosos, culturais e económicos


apontavam para o incremento do estudo do direito romano justinianeu, verificando-se um pré-renascimento
romanístico por força dos juristas bolonheses, durante o séc. XI e seguinte. Antes de surgir a Escola de
Bolonha, houve, na Itália, vários centros onde se conhecia o Direito Justinianeu, utilizando-se esquemas
depois usados pelos glosadores. Destaca-se Pavia e Ravena. Às escolas de direito, junta-se a literatura
jurídica, como as Exceptionis Petri. Ainda se referem algumas coleções canónicas que contêm direito
justinianeu em larga escala. Na Península Ibérica, a recepção do direito romano renascido verificou-se
tarde.

11.3. Renascimento propriamente dito do Direito Romano com a Escola de Bolonha, dos
Glosadores ou Irneriana

11.3.1. Origem da Escola e seus representantes


O estudo sistemático e a divulgação do Direito Romano inicia-se no século XII, com a Escola de
Bolonha. As raízes desta escola remontam ao fim do século XI, destacando-se Irnério, grande impulsionador
da autonomização do ensino do direito e grande estudioso dos textos justinianeus numa versão completa e
originária, superando os resumos da época. Trouxe para essa obra os conhecimentos gramáticos e dialéticos
da sua formação de mestres em artes liberais.
Esta surgiu como um pequeno centro de ensino baseado nas preleções de Irnério que ia formando
vários discípulos e atraindo estudantes de outros países, criando uma autêntica universidade que se afirma
como polo europeu da irradiação da ciência jurídica. Os seus principais discípulos foram: Bulgarus,
Martinus, Hugo e Jacobus. Mais tarde, surge Placentino e Azo e, numa fase decadente, Acúrsio que
sistematiza o trabalho dos precedentes.
Esta escola também se chama de Irneriana - pelo seu fundador- ou dos Glosadores - pelo método
científico ou gênero literário utilizado (glosa)

11.3.2. Sistematização do "Corpus Iuris Civilis" adotada pelos Glosadores


Como as coletâneas do Corpus Iuris Civilis tinham caraterísticas e amplitude muito diversas, tornou-
se necessário dividi-las para facilitar o seu ensino. A sistematização adotada pelos Glosadores e que se
generalizou, consiste numa divisão das coletâneas justinianeias em cinco partes:
• Digesto Velho - Abrange os livros I a XXIII e os dois primeiros títulos do livro XXIV do Digesto.
• Digesto Esforçado - Abrange os livros XXIV, desde o título III, a XXXVIII do Digesto.
• Digesto Novo- Abrange os livros XXXIX a L, até ao final do Digesto.
• Código- Abrange os nove primeiros livros do Codex Justinianeu.
• Volume Pequeno ou Autêntico- Abrange os últimos três livros do Código Justinianeu, as Instituições e as
Novelas. Acrescentou fontes de direito feudal e constituições dos imperadores do Sacro-Império Romano-
Germânico.

11.3.3. Método de Trabalho


A glosa e outros tipos de obras
A glosa consistia num processo de exegese textual, já antes utilizada noutros domínios que não o
direito. Primeiro, surgiam como pequenos esclarecimentos imediatos como poucas palavras ou uma
expressão, tornando inteligível algum passo considerado obscuro ou de interpretação duvidosa. Falavam-se
de glosas interlineares porque eram nótulas ou apostilas tão breves que se inseriam entre as linhas dos
manuscritos que continham as normas analisadas.
Com o tempo, tornaram-se mais completas e extensas, referindo-se a todo um título como notas
nas margens, criando-se as glosas marginais. Foram ainda utilizados outros meios técnicos como as regulae
iuris - definições sintéticas de princípios ou dogmas jurídicos reunidas em coletâneas; casus -
exemplificações de hipóteses concretas a que as normas se aplicavam, tornando-se depois interpretativas;
dissensiones dominorum - opiniões de vários autores sobre problemas relevantes; quaestiones - fatores a
favor e contra determinada sugestão de solução; distinctiones e summae.

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Os glosadores perante o texto do Corpus Iuris Civilis


Os Glosadores tinham um respeito enorme pelo Corpus Iuris Civilis, estudando-o para esclarecer as
normas e aplica-las a situações concretas. Porém, nunca se desprenderam da letra dos preceitos romanos.
Encaravam a obra como um texto intangível. Deslumbrava-os a perfeição técnica dos preceitos da
coletânea justinianeia, que consideravam a última palavra em matéria legislativa. O papel do jurista
deveria reduzir-se ao esclarecimento desses preceitos com vista a solucionar as hipóteses concretas da
vida. Não se pretendia a criação de doutrina que superasse ou contrariasse as estatuições aí contidas.
A sua posição legalista em face de Corpus Iuris Civilis e a ignorância no campo histórico e filológico
levou-os a interpretações inexatas ou à manutenção de princípios obsoletos perante as realidades do
tempo. Os juristas desta escola utilizavam o silogismo e outros processos lógicos para da letra chegar ao
espírito da lei - influência escolástica.
A sua obra foi significativa ao transformar o conjunto justinianeu de normas num todo sistemático e
unitário. Mercê da sua atividade de exegese, de conciliação de princípios e da elaboração de regras , os
Glosadores chegaram a uma estrutural doutrinal de conjunto.

Apogeu e declínio da Escola dos Glosadores. A Magna Glosa.


Após o século XII inicia-se a decadência da metodologia da Escola dos Glosadores. Já não se
estudava a obra justinianeia diretamente, mas a sua glosa, fazendo-se glosas de glosas. Acúrsio ordenou
esse material caótico, selecionando as glosas anteriores relativas a todas as partes do Corpus Iuris Civilis,
conciliando as opiniões discordantes mais credenciadas. Surge a Magna Glosa ou Glosa Ordinária que
abrange 96940 glosas. Esta começou a ser impressa com as cópias do Corpus Iuris Civilis. Entre nós,
constituiu fonte subsidiária do direito através da disposição expressa das Ordenações.
Com a Magna Glosa terminou um ciclo da ciência do direito. A segunda metade do século XIII é
como que um período de transição para a nova metodologia que se inicia só no século seguinte. Os juristas
desse ciclo intermédio recebem a designação de pós-acursianos ou pós-glosadores - que dão origem ao
surgimento do tratado como nova forma de literatura jurídica.

11.4. . Difusão do Direito Romano Justinianeu e da obra dos Glosadores


a) Na Europa em geral
O movimento dos Glosadores tratou-se de um movimento generalizado dos países ocidentais e, por
isso, o interesse que oferece a análise, não apenas do renascimento em si, mas da sua expansão decisiva
para o progresso do direito. Há duas causas determinantes: a permanência em Bolonha de escolares
estrangeiros e a fundação de Universidades nos vários Estados Europeus.

• Estudantes estrangeiros em Bolonha


A fama da Escola de Bolonha alargou-se pela Europa, tornando-se um centro para onde convergiam
inúmeros estudantes que se agrupavam em nações congregadas numa universidade. Estes estudantes
tinham já formação jurídica, procuravam junto dos mestres uma especialização que lhes assegurava
posições destacadas no campo do ensino ou vida pública do seu país de origem. A introdução do direito
romano renascido verificou-se, essencialmente, através da atuação concreta dos juristas de formação
universitária.

• Fundação de Universidades
Nos séculos XII e XIII dá-se a criação progressiva de universidades, onde se cultivavam os ramos do
saber que constituíam o ensino superior. Figurava neles o direito canónico e o direito romano renascido.
Surgem, primeiramente, como Estudos Gerais em ligação á ideia de ecumenismo do Império e do Papado.
Mas Estudo Geral não era só a instituição aberta a escolares das mais diversas proveniências, mas também o
local onde um conjunto de professores ensinava todas ou algumas das disciplinas científicas mais
importantes e o benefício de conferir aos diplomados capacidade de lecionar em qualquer parte do mundo
cristão.
O nome de Universidade surge depois, tendo o sentido de corporação de mestres e escolares,
refletindo o sentido de solidariedade profissional em que se baseou a formação das grandes corporações de
artes e ofícios. Assim, trata-se da instituição que reúne, com autonomia jurídica, os profissionais do
estudo.
As causas do surgimento das universidades são: progresso geral do saber, novas conceções sobre
ciência e o crescimento do fenómeno da formação.
Classificação Tripartida do surgimento das Universidades:
(1) As primeiras surgiram espontaneamente, partindo da evolução e corporatização de pequenas
escolas pré-existente, monásticas, diocesanas ou municipais. Assim sucedia sempre que um mestre

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local se notabilizava pelo seu ensino e criava discípulos numa certa área científica. Destacam-se
Bolonha, Paris e Montpellier – todas nascidas consuetudinariamente.
(2) Desmembramento ou separação de uma outra. Este processo encontrava-se facilitado pela grande
notabilidade que possuíam as universidades medievais, em consequência dos reduzidos meios de
que dispunham. Não tinham grandes materiais, nem edifícios próprios, sendo fácil a sua deslocação
para outros locais, quando se agudizassem os conflitos entre estudantes e burgueses. Passada a
crise, não raro, uma parte dos mestres e dos escolares recusava-se a regressar à sede originária.
Destaca-se a universidade de Cambridge e a de Pádua.
(3) Universidades criadas por iniciativa de um soberano, normalmente sem terem atrás de si o prestígio
de uma tradição firmada. Só através da confirmação pontifícia, tais universidades eram elevadas ao
plano das outras e os respetivos graus académicos adquiriam valor universal. Destaca-se a
universidade de Nápoles e Toulouse.

b) Na Península Ibérica e especialmente em Portugal


Existem indicadores de penetração do direito romano renascido, já nos finais do século XII, em regiões
hispânicas que tinham maior contato com o resto da Europa. Porém, só ao longo do século XIII se
desenvolveu. Se entendermos que há um renascimento do direito romano justinianeu porque alguns
indivíduos conheciam os textos dos glosadores, teríamos de recuar no tempo, já que as influências de
França e Itália chegaram a Portugal antes do séc. XIII, embora limitadas. Os nossos reis tiveram
colaboradores a quem não eram estranhas as coletâneas justinianeias, acompanhadas dos estudos
correspondentes- Por outro lado, há também influências de códices que, desde o séc. XII, atestam a
presença de livros de direito da romanística e da canonistica medievais. Nada disso foi uma receção
efetiva.
Para se falar da efetiva receção do direito romano renascido, temos de provar de que este tinha
entrado na prática dos tribunais e do tabelionato, que exercia influência concreta na vida jurídica do país.
Isso não sucedeu antes dos inícios do século XIII, cujos veículos decisivos foram os juristas de formação
universitária, através da atuação prática nas esferas judiciais e notariais. Esta situação foi dificultada pela
impreparação dos juízes e tabeliães que não conseguiam interpretar os textos legais e, por vezes, nem os
conseguiam ler. Só mais tarde, os juízes passaram a ser nomeados pelo monarca. Este processo foi, assim,
moroso e progressivo, apesar de mais rápido e eficaz nos meios próximos da Corte.

11.5. Fatores de penetração do direito romano renascido na esfera jurídica hispânica e


portuguesa
Os Estado peninsulares sofreram, quanto à receção do direito romano renascido, a influência de fatores
essencialmente comuns:
(1) Estudantes peninsulares em escolas jurídicas italianas e francesas. Jurisconsultos estrangeiros na
Península.
A partir do século XIII começa a verificar-se a presença significativa de estudantes peninsulares nas
universidades italianas e francesas, destacando-se Bolonha. Estes legistas e canonistas eram classificados
como Hispanos. Alguns dos juristas peninsulares atingiram grande notoriedade, ocupando cátedras de
direito romano e de direito canónico. Destaca-se o canonista João de Deus. Normalmente, estes juristas
voltaram ao país após a conclusão dos estudos. Estes letrados tornaram-se arautos da difusão do direito
novo. Os jurisconsultos estrangeiros que vieram para a Península ocuparam lugares importantes junto dos
monarcas ou na docência universitária.

(2) Difusão do Corpus Iuris Civilis e da Glosa


Os juristas traziam do estrangeiro textos relativos À disciplina que cultivavam. Multiplicaram-se os
textos do Corpus Iuris Civilis e da Glosa que incrementaram o direito comum.

(3) Ensino do direito romano nas Universidades


O surto universitário chegou à Península no século XIII, surgindo universidades que preponderavam o
ensino do direito romano e do direito canónico. (Salamanca, p.e.) No nosso país, foi no reinado de D. Dinis
que surgiu o Estudo Geral , entre 1288 e 1290. A bula confirmatória do Papa Nicolau IV, oficializada o
estudo geral e permitia a obtenção dos graus de licenciado em direito canónico e direito civil, podendo

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esses diplomados ensinar por toda a Cristandade sem exigência de novo exame. Até ao séc. XVI, a sede da
Universidade deambulou entre Lisboa e Coimbra, reconhecendo-se, porém, à ciência do direito um grande
prestígio, lucro e poder.

(4) Legislação e prática jurídica de inspiração canonistica


Destaca-se a legislação geral e as influências romanísticas no domínio tabeliónico.

(5) Obras Doutrinais e legislativas de conteúdo romano


Destacam-se algumas obras escritas em Castelhano. Estas obras, de índole doutrinal e legislativa,
mostram grande influência no direito comum. Destacam-se:
- Flores de Derecho ou Flores de las leys e Nueve Tiempos de los pleitos, de Jácome Ruiz. São
compêndios de processo civil de inspiração romano-canónica que substituíram o sistema foraleiro e
consuetudinário, de raiz germânica.
- Afonso X, ao pretender reivindicar para o monarca a criação jurídica e a uniformização e
renovação do direito, criou as obras Fuero Real e Siete Partidas. Fuero Real destinava-se às cidades em
compilação de normas jurídicas municipais (“Fuero”) ou que, possuindo-o, o queriam atualizar. É
baseado em preceitos do Código Visigótico e costumes territoriais castelhanos, ocupando-se do direito
privado e penal. Tem reflexos romanísticos e canonisticos que se refletem através da receção de
soluções jurídica concretas. Siete Partidas tem um caráter enciclopédico, inspirado no direito comum,
mas que sintetiza outros preceitos com vista à sua fundamentação. Para alguns autores, estas não
tiveram vigência oficial, durante certo tempo em que se limitaram a ser aplicadas pelos tribunais.
Outros autores consideram que foram promulgadas por Afonso X para reviver os preceitos jurídicos
tradicionais. Mais tarde foram vistas como fonte de direito subsidiário.

12. Escola dos Comentadores


No século XIV desenvolveu-se uma nova metodologia jurídica através da Escola dos Comentadores que
utilizavam o comentário como instrumento de trabalho. Também é chamada de escola Escolástica ou
Bartolista, tanto graças à sua matriz cientifica teológico-filosóficas, como graças a Bártolo. Também lhe
chamam Escola dos Práticos ou dos Consultores que evidencia a ação destes juristas no plano do direito
aplicado.
Esta surgiu graças à decadência da escola dos glosadores, já que o seu método jurídico surgia como
insatisfatório para tornar o sistema romano num direito atualizado. Cada vez mais, se destaca o prestígio
do método escolástico ou dialético. Escolástica corresponde a um saber que se ensinava na schola sobre os
auspícios de um mestre. De feição literária e textual, a educação medieva, construída na base da devoção
dos auctores, sustentava que aprender consistia em ler, quer através de uma lectio divina ou de uma lectio
profana.
Sob a capa da escolástica, agregam-se correntes diversas como o agostinismo, o tomismo (influência de S.
Tomás de Aquino) e o Escotismo. A utilização do sistema aristotélico ajudou a filosofia a alcançar
consciência de si mesma. S. Tomás usou o aristotelismo para a criação de uma vasta síntese filosófico-
teológica. A pedagogia escolástica centrava-se em textos de autores que eram vistos como autoridades e
sobre os quais incidia a lectio. Desta emergia a quaestio, com um problema. De seguida, apresentavam-se
argumentos contra e a favor, concluindo-se com a solutio ou responsio, refutando as opiniões diversas. O
constante apelo à dialética aristotélica fomentou a disputatio – forma de ensino em que triunfavam as
regras da lógica e do silogismo, assentando num raciocínio desperto pela variedade de pareceres.
Tudo isto conduziu à reflexão jurídica, sendo a dialética e a retórica elevadas a visas de excelência do
raciocínio prudencial aplicado ao direito. Mais tarde a retórica torna-se uma arte de persuasão dotada de
um conjunto de elementos de inteligência racional.

Evolução
As primeiras utilizações da dialética aristotélica remontam aos fins do século XIII na escola de Orleans,
com Revigny e Belleperche. Os novos esquemas de exegese dos textos legais são acompanhados de um
esforço de sistematização das normas e dos institutos jurídicos muito mais perfeito que o dos Glosadores

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porque se encarava a matéria jurídica de uma perspetiva lógico-sistemática. Articulam-se parâmetros


filosóficos, analíticos e sintéticos.
A atitude dos comentadores foi pragmática, voltando-se para uma dogmática que dirigia à solução de
problemas concretos. Os Comentadores foram-se liberando da coletânea justinianeia, aplicando-se às glosas
e aos comentários que iam elaborando. Recorreram a outras fontes como costumes locais, direitos
estatuários e canónico, criando novos institutos e ramos do direito. A transição entre as duas escolas deu-se
através dos pós-acursianos, sendo período mais criativo dos começos do século XIV a meados do século XV.
Fio na Itália que a metodologia atinge pleno desenvolvimento, com Cino, Bártolo e Baldo.

A Opinião Comum
Com os Comentadores surgiram novas instituições e disciplinas que não tinham raiz nas categorias do
direito romano, como o direito comercial e marítimo, o direito internacional privado, etc… Através dos seus
comentários, pareceres e monografias, os juristas destas escolas criaram a literatura jurídica cujo prestigio
se difundiu pela Europa adiante. Ao longo da segunda metade do séc. XV verifica-se o declínio dos
Comentadores. O método escolástico conduziu à estagnação e repetição de argumentos e de autores.
Esgotaram-se as potencialidades desta escola graças au abusivo uso do princípio da autoridade e do excesso
de casuísmo. Estes juristas limitaram-se a enumerar e citar, a propósito de cada problema, não só todos os
argumentos favoráveis e desfavoráveis a determinada solução, mas também a lista de autores num e noutro
sentido.
A opinião comum era considerada a exata, isto é, o sentimento ou parecer generalizado das pessoas, do
vulgo, abrangendo a opinião dos doutores. Porém, depois passou a falar-se da opinião da doutrina. A
propósito da formação e eficácia da opinião comum dos doutores surgem problemas básicos da sua
identificação com a verdade ou com a mera probabilidade, o do número de doutores exigido para a
respetiva fixação (critério quantitativo), o da prevalência destes, atendendo à categoria cientifica (critério
qualitativo) ou o da conjugação de ambas as orientações numa maioria qualificada (critério misto).

13. O Direito Canónico


13.1. A sua Importância
Teve grande influência na generalidade dos países de formação cristã, disciplinando múltiplos aspetos
das relações sociais que se encontram hoje confiados à legislação estadual. Em virtude do relevo que a
Igreja Católica possuiu, o conhecimento das suas instituições e organização, apresenta grande interesse.

13.2. Noção
Direito Canónico é o conjunto de normas jurídicas que disciplinam as matérias de competência da
Igreja Católica. Fala-se de um direito eclesiástico, apesar de esta expressão ser equivoca. Com origem no
oriente, a palavra cânones foi usada, em sentido amplo, para abranger todas as regras de direito canónico.
Numa expressão mais restrita só abrangia os cânones conciliares. Decretos ou cartas decretais eram as
epístolas pontifícias, isto é, as normas jurídico-canónicas de direta iniciativa dos Papas. Quanto ao modo
de formação das normas:
(1) Fontes de Direito Divino – Sagrada Escritura (Antigo e Novo Testamento) e Tradição. A Igreja
apenas propõe ou interpreta declarativamente. A Tradição são os ensinamentos e preceitos de
Jesus Cristo não consignados por escrito, mas só transmitidos oralmente.
(2) Fontes de Direito Humano – Costume, Decretos e decretais dos pontífices romanos; as leis ou
cânones dos concílios ecuménicos; diplomas emanados de todas as autoridades eclesiásticas
infra-ordenadas; concórdias e concordatas; doutrina e jurisprudência integradas pelas obras dos
canonistas e decisões de jurisdição eclesiástica e normas jurídicas civis canonizadas.

13.3. Direito Canónico anterior ao século XII


Fala-se de um ius vetus ou direito canónico antigo, marcado, numa primeira fase, por uma quase
exclusividade das fontes de direito divino, a que se seguiu um aumento das outras fontes que se tornaram o
modo normal de criação de preceitos jurídico-canónicos.

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A curto prazo, as coletâneas tiveram de se reunir e sistematizar as normas, destacando-se as Capitula


Martini e a Collectio Hispana ou Isidoriana. Esta última foi mandada elaborar no Concílio de Toledo,
contendo normas de concílios peninsulares que passaram ao Decreto de Graciano. Também outras
coletâneas jurídicas seculares continham preceitos sobre matérias eclesiásticas, como as compilações de
justiniano, as codificações visigóticas e as capitulares dos monarcas franceses. Antes do século XII, não se
pode dizer que existia uma ciência do direito canónico sistemática e aprofundada.

13.4. Movimento Renovador do Direito Canónico


Este verifica-se em paralelo com o renascimento do direito romano, movido por causas justificativas
aproximadas. Mas não se fala de um renascimento do direito canónico, pois nunca houve qualquer quebra
de continuidade de evolução jurídico canónica, sendo eu o direito da igreja sempre conheceu uma linha de
progresso. Nesta época, há um impulso de transformação normativo e dogmático, caraterizado por dois
vetores: não apenas se organizaram coletâneas mais perfeitas de normas, mas também se procedeu à
reelaboração científica do direito canónico baseada nesses corpos legais.

Coletâneas de direito canónico após o séc. XII


Nos finais do séc. XI inicia-se um esforço pontifício de uniformização normativa da Igreja que culmina
com a criação do Decreto de Graciano (1140) que sintetizou e compilou os princípios e normas vigentes,
procurando-se coordenar, harmonizar e esclarecer preceitos de várias proveniências, agrupando-os de
forma sistemática e não cronológica ou geográfica. Difundiu-se como lei geral da Igreja, mercê da sua
amplitude e perfeição técnica, sob o nome de Decreto.
Seguem-se as decretais de Gregório IX, enquanto coletâneas de normas pontifícias posteriores à obra de
Graciano. O Decreto e as Decretais completavam-se, um contendo o direito antigo da igreja e o outro o
direito novo.
Após as decretais, surge o Livro Sexto de Bonifácio VIII e as Clementinas. Fecham a série duas
compilações de índole privada. Cerca de 1500, deram-se à estampa as quatro coletâneas já indicadas, às
quais foi acrescentado um apêndice – Extravagantes de João XXII. Todas estas vieram fazer parte do Corpus
Iuris Canonici, cuja primeira publicação foi feita em Paris por Giovanni de Chapuis (1500), sendo só
promulgado por Bento XV em 1917.

Decretistas e Decretalistas
São epístolas pontifícias que surgem como normas jurídico-canónicas provenientes da direta iniciativa
dos papas. Decretos são determinações do Papa por conselho de bispos sem necessidade de ter sido
consultado, sendo um ato da sua própria iniciativa. Nas decretais, o Papa decide, com ou sem conselho de
bispos, mas perante a consulta de terceiros, respondendo perante esta.
Perante uma disputa nuclear da época entre o Império e a Igreja, pela jurisdição espiritual e temporal,
cabia aos canonistas a tarefa de atualização normativa do direito da Igreja e da interpretação e aplicação
desses preceitos. A construção do direito canónico teve lugar mediante o emprego sucessivo da
metodologia dos glosadores e dos comentadores. Se os canonistas se dedicassem à glosa ou comentários dos
Decretos eram chamados de decretistas; se tratassem das Decretais, eram chamados de decretalistas.

13.5. Penetração do Direito Canónico da Península Ibérica

Os peninsulares que se deslocavam aos centros italianos e franceses de ensino do direito eram na sua
maioria eclesiásticos, orientando-se sobretudo para o estudo do direito canónico, a par do direito romano.
É longa a lista dos decretistas e dos decretalistas com o cognome de hispanos.
Também se operou uma divulgação dos textos de direito canónico, através de múltiplas cópias e
traduções. Ainda se destaca a importância das universidades, como o Estudo Geral Dionisiano.
Ainda se tem de referir a aplicação judicial do direito canónico aplicado quer por tribunais
eclesiásticos, como por tribunais civis e seculares. Há uma organização judiciária da Igreja, ao lado da
organização judiciária do estado.

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Assim, este direito era o ordenamento jurídico próprio dos tribunais eclesiásticos, fixando-se a sua
competência em razão da matéria e da pessoa. Há certas matérias que pertenciam à jurisdição canónica,
como matrimónio. Para além disso, há pessoas que só podiam ser julgadas por tribunais da igreja, como os
clérigos. A evolução foi no sentido de limitar a outorga do foro eclesiástico.
Nos tribunais civis, a opinião generalizada é a de que este vigorou como fonte imediata prevalecente
sobre o direito nacional graças a uma decisão de Afonso II na Cúria de Coimbra em 1211. Passou, depois a
fonte subsidiária que intervinha na ausência de fonte de direito pátrio.

14. Direito Comum


Direito Comum é o sistema normativo de fundo romano que se consolidou com os Comentadores e
constituiu, embora não uniformemente, a base da experiência jurídica europeia até finais do século XVIII.
Alude-se ainda o direito romano-canónico ou, em paralelo, a direitos comuns. Assim, a expressão tanto
pode ser usada para englobar o sistema romanístico, ou englobando também o direito canónico, germânico
e feudal.
Ao direito comum contrapunham-se os direitos próprios, isto é, particulares. Em face deste direito geral,
assumem relevância os direitos locais ou dos vários estados, formados por normas legislativas e
consuetudinárias. Os Comentadores ocuparam-se das relações entre o direito romano e o direito canónico,
mas também das relações entre direito comum e direito próprio. Nos séc. XII e XIII, o direito comum
sobrepôs-se ás fontes com ele concorrentes. Nos dois séculos seguintes, há um certo equilíbrio e no séc.
XVI, dá-se a independência plena do direito próprio que se torna exclusiva fonte normativa imediata,
assumindo o direito comum o papel de fonte subsidiária. Procurava exprimir-se a ideia de que o sistema
romanístico só vigorava, no nosso país, a título subsidiário pela sua autoridade intrínseca.

15. Fontes do Direito Português desde os meados do século XIII até as ordenações
Referimo-nos às fontes anteriores ás ordenações afonsinas, que marcam a indicada autonomização
progressiva em face ás ordens jurídicas dos outros Estados Peninsulares.

(a) A legislação geral transformada em expressão da vontade do monarca. Publicação e entrada em vigor
da lei.
A partir de Afonso II, patenteia a supremacia de leis gerais, apesar de estas não constituírem de
imediato o principal repositório do direito vigente. Era ainda o costume o grande lastro jurídico da época,
apesar da lei – decretos, ordenações, cartas e posturas – ter predomínio entre os modos de criação de
novos preceitos.
A receção do direito romano justinianeu favoreceu a atividade legislativa do monarca; o
desenvolvimento da legislação geral fomentou a divulgação dos preceitos do direito romano e do direito
canónico que nela deixaram sinais marcantes. O surto legislativo resultou do reforço de autoridade régia,
procurando alicerçar-se os poderes públicos da marca na esfera executiva, legislativa e judicial. Inicia-se
o caminho da centralização política e da unificação do sistema jurídico. Destaca-se a figura do rei na
criação do direito, passando a lei a ser manifestação da sua vontade e sua atividade normal.
Inicialmente, com os primeiros reis portugueses, a promulgação dos diplomas gerais era raro, exigindo
a convocação da cúria. Desde Afonso III a lei é um modo corrente da formação do direito que é elaborada
sem suporto político das cortes.
Quanto à sua entrada em vigor e publicação, não existia um regime fixo. As leis eram manuscritas e
reproduzidas através de cópias, após registo dos documentos na chancelaria régia. Esta apenas surgia com
mecanismo de fiscalização da autenticidade das leis e de elementos de prova do direito em vigor.
Utilizavam-se os tabeliães para dar publicidade aos diplomas legais, através da leitura pública, exigindo-
se, ainda, o registo dos textos legais a outras entidades, nomeadamente as que tinham de aplica-los. A
aplicação da lei era imediata, podendo verificar-se casos com uma vacatio legis mais ou menos extensa.

(b) Resoluções Régias


Eram providências legislativas do monarca, tomadas em Cortes, perante solicitações ou queixas,
sendo feitas como respostas aos agravamentos feitos pelos representantes das três classes sociais. Sempre

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que tinham normas a observar para o futuro, eram autênticas leis, apenas diferindo dos diplomas
elaborados pelo rei pelo processo de formação. A publicidade verificava-se através de cópias.

(c) Decadência do Costume como fonte de direito


Diminuiu de significado como fonte de criação do direito novo, passando a considerar-se os preceitos
consuetudinários como expressão da vontade do monarca: se o rei não publica leis contrárias ao costume,
revogando-o, é porque o aceita tacitamente.

(d) Forais e Foros ou Costumes ou estatuto municipal


Só a partir de Afonso IV é que se deixou de outorgar novos forais. Nesta época destacam-se os foros ou
costumes. Estas são compilações medievais concedidas aos municípios ou organizadas por iniciativa
destes. Estatutos municipais tratam-se de codificações que estiveram na base da vida jurídica do
concelho, abrangendo normas de direito político e administrativo, normas de direito privado, direito
reais, das famílias, penal, etc… São fontes com amplitude e alcance mais vastos que os forais.
Estes são elaborados com base no costume, sentenças de juízes, opiniões dos juristas, normas criadas
pelos municípios e outras normas inovadoras de natureza legislativa. Tinham influências do direito romano
renascido. Em Leão e Castela aparecem os foros extensos. no nosso país só surgem durante o século XIII e
XIV.
Os foros e costumes agrupam-se em famílias e o estudo destas áreas jurídicas de fixação do direito
consuetudinário medieval apresenta grande interesse histórico. Depois de reduzido a escrito, o direito de
uma localidade era comunicado e adaptado a outra.

(e) Concórdias e Concordatas


Persistiram múltiplos diferendos entre o clero e a realizada, após a subida ao trono de Afonso III.
Aumentaram, assim, os acordos que lhe punham termo, quer celebrados com as autoridades eclesiásticas
do reino, quer com o Papado. Um ponto de atrito era o beneplácito régio que se reconduzia à exigência
de ratificação das determinações da igreja respeitantes ao nosso país.

(f) Direito Subsidiário


Apesar de todas estas fontes do direito, permaneciam casos omissos, sendo que só com as ordenações
afonsinas, o legislador estabeleceu uma regulamentação completa sobre o preenchimento de lacunas. Até
então, estava tudo ao critério de juristas e tribunais. Quando as fontes jurídicas portuguesas não
forneciam a solução a um caso, recorria-se ao direito romano, canónico e castelhano – muito dele já
traduzido para português. A maior parte dos juízes não estava preparado para o acesso direto ás fontes
romano-canónicas, utilizando-se textos em segunda mão.
Assim, circulavam no nosso país, desde o século XIII, como fontes do direito subsidiário, várias obras
castelhanas já enunciadas atrás. Todas elas foram traduzidas para vernáculo. A aplicação supletiva destas
obras derivava da autoridade intrínseca do conteúdo romano-canónico que lhes servia de alicerce. A sua
utilização abusiva – principalmente das Partidas – em detrimento do direito romano e canónico foi objeto
de protestos.
Assim, as fontes subsidiárias circunscreveram-se ao direito romano e ao direito canónico, onde quer
que se contivessem. Começaram a traduzir-se as Decretais de Gregório IX, o Código de Justiniano, a Glosa
de Acúrsio e os Comentários de Bártolo, etc… O monarca exigiu que se fizessem resumos destas para
evitar discrepâncias jurisprudenciais. Em épocas posteriores, muitas foram as preterições indevidas das
normas jurídicas nacionais, assim como as sobreposições de fontes indiretas de direito subsidiário.

15.1. Coletâneas privadas de leis anteriores ás ordenações afonsinas


O acréscimo de diplomas avulsos, tornou necessária a compilação. Todas as compilações criadas não
foram objeto de promulgação legislativa, apesar de algumas estarem ligadas a órgãos públicos, como a
Chancelaria Régia e os tribunais. Destacam-se o Livro das Leis de Posturas e as Ordenações de D. Duarte.
Ambas incluem leis, costumes gerais e jurisprudência do tribunal da corte. Alexandre Herculano e outros
sustentam que foram trabalhos preparatórios para as ordenações afonsinas.

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O Livro das Leis e Posturas engloba preceitos de vários reis, mas não tem o propósito de coordenar a
legislação, pretendendo apenas coligi-la. Conclui-se isso pela ausência de um plano sistemático e da
repetição de alguns textos.
As ordenações de D. Duarte são uma coletânea privada que pertenceu à biblioteca de D. Duarte, que
lhe acrescentou um índice e um discurso sobre as virtudes do bom julgador. Compreende as leis de Afonso II
a D. Duarte. Tem mais leis e menos repetições que a compilação anterior. Os diplomas estão dispostos por
reinados.

15.2. Evolução das Instituições


(1) Crescente penetração das normas e da ciência do direito romano e canónico, com progressiva
substituição do empirismo predominante na fase precedente.
(2) Influência das novas doutrinas em matéria de direito político e as alterações levadas a cabo no
direito público e privado. (defesa da ordem pública como encargo estadual; cisão entre processo
civil e processo criminal; surgimento do direito adjetivo; ónus da prova cabe ao queixoso;
prevalência da prova testemunhal sobre a prova escrita.)
(3) Quanto ao direito criminal substantivo, verifica-se um predomínio de sanções corporais e do seu
caráter repressivo. Uniformização a todo o território dos delitos e penas.
(4) Mudanças na instituição familiar e sucessória, assim como no âmbito dos contratos.
(5) Predominância de influências romanísticas, mas também canonisticas.

16. Época das Ordenações

ORDENAÇÕES AFONSINAS
Foi criada como uma coletânea do direito vigente com vista a evitar as incertezas derivadas da grande
dispersão e confusão das normas, com graves prejuízos para a vida jurídica e a administração da justiça. D.
João I encarregou João Mendes, corregedor da corte, de preparar a obra pretendida. Porém, a morte de
ambos foi pouco tempo depois e foi D. Duarte que continuou os trabalhos preparatórios, confiando-os a Rui
Fernandes. Foi o Infante D. Pedro, regente na menoridade de Afonso V, que incitou o jurista a dedicar-se
ao trabalho, que foi concluído a 28 de Julho de 1446 na Villa da Arruda. O projeto foi depois submetido a
uma comissão constituída pelo seu autor, o Dr. Lopo Vasques, Luís Martins e Fernão Rodrigues que o
publicaram a título de Ordenações, em nome de Afonso V, entre 1446 e 1447.
Torna-se difícil a determinação da data da sua entrada em vigor, por não haver práticas definidas no que
toca à publicidade e início a vigência dos documentos. Além disso, não se usava a imprensa, sendo morosa a
realização de cópias manuscritas, para além de ser um processo muito dispendioso. A impreparação técnica
dos magistrados e dos intervenientes na vida jurídica não foi um fator favorável. A generalização só se
verificou a partir da segunda metade do século XV, graças ao facto de estas não apresentarem alterações
profundas.

Fontes utilizadas: Procuraram sistematizar a atualizar o direito vigente, utilizando-se nelas leis gerais,
resoluções régias, concórdias, concordatas, bulas, inquirições, costumes gerais e locais, estilos da corte e
de tribunais superiores; normas extraídas das obras castelhanas, do direito romano e canónico, aludindo-se
ao direito comum.

Técnica Legislativa: Estilo Compilatório, transcrevendo-se, na integra, as fontes anteriores, declarando-se


depois os termos em que esses preceitos eram confirmados, alterados ou afastados. No livro I, utilizou-se o
estilo decretório ou legislativo, formulando diretamente as normas sem referência às eventuais fontes
precedentes. Isto deve-se ao facto do livro I ter sido criado por João Mendes e os restantes por Rui
Fernandes, ou porque aquele texto contém matéria original, não contemplada em fontes anteriores.

Sistematização e conteúdo: Influências das Decretais de Gregório IX. Estão divididas em 5 livros, cada um
com títulos, rúbricas e parágrafos. Todos os livros têm um proémio.

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LIVRO I: 72 títulos – regimentos dos vários cargos públicos, do governo, justiça, fazenda e exército.
Tem conteúdo jurídico-administrativo.
LIVRO II: 123 títulos heterogéneos - bens da igreja, direitos do rei, jurisdição dos donatários,
estatuto dos judeus e mouros. Tem uma natureza política e constitucional.
LIVRO III: 128 títulos, trata do processo civil, incluindo o executivo.
LIVRO IV: 112 títulos, ocupando-se do direito civil substantivo – obrigações, coisas, famílias,
sucessões.
LIVRO V: 121 títulos, direito e processo criminal.

Importância: São uma síntese do trajeto desde a fundação da nacionalidade e mais aceleradamente
a partir de Afonso III, afirmando e consolidando a autónoma do sistema jurídico nacional no contexto
peninsular. As ordenações posteriores pouco mais fizeram que atualizar as ordenações afonsinas. Trata-se
de uma obra muito meritória na época, apesar de não oferecer uma disciplina jurídica tendencialmente
completa. Estas estão ligadas á luta pela centralização sendo uma coletânea jurídica equilibrada nas várias
tendências do tempo e que autonomiza o direito do Reino face ao direito comum que surge hoje como
fonte subsidiária. São fundamentais para o conhecimento das instituições jurídicas da época.

Edição: Estas não foram publicadas durante a vigência. Só nos fins do século XVIII, a UC promoveu a
edição impressa, exaltando-se os estudos históricos do direito pátrio. Foi Lui Correia da Silva que realizou o
seu prefácio. Não houve um exemplar com os cinco livros completos, chegando a encontrar-se alguns erros
e omissões nas cópias. A edição crítica surgiu em 1782 e foi revista em 1984.

ORDENAÇÕES MANUELINAS
Logo em 1505, as ordenações afonsinas foram reformadas, já que o rei D. Manuel encarregou três
juristas da época (Rui Boto, Rui da Grã e João Cotrim) para procederem à atualização das ordenações do
reino, alterando, suprimindo ou acrescentando o que entendessem necessário. Os motivos que levaram a
monarca a tomar tal decisão foram: a introdução da imprensa, impondo-se levar à tipografia a coletânea
jurídica básica do país, facilitando a sua difusão. Para mais, D. Manuel, quis ligar o seu nome a uma
reforma legislativa de vulto. Surgiram exemplares do livro I e II das Ordenações, em 1512 e 1513, mas a
edição integral só chegou em 1514, considerando-se que já antes havia edições dos cinco livros impressos.
Levanta-se dúvida, porém, se houve um único ou textos diferentes cometidos a dois impressores.
Demasiado preso à coletânea afonsina, os trabalhos continuaram, só se verificando uma edição
definitiva em 1521. A fim de evitar confusões, uma carta régia de 1521 impôs que só restassem as versões
mais atualizadas das ordenações.

Sistematização e Conteúdo: A estrutura básica e a distribuição das matérias manteve-se à


semelhança das ordenações afonsinas. Porém, há grandes diferenças de conteúdo, Como a supressão dos
preceitos aplicáveis a mouros e judeus graças ao facto de terem sido expulsos do país, a inclusão da
disciplina de interpretação vinculativa da lei, através dos assentos da casa da suplicação, etc…

Técnica Legislativa: Estilo Decretório.

Edição: Enquanto estiveram em vigor, foram alvo de várias edições. Após a sua substituição, estas
ainda conheceram uma edição universitária em 1797 para investigação histórica.

COLEÇÃO DAS LEIS EXTRAVAGANTES DE DUARTE NUNES DO LIÃO


A dinâmica legislativa levou a que as Ordenações Manuelinas fossem acompanhadas por diplomas
avulsos. Estas revogavam, alteravam e esclareciam os seus preceitos, tendo matérias inovadoras.
Acrescentam-se os assentos da Casa da Suplicação. Tornava-se imperiosa uma coletânea que
complementasse as ordenações em mantivesse a certeza e segurança do direito. Coube a iniciativa ao
cardeal D. Henrique que encarregou Duarte Nunes do Lião a criar legislação extravagante. A sua
experiência significou o êxito do empreendimento legislativo pretendido.

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Eduardo Figueiredo 2013/2014

Na compilação que obteve força vinculativa, em vez de uma transcrição das leis e assentos,
procedeu-se a um resumo ou excerto da sua essência. A esta síntese foi atribuída a mesma autoridade e foi
revista. Os preceitos resumidos valiam com o sentido que se continham na versão sintética. A preocupação
de fidedignidade dos extratos indicava o caminho para solucionar as dúvidas interpretativas que surgissem.

Conteúdo: Tem seis partes: (1) ofícios e oficiais régios, (2) jurisdições e privilégios, (3) as causas,
(4) os delitos, (5) a fazenda real, (6) matérias diversas. Cada parte tem títulos, cujos preceitos se designam
de leis. As leis mais extensas têm vários parágrafos.

Edição: A edição “prínceps” de 1569 foi a única realizada durante a vigência da Coleção de Leis
Extravagantes de Duarte Nunes do Lião. Apenas conheceria outra edição no século XVII, pela UC. A versão
de 1987 traz algumas notas úteis de uso pessoal, escritas pelo próprio autor.

ORDENAÇÕES FILIPINAS

Impunha-se uma reforma profunda das Ordenações Manuelinas, por não realizarem a transformação
jurídica que o seu tempo reclamava. A elaboração das novas ordenações coube a Filipe I, em cujo reinado
se tomaram várias providências relevantes na esfera do direito. Há um possível aproveitamento político da
urgência de coordenação e modernização do corpo legislativo que permitiu Filipe I demonstrara pleno
respeito pelas instituições portuguesas e empenho em atualizá-las dentro da tradição jurídica do país.
Os trabalhos preparatórios das ordenações Filipinas iniciam-se entre 1583 e 1585, criadas por Jorge
de Cabedo, Afonso Vaz Tenreiro, Duarte Nunes do Lião, entre outros. Foram concluídas em 1595 e
receberam aprovação por lei ainda nesse ano, mas que não chegou a produzir efeito. So no reinado de
Filipe II, em 1603 é que iniciaram a sua vigência.

Conteúdo: Mantiveram o sistema tradicional de cinco livros, subdivididos em títulos e parágrafos.


Não alterou o conteúdo quanto aos cários livros. Procurou-se apenas atualizar as Ordenações Manuelinas,
procedendo-se à reunião, num único corpo legislativo, dos dipositivos manuelinos e dos muitos preceitos
subsequentes. Introduziram-se certas alterações, nomeadamente no que toca ao direito subsidiário.
Nenhuma modificação intrínseca se produziu nos critérios de preenchimento das lacunas da lei consagradas
pelas ordenações manuelinas. A matéria regulada pelo livro II, passa agora para o livro III. Há ainda
alterações de conteúdo muito relevantes: conjunto de preceitos sobre direito da nacionalidade. Todas as
normas que não estavam na compilação foram revogadas, com ressalva, das transcritas em livro na Casa da
Suplicação, Ordenações da Fazenda e Artigos das sisas.

Confirmação: As Ordenações Filipinas sobreviveram à revolução de 1640, sendo revalidadas em 1643


por D. João IV.

“Filipismos”: Os compiladores filipinos tiveram a preocupação de rever e coordenar o direito


vigente, reduzindo-se ao mínimo as inovações. A atualização as Ordenações Manuelinas foi feita aditando o
novo ao antigo, dando origem à subsistência de algumas normas revogadas, gerando faltas de clareza e
contradições. A ausência de originalidade deu origem à designação de filipismos.

Edição: Tiveram múltiplas edições, sendo a primeira em 1603. Uma outra foi feita pela UC em 1773
– edição vicentina. Destaca-se a edição dada à estampa no Brasil em 1870, por iniciativa de Cândido de
Almeida. Esta edição que assegurou a fidedignidade do texto vem acompanhada de várias anotações muito
úteis à investigação.

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16.1. A Legislação extravagante. Publicação e início da vigência da lei.


A coletânea filipina vira-se complementada por um núcleo importante e extenso de diplomas legais
avulsos – legislação extravagante. O conceito de lei utilizado era muito amplo e ainda se ignorava o
princípio da separação dos poderes, qualificando-se como lei toda a manifestação da vontade soberana
destinada a introduzir alterações na ordem jurídica estabelecida. Nem sequer se consideravam necessários
os requisitos da generalidade e permanência. Desde que se reconhecesse geral e abstrata, não repugnava
dar-se a mesma designação a diplomas sem tais características. Esta legislação extravagante dirigia-se
principalmente à manutenção da ordem pública, à administração da justiça e à cobrança de impostos. O
direito privado surge em plano subalterno, acreditando-se no suporte das fontes subsidiárias.
Continuava a centralizar-se o monarca na criação do direito, manifestando-se de várias formas: cartas
de leis e alvarás. Ambas passavam pela chancelaria régia, embora existissem diferenças formais e duração.
Quanto ao formulário, as cartas de lei começavam pelo nome do monarca; os alvarás continham a
expressão “Eu, El rei”, contendo na assinatura “El rei” ou “Rei”. Quanto à duração, as cartas de lei contêm
disposições a vigorar mais do que um ano, enquanto que no alvará se incluíam as disposições que tivessem
vigência inferior. Ambos confundiram-se e deram origem aos alvarás com força de lei, de lei ou em forma
de lei.
Num plano menos relevante temos os decretos que se dirigiam a um ministro ou tribunal, terminando
com a expressão dirigida ao destinatário. O seu âmbito cinge-se a determinações de casos particulares,
adquirindo, depois, preceitos gerais inovadores.
As cartas régias eram epístolas destinadas a pessoas determinadas, que começavam com a indicação do
destinatário, mas cujo formulário variava consoante a classe social. Assinadas com a palavra “Rei”.
Resoluções eram os diplomas em que o monarca respondia ás consultas que os tribunais lhe
apresentavam, visando casos concretos, mas com tendência para a aplicação analógica, tornando-se leis
gerais.
Provisões eram os diplomas que os tribunais expediam em nome e por determinação do monarca,
cabendo no sentido amplo da lei e podendo a surgir no decorrer de um decreto ou resolução régia. Só
levavam as assinaturas dos secretários de estado que as criavam e as que eram assinadas pelo rei
confundiam-se com os alvarás. São as provisões reais ou provisões em forma de lei.
As portarias e avisos eram ordens expedidas pelos secretários de estado em nome do monarca. As
primeiras são de aplicação geral e as segundas de aplicação particular. Através destes diplomas chegaram a
promulgar-se autênticos preceitos legislativos.

Publicação e início da vigência da lei: Nas ordenações afonsinas não há normas sobre o sistema de
publicação das leis, nem com a disciplina do cargo de chanceler-mor. As ordenações manuelinas atribuem
ao chanceler mor, tanto a publicação das leis na chancelaria da corte, como o envio dos translados
respetivos aos corregedores das comarcas. D. João III determina que a publicação na corte deve ser feita no
próprio dia da emissão das leis. As Ordenações Filipinas repetiram o preceito.
Durante algum tempo, a prática era a da transcrição dos textos legais. Com a invenção da imprensa, a
difusão foi maior e as tiragens eram reduzidas, tornando-se obrigatória mais tarde, chegando a existir uma
folha em que se publicavam os novos diplomas.
Em 1518 determina-se que a lei teria eficácia em todo o país decorridos três meses sobre a sua
publicação na chancelaria e independentemente de serem publicadas nas comarcas. Transitou para as
Ordenações Manuelinas, mas reduziu o período de vacatio legis para 8 dias quanto à Corte. Os restantes
diplomas não submetidos à chancelaria régia tinham início de vigência imediata aquando da publicação. As
ordenações filipinas não introduziram alterações. A partir de 1749, com o Ultramar, determina-se que as
leis só tinham obrigatoriedade nos territórios ultramarinos uma vez publicadas nas cabeças das comarcas.

16.2. Interpretação da lei através dos assentos


No século XVI, determina-se que, surgindo dúvidas aos desembargadores da casa da suplicação sobre o
entendimento de algum preceito, estas devem ser levadas ao regedor que convocaria outros
desembargadores para fixar a interpretação mais adequada. Esta interpretação podia ser pedida ao
monarca nos casos mais graves. As soluções ficavam registadas no livro dos assentos e tinham força

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imperativa para os casos futuros que fossem análogos. Surgem os assentos da casa da suplicação como
jurisprudência obrigatória. (É um antecedente à questão dos assentos do STJ) A casa da suplicação era o
tribunal superior do reino.
A casa do cível era uma segunda instância para conhecer os recursos das causas cíveis de todo o país,
ressalvadas as sentenças proferidas no local onde se encontrasse a corte e cinco léguas em redor, cuja
apelação iria ao tribunal da corte. Para descentralizar os tribunais de recurso, Filipe I mudou este último
para o Porto – Nova Casa da Relação do Porto, que funcionava como tribunal de segunda e última instância,
quanto ás comarcas do norte, em matéria crime; em matéria cível, se a causa ultrapassasse certa alçada,
admitindo recursos para a Casa da Suplicação. Mantinha-se uma certa subalternidade entre a Relação do
Porto e a Casa da Suplicação. Os desembargadores da Relação do Porto também exigiram o direito de
proferir assentos normativos, gerando confusões. A Lei da Boa Razão de 1769 estabeleceu que só os
assentos da Casa da Suplicação teriam eficácia interpretativa.

16.3. Estilos da corte. O Costume


Como fontes do direito pátrio surgem ainda os estilos da corte e o costume. Civilistas e canonistas
discutiram a diferença entre costume e estilo. Ambos representam forma de natureza não legislativa,
alicerçando-se no uso. O conceito de estilo adquiriu um sentido generalizado de jurisprudência uniforme e
constante dos tribunais superiores. Quanto aos requisitos a que devia obedecer:
1) Não ser contrário à lei
2) Tivesse prescrito, isto é, uma antiguidade de 10 anos ou mais
3) Fosse introduzido através de dois atos conformes de tribunal superior. Alguns autores defendem
que devam ser três.
Há ainda quem defenda que só no caso de estilo contrário à lei se impunha a prova de prescrição,
valendo, via de regra, sem este pressuposto. Um diploma do século XVII determinou a imperatividade dos
estilos antigos da casa da suplicação.
As ordenações reconhecem o costume. Isto é, este mantinha a eficácia de fonte de direito, tanto se
fosse conforme à lei (“secundum legem”, para além desta (“praeter legem”) ou contra esta (“contra
legem”). As ordenações afonsinas consagraram a vigência do costume do Reino antigamente usado. As
Ordenações Manuelinas salientam a validade dos costumes locais no mesmo plano dos costumes gerais,
restringindo a observância do costume, geral ou local, como fonte imediata. O legislador ainda apelou à
fundamentação e aos requisitos de validade que a ciência jurídica da época estabelecia a respeito do
costume.
O fundamento da obrigatoriedade do costume, dotado da mesma força de lei, resultava da
harmonização da sua génese – o consenso coletivo exteriorizado numa certa conduta reiterada – com o
princípio de que a vontade do monarca representava fonte básica ou única da criação do direito positivo.
Admite-se a ideia de aquiescência tácita do rei. Os pressupostos da força vinculativa do costume só foram
fixados mais tarde, admitindo-se a validade do costume contrário à lei, desde que ressalvados os preceitos
da ordem pública.
Quanto À prescrição, tornou-se corrente a doutrina do direito comum que defende um período de
tempo igual ou superior a dez anos. A propósito da pluralidade de manifestações do costume durante esse
período, as opiniões divergem entre um e dez atos, mostrando-se mais seguida a que se contentava com
dois atos.

16.4. Direito Subsidiário


O fato das Ordenações se encontrarem, muitas vezes, incompletas levanta o problema da integração
das lacunas da lei, ou seja, do direito a aplicar subsidiariamente. O direito subsidiário é o sistema de
normas jurídicas chamado a colmatar as lacunas de outro sistema, podendo este ser geral – preenche as
lacunas de uma ordem jurídica na sua totalidade – ou especial – preenche as lacunas de um só ramo do
direito ou instituição. O relevo próprio desta problemática das lacunas parte de dois pressupostos: a
ausência de uma verdadeira autonomia dos diversos ordenamentos jurídicos e da pretensão de uma
autossuficiente totalidade unitária de regulamentação jurídica do domínio ou campo de direito a que o

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ordenamento se destina e ainda a possibilidade de remeter o julgador para quaisquer ordenamentos


jurídicos disponíveis. (o que conduzia à ocultação do exato problema das lacunas)
A imperfeição do ordenamento jurídico nacional era reconhecida com a ideai de que o juíz, mediante
recursos a um direito subsidiário, a um qualquer direito pressuposto ou a uma outra fonte formal de direito,
sempre disporia de um direito dado a que poderia ater-se, não se lhe exigindo o seu contributo para a
constituição do direito por via integrativa. Esta fase ultrapassou-se através do movimento de legislação
nacional, autónoma e unitária, com a sua intenção de uma plenitude normativa.
No séc. XIX, o problema das lacunas começou a surgir ao jurista, concordando-se que o problema só
pode ser resolvido através da intervenção constitutivamente integrante do julgador, e isso quer o legislador
prescreva ou não critérios metodológicos gerais que aquele deva respeitar.
Hoje o problema das lacunas só se coloca nos limites do direito constituído. Quer dizer, esgotadas as
possibilidades diretas e indiretas de aplicação imediata de um prévio direito constituído, de uma fonte
formal de direito. Assim, a questão do direito subsidiário cresce de interesse à medida que se recua no
tempo, conhecendo as épocas em que a escassez e a imperfeição das fontes nacionais impunham um amplo
recurso a ordenamentos jurídicos estrangeiros.

a) Fontes de Direito Subsidiário segundo as Ordenações Afonsinas


Só nas Ordenações afonsinas se refere um direito subsidiário, mencionadas após as fontes de direito
nacional – colocando-se no mesmo plano leis do Reino, Estilos da Corte e Costumes antigamente usados.
Eram estas as fontes imediatas e o legislador afirma a sua imperatividade e prevalência. Apenas quando
não se pudesse decidir o caso sub iudice com base nelas se pode recorrer ao direito subsidiário, cujas
fontes de encontram taxativamente previstas e hierarquizadas. Das ordenações Manuelinas para as
Filipinas, as alterações a este tema foram meramente formais. A questão do direito subsidiário deixou de
ser disciplinado a propósito das relações entre Igreja e Estado, deslocando-se para o âmbito do processo.
Há porém grandes mudanças introduzidas pelas ordenações Manuelinas, justificando-se a aplicação do
direito romano com a sua autoridade intrínseca.

I) Direito Romano e Direito Canónico


Na falta de direito nacional, caberia utilizar o direito romano e o direito canónico, que se designavam
leis imperiais e santos cânones. Em questões jurídicas de natureza temporal, a prioridade pertencia ao
direito romano, exceto se da sua aplicação resultasse pecado. O direito canónico prevalecia sobre o direito
romano em matérias de ordem espiritual e nas temporais em que a observância deste último traduzisse
pecado (fosse contrário à moral cristã). A supremacia do direito canónico sobre o direito romano, quando a
sua aplicação resultasse em pecado, representava a doutrina corrente.

Ordenações Manuelinas e Filipinas: Deixa-se de referir a distinção entre problemas jurídicos temporais
e espirituais, apenas se consagrando o critério do pecado que fornecia o único limite à prevalência
subsidiária do direito romano sob o direito canónico, qualquer que fosse a natureza do caso omisso.

II) Glosa de Acúrsio e Opinião de Bártolo


Se o caso omisso não fosse decidido pelo direito romano ou canónico, devia atender-se à Glosa de
Acúrsio e, só depois, à opinião de Bártolo, ainda que outros doutores contrariassem as suas posições.
Verifica-se a prevalência de Bártolo alegando a sua maior racionalidade, evitando incertezas e confusões
jurisprudenciais.

Ordenações Manuelinas e Filipinas: Preserva-se a sua precedência, mas estabelece-se o requisito de que
a opinião comum dos doutores não contrariasse essas fontes. O fato da lei colocar a communis opinio como
filtro da Glosa de Acúrsio e da Opinião de Bártolo levou à interpretação de que aquela constituía uma fonte
de direito subsidiário a verificar antes da Glosa e da Opinião.

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III) Resoluções do Monarca


Sempre que não se conseguisse, com estes elementos anteriormente referidos, a disciplina do caso
omisso, impunha-se a consulta do rei, cuja estatuição valeria, de futuro, para todos os feitos semelhantes.
Determinava-se o mesmo procedimento quando a hipótese, não envolvendo matéria de pecado, nem sendo
disciplinada pelo DR, tivesse soluções diversas no direito canónico e nas glosas e doutores das leis.

Utilização das fontes subsidiárias


Verificaram-se algumas confusões e atropelos frequentes À letra e ao espirito do sistema. Não raro o
Direito Romano preteriu o direito pátrio ou verifica-se a situação da prevalência da regra hermenêutica de
que as normas jurídicas do país deviam receber interpretação extensiva ou restritiva, consoantes fossem
conformes ou não a esse direito, abusava-se da opinião comum, etc… O fato do exercício das magistraturas
ordinárias menores dispensar qualquer grau académico conduz a uma situação difícil de analfabetismo de
alguns juízes desprovidos de cultura jurídica e aplicavam um direito de cunho local, distanciando as
doutrinas do direito comum.

16.5. Reforma dos Forais


Eram uma importante fonte do direito local, mas que se foi desatualizando. Uma parte do seu conteúdo
estava revogada pela legislação geral e as normas ainda vigente tinham caráter obsoleto, referindo-se a
medidas em desuso ou gerando incertezas e arbitrariedades. O robustecimento do poder do rei e
uniformização jurídica iam determinando o declínio das instituições concelhias, que se verificou ao longo
do séc. XV.
Nas cortes de 1472/1473, iniciadas em Coimbra e terminadas em Évora, os procuradores alegaram as
deficiências dos forais, solicitando a Afonso V a sua reforma. Mas foi D. João II que, através de carta régia,
determinou o envio à corte de todos os forais, procedendo à sua reforma. D Manuel I nomeou uma comissão
de revisão dos forais composta por Rui de Boto, João Façanha, Fernão de Pina, etc… A reforma ficou
concluída em 1520, surgindo so forais novos ou manuelinos, limitando-se a regular os encargos e tributos
devidos pelos concelhos ao rei e aos donatários das terras. Deixaram de ser estatutos politico-concelhios.

16.6. Humanismo Jurídico ou Escola Culta


O Humanismo e a Renascença trouxeram um grande contributo para a evolução dos estudos
romanísticos e canonísticos. Mantém-se a subalternidade do estudo do direito pátrio, em detrimento destes
sistemas, tanto na esfera universitária, como fora dela. O Humanismo e a Renascença contribuíram para o
desenvolvimento do espírito português e europeu, com inúmeras transformações em todos os campos,
nomeadamente no campo do direito com uma revisão crítica da sua ciência. Uma nova mentalidade
enforma a orientação da chamada Escola dos Juristas Cultos, Escola dos Jurisconsultos Humanistas, Estola
Histórico-Crítica ou Escola Cujaciana. (de Cujácio)

Aparecimento
A eclosão desta nova diretriz deve-se ao progresso do humanismo renascentista e a decadência da obra
dos Comentadores, a partir do séc. XV. Assiste-se a um uso rotineiro do método escolástico. A partir de
certa altura, os Bartolistas limitam-se a amontoar nos seus escritos uma série interminável de questões,
distinções e citações de autores precedentes. A impreparação e menosprezo dos comentadores quanto à
história provocaram a sua censura pelos espíritos cultos da época. O direito romano começa a encarar-se
com uma das várias manifestações da cultura clássica. Foram os juristas desta escola os que iniciaram o
estudo crítico das fontes romanas.
Porém o humanismo não deve ser entendido como um simples movimento dominado pela filologia e
investigação erudita das normas de direito romano, devendo entendê-lo como abrangendo as correntes
espirituais e intelectuais, racionalistas e individualistas, que definem esse período.
Este desenvolveu-se sob diversas tendências, desde as filológico-críticas, orientadas para o estudo e
reconstrução dos textos clássicos, até à que reivindicava a liberdade e autonomia do jurista na exegese da
lei.

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Precursores e Apogeu da Escola


O fundador da escola foi Alciato, Budé e Zasio que afirmaram o movimento a nível europeu. Destaca-se
também António de Gouveia. A escola Humanista surgiu como primeira corrente filológico-critica italiana,
sendo depois continuada e desenvolvida em França. Destaca-se a universidade de Bourges, onde Alciato
lecionou o Direito Romano de acordo com o novo método. Esta autonomia interpretativa do jurista em face
a normas legais, estendeu-se por toda a Europa.
O apogeu verifica-se na época de Cujácio, graças á sua obra marcada por uma rigorosa exegese
histórica e filológica do direito romano, de que resultou a relativização.

Contraposição do Humanismo ao Bartolismo


Nem mesmo em França, o Humanismo jurídico conseguiu triunfo absoluto sobre o bartolismo. Um pouco
por toda a europa surgiram vozes a defender a utilização dos métodos tradicionais do bartolismo,
originando acesos debates entre o método jurídico francês e o método jurídico italiano, do século XVI ao
séc. XVIII. Os Humanistas envolveram-se muito na especulação pura, criando um direito teórico, de
tendência erudita, enquanto os processos dos Comentadores levavam a um direito prático através da
utilização do sistema romano com espírito jurídico para encontrar soluções para os casos concretos. Mas o
programa bartolista era difícil de executar, devido à preparação cientifica que exigia, e menos atrativo
para a rotina forense. Não é de excluir que se tenha podido chegar a fórmulas autóctones mais ou menos
coincidentes com a do bartolismo, posto que sem influência direta desta estrita corrente, antes como
resultado do movimento humanista em geral. Cumpre o humanismo jurídico um ciclo efémero.

16.7. Literatura Jurídica


16.7.1. Considerações Gerais
Referem-se os jurisconsultos portugueses que definiram o pensamento jurídico português da época,
influenciados quer pelo modelo francês, como pelo modelo italiano. O Problema é o da adesão de um certo
número de juristas nacionais à Escola Histórico Crítica e a sua influência na vida jurídica do país.
Houve juristas portugueses que aceitaram os rumos do Humanismo Jurídico, apesar da sua ação
irrelevante, tanto teórica, como prática. A orientação humanista não ultrapassou as nossas fronteiras, quer
porque os estudiosos no estrangeiro não regressavam ao país ou porque nenhuma obra aqui escreviam. O
mesmos e passou com os juristas do modelo francês.
No que toca à orientação humanista que reivindicava a liberdade e a autonomia interpretativa dos
textos, reconhece-se que não conseguiu uma sorte muito diversa, sendo os seus reflexos muito esporádicos.
Desatacam-se os juristas que conciliaram o método dos comentadores e as exigências eruditas com os
postulados hermenêuticos da modernidade humanista. Apesar de tudo, os jurisconsultos nacionais
relevaram enorme mestria e senso jurídico ao conciliar a visão dogmática e histórica. Desatca-se Manuel da
Costa, Aires Pinhel, etc…
Desatacam-se, assim, os civilistas, canonistas e cultores do direito pátrio.

16.7.2. Civilistas
Aplicaram-se ao estudo do direito romano e a sua obra carateriza-se por uma equilibrada posição entre
as duas correntes dominantes além-fronteiras. Destaca-se Manuel da Costa, Aires Pinhel e Heitor
Rodrigues.Numa semi-heterodoxia situam-se Pedro Barbosa e Francisco de Caldas Pereira (-Comentadores-)
e Eduardo Caldeira e João Altamirano (-Humanismo-). No campo do direito comercial e marítimo destaca-se
Pedro de Santarém, cuja obra adquire fama europeia.

16.7.3. Canonistas
Dedicavam-se ao estudo do direito canónico, que tinham uma expressão universitária paralela à do
direito romano. Destacam-se Doutor Navarro, Bartolomeu Filipe, Fernando Paes, entre outros que deixaram
obras valiosas.

16.7.4. Cultores do Direito Pátrio

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O seu estudo começa a predominar no século XII, numa antecipação ao ensino universitário. Há três
categorias de obras inspiradas na ciência do direito comum: a dos comentários ás Ordenações e leis
extravagantes; a das que se ocupavam da exposição e resolução de casos concretos, reais ou figurados; as
que versavam da prática forense e notarial. Os autores designam-se de comentadores, casuístas e praxistas.
Para além disso, também se produziram estudos monográficos do direito português, sobre a forma de
tratados sistemáticos – tratadistas. Ainda se destacam os repertórios enquanto obras que indicavam
normas, arestos e referências doutrinais pertinentes para determinado tema.

Comentadores: Manuel Barboso e Agostinho Barbosa, mas também Manuel Pegas e Manuel da Silva, com
uma obra extensíssima.
Casuística: Foi o ramo mais cultivado. As obras do género recebiam os títulos de decisões, consultas ou
alegações, nelas se coligindo casos concretos, extraídos de arestos dos tribunais superiores, de consultas a
advogados famosos ou imaginados pelos seus autores, com indicação de conclusões em forma de soluções
preferíveis. Destacam-se Jorge de Cabedo ou Gabriel Castro.
Praxistas: Gregório Caminha, Manuel Castro e Manuel Ferreira.
Tratadistas: Valasco, Francisco Pinheiro ou Gabriel Castro.
Autores de Repertórios: Tinham enorme importância prática, facilitando o conhecimento da
jurisprudência e da doutrina, destacando-se Duarte Nunes do Lião e Manuel Castro.

16.8. O ensino do Direito


Aprecia-se a produção científica dos jurisconsultos nacionais, desde o século XVI até aos meados do
século XVIII.

Antes de D. João III


O ensino jurídico do nosso país recua à fundação do Estado Geral dionisiano, nomeadamente com a
possibilidade de obtenção de graus académicos em direito canónico e em direito romano. Estes incluem-se
no domínio do ensino universitário português com tradição mais antiga.
Até D. João III não há conhecimentos pormenorizados. D. Dinis determinou que houvesse dois docentes:
um de Leis e um de Cânones, mas só uma cátedra funcionou em cada um dos ramos jurídicos. A
universidade encontrava-se composta por simples “cadeiras”. A importância relativa que o ensino das Leis e
dos cânones possuía no âmbito universitário aferia-se através das remunerações altas dos professores. Até
finais do séc. XV manteve-se o modelo de duplo reitorado de tipo bolonhês. D. João II e D. Manuel I
procuraram melhorar o ensino chamando à cátedra professores estrangeiros e proporcionando subsídios a
estudantes. D. Manuel concedeu estatutos à universidade, testemunhando a existência de cátedras de Leis
e de Cânones. Em 1431 aparecem já expressos os graus de bacharel, licenciado e de doutor.
Os textos e métodos adotados do ensino foram os mesmos que serviam de base aos estudos romanísticos
e canonísticos medievais. Não admira que a escola nacional não tivesse condições para rivalizar com
algumas universidades estrangeiras que continuaram a atrair estudantes portugueses.

Instalação da Universidade em Coimbra


A sede da Universidade oscilou de Lisboa a Coimbra, sendo fixada definitivamente em Coimbra no ano
de 1537 por D. João III, no âmbito de uma profunda reforma do ensino universitário. Num espirito de
europeização, passaram só para Coimbra os professores com crédito científico, depositando-se grande
confiança nos mestres vindos do estrangeiro. Algumas cátedras foram concedidas a portugueses que tinham
estudado no estrangeiro, orientando a ciência jurídica.

Organização dos Estudos Jurídicos segundo os “Estatutos Velhos”


Os estatutos manuelinos foram o primeiro diploma completo de regulamentos sobre os vários aspetos da
vida interna da Universidade. Seguem-se alterações de alguns monarcas, destacando-se a criação dos
estatutos Filipinos, por Filipe II, que foram confirmadas por D. João IV e se mantiveram até ao pombalismo
que criou os “Estatutos Novos de 1772”.
Os estatutos velhos baseavam-se em:

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 Existência de duas faculdades: a de Leis (Estudo do Corpus Iuris Civilis) e a de Cânones (Estudo
do Corpus Iuris Canonici)
 Faculdade de Cânones compreendia sete cadeiras, destacando-se as duas de Decretais, uma de
Decreto e uma de Sexto.
 Faculdade de Leis com oito cadeiras, cada uma sobre uma parte do Corpus Iuris Civilis.
 Sistema de ensino era de raiz escolástica, vivendo-se sob um império de autores consagrados,
que definiam a opinião comum.
 Verifica-se alguma abertura ao Humanismo Jurídico, adversas ao predomínio da autoridade. Há
uma maior liberdade de interpretação do jurista. Mas este surto foi fugaz e desapareceu
rapidamente após o século XVI, regressando os rumos bartolistas.
16.9. Os antecedentes da Segunda Escolástica – A Primeira Escolástica.
Na idade média, as questões tocantes ao direito natural tinham sido tratadas pelos teólogos que haviam
estudado a sua relação com a vontade divina. Assim surgiram duas posições distintas da Primeira
Escolástica:
 Voluntarismo: Seguido de Duns de Escoto e Guilherme de Ockan que viam o direito natural
como resultado das decisões concretas e individuais da vontade divina. Ou seja, o direito
natural só o é, porque assim Deus o quis – deriva da vontade divina.
 Idealismo: é a orientação Tomística que entende que Deus sancionou o Direito natural porque
nesse direito existe uma verdade racional eterna. O direito natural era direito
independentemente da vontade divina. O direito existiria mesmo que Deus não existisse. É esta
perspetiva que se desenvolve numa fase posterior.

16.10. A Segunda Escolástica. Seus contributos jurídicos e políticos.


A influência da neo-Escolástica ou Segunda Escolástica no âmbito do Direito e do Estado. A especulação
filosófica entre o Direito e o Estado apenas se torna disciplina autónoma pelos fins do século XVIII. Antes
eram os canonistas que tratavam do problema. O ciclo que decorre do renascimento ao iluminismo
apresenta-se como fase de transição em matéria de filosofia do direito e do estado, verificando-se nele o
progresso das ideias humanistas. Assim sucedeu com o jusracionalismo da chamada Escola do Direito
Natural, predominante em Holanda, Alemanha e Inglaterra.
Aquém Pirenéus, a Segunda Escolástica teve uma influência marcante na cultura dos séculos XVI e XVII,
repensando-se a conceção cristã ao nível económico, político e social, num período humanista e de reforma
religiosa. Os estudos teológicos receberam, no século XVI, um novo impulso, tornando-se patente a
tendência para o retorno à reflexão direta do tomismo originário.
Durante esse período, so estudos da filosofia jurídica e política atingiram grande incremento, com
grandes investigações teóricas, mas também práticas da atividade da Igreja e da política concreta. Surge a
Escola Espanhola do Direito Natural, onde também participaram figuras portuguesas de vulto que dão
origem a uma Escola Peninsular do Direito Natural, que teve repercussões extra-pirinéus. Esta corrente
caraterizou-se pela sua posição jusnaturalista, reafirmando o direito e o Estado como metafisica e
ontologicamente alicerçados numa conceção teocêntrica. A partir da existência de tal ordem jurídica
superior, os teólogos juristas aferem o direito positivo.
Trouxeram contributos muito relevantes para a edificação e desenvolvimento de vários setores, desde a
teoria do Estado jus-internacionalista ao direito penal e privado. Ao nível da ética económica, discutiram-
se problemas de usura, preço justo… Merece destaque o impulso dado para a criação do direito
internacional público moderno. Os descobrimentos suscitaram várias questões atuais, nomeadamente a
liberdade dos mares, legitimidade de ocupação de territórios descobertos ou conquistados. Criaram-se as
bases teóricas do direito das gentes. Uma das querelas mais importantes prendeu-se com o exclusivo de
navegação e do comércio dos mares e dos territórios descobertos. A doutrina do Mare Liberum, onde se
destaca Hugo Grócio, opunham-se a este mare clausum por questões políticas e económicas. Vários
portugueses, porém, defenderam a continuação do Mare Clausum.
Os nomes mais importantes do pensamento jusnaturalista e jus-internacionalista peninsulares foram
Francisco de Vitória, enquanto fundador do direito internacional moderno, Domingo de Soto no que toca a
questões penais encaradas no âmbito da teologia moral, Luís de Molina e Francisco Suaréz. Em Portugal,

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destaca-se Jerónimo Osório – com uma obra reveladora de uma formação humanista sólida e desenvolvida
em torno da justiça e do direito racional -, João Salgado de Araújo – que aderiu por inteiro ao tema da
legitimidade da sobernais, embora com limitada força criativa.

Influência no pensamento Jusracionalista


Alguns autores defendem que o jusracionalismo laico do século XVIII se filia no direito natural da
escolástica medieval, mais propriamente da segunda escolástica. Hugo Grócio, fundador do jusracionalismo
moderno, não deixou de afirmar que o direito natural é aquele que teria existido mesmo se Deus não
existisse. Estava dado o primeiro passo de autonomização do direito da teologia, representando este
período uma ponte de passagem das conceções teológicas e filosóficas para o jusnaturalismo racionalista,
fundando-se o direito em axiomas da razão humana.

Período da Formação do Direito Português Moderno

17. Época do Jusnaturalismo Racionalista

17.1. Correntes do pensamento jurídico europeu


a) Escola Racionalista do Direito Natural
Durante os séculos XVI e XVII, a Europa conheceu duas linhas jurídicas que se afirmaram em várias
áreas, desde a filosofia política ao próprio direito internacional público. Uma delas foi a Segunda
Escolástica ou Escola Espanhola do Direito Natural; a outra é chamada a Escola do Direito Natural ou Escola
Racionalista do Direito Natural e desenvolveu-se na Holanda, Inglaterra e Alemanha.
Hugo Grócio é considerado o fundador do jusnaturalismo moderno, nomeadamente com as suas obras
Mare Liberum (com grandes repercussões no DIP e no combate à tese do Mare Clausum) e o De iure belli ac
pacis (inaugurando um DIP alicerçado num direito vinculativo para todos os homens e considerado como
racionalmente necessário).
Influenciado pela Segunda Escolástica, Grócio representa a passagem das correspondentes conceções
teológicas e filosóficas para o jusnaturalismo racionalista. O novo sistema do Direito Natural seria
desenvolvido por autores que na linha de Grócio desenvolveram os seus postulados, nomeadamente Hobbes,
Locke, Pufendorf, Thomasius e Wolff. Com estes, a conceção do direito natural desvincula-se de
pressupostos metafísico-religiosos, alcançando-se um direito natural racionalista que é produto/exigência
da razão humana. Tal como as leis universais do mundo físico, também as normas que disciplinam as
relações entre os homens e comuns a todos eles são imanentes à sua própria natureza e encontrados pela
razão.
O direito natural racionalista vai influenciar a ciência jurídica positiva, com exposições sistemáticas do
direito natural, conseguidas pro dedução exaustiva de axiomas básicos.

b) Usus Modernus Pandectarum


Relacionada com o jusracionalismo alemão, representa a passagem da Escola dos Comentadores para a
chamada Escola Histórica, sendo a designação criada por Samuel Stryk. Trata-se de uma confluência de
vetores práticos, racionalistas e de nacionalismo jurídico.
No fundo, trata-se da penetração de ideias jusracionalistas no campo do direito. Numa primeira fase, as
ideias jusracionalistas só indiretamente se repercutiram na vida jurídica, levando à ampliação do campo da
atividade legislativa, conforme ao intervencionismo que marcou o Despotismo esclarecido. Procurou-se
adaptar o estilo de exposição do direito romano, não ocorrendo, porém, alterações no estilo de exposição e
no método exegético-analítico dos comentadores.
Nos finais do século XVII, as influencias jusracionalistas de Pufendorf e Heineccius, conduz a que se
encarasse o direito romano com os olhos postos na realidade, procurando distinguir-se, no Corpus Iuris
Civilis, o que se conservava direito vivo e que era já direito obsoleto. Só as normas suscetiveis de uso
moderno se deviam considerar aplicáveis.
Na segunda fase, a aferição da atualidade dos preceitos romanísticos beneficiou do refinamento teórico
da referência ao direito natural racionalista. Passou a ter-se em conta o direito pátrio, que integrava o

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ordenamento vigente ao lado dessas práticas suscetiveis de serem utilizadas. A atenção conferida ao direito
pátrio e à sua história foi dos maiores contributos desta corrente. O usus modernus consubstancia-se,
assim, numa escola de orientação teórico prática ligada à disciplina da vida concreta. No nosso país, tende-
se a identificar o usus modernus com a penetração do jusracionalismo no universo jurídico português.

c) Jurisprudência Elegante
O século XVI é século do humanismo jurídico francês. No século seguinte, na Holanda, desponta a
escola da Jurisprudência elegante, cujo nome adveio da preocupação de rigor das formulações jurídicas e
dos cuidados da expressão escrita dos seus adeptos. Desatcam-se Voet, Noodt que estudaram o direito
romano dentro do método histórico-crítico. Esta jurisprudência também assumiu uma orientação prática,
combinando as finalidades dos usus modernus com as tendências do humanismo jurídico.

d) Iluminismo
Foi a que mais influenciou o Pombalismo, sendo também chamada de época das luzes ou da Ilustração.
Abrange todo o século XVIII, desenvolvendo-se sobre a égide das monarquias absolutas que configuravam o
“Despotismo Iluminado ou Esclarecido”. O Iluminismo foi um movimento voltado para as grandes
construções cosmológicas e metafísicas que se alternam invariavelmente com as de sentido antropológico e
experimentalista. No centro surgia, assim, o homem, julgando-se senhor do seu destino, hipertrofiando-se a
razão e o racionalismo. Assim aconteceu em todos os domínios ético, social, político, económico…
Desenvolve-se um sistema naturalístico das ciências do espirito, alicerçando-se na natureza e tendo a sua
validade aferida pela razão do individuo humano – ou seja, por uma razão subjetiva e crítica.
Ao nível da filosofia jurídica e política, o iluminismo desenvolve uma teoria individualista e liberal que
fundamenta a compreensão do direito do Estado. Na base colocam-se os direitos naturais e originários do
individuo. Acabam por se tirar as consequências do Renascimento e do jusnaturalismo que se acentuava,
assim como as influências das guerras religiosas e das várias revoluções liberais.
O Iluminismo não foi um movimento homogéneo. Na frança destaca-se o enciclopedismo com
Montesquieu, Rousseau, Voltaire, etc… Na Alemanha, surge o Classicismo e fundação de universidades,
destacando-se Herder, Goethe, Pufendor, Wolff… Em Espanha e Portugal desenvolve-se a filosofia moderna
com renovações científicas, pedagógicas e laicização e reforma das instituições. Destaca-se Verney,
influenciado pelo italiano Muratori.

e) Humanitarismo
Destaca-se ao nível do direito penal e do tratamento penitenciário, sendo derivado do Iluminismo e
grandemente influenciado por Montesquieu, Voltaire, Beccaria e Filangeri.
Quanto ao conteúdo do direito penal, este desvincular-se-ia de todos os preceitos religiosos, reduzindo-
se à função de tutela de valores e interesses gerais necessários à vida coletiva. Afirmava-se a ideia de
necessidade ou utilidade comum como critério delimitador do direito penal. Assim, atualizaram-se as
penas, passando as sanções criminais a ter como fundamento uma ideia de prevenção e defesa da
sociedade, procurando evitar futuras violações da lei criminal, intimidando e reeducando o delinquente
(prevenção especial) e intimidando a generalidade das pessoas (prevenção geral).
A ação preventiva do direito penal devia respeitar a dignidade da pessoa humana, exigindo-se
proporcionalidade na pena e gravidade do delito e substituindo as penas corporais ou infamantes pela pena
de prisão. A sanção traduzia-se agora na limitação da liberdade humana, o bem mais valioso de todos.
Quanto ao processo penal, cabe assinalar sobre a contraposição entre os modelos acusatório e
inquisitório: do século XIII ao século XVIII, ocorre uma prevalência acentuada do processo oficioso em
confronto com o processo iniciado por iniciativa das partes; depois, após a análise iluminista dos problemas
da justiça criminal, começa uma época de grande importância para o processo penal, observando-se o
trânsito de uma estrutura inquisitória para um processo de inspiração acusatória.
Mello Freire foi o principal representante destas conceções do direito penal substantivo e adjetivo, em
Portugal.

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17.2. Reformas Pombalinas respeitantes ao direito e à ciência jurídica


Estas correntes foram a base orientadora das reformas pombalinas, embora nos graus diversos que o
Despotismo Ilustrado filtrava. A polarização destas doutrinas acentuou-se com os estrangeirados - letrados e
cientistas nacionais que estudaram além-fronteiras e que conheceram estes movimentos, incentivando o
nosso país a acompanhar a renovação europeia. Destaca-se Luís António Verney que se salientou na área do
jusnaturalismo, uso moderno, iluminismo e humanitarismo. As sugestões de Verney só se manifestaram nas
transformações jurídicas e cientificas efetuadas por Marquês de Pombal, em três setores: o das
modificações legislativas pontuais, o da atividade cientifico-prática dos juristas e o do ensino do direito.
Operaram-se por via legislativa, múltiplas alterações em vários institutos: processo necessário sempre
que houve preceitos expressos e revogar ou introduzir modificações rápidas e completas. Algumas
providências permaneceriam, como as companhias que se afirmarão como as futuras sociedades por ações.
Não faltaram outras alterações que correspondiam ao sistema de ideias da época, tendo vigência
efémera, como os diplomas que criavam moldes inteiramente novos nas matérias de sucessão
testamentária. Mais relevantes foram as providências adotadas na ciência e no direito, voltadas para
interpretação, integração e aplicação nas normas jurídicas e o da formação dos juristas. Destaca-se a lei da
boa razão e os Estatutos novos da universidade.

a) Lei da Boa Razão


Trata-se da Lei de 18 de Agosto de 1769, sendo que só no século XIX foi apelidada de Lei da Boa Razão
já que apela insistentemente à boa razão – recta ratio jusnaturalista, representando o dogma supremo da
atividade interpretativa e integrativa, estivesse cristalizada nos textos romanos, direito das gentes ou leis
positivas estrangeiras.
Teve vários objetivos, impedindo irregularidades em matéria de assentos e quanto à utilização do
direito subsidiário, e fixando normas sobre a validade do costume e elementos a recorrer para
preenchimento de lacunas.
I – Os diferendos submetidos a apreciação pelos tribunais deviam ser julgados, antes de mais, pelas leis
pátrias e pelos estilos da corte (jurisprudência a observar em casos idênticos). Estes últimos só valiam
quando aprovados pela Casa da Suplicação, tendo os estilos perdido a eficácia autónoma de outrora.
II – Confere-se autoridade exclusiva aos assentos da Casa da suplicação – tribunal supremo do reino. Os
assentos das relações só teriam valor normativo mediante a confirmação da Casa da suplicação. Esclareceu-
se a situação nociva que se traduzia na falta de certeza da aplicação do direito, culminando na existência
de assentos contraditórios.
III – Para que o costume valesse enquanto fonte de direito deveria (1) ser conforme à boa razão, (2) não
contrariar a lei e (3) ter mais de cem anos de existência. O direito consuetudinário só conservou validade
secundum legem e praeter legem. Na ausência dos requisitos, os costumes eram indicados como abusos,
independentemente da opinião dos doutores.
IV – Quando houvesse casos omissos, caberia a utilização do direito subsidiário. O direito romano só era
utilizado se estivesse conforme à boa razão. Por boa razão entende o próprio legislador aquela que
“consiste nos primitivos princípios, que contem verdades essenciais, intrínsecas e inalteráveis, que a ética
dos romanos havia estabelecido (…) que respeita o direito divino e o direito das gentes(…)”.
Assim, era fonte subsidiária, ao lado do direito romano selecionado pelo jusracionalismo, o sistema de
direito internacional. Em 1772, os Estatutos da Universidade fixaram um conjunto de regas para fixar a boa
razão dos textos romanos. Para além disso, o intérprete deve averiguar qual o uso moderno desses
preceitos. O direito romano era aplicado subsidiariamente, se reconduzisse ao aceito nas grandes obras do
usus modernus, que adquiriam valor normativo indireto como fontes supletivas.
V – Se a lacuna dissesse respeito a matérias políticas, económicas, mercantis ou marítimas, o direito
romano era posto de lado por ser inadequado e recorria-se diretamente às leis das nações Cristãs,
iluminadas e polidas.
VI – A aplicação do direito canónico só é levada a cabo pelos tribunais eclesiásticos, deixando este de
ser visto como fonte subsidiária.

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VII – Proibiu-se que as Glosas de Acúrsio e a opinião de Bártolo fossem alegadas e aplicadas em juízo,
assim, como a opinião comum dos doutores. Tal deve-se pelas imperfeições jurídicas a elas atribuídas, pela
falta de conhecimentos históricos e das normas de direito natural e divino.

b) Novos Estatutos da Universidade


Estas reformas universitárias refletem as correntes doutrinárias europeias dos séculos XVII e XVIII. Em
1770, a junta de Providência Literária, incumbida de emitir um parecer sobre as causas da decadência do
ensino universitário, apresentou o Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra onde critica a
organização existente, reafirmando-se o requisitório contido na obra de Verney.
A esta juntam-se os Novos Estatutos da Universidade, aprovados por carta de lei a 28 de Agosto de
1772. A Parte dedicada à faculdade de Leis e de Cânones foi da autoria de João Pereira Ramos Coutinho.
O compêndio apontou como graves defeitos a preferência dada ao direito romano e canónico,
desconhecendo-se o direito pátrio. O abuso que se fazia do método bartolista, cego pela opinnio communis,
e o desprezo pelo direito natural e pela história do direito eram outros erros apontados.
Face a estas questões, os Estatutos, mantêm os cursos bipartidos em Leis e Cânones, mas o quadro de
disciplinas é alterado, com a inclusão de uma cadeira de direito natural – que incluía o estudo do direito
das gentes – e uma cadeira de história do direito e das instituições do direito pátrio. Mas o núcleo essencial
dos cursos continuavam a ser o estudo do Corpus Iuris Civilis e do Corpus Iuris Canonici.
Altamente revolucionários foram os novos métodos e anova orientação do ensino. O método era
sintético-demonstrativo-compendiário, inspirado no sistema alemão. Procurava-se fornecer ao estudante
uma visão geral de cada disciplina, como definições e sistematizações da matéria, seguindo uma linha de
progressiva complexidade; passar-se-ia de umas proposições ou conclusões ás outras só depois do
esclarecimento cientifico dos precedentes e como sua dedução; tudo sito acompanhado de manuais
adequados e sujeitos a provação oficial. O lente devia organizar a sua docência de modo a abranger toda a
matéria do programa, para que desse aos estudantes uma visão do conjunto da disciplina. O método
analítico só sobreviveu ás cadeiras de aprendizagem de interpretação e execução de leis, mas antecedido
de uma noções gerais de hermenêutica jurídica.
No ensino do direito romano e canónico, o método bartolista foi substituído pela diretrizes histórico-
criticas ou cujacianas, consagrando-se ainda os princípios da corrente do usus modernus. Exigia-se que os
professores criassem compêndios breves, claros e bem ordenados que substituíssem as postilas ou apostilas
– apontamentos manuscritos das preleções das aulas. Até á sua realização, utilizavam-se obras estrangeiras.
Só Mello Freire conseguiu ver aprovado o seu compêndio.
Também se esculpiu o modelo de aluno aplicado submetido a um regime rigoroso de comparências ás
aulas e a um esquema de prestação de provas de aproveitamento. As lições duravam cinco horas por dia e
pretendia-se a instauração de um regime de avaliação continua, através de exercícios literários escritos ou
vocais.
A apreciação do conjunto de mudanças introduzidas pelos estatutos é positiva, apesar dos progressos no
ensino jurídico terem ficado longe de corresponder aos desejos dos reformadores. Surgiram críticas e novos
projetos, por António dos Santos e Ricardo Nogueira, mas que não se afirmaram. Desatcam-se ainda as
providências complementares promulgadas a respeito do recrutamento do corpo docente e do plano de
estudos. Com as modificações de 1805, o direito português passou a abranger duas cadeiras sintéticas e
uma analítica; criou-se uma cadeira de prática judicial; existem duas cátedras de direito natural – a
segunda dedicada ao estudo do DIP e Jus Gentium. As disciplinas eram comuns ás faculdades de leis e de
cânones.

17.3. Literatura Jurídica


Destaca-se Mello Freire, nomeadamente através da criação da ciência da história do direito português.
Observou-se o empenho dos poderes públicos na criação de compêndios para o ensino universitário, sendo
eu só o manual de Mello Freire obteve aprovação oficial. Este livro dividia-se em: história do direito pátrio;
instituições do direito pátrio - dividido em quatro livros – direito público (I) direito da família (II), direito
das coisas e sucessório (III), obrigações e ações (IV); instituições do direito criminal. Perla primeira vez o
nosso sistema jurídico foi exposto de forma sistemática.

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Mello Freire ainda se destaca na tentativa de reforma das ordenações realizada nos finais do século
XVIII. Identificou-se com o usus modernus, conhecendo a bibliografia estrangeira mais expressiva. A
dispersão das matérias versadas prejudicou um pouco a profundidade da sua análise. Atribui-se-lhe, porém,
o papel de precursor do direito penal moderno – marcado pelo iluminismo e humanitarismo. Os seus escritos
forma o alicerce do ensino, da literatura jurídica e vida prática da época.
Nos começos do século XIX, também se destacam Ricardo Nogueira e Francisco Sampaio ou António
Santos – grande opositor do projeto de reforma do direito público de Mello Freire. A literatura jurídica da
época circunscreveu-se aos claustros da universidade. No ramo da vida forense, destaca-se Manuel de
Almeida e Sousa e a sua obra extensa. Menos vasta e apurada é a obra de Joaquim Pereira e Sousa que se
ocupou da processualística e direito penal. Fora do ensino universitário cabe referir Vicente da Costa que
revela grande conhecimento das codificações estrangeiras, destacando-se os seus trabalhos com vista á
elaboração de um Código Civil. Foi muito influenciado por Bentham.

17.4. O chamado “Novo Código”. Tentativa de reforma das Ordenações


O projeto de alteração das ordenações filipinas ficou conhecido como “Novo Código”. Foi no tempo de
D. Maria I que se criou uma junta de ministros por decreto (1778) que deveriam proceder à reforma geral
do direito vigente.
Deveriam averiguar as normas contidas nas ordenações, assim como a legislação extravagante que
conviria suprimir porque estavam antiquadas ou parcialmente revogadas. Procurava-se uma sistematização
básica das ordenações. Surgem divergências quanto aos planos orientadores dos trabalhos preparatórios,
observando-se uma grande preocupação sistemática. Criam-se pequenas partes gerais, com várias divisões
oportunas, procurando uma abordagem progressiva das soluções adotadas. Só depois se desenvolveria
estruturadamente a matéria.
O respeito pelas ordenações já patenteava nas restantes orientações genéricas que passaram a vincular
os membros da junta. Tinham de conservar o estilo e os termos das ordenações, mantendo a sua divisão
interna, apesar de se poderem criar novos títulos, desde que adequadamente. Procurava-se a simples
atualização das Ordenações, tendo um sentido diverso das reformas que se verificavam nas codificações
modernas europeias.
Ao nível do direito privado e de processo, esteve-se em vias de elaboração de um autêntico código,
apesar de serem diversas as matérias abrangidas. Não chegou a referida comissão a propostas de vulto.
Mello Freire reformulou o livro II e V, surgindo projetos de Códigos de Direito Público – gera forte polémica
entre Ribeiro dos Santos e Mello Freire, graças ás suas tendências, respetivamente, liberais e absolutistas,
impedindo que este código vingasse - e Código Criminal – Nem sequer chegou a ser discutido, apesar de
representar um progresso no sentido do iluminismo e humanitarismo.
Fracassou a tentativa de reforma das antiquadas Ordenações., pelas circunstâncias desadequadas de
transição ou compromisso.

17.5. O Direito Português e as Invasões Francesas


O abandono do país pela família real foi juridicamente entendida como uma manifestação abdicativa. O
Governo de Junot fica marcado pela alteração do formulários da leis, procurando aplicar-se em Portugal, as
leis francesas. Destaca-se a aplicação do Código Penal francês no nosso país. Mas a aplicação do direito
estrangeiro no nosso país não foi bem recebido pelos juristas nacionais que enviaram uma súplica a
Napoleão para outorgar uma constituição e criar um rei constitucional familiar de Napoleão. Reclamava-se
também a consagração de certos princípios como a separação dos poderes, a igualdade perante a lei, etc…
Desenhava-se, assim, um plano de receção do direito francês em Portugal, nomeadamente com a
tradução do Código de Processo Civil ou do Code de Commerce. Porém, Portugal não chegou a ser invadido
oficialmente pelas fontes de direito francês.
Por sua vez, D. João VI empreendeu uma grande ação legislativa no Brasil, criando múltiplas
instituições numa linha de seguimento da legislação pombalina. Em matéria de legislação económica, as
diferenças foram imensas, baseando-se num pendor liberal. A independência do Brasil já espreitava.

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18. Época do Individualismo

18.1. Aspetos gerais do individualismo político e do liberalismo económico


O trânsito do século XVIII para o século XIX, passa por duas fases distintas:
(1) Atitude de crítica ao iluminismo, desenvolvendo-se movimentos de contrarrevolução, Romantismo e
Idealismo Alemão.
(2) Reentrada dos princípios da Revolução e iluminísticos, favorecidos pelo condicionalismo histórico, a
partir da morte de Hegel em 1831.
A construção ideológica e filosófica do século XIX parte do princípio que o homem nasce dotado de
certos direito naturais e inalienáveis e que a exclusiva missão do estado é a promoção e salvaguarda desses
direitos individuais e originários. Tais direitos identificam-se com a liberdade, igualdade, fraternidade,
lançando-se o princípio da soberania popular e nacional que se faz acompanhar dos princípios do governo
representativo, monarquia constitucional, separação dos poderes, constituições escritas. Estes princípios
não eram inteiramente novos, tendo já certas formulações teóricas anteriores com Tomás de Aquino ou na
Escola do Direito Natural, nas constituições americanas ou mesmo nas leis dos primeiros monarcas e nos
forais do direito peninsular. Apresentava-se agora o caráter universalista e humano que estas ideias
assumiam, organizadas num sistema completo, divergindo em certas conceções filosóficas.
Ao nível do liberalismo económico, o mercantilismo perdia terreno, assim como as suas políticas
individualistas e protecionistas, assente em regras de que a riqueza das nações dependia da quantidade de
metais preciosos que lá se encontravam. Nasce agora, a escola dos fisiocratas, na França, com Quesnay que
defende harmonia entre o interesse de cada individuo e o interesse coletivo, desde que se garantisse o
total liberalismo económico. A intervenção do estado devia limitar-se ao mínimo, surgindo a doutrina do
laissez faire, laissez passer que a Escola Clássica Inglesa desenvolveu. Os fisiocratas tinham uma visão
estreita da economia, ligando-a à agricultura, tendo influência fugaz e só se afirmando com Adam Smith
que superou a visão acanhada que os fisiocratas tinham do fenómeno da produção e preconizou o livre-
câmbio internacional. Seguem-se-lhe David Hume e Stuart Mill.

18.2. Correntes do pensamento jurídico europeu


Surgem várias linhas e orientações europeias que se situam no horizonte da especulação jusfilosófica ou
diretamente respeitantes à dogmática do direito que, entre nós, tiveram reflexos mais ou menos nítidos.
Estas afirmam-se como uma autêntica reação ao jusnaturalismo de sentido teológico.

a) Positivismo jurídico. A Escola da Exegese


O positivismo jurídico ou juspositivismo contrapõe-se ao jusnaturalismo – entendido na sua aceção
clássica. Pode dizer-se que sempre houve atitudes de juspositivismo. Reportamo-nos aos juspositivismo do
século XIX em que (1) o direito se identifica com a lei, (2) a lei positiva o direito ideal de inspiração
racionalistas, (3) a ordem jurídica constitui um todo acabado sem lacunas, (4) a sua plenitude atinge o
momento definitivo num conjunto de códigos modernos, sistemáticos e completos e (5) o legislador surge
como omnipotente.
A identificação da juridicidade com a legalidade conduz à negação da importância do costume como
fonte de direito, subalternizando-se o papel da jurisprudência e da doutrina. A criação do direito é um ato
e tarefa do Estado.
No plano metodológico, destaca-se a escola da Exegese de raiz francesa e muito ligada ao movimento
codificador. – Destaca-se o Código Civil Napoleónico. Dominou a ciência do direito na maioria da europa
continental, destacando-se Delvincourt, Proudhon, Aubry, Demolombe, etc… Os vários autores desta
corrente encararam a lei como manifestação da vontade soberana. Dada a sua rigorosa imperatividade,
devia-se interpretá-la segundo um método lógico-gramatical – o que reflete esta visão estadista do direito e
esta conceção de lei como critério jurídico exclusivo.
As orientações positivistas da escola da exegese tiveram grandes críticos, como Geny que vai oferecer
as bases para a escola científica, considerando que a redução das fontes do direito à lei e o respeito
absoluto pela mens legislatoris impediam a inovação científica e conduziam à estagnação jurídica, não
reconhecendo a exigência de novas fontes de direito e de uma dogmática autónoma. Impunha-se

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reconhecer nessa metodologia um rigoroso positivismo hermenêutico. Ainda se critica o esvaziamento da


função do juiz, a consideração de que as leis são todas justas e suficientes…

Resumidamente:
(1) Identifica o direito com a lei e esta com o Code Civil – lei como expressão da volonté génerale.
(2) A interpretação deve procurar a vontade do legislador – sentido literal da lei e método lógico
gramatical. O juiz é a mera boca que pronuncia a lei que atua através do silogismo subsuntivo.
(3) Inexistência de lacunas. – Suficiência da lei prescrita no Código. Este será sempre a solução,
bastando o acesso à analogia legis. Senão é porque o caso pertence ao espaço livre do direito.

b) Escola Histórica do Direito


A oposição ao direito natural clássico também se verificou pelo caminho do historicismo que negava a
validade do direito natural racionalista. Surge esta escola por volta do século XIX, inserindo-se no
movimento romântico histórico alemão da época. Destacam-se Thibaut e Savigny.
Thibaut representa o jusracionalismo tardio e romanista defendendo a excelência da codificação e a
ideia de criação de um lastro que assegurasse a restauração e unificação política alemã. Savigny considera
inoportuna essa codificação unificadora, até pela impreparação jurídica para a realizar, que este
reconhece. Para mais, defende que o direito não é expressão do arbítrio do soberano ou obra de algum
jurista, mas produto espontâneo do espírito do povo.
Esta orientação contrapõe ao racionalismo, o caráter necessariamente histórico do direito – este é uma
criação espontânea da consciência coletiva, de uma manifestação do espírito do povo (volksgeist). Cada
ordenamento jurídico tem a sua tradição histórica. Esta escola situa-se no próprio contexto alemão do
século XIX, onde o ordenamento jurídico era composto por leis e costume de origem germânica. Dentro da
escola histórica, assume-se um dualismo de juristas: de um lado, os romanistas – Hugo e Savigny – que se
preocupam em transformar em sistema acabado o direito romano aplicável na Alemanha, fora da sua
génese histórica; do outro lado, os germanistas – Eichhorn e Grimm – que procuram edificar nas áreas
ocupadas pelos romanistas, um sistema de direito alemão alicerçado na investigação das raízes tradicionais.
Esta bifurcação não exclui, porém, a unidade que Escola Histórica admitia, pois, antes de mais, afirmava-se
a ideia historicista de origem histórico-cultural do direito. Este postulado contrapõe-se à existência de
qualquer direito natural, permanente no espaço e no tempo.
Quanto ao costume, entende-se que este exterioriza o direito positivo, tornando-se aceite,
demonstrando-se certa hostilidade quanto ao movimento codificador, olhado como perigo de estagnação. A
jurisprudência teria de, assim, interpretar os costumes para determinar os sentidos normativos que hão-de
reger a vida (momento histórico) e verter os dados recolhidos em conceitos jurídicos (momento cientifico).
A lei só se limita a fixar os limites do costume. Foi a vertente romanista que influenciou mais o pensamento
jurídico europeu.

Críticas:
(1) A simples observação do direito positivo não basta e alei cumpre sempre função inovadora.
(2) Não deve excluir-se a especulação ideal da justiça, pois uma atitude passiva perante o produto
histórico implica a negação do progresso jurídico.
(3) A consciência popular é uma expressão mítica que não corresponde à realidade
(4) Incoerência na substituição do estudo do direito germânico pelo direito romano.
(5) Os juristas foram, em geral, romanistas e consideravam o direito romano protótipo de todos os
direitos, o que contrasta com a máxima desta escola segundo a qual cada povo teria um espirito
próprio.
(6) Incongruência entre o programa e o resultado, aceitando a existência de um direito independente
de uma consciência coletiva.

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c) Pandectística. Jurisprudência dos conceitos.


Afirma-se como conceção do direito como produto de um povo, admitindo-se possível a existência de
um direito independente dessa consciência coletiva. A linha mais influente da Escola Histórica dedicou-se à
elaboração de uma doutrina moderna a partir do direito romano, considerando-se que obra dos juristas caia
sempre no sentido amplo de consciência coletiva. O direito enquadrava-se na vida total do povo. Assim, a
Escola Histórica chega à formulação de um direito erudito e chega à Pandectistica que procura reunir todo
o universo jurídico de forma abstrata e sistemática. Destacam-se Puchta, Bekker, Windscheid e Jhering que
abre horizontes sociológico-pragmáticos à jurisprudência conceitual.
Procura-se edificar um sistema dogmático completo e fechado, onde se obteriam respostas para todos
os problemas jurídicos, esquecendo-se a dinâmica das várias realidades. Esta escola teve grande alcance no
seu tempo, ligando-se à criação de uma extensa dogmática jurídica do direito privado, nomeadamente com
a sistematização germânica do Código civil.
Chega-se, assim, à jurisprudência dos conceitos, aplicando um método sistemático à compreensão do
direito, bem distante da casuística romana e deduzindo as decisões individuais dos princípios a que as
mesmas são subsumíveis. Analisa-se o direito em dois planos: o das normas consagradas nos preceitos legais
e das instituições (que engloba todas as regras particulares). Pertence à ciência jurídica transformar as
instituições em sistema, devendo descrever a sua relação com as regras jurídico-positivas. A redução as
normas às instituições é o meio adequado para a interpretação do direito e para sua aplicação. As lacunas
preenchem-se, reportando-se ao espirito das instituições. Afirma-se o conceitualismo e deixa-se de fora
toda a explicação prática das soluções legais.
A jurisprudência dos conceitos (Puchta e Jhering) consideram que não há ciência sem conceitos, já que
os conceitos menos gerais são subordinados sucessivamente aos mais gerais até chegar aos mais altos
(institutos e instituições). Assim, o direito é considerado como um sistema de conceitos de valor expositivo
e ontológico, onde a lei é a base da atividade de interpretação e construção de conceitos realizadas,
respetivamente, pela jurisprudência inferior e jurisprudência superior. O direito aplica-se de acordo com o
método da inversão.
As críticas baseiam-se na (1) utilização acrítica da lei, (2) afastamento do direito da realidade, (3)
abuso da lógica formal, (4) conduz a resultados indesejáveis, (5) recusa a existência de lacunas, ignorando
a imprevisibilidade da vida.

18.3. Jurisprudência dos interesses ou Escola de Tubiga


Surge no século XX, com Heck e Stoll, superando a jurisprudência dos conceitos, com uma intenção
prático-teleológica que dá primazia à investigação e valoração da vida. Inspirou-se na doutrina do finalismo
jurídico de perspetiva sociológico-pragmática, reclamando uma abertura que o sistema fechado e definido
a priori não tinha.
Segundo esta corrente, o juiz deve obediência à lei que é expressão do legislador, legitimo
representante da comunidade jurídica; A lei oferece a resolução de um conflito de interesses; o direito
legal é lacunoso, porque o legislador não consegue valorar todos os conflitos de interesses, devendo neste
caso, recorrer à analogia, aos juízos de valor dominantes na comunidade jurídica e aos seus juízos de valor
pessoais.
O juiz devia procurar entender e determinar a vontade do legislador, recorrendo à interpretação
histórica e atribuindo à letra da lei um valor indiciário. Poderá fazer uma interpretação corretiva sempre
que, por alteração temporal de circunstâncias ou por colisão de diferentes juízos de valor legais, a decisão
judicial deva afastar-se da decisão legal – o juiz deve atuar com uma obediência elegante. O juiz realiza,
no caso concreto, a valoração de interesses que o legislador impôs em geral.
Quanto à ciência jurídica, surge como iminentemente prática, ocupando-se de problemas normativos
(orientar o juiz na aplicação e integração de normas jurídicas) e de formulação (expor as soluções jurídicas
segundo as regras de expressão).
Esta escola critica-se por não ter considerado todos os interesses juridicamente relevantes, não tendo
em atenção fatores sociais em que não há conflitualidade de interesses, mas que deveriam ter sido
tomados em conta. Não soube distinguir o objeto e o fundamento da valoração, nem investigou os juízos de
valor legais até aos seus fundamentos justificativos. Defende-se que estaríamos perante um positivismo

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jurídico sociológico que reduz os fatores juridicamente relevantes a condições psicológicas e sociais para os
submeter a um tratamento empírico-sociológico.

18.4. Transformações no âmbito do direito político


Já de 1789 a 1815, a Real Academia das Ciência de Lisboa trouxe a público uma obra com grandes
influências fisiocráticas, destacando-se vários economistas que eram divulgadores da doutrina Smithiana,
que se adaptava ao nosso país essencialmente agrícola e com fraca industrialização.
Quanto às ideias políticas, destaca-se o liberalismo de Ribeiro dos Santos que se ia lentamente
infiltrando e que as invasões francesas favoreceram. O primeiro sistema liberal português surge com a
Revolução de 1820, acompanhado do levantamento espanhol que restabeleceu a Constituição de Cadiz. Os
deputados ás constituintes de Lisboa chegaram a ser eleitos segundo sistema dessa constituição de Cadiz
que influenciou muito a nossa constituição de 1822, que consagra princípios de soberania nacional e
direitos individuais dos cidadãos. O princípio da igualdade suprimiu vários privilégios judiciais e das
coutadas.
Logo em 1823, dá-se a contrarrevolução com a Vila-Francada – golpe de estado patrocinado por D.
Miguel – abolindo o regime constitucional. A constituição de 1822 veio a ser substituída pela Carta
constitucional de 1826, outorgada por D. Pedro e que reflete um liberalismo conservador. Os dois anos
subsequentes foram estacionários, rompendo-se o equilíbrio a favor dos contrarrevolucionários que
detiveram o poder de 1828 a 1834, dando origem ao interregno constitucional.
Em 1834, a constituição de Évora-Monte restabelece a Carta Constitucional e D. Miguel é exilado e D.
Pedro morre pouco depois. É agora que se tomam medidas radicais de alteração das estruturas tradicionais
da sociedade portuguesa: uma nova organização administrativa, uma reforma judiciária e uma viragem
fiscal consagradora do liberalismo económico.
As crises até ao final do século verificaram-se graças á configuração da monarquia constitucional,
mercada por duas linhas de ação: a corrente mais radical, defensora do vintismo e que retoma a palavra
com a revolução setembrista de 1836, criando uma segunda vigência para a constituição de 1822. Uma
revisão a esta constituição dará origem à constituição de 1838. Do outro aldo, temos uma vertente mais
moderada que restaurará a vigência da carta constitucional em 1842 com o golpe de estado de Costa
Cabral. Segue-se o período da Regeneração, marcado pelo completo domínio dos cartistas. (inicia-se em
1851) A Carta Constitucional teve 4 atos adicionais, desenvolvendo o capitalismo – desenvolvido por fontes
Pereira de Melo – e o liberalismo politico.

18.5. Transformações no âmbito do Direito Privado


É nesta época que surgirá, em 1867, o primeiro Código Civil português. Desde os inícios do século XIX,
já se desenvolvia o direito privado. A vitória das ideias liberais não incluiu, porém, reformas de vulto no
seio do direito privado, como aconteceu no direito constitucional e administrativo. Porém, certas reformas
administrativas e processuais não foram indiferentes ao direito privado. Apesar de tudo, nada representa
uma transformação legislativa substanciosa. Mesmo o Código Comercial de 1833 surgia como uma
compilação de preceitos estrangeiros já recebidos a título de direito subsidiário.
Porém, há uma franca evolução das nossas instituições jurídicas privadas, graças à doutrina e à
jurisprudência. Tivemos a partir do século XIII um valioso movimento legislativo com a s Ordenações, apesar
de estas estarem longe de serem um sistema completo. Nem através de um conjunto de diplomas avulsos se
conseguiu satisfazer as exigências de tutela. Restava uma grande margem de intervenção do direito
subsidiário.
No século XIX, o liberalismo confiou na orientação do direito privado que foi desenvolvida pela
atividade doutrinal dos jurisconsultos, nomeadamente com o estabelecimento de regras de interpretação
das normas jurídicas e integração de lacunas. Formalmente, mantiveram-se em vigor as consagradas na Lei
da Boa Razão. A boa razão passa a aferir-se pelo critério do individualismo liberal e a referência dos
Estatutos Pombalinos ao usus modernus foi desviada, a título subsidiário, dos próprios códigos estrangeiros
da época.
É então, mercê de um larguíssimo apelo ao direito subsidiário e aos critérios hermenêuticos, que o
preceituado nesses códigos individualistas penetra na ordem jurídica portuguesa. Junta-se uma massa de

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outras disposições extraídas de vários códigos. Assim, o ciclo do direito privado português inicia-se por volta
do século XVIII, revolvendo-se e modificando-se o património jurídico de fundo escolástico que até aí
vigorava: primeiro pela jusracionalismo e depois pela corrente individualista. Destaca-se a grande ação
criadora da jurisprudência e da doutrina que, sob pretexto do preenchimento de lacunas, introduziram
grandes alterações ao direito pátrio. A sua tarefa inovadora e de substituição iniciava-se logo na
interpretação das normas das Ordenações ou leis avulsas, defendendo a reforma de muitos desses textos,
até com propostas de soluções antagónicas. Destaca-se o exemplo do direito testamentário, afeiçoando o
direito pátrio aos novos rumos do pensamento jurídico. Surge um terreno adequado a uma síntese oficial do
direito privado, nascendo o código Civil de 1 de Julho de 1867.

18.6. Publicação e início da vigência da lei


Tivemos grandes influências da França, nesta área. Importa fazer algumas referências a este país:
(1) A publicidade das leis surge derivada da Revolução Francesa, procurando defender que as normas
não podiam ser obrigatórias sem que os destinatários as conhecessem – racionalismo iluminista. A
publicação tinha função constitutiva, sendo necessária a sua exteriorização através de mecanismos
capazes de levar os atos normativos ao conhecimento dos cidadãos, dos quais se esperava uam
atitude passiva.
(2) Assim, os atos só entravam em vigor quando se realizassem as operações publicitárias dirigidas a
assegurar o conhecimento pelos interessados. Só começariam a vigorar, em cada comuna, depois do
texto ter sido publicado no Boletim das Leis da República e de ter sido lido publicamente. A falta
de colaboração as autoridades locais inviabilizou esta solução. Uma lei posterior estatuiu que os
atos normativos se tornariam obrigatórios a partir do dia da sua distribuição, na sede de
administração.

Na perspetiva alemã, as preocupações de publicidade e início da vigência da lei eram dirigidas à


acentuação do primado do Estado. A publicação surge englobada no quadro de uma construção geral
relativa às formas de comunicação dos atos do poder.
A publicação continuou a fazer parte de um sistema jurídico qualificado pela existência dos postulados
materiais do Estado de direito, sendo considerada fundamental para a defesa dos direitos dos cidadãos.
Afirma-se a lógica de garantia dos cidadãos, em face do processo de criação normativa, assegurando a
unidade da legislação do Estado.

Problema do sistema Jurídico Português


Ao longo do século XIX foram várias as alterações quanto à publicação dos diplomas legais, à medida
que se tomava consciência de que o esquema de garantias inerente a um estado que tutela os direitos
fundamentais implica o afastamento da fonte do arbítrio. Assim:
(1) Em 1806, determina-se a abolição dos translados manuscritos para evitar erros.
(2) Em 1824 entrega-se à Régia Oficina Tipográfica de Lisboa o exclusivo da impressão dos diplomas
legais, sendo os correios um centro de distribuição e envio das leis.
(3) Em 1833, determina-se a publicação das leis no “Periodico Official do Governo”
(4) Novo método de publicar as leis em folha oficial proporcionava uma difusão mais rápida e segura
das normas legais em todo o país.
(5) Redução do período de vacatio legis: entravam em vigor passados três dias, em Lisboa; quinze dias,
nas demais terras do reino; oito dias após a chegada da primeira embarcação que conduzisse a
participação oficial no diploma, nas ilhas adjacentes.

18.7. As Codificações
Durante o século XIX, verifica-se um importante movimento codificador por toda a Europa, com a
elaboração de amplos corpos legislativos unitários, obedecendo a uma orgânica mais ou menos científica e
que condensavam as normas relativas aos ramos básicos do direito, já então individualizados. Este é um
processo complexo que implica uma análise dos objetivos da codificação e centralização jurídica. Não lhe
faltaram opositores e críticas por parte da Escola Histórica. Embora o movimento revele denominadores

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comuns, importa não esquecer as condicionantes específicas que este conheceu a respeitos dos vários
ramos do direito. Há várias famílias de Códigos, como, p.e., o Código Civil francês e o Código Civil alemão
(BGB). Ao nível do código penal, referem-se: o Code Penal francês, o Código Penal Bávaro e o código Penal
Prussiano.
As antigas anteriores coletâneas de direito correspondiam a períodos se síntese ou estagnação da
criatividade jurídica. O objetivo básico era o da organização de repositórios atualizados do direito vigente.
Os Códigos modernos procuram ser inovadores, realizando uma transformação jurídica, superando-se
também a ideia de existência de compilações globalizantes do direito. Agora, o movimento codificador,
muito influenciado pelo jusracionalismo e pelo iluminismo havia de estabelecer a nova ordem decorrente
do direito natural racionalista. Logo se segue uma diferença nos países em que o movimento codificador foi
patrocinado pelo Despotismo esclarecido ou mesmo pelas ideias das Revoluções liberais, onde se afirmara a
ideia de que o direito seria criado exclusivamente pelo poder legislativo. Entrava-se no positivismo legalista
que trouxe a ideia de que nenhum problema podia resolver-se fora do espirito consubstanciado nos novos
códigos, enquanto sistemas acabados que continham a disciplina da totalidade das relações sociais. A
passagem para o positivismo tornou-se óbvia, identificando-se o direito com a lei e negando-se ao julgador
a função de criar o direito, que se transformava num mero autómato do silogismo judicial. Prestava-se
culto À certeza e segurança do direito, havidas como valores fundamentais.

a) Movimento Codificador Português


Influenciados pela Revolução Francesa, Portugal impulsionou a sua atividade codificadora.

I – Direito Comercial
O primeiro código Comercial surge em 1833 com Ferreira Borges como resposta à dispersão legislativa e
incertezas jurisprudenciais. Encontra-se dividido em duas partes: (1) comércio terrestre e (2) comércio
marítimo. Nelas se incluem normas de direito mercantil substantivo e outras normas processuais, de
organização judiciária e até direito civil. Teve influências do Código comercial francês, italiano e espanhol
quando ao direito comercial substantivo.
É uma obra satisfatória, mas com algumas críticas:
(1) Excessivo apego à legislação anterior que levou a que se esquecessem soluções evoluídas para que o
direito comparado já apontava.
(2) Uma certa proxalidade, traduzida em exageradas definições e qualificações.
(3) Inclusão de normas processuais e de organização judiciária e de direito civil.
Não era um código muito virado para o futuro, mas teve o mérito de desenvolver a instituição e
compreensão do direito comercial. As deficiências de origem do Código levaram a uma revisão do Código
em 1888, por Veiga Beirão. Insere-se na linha das codificações mercantis e tem grande tendência
objetivista, passando o DC a abranger os atos de comércio em si. Porém, podemos falar um sistema misto,
entre a conceção objetivista e subjetivista, já que não se omitem regras especiais para os comerciantes
também. Este ainda está em vigor, mas profundamente alterado e com muita legislação avulsa. O sistema
misto também se encontra superado pela ciência comercialista.

II – Direito Administrativo
Surge em torno da procura de um critério para dividir o território em circunscrições administrativas e
do exercício do contencioso administrativo. Após a instauração do regime liberal, destaca-se a ação de
Mouzinho da silveira, sendo que o primeiro código administrativo só surge em 1836 com a revolução
setembrista, criado por Manuel da silva Passos.
Esse código foi mais tarde substituído pelo Código Administrativo de 1842, por Costa Cabral, de feição
centralizadora. De acordo com as vicissitudes politicas, multiplicaram-se os vários códigos administrativos,
sendo o código de 1936 o que vigora hoje, baseado num projeto de Marcello Caetano. ~

III – Direito Penal


O primeiro Código Penal data de 1852, criado durante a ditadura de Saldanha. Teve por base, vários
códigos estrangeiros, como o francês, o brasileiro e o espanhol. Sofreu várias críticas pela falta de inovação

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que os tempos exigiam. Intentam-se novos esforços codificadores no sentido de dar respostas às
necessidades e exigências do tempo, porém, vários projetos entretanto criados não obtiveram consagração
legislativa. Teve importantes alterações com a Reforma Penal e das Prisões em 1867 e 1884.
Segue-se o Código Penal de 1886 como consolidação legislativa do anterior. Só em 1982 se promulgou,
porém, um novo Código Penal, para o substituir.

IV – Direito Civil
Assentou num projeto de António Luís de Seabra, sendo aprovado por Carta de Lei a 1 de julho de
1867. O desejo de reforma do nosso direito privado era já anterior da época jusracionalista. As várias
tentativas anteriores de codificação, apesar de fracassadas, proporcionaram à ciência jurídica portuguesa o
amadurecimento de soluções e o apuramento técnico que a obra carecia.
O nosso Código civil afastou-se da divisão orgânica das codificações da época, procurando que o código
português gravitasse em torno do sujeito ativo da relação jurídica, sendo um código individualista,
sistematizado em quatro partes: (1) Capacidade civil, (2) Aquisição de direitos, (3) Gozo e exercício de
direitos e (4) ofensa dos direitos e sua reparação. O Código afirma-se como fundado no jusnaturalismo
racionalista e no individualismo liberal de que Seabra era adepto. Assim, reconhece este ideal liberal do
individualismo – “Cada um trata de si” - e integrou-o no código com moderação, com grande senso prático e
um grande apego à moralidade e à justiça.
Um dos temas mais controversos foi o da criação do casamento civil. O Código Civil foi recebido com
aplausos graças à sua perfeição, tanto na sistematização, como na linguagem (destaca-se a intervenção de
Herculano na redação definitiva). Foi realizado sem transtornos nem mudanças bruscas e não é uma cópia
do modelo francês. Assim, satisfez, em medida razoável a utilidade, certeza e estabilidade que o ambiente
da época exigia.
Porém, são apresentados certos defeitos que se prendem pelo facto (1) de ter sido criado por um só
homem e de um (2) excesso de originalidade, resultando daí disciplinas pouco felizes e dúvidas e omissões.
Com o passar do tempo, as insuficiências do Código foram-se agravando – pela falta de consagração de
novas figuras jurídicas ou pela quebra de unidade entre a regulamentação do código e legislação posterior-,
impondo-se uma urgente revisão, só realizada em 1966.

V – Direito Processual
A história do direito adjetivo não teve a mesma perseverança nos domínios civil e penal. A pura
vocação de instrumentalidade surge no direito penal de modo a garantirem-se os fins mais elevados da
rodem jurídica e a segurança e tranquilidade dos direitos dos cidadãos. ´
O primeiro código de Processo Civil surge em 1876, com a prevalência de um princípio dispositivo,
vendo-se o processo como um instrumento ao serviço dos particulares, os quais podiam conduzi-lo
consoante os seus interesses, tendo o juiz uma atitude passiva. O tribunal não pode realizar a justiça
material. Mais tarde, várias reformas culminam numa reunião da generalidade das normas adjetivas de
direito privado num só código: Código de Processo civil de 1939.
Em Processo penal, vigorou durante largo tempo a novíssima Reforma Judiciária e outros diplomas
avulsos. Tínhamos um sistema de tipo acusatório. As ideais liberais também se manifestaram neste campo
com a afirmação da passividade do juiz, do princípio dispositivo… Para mais, determina-se a
inadmissibilidade da prisão preventiva e consagra-se um sistema de legalidade da prova… O Código Penal
Português seria criado em 1929, consagrando uma feição inquisitória.

18.8. O Costume
O Lei da Boa Razão constituiu um momento decisivo para o declínio do costume. Por toda a europa se
assistiu a este declínio do costume apesar da Escola Histórica proclamar as suas virtudes contra o primado
da lei e das codificações.
O Código civil de 1867 remeteu o costume para o quadro das fontes mediatas e indiretas, isto é , sem
força própria, valendo apenas quando o legislador o admitisse. Recusa-se, assim, a vigência autónoma do
costume “contra legem” e “praeter legem”. Em certos domínios, como o direito internacional público,

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subsistiram as hipóteses de relevância imediata do


costume. O costume distingue-se, agora, dos meros
usos, usanças ou costumes de facto, às quais falta a
convicção da sua obrigatoriedade.
A conceção subjacente à solução adotada pelo
Código de recusa do valor autónomo do costume
destaca-se pela identificação do direito com a lei,
enquanto expressão da vontade geral, manifestada
através dos representantes da nação das Cortes
Gerais. A lei, ao atribuir a si própria o exclusivo da
juridicidade e a definição do valor e limites a atribuir
ao costume, aparece na perspetiva politico-
constitucional do problema das fontes do direito.

18.9. Nova perspetiva do direito subsidiário


O Primeiro Código civil português ocupou-se da interpretação e da integração das normas jurídicas no
seu artigo 16º. Assim, considerava-se que este preceito consagrava regras aplicáveis a todas as áreas
jurídicas. Face a uma lacuna, devia recorrer-se à analogia – disciplina estabelecida para situação
semelhante. Se não se encontrasse situação suscetivel de aplicação analógica a uma situação digna de
tutela jurídica, o legislador devia recorrer aos princípios do direito natural ou também considerados
princípios gerais de direito, devido à predominância de doutrinas positivas. Posteriormente ainda se confia
ao juiz a tarefa de preenchimento de lacunas, tendo em conta a solução que presumisse ser adotada pelo
legislador, se ele houvesse previsto o caso omisso.
Tudo se passa, agora, dentro do sistema jurídico português, sem recursos a um direito subsidiário geral
estrangeiro.

18.10. Extinção dos forais


Os forais vieram perdendo a sua importância como fontes do direito local, transformando-se em meros
registos dos encargos e isenções municipais. A reforma compreendida por D. Manuel I consumou esta
evolução, pois as contribuições que os forais previam começavam a ser vistas como um peso demasiado
gravoso para os povos.
Foi Mello freire que suscitou a questão dos forais ao defender a urgência da sua substituição, numa
linha liberal. Só depois da revolução de 1820 é que o problema é resolvido, quando as Cortes constituintes
determinam a redução dos forais. Mais tarde, em 1832, um decreto de Mouzinho da silveira caba
radicalmente com os forais, levantando dúvidas e suscitando críticas variadas. Foi em 1846, através de
Carta de Lei, que Mouzinho da silveira abolia definitivamente os direitos foraleiros.

18.11. O Ensino do Direito


O regime dos cursos jurídicos estabelecidos pelos Estatutos Pombalinos foi aperfeiçoado nos começos
do século XIX. Porém, a instabilidade do ensino universitário, que chegou mesmo a ser suspenso – devido às
invasões francesas e à guerra civil – dificultaram a sua afirmação. A grande reforma dos estudos jurídicos
produzida pelo triunfo do Liberalismo consistiu na criação da Moderna Faculdade de Direito, que resultou
da fusão entre a Faculdade de Leis e de Cânones.
Já os Estatutos de 1772 procuraram essa unificação com o alargamento dos horizontes do ensino
jurídico e a procura de prestígio do direito nacional. No quadro da política liberal, desvaloriza-se o direito
canónico e eclesiástico, criando-se um único curso com pouco interesses nessas matérias. Em 1833, a ideia
de concentração das Faculdades de Leis e da de Cânones manifestou-se na comissão que o Governo
incumbiu de proceder à reforma geral da instrução pública. Só durante a ditadura de Passos Manuel, em
1836, é que surge a Faculdade de Direito. Nesta, o estudo do direito pátrio era fundamental e dividia-se em

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várias cadeiras de direito civil, público, comercial e criminal, introduzindo-se, ainda, economia política e
medicina legal.
Estabeleceram-se várias disciplinas, introduziram-se novos métodos e criaram-se vários compêndios. Os
primeiros tempos da Faculdade de Direito foram movimentados e marcados pela afinação de um plano de
estudos, procurando-se uma medida adequado para o direito romano e para o direito canónico e acolhendo
o estudo de outras matérias que os progressos jurídicos e pedagógicos iam aconselhando.

Ensino do Direito até à segunda metade do século XX


Quanto aos estudos jurídicos, a partir de 1880, começam a penetrar gradualmente conceções
positivistas e sociológicas no ensino das várias disciplinas. Era o triunfo do positivismo sociológico. A ciência
do direito não se limitava À análise e interpretação de textos legais, mas complementava-se nos estudos
respeitantes à vida do homem em sociedade. Destaca-se a reorganização de um Curso Administrativo (1853)
e de um Curso Diplomático e Colonial, que possibilitavam o desempenho de certas funções públicas que
implicavam menores conhecimentos.
Em 1901 e em 1911 são feitas reformas ao modelo criado por Passos Manuel, destacando-se a
eliminação do direito eclesiástico português. O sistema era inspirado largamente pelo positivismo jurídico.
Até meados do século XX operaram-se outras alterações dos estudos jurídicos, merecendo destaque as
reformas de 1928 e de 1945.
Em 1911 cria-se a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

18.12. Ciência do Direito e Literatura Jurídica


Quanto à ciência do direito e literatura jurídica não se verifica grande autonomia e originalidade
relativamente ao que se passava além-fronteiras. Algumas observações sobre a influência das escolas então
imperantes do estrangeiro foram feitas ao tratar-se do movimento de codificação e do ensino do direito.
Durante grande parte do ´seculo XIX, a literatura jurídica portuguesa teve uma feição exegética e
descritiva de regime legal, sem preocupações metodológicas – movimento de periodismo jurídico,
pretendendo-se dar a conhecer os novos códigos e diplomas de vulto.
Na explanação desses textos legais continuava o predomínio de antigos critérios, apesar de alguns se
manifestarem contra os excessos de dedução e o estrito legalismo. No fim do século XIX, invadem os vários
ramos do direito conceções positivistas e sociológicas. É sob a inspiração concetualista que o direito
português avança para o século XX. Hoje em dia, graças ao aumento das codificações, importa um trabalho
exegético e de comentário que permita estudos de sínteses e exposição sistemática.
No âmbito do direito político Lopes Praça e Marnoco e Sousa. No Direito Administrativo, destaca-se
Sousa Pinto e António de Freitas. O direito politica e administrativo, primeiro dentro de um concetualismo
ou dogmatismo normativista, afirma-se hoje como uma corrente positivista evolucionista.

No seio da civilística destaca-se Correia Telles e Coelho da Rocha, com a sua obra “Instituições” que se
destaca por tão bem se enquadrar no espírito da época e porque correspondia ao impulso que os estudos
civilisticos assumiram após a unificação dos cursos jurídicos. Destacam-se ainda os comentários de José Dias
Ferreira ao nosso Código Civil. No Direito Comercial destaca-se Ferreira Borges, pela elaboração do nosso
primeiro Código Comercial, que se afirma como cadeira universitária. Em matéria de direito penal destaca-
se Henriques da Silva. Só após 1911, o direito processual se torna uma cadeira autónoma, destacando-se o
contributo de Dias da Silva e Alberto dos Reis. Por fim, no seio do direito internacional privado, destaca-se
Machado Villela.

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19. Época do Direito Social


Esta época surge com o início da I Guerra Mundial que, com o aumento das atividades humanas,
acarreta condigo novas relações sociais, chamando a ordem jurídica a desempenhar uma tarefa cada vez
mais extensa. Esta tarefa foi dinamizada com a II Guerra.
Importantes fatores culturais, progressos científicos e revoluções industriais e tecnológicas, que
acompanharam a massificação da sociedade conduziram a novos problemas do direito e de realização da
justiça. Um sentido de democratização económica e de intervencionismo da legislação do Estado
determinaram a edificação de um direito social e o desenvolvimento da sua publicização – este fenómeno
parte das várias tendências solidaristas modernas e subordina os interesses individuais aos coletivos.
Verificam-se várias neoformações jurídicas, nomeadamente no que toca às relações de trabalho,
instituto da propriedade, direito económico e industrial, contrato de arrendamento, responsabilidade civil,
direito agrário, direito de defesa do consumidor e direito do ambiente. Entre nós desataca-se a doutrina
social cristã que apela à prossecução dos interesses gerais da comunidade e do aumento dos poderes do
Estado.
Porém, no começo do século XXI, começam a surgir teorias inversas que apelam à desintervenção do
Estado, com retorno à esfera privatista. Daí que proliferem as entidades reguladoras autónomas em setores
fundamentais.
Hoje, acredita-se que incumbe ao jurista, como tarefa principal, a indagação dos motivos práticos das
soluções da lei, dos interesses materiais ou ideais e finalidades que as determinaram. Esta orientação é
discutida.

19.1. História das últimas fases do direito português


A antecâmara da época do direito social encontra-se no direito saído da implantação da República em
1910, nomeadamente com a intervenção de Marnoco e Souza que era grande defensor da legislação social e
do socialismo municipal e com a intervenção da Primeira República no seio do direito do trabalho,
nomeadamente com a criação da primeira lei da greve.

19.2. Direito da Primeira República


Foram vários os acontecimentos que precipitaram a queda da monarquia: o ultimato inglês de 1890, a
ditadura de João Franco, o regicídio de 1908, etc…
O republicanismo nasceu no quadro das ideias liberais, procurando a destruição da monarquia,
destruindo todos os seus símbolos, ministérios e mais pequenos vestígios, erigindo, nomeadamente, novos
símbolos para a nação.
A reforma republicana também foi marcada por um acentuado anticlericalismo, repondo-se em vigor
alguns diplomas pombalinos que tinham proscrito a Companhia de Jesus e que haviam feito desaparecido os
conventos, mosteiros, etc… declarando-se extinta a vida da comunidade religiosa; o ensino da doutrina
cristã desapareceu das escolas, substituída pelo civismo e pelo patriotismo; baniram-se juramentos de
inspiração religiosa, agora baseados na honra.
Instituiu-se ainda o registo civil obrigatório, em noma da fixação autêntica da individualidade jurídica
de cada cidadão. Era obrigatório o registo de qualquer ato ou fato relativo ao estado civil.
A “Lei da separação do Estado das Igrejas” de 1911 reconheceu a plena liberdade de consciência a
todos os cidadãos portugueses e aos estrangeiros que habitassem o território português, tornando-se o
estado laico e admitindo várias confissões religiosas, desde que não ofendessem a moral pública, nem os
princípios do direito político português. Veio ainda incorporar o vasto património da Igreja no domínio
público e cessou o financiamento público a esta.

DIREITO PRIVADO
As transformações no âmbito do direito privado da Primeira República foram marcadas pela intenção de
aumentar a responsabilidade familiar e social.

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Direito da Família
(1) Admissibilidade da dissolução do casamento por divórcio que podia ser pedido por um ou ambos os
cônjuges – litigioso ou por mútuo consentimento.
(2) Casamento torna-se um contrato puramente civil, sendo a certidão do registo civil o único meio de
prova de casamento contraído na República. O Código de Seabra já tinha previsto o casamento
civil, mas admitiu que o casamento católico subsistisse.
(3) Conceção alargada de filiação, já que todos os filhos ilegítimos podiam ser perfilhados, à exceção
dos incestuosos. O matrimónio legitimava sempre os filhos nascidos antes dele.
(4) Defesa dos menores em perigo moral, desamparados e/ou delinquentes.
(5) Admissibilidade do regime de separação de pessoas e bens por mútuo consentimento. , mantendo o
bom nome e reputação dos cônjuges.

Direito Sucessório
(1) Consagração de “legitima”, isto é, a porção de bens que o testador não podia dispor, visto que a lei
a destinava aos herdeiros em linha reta descendente ou ascendente. Em principio, tal porção
representava metade dos bens do testador, com a exceção de não haver descendentes diretos, caso
em que a legitima consistia na terça.

Direito dos Contratos


(1) Reponderou-se o contrato do arrendamento de prédios urbanos – Lei do Inquilinato – que era agora
atravessado por um valor de certeza e justiça. Por exemplo, o senhorio não podia, durante um ano,
aumentar o quantitativo da renda.
(2) Alterações no seio da enfiteuse: os enfiteutas tinham a faculdade de remissão do ónus enfitêutico,
procurando remover um obstáculo ao desenvolvimento económico e ao progresso da agricultura
nacional ao tornar perfeita a propriedade imobiliária.

DIREITO PÚBLICO
As dimensões politico-constitucionais do republicanismo saído da Constituição de 1911 acolhem o
princípio da soberania nacional e o regime representativo. O Parlamento da Primeira República – Congresso
– era bicameral.
O ideário republicano veio constitucionalizar um elenco de direitos fundamentais que giravam em torno
das liberdades públicas dos cidadãos, como a garantia do habeas corpus, a liberdade de consciência, de
religião e de culto, controlo judicial da constitucionalidade das leis e possibilidade existência de direitos só
materialmente fundamentais.
A presidência de Sidónio Pais, de 1917 a 1918, assumiu uma filosofia política dissonante, alterando a
Constituição através de decretos eleitorais. Destacam-se as seguintes medidas:
(1) Estabelecimento do principio do sufrágio universal, que apenas se traduziu num avanço no sentido
da universalidade, já que os homens, com mais de 21 anos e residentes no território nacional
podiam votar.
(2) Constitucionalização do pluralismo social, através do princípio da representação especializada.
(3) Presidencialização do regime, através da eleição direta e uninominal do Presidente da República.
O atentado que vitimou sidónio Pais pôs um fim ao constitucionalismo sidonistas e colocou em pleno
vigor a Constituição de 1911. Destaca-se a atenção dada ao direito colonial, passando as colónias a gozar,
sob fiscalização da metrópole, de autonomia financeira e de descentralização. Reconheceu-se, ainda, o
princípio da especialidade do direito colonial.

Direito Penal
A legislação penal da Primeira República assumiu uma patente de cariz ideológico e político.
(1) Multiplicaram-se as leis da amnistia, com um notório conteúdo.
(2) Retirou-se o caráter punitivo aos crimes contra a religião, contra a segurança interior do Estado e
contra o exercício dos direitos políticos.
(3) Criminalizaram-se condutas ofensivas contra a República.

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(4) Definiu-se o caráter e extensão da responsabilidade penal dos membros do poder executivo pelos
atos praticados no exercício das respetivas funções. Uns crimes davam lugar a degredo temporário
e outros puniam-se com prisão maior celular.
(5) Repressão da mendicidade e da vadiagem, por se detetarem nas situações ociosas eventuais focos
de criminalidade.
(6) Principio do trabalho obrigatório em todos os estabelecimentos penais, de acordo com as aptidões
físicas e mentais dos condenados e o meio em que iriam viver quando retomassem a liberdade.
Acreditava-se que o trabalho era um fator de regeneração.

Direito do Trabalho e Proteção Social


(1) Fixação da duração da jornada de trabalho
(2) Proibição de trabalho por menores de dezasseis anos
(3) Consagração de direitos das mulheres trabalhadoras
(4) Introdução do descanso semanal
(5) Dias feriados
(6) Promulgação da primeira lei da greve
(7) Seguro obrigatório de invalidez, velhice e sobrevivência.

19.3. Direito do Estado Novo Corporativo


A instabilidade política e administrativa da Primeira República, com a sua rápida sucessão de governos
e revoltas, conduziram ao golpe de 28 de Maio de 1926, instaurando-se um período de ditadura e regime
militar.
Só com a subida ao poder de António de Oliveira Salazar é que o regime se concretizou. Primeiro, este
surge como ministro das finanças e depois como Primeiro-ministro durante o Estado Novo ou Corporativo.

Edificou-se durante a década de 30 e apresenta várias fontes jurídicas matriarcais, como o Ato Colonial
de 1930, o Estatuto do Trabalho Nacional de 1933, a constituição de 1933, etc… Este recusava a lógicva do
liberalismo individualista e do parlamentarismo democrático pelo seu antinacionalismo e pela fragilização
do Estado a que estes conduziam.
O Corporativismo do Estado estava presente no artigo 1º do Estatuto do Trabalho Nacional, que
afirmava que a Nação constituía uma unidade moral, política e económica, cujos fins e interesses
dominavam os dos indivíduos e dos grupos que a compunham. A conceção unitarista da Nação conduzia ao
primado do bem comum, considerado superior a todos os bens particulares dos indivíduos.
A Nação portuguesa era ainda uma unidade económica, afirmando-se um autêntico princípio da
solidariedade de interesses: a concorrência cedia lugar à colaboração, sendo que a organização corporativa
estruturava-se em forma de pirâmide – na base, surgiam os sindicatos e grémios; num plano intermédio, os
sindicatos da mesma profissão agrupados em federações regionais e nacionais, assim como os grémios
agrupados desse mesmo modo; no vértice da pirâmide, as corporações, como organizações unitárias das
forças de produção que representavam integralmente os interesses do estado. Ao Estado, para além de
instalar o sistema corporativo, cabia-lhe ainda vigiar o seu funcionamento. O Estado novo é o paradigma do
corporativismo.

DIREITO PRIVADO
Na esfera do direito privado, as mudanças ocorreram num plano muito pouco ambicioso. Porém,
destaca-se a Reforma do Código Civil operada em 1930 e que teve por inspiração um projeto de António
Pinto Mesquita. Esta reforma não pretendia desrespeitar a estrutura do velho Código de Seabra, tendo uma
vertente meramente prática, procurando esclarecer dúvidas, preencher lacunas, suprir deficiências e
adaptar os preceitos legais às novas condições económicas e sociais. O projeto de reforma procurava vencer
o desconcerto jurisprudencial em que os tribunais se encontravam.
A FDUC adotou uma atitude de distanciamento do projeto de reforma do código civil pois não se
compreendia porque não se levava a cabo uma alteação profunda e vasta do código civil. A reforma
fragmentária do código era, na opinião da FDUC, muito inconveniente e perigosa.

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Foi a um professor De Coimbra, Vaz Serra, que o lançamento legislativo dos trabalhos de elaboração de
um projeto de revisão geral do Código Civil foi incumbido. Pretendia-se transmitir ao direito privado uma
feição social. Havia novas figuras jurídicas que não encontravam ainda o seu reconhecimento e, em muitos
institutos, verificava-se um rompimento de sentido unitário entre a regulamentação contida no Código e o
rumo que lhes imprimiram leis posteriores. Este já estava tão alterado por leis especiais que perdera, em
larga medida, a característica de um verdadeiro Código.
Ao longo dos anos 20, um conjunto de professores de Coimbra e Lisboa envolveram-se na feitura de um
novo Código civil, concluído em 1966, ditando este um conjunto de mensagens culturais e jurídicas da
época em que se integrava.
Encontrava-se dividido em: (1) Parte Geral, (2) Direito das Obrigações, (3) Direito das Coisas, (4) Direito
da Família e (5) Direito das Sucessões. Esta divisão é influenciada pela pandectistica alemã, traduzindo
bem a receção do plano sistemático do Código Civil alemão.
Este Código era inspirado na filosofia de reação contra o positivismo legal, patente no recurso escasso
de cláusulas gerais e na integração de lacunas. Acolheu ainda, o cariz social do direito, procurando lograr
um ponto de equilíbrio entre a liberdade individual e as exigências do bem da comunidade. Destacam-se,
desde logo, as limitações à autonomia da vontade em diversos contratos e a função social da propriedade.
A introdução mais importante foi a do abuso do direito (art. 334º C.C.). Este Código teve um estilo mais
sóbrio e de elegante simplicidade, para as quais contribuíram as revisões de Paulo Merêa.
No âmbito das relações da família e direito sucessório, procurou-se um fortalecimento da instituição
familiar, nomeadamente com o reconhecimento da adoção; substituição do regime da comunhão geral dos
bens, como regime supletivo no casamento, pela simples comunhão de adquiridos; Imposição do regime de
separação absoluta de bens no caso de os cônjuges serem pessoas de idade avançada ou de um deles ter já
filhos legítimos e a conceção do poder paternal como dever funcional.
Apesar de tudo, mantiveram-se alguns princípios tradicionais das vocações hereditárias. Este Código
integra uma conceção orgânica de sociedade civil que respeita a pessoa humana e consagra a supremacia
do bem comum sobre os interesses dos indivíduos e as apetências dos grupos.

Concordata com a Santa Sé


Com o golpe de Maio de 1926, o governo pretendia atender às mais importantes reclamações da
opinião pública na esfera religiosa, através do reconhecimento da personalidade jurídica das igrejas, a
regularização da situação dos bens afetos ao culto e o ensino religiosos nas escolas particulares. Estas
exigências foram consagradas na “lei da personalidade jurídica das igrejas”.
Procurava-se uma reconciliação com a Igreja, após o corte de 1911, estendendo estas medidas
conciliadoras até às próprias colónicas, através das missões católicas.
Porém, só com a concordata com a Santa Sé de 1940 é que a reconciliação se verificou quando o Estado
e Igreja concertaram mutuamente os seus direitos e legítimos interesses. A Concordata teve algumas
medidas importantíssimas:
(1) Reconhecia a personalidade jurídica à Igreja Católica e às organizações que esta estabelecesse.
(2) Estabelecimento de relações diplomáticas com a Santa Sé, admitindo que a Igreja Católica se
organizasse livremente em Portugal, de harmonia com as normas do direito canónico, e sob a forma
de organizações e associações com personalidade jurídica.
(3) Reconhecimento à Igreja da propriedade que anteriormente lhe pertenciam, com a exceção de
bens afetos a serviços públicos, os imóveis classificados como monumentos nacionais e as alfais de
culto.
(4) Direito da Igreja de estabelecer escolas suas e garantia de ensino da religião e moral católica nas
escolas públicas aos alunos cujos pais não solicitassem a sua isenção.
(5) Porém, a Igreja continuou a viver exclusivamente da generosidade dos seus fiéis.

Alterações no seio do direito da família


(1) Afastamento do sistema de casamento obrigatório, instituindo-se um sistema de casamento civil
facultativo, abrindo aos católicos a possibilidade de celebrarem casamento civil ou católico. A este
último, o estado reconhecia efeitos civis, desde que a ata do casamento tivesse sido transcrita no

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registo civil. Para quem confessasse outra religião que não a católica, o casamento civil era,
porém, obrigatório.
(2) Separação dos regimes jurídicos entre oc assamento civil e o casamento católico.
(3) Impossibilidade de dissolução do casamento católico por divórcio, o que gerou grande controvérsia.
Esta só terminou em 1975, quando se estabeleceu que o dever dos católicos não pedirem divórcio
era um simples dever de consciência.

DIREITO PÚBLICO
As alterações legislativas ao direito público que foram mais relevantes foram introduzidas pelo ministro
Manuel Rodrigues: (1) criação da Ordem dos Advogados, (2) Nova lei de imprensa, (3) Revisão da
organização judiciária, (4) reforma no domínio do direito processual, (5) regime jurídico das
incompatibilidades com o exercício de funções públicas, (6) Sustentação legislativa da independência do
poder judicial e (7) disciplina transparente na nomeação dos juízes.
A Constituição do Estado Novo foi a única a recorrer a plebiscito nacional como forma de exercício do
poder constituinte. Acolheu o princípio da representação orgânica, reconhecendo os elementos estruturais
da Nação, instituindo-se uma Câmara Corporativa que dava pareceres influenciadores do processo
legiferante, integrando representantes de interesses administrativos e das atividades corporativamente
organizadas.
Institucionalizou-se um executivo estável e independente do órgão legislativo. A Assembleia Nacional
estava confinada à aprovação das bases gerais dos regimes jurídicos e à ratificação de diplomas
governamentais. O Chefe de Estado era eleito diretamente pela Nação e com o poder de nomear ou demitir
o presidente do conselho de ministros. Verificava-se a inexistência de um sistema partidário, devendo
existir, no lugar de partidos, associações naturais – União Nacional.
Ao abrigo dos sobressaltos parlamentares e partidários, a prática política do Estado Novo caminhou para
um semipresidencialismo do Primeiro-ministro. Os direitos fundamentais experimentaram um desvio
orgânico-corporativo, com um relevo diminuto dos direitos políticos.
Na senda da Constituição de Weimar, verifica-se uma constituição económica no texto de 1933, com
vários princípios orientadores da vida económica marcada pelo intervencionismo estatal.
No seio do Direito Colonial, destaca-se o ato Colonial de 1930, com uma conceção unitarista nas
relações entre a metrópole e as colonias. Vingara, porém, o principio da especialidade do direito colonial.

Direito Fiscal
A Reforma fiscal foi levada a cabo pelo professor Teixeira Ribeiro:
(1) Reforma completa dos grandes impostos diretos, desenhando-se uma estrutura plural de impostos
diretos.
(2) O espetro dos impostos parcelares cobria o universo das diversas espécies de rendimentos de
produção: imposto profissional (rendimento), imposto de capitais (juros), contribuição predial
(rendas), imposto sobre a indústria agrícola (lucros). É criado, agora, um imposto sobre as mais-
valias.
(3) Foi criado um imposto complementar, que atendesse à situação económica da pessoa tributada.
Teve um significado reduzido.

Direito Penal e Direito Processual Penal


É um período em que se relacionaram, de modo oscilante, dois princípios basilares: o da autoridade e o
da liberdade.
Pressuposto da maior amplitude da liberdade era energética repressão dos delitos. Sinais de reforço da
autoridade foi o Código de Processo Penal de 1929, cuja iniciativa de deveu a Manuel Rodrigues, dilatando
os poderes do juiz, a quem foi entregue toda a autoridade na condução da marcha processual. Triunfava
uma conceção de incidência inquisitória.
Destaca-se ainda a Reforma Prisional de 1936, graças ao professor Beleza dos Santos que acarretou uma
nova conceção dos fins das penas: (1) penas curtas de prisão com um caráter de castigo e reprovação, (2)

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execução de penas privativas de liberdade tinham um valor intimidativo ou de prevenção e (3) readaptação
social do delinquente – carater reeducativo e corretivo.
Assim, adotou-se um sistema progressivo para o reingresso do preso na vida social dividido em quatro
fases de progressiva integração e ainda se encarou a dualidade entre penas e medidas de segurança como
modos diferentes de repressão e de prevenção do crime, criando duas grandes classes de edifícios: uns para
aplicação das penas (culpa) e outros das medidas de segurança (perigosidade).
O Professor Manuel Cavaleiro de Ferreira iniciou um surto de reformismo penal, através de remodelação
do processo penal, em 1945. Assim, distingue-se a acusação do julgamento, pois a cumulação das duas
funções nas mãos do juiz, ao exercer em pleno a sua função policial e de acusação pública, afetariam a sua
imparcialidade. O exercício da ação penal foi concedido ao Ministério Público como órgão do estado. Este
individuo ainda regulou o instituto do Habeas Corpus, eliminando a ilegalidade da ofensa e preenchendo o
seu fim próprio.
Com a Reforma de 1954, Cavaleiro de Ferreira procura adaptar o velho Código Penal de 1886 à Reforma
Prisional de 1936, abandonando-se o caráter de fixidez das penas e definindo um critério geral de
graduação das penas, que oscilariam entre um limite mínimo e máximo e dependeriam da culpabilidade do
delinquente.
A última reforma antes de 1974 foi a Reforma de 1972, com o professor Almeida Costa, e motivada pela
Revisão Constitucional de 1971. Esta reforma foi no sentido de humanizar a legislação penal e processual
penal, através da (1) abolição da medida de segurança de internamento, (2) alteração dos preceitos sobre
início, duração e extinção das penas e medidas de segurança, (3) inserção no código de Processo Penal da
regulamentação do habeas corpus de Cavaleiro Ferreira e (4) regulamentação da instrução, preparatória e
acusatória, acusação e defesa.

19.4. O Direito posterior a 1974


Evolução legislativa
Na longa jornada de descontinuidades do constitucionalismo português seguiu-se a constituição de
1976, com uma natureza muito pragmática e compromissória. Refletiu a conceção democrática do estado,
baseada na defesa dos direitos fundamentais e no reforço da fiscalização da constitucionalidade. Alterou-
se, também, a redação da concordata de 1940 e abriu-se o divórcio ao casamento católico.

Direito Privado – Década de 70


(1) Eliminaram-se certas restrições que constrangiam a liberdade de associação;
(2) Supressão da enfiteuse em prédios rústicos e urbanos;
(3) Reforma de fundo no nosso Código Civil, consoante a nova CRP de 76 – A Reforma de 1977.
a. Visaram essencialmente o direito da família (eliminaram-se as normas que colocavam a
mulher em situação de desfavor relativamente ao marido – por força do principio da
igualdade de cônjuges, que influenciou também as normas relativas ao exercício do poder
parental; desaparece a categoria de filhos incestuosos.) e direito das sucessões (baniu
discriminações entre parentes legítimos e ilegítimos e relevou a posição do cônjuge
sobrevivo.).
b. Alterações a certas normas da Parte Geral (antecipação da maioridade para os 18 anos) e
direito das obrigações.

Década de 80
Verifica-se um autêntico surto codificador, de vários códigos que já se encontravam em processo de
gestação.
(1) Código Penal de 1982 gerou dissonâncias sobre os alicerces filosóficos e a convicção de um
certo reformismo abstrato, enquanto desligado da realidade do país.
(2) Código das Sociedades Comerciais de 1986, relativo ao direito das sociedades.
(3) Alterações no sistema fiscal português, com a criação de um imposto geral sobre o consumo –
IVA –, imposto sobre o rendimento de pessoas singulares – IRS –, imposto sobre o rendimento de
pessoas coletivas – IRC – imposto municipal sobre imóveis – IMI.

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Atualização dos ramos jurídicos


O aproximar ao século XXI fica marcado por algumas descodificações em alguns ramos e pela
adaptação da legislação às normas comunitárias.

Direito Administrativo (1) Alterações do código Administrativo de 1936 quanto ao regime das
autarquias locais e do contencioso administrativo.
(2) Em 1977, consagrou-se um dever genérico de fundamentação dos
atos administrativos desfavoráveis, permitindo o controlo judicial
do exercício dos poderes discricionários~
(3) Criação do Primeiro Código de Procedimento Administrativo em
1991 – robustecimento das garantias aos particulares e inovação do
direito de audiência prévia.
(4) Reforma do contencioso administrativo de 2002, PRACE em 2006 e
novo regime de contratação pública de 2008.
Direito do Trabalho (1) Disciplina do contrato de trabalho e regulamentação ou
contratação coletivo.
(2) Proibição dos despedimentos sem justa causa
(3) Liberdade sindical, direito à greve, estabilidade ao emprego e
intervenção das organizações dos trabalhadores na empresa.
(4) Aprovação do Código do Trabalho em 2003, que foi substituído por
um novo em 2009 graças ao crescimento económico e à
competitividade empresarial.
(5) Criação de um código de Processo de Trabalho em 1999, após
outras tentativas falhadas de emanar um código estável.
Direito Bancário (1) Importância das matérias de defesa do consumidor e de proteção
do meio ambiente.
Direito de Autor (1) Criação do código do direito de Autor de 1966. Mais tarde, da mera
proteção do direito de autor estendeu-se aos direitos conexos.
(2) No século XXI, o aprofundamento da proteção dos direitos de autor
decorre da transposição de diretivas comunitárias que ajustam tais
direitos À nova realidade tecnológica.
Direito Civil (1) Criação do Regime do Arrendamento Urbano em 1990.
(2) Criação do registo predial
(3) Liberalização do notariado através do Estatuto de 2004.
Direito adjetivo (1) Reformas de ação executiva e reformas dos recursos
(2) Reentrada no direito português dos julgados de paz
(3) Assistência judiciária para a efetivação prática dos princípios da
igualdade perante a justiça.
(4) Progressiva afirmação e realização do principio constitucional do
acesso ao direito e aos tribunais, estendido até a regiões
transfronteiriças.

Aspetos do pensamento jurídico


A meditação jusfilosófica marcante denuncia raízes neokantianas da Escola de Baden e evolução
progressiva para uma metafisica idealista. Procuram-se depurar os conceitos essenciais do direito e
reflexões no campo axiológico. Este problema de reflexão normativo-metodológica da realização do direito
leva a novas posições, separando juridicidade de legalidade epropondo uma recompreensão da
normatividade jurídica e suas fontes. Começa-se a colocar o direito como problema e a procurar o seu
sentido no plano histórico e metodológico.
Pode-se dizer-se que hoje, quanto á fundamentação e compreensão filosófica do jurídico, muitos
autores são jusnaturalistas. Porém, no plano da construção dogmática e aplicação do direito revelam-se
positivistas que numa vertente exegético-formal, quer numa vertente mais próxima da jurisprudência dos
conceitos.
Reconhecem-se, porém, outros autores ligados a postulados exegéticos ou a um conceitualismo
teleológico.

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