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História do Direito

Apostilado- 1

Professora : Flâmer Távora

Introdução a História do Direito

A História do Direito em busca de autonomia Partindo-se da perspectiva


do Direito enquanto ciência autônoma, a História do Direito sempre esteve
presente nas discussões acadêmicas da área, assumindo diversas funções e
adquirindo diversos significados no curso de sua existência, mesmo que muitas
vezes tratada como ciência auxiliar, ou reduzida a um status científico inferior.
Enquanto no século XIX a área serviu aos anseios de Savigny e demais
doutrinadores da Escola Histórica, que viam na pesquisa do passado jurídico a
legitimação do Direito (WIEACKER, 1967, p. 43), foi obrigada a permanecer em
posição inferior à emergente ciência do Direito do século XX, identificada com o
estudo da norma (LARENZ, 1983, p. 82). Hoje, defende-se nos meios
acadêmicos a autonomia do campo da História do Direito – da mesma forma
que as independências teóricas da História e do Direito não suscitam grandes
dúvidas. Ainda, são identificadas ciências que lhe são auxiliares, confirmando
que ela não cumpre a pequena qualificação de “ciência auxiliar” (SALDANHA,
1978, p. 61). Seguindo uma ótica contemporânea da produção de História,
Nelson Saldanha (1978, p. 61) afirma que a tarefa dessa área do conhecimento
“não se restringe a registrar eventos, arrolar datas, catalogar nomes, descrever
passados; ela tem por missão compreender processos, sendo o registro dos
eventos ponto de apoio para a compreensão dos processos”. No substrato do
pensamento de autores como Nelson Saldanha, Paolo Grossi, Franz Wieacker
e António Hespanha, que enxergam a História do Direito como ciência
autônoma e essencial para a compreensão do fenômeno jurídico, está uma
perspectiva do Direito enquanto realidade histórico-cultural (REALE, 1992, p.
31), cuja historicidade é intrínseca ao jurídico, e não elemento extrínseco ou
complementar, visto que sua missão cognitiva se fundamenta na própria

1
historicidade da existência humana.1 1 – Conforme defende Wieacker (1967, p.
4), “[a] missão cognitiva da história do direito – como a de qualquer outra
história – não se fundamenta no material previamente estabelecido dos dados
e factos históricos e na sua utilidade para o presente, mas na historicidade da
nossa própria existência. Na medida, porém, em que a história do direito acaba
por recorrer necessariamente quanto a esta questão, à própria experiência do
direito, 146 Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 Justiça & História DUTRA, Guilherme
Miranda Produzir História do Direito é encarar o Direito segundo uma
perspectiva que rompe com o absolutismo típico de qualquer ciência – afinal,
no momento em que enxergamos o Direito como realidade histórica, devemos
aceitar sua submissão ao devir histórico, submetendo-se à fluidez
característica dos elementos sociais aos quais é integrado2 . Portanto, o
historicismo é, no pensar de Nelson Saldanha, um relativismo, mas que nem
por isso afasta o homem de valores profundos e permanentes3 . Como
exemplo mais contundente dessa característica, podemos citar o Direito Penal,
que, como afirma Paolo Grossi (2004, p. 65), é a área jurídica que se elevou
“como modelo de juridicidade exatamente por consistir na plena expressão da
potestade punitiva”. Assim, enquanto direito mais cruamente e severamente
sancionador, o Direito Penal submete-se às experiências sociais de forma
direta. A compreensão acerca do que é lícito ou ilícito sofre variações no tempo
e no espaço sob a influência de diversos atores sociais: como exemplos, a
sociedade civil, que clama por alguma modificação legislativa diante de
determinado evento que provoca clamor popular (em geral no recrudescimento
da lei penal)4 , ou ainda, influências tornam-se seu objecto quaisquer domínios
da história em que, em geral, possa ser encontrada a experiência humana do
direito. Ela acaba por ser a História, sob o ponto de vista da experiência
humana do direito”. 2 – “Vejamos o seu integracionismo, a lucidez de perceber
o parentesco indissociável do Direito (em seu devir histórico) com a religião, a
política, a linguagem” (SALDANHA, 1978, p. 35). 3 – “O historicismo é sem
dúvida um relativismo, mas de alicerce crítico-cultural. Significa a negação de
todo dogmatismo intemporalizante, embora se enganem os que pensam que
com isto ele desliga o homem de valores profundos e mesmo permanentes.
Negação de imagens totalmente estáticas e rígidas da realidade humana. Na
afirmação do fluir dos acontecimentos e da relativização dos valores e das

2
instituições, o historicismo faz o reencontro do homem consigo mesmo dentro
do próprio fluir, no qual se continuam e se refazem as raízes da experiência
humana. […] E sendo filosofia de mudar o historicismo não pode ficar parado
em conceitos hirtos: tem de se refazer, de se reformular, de se rever, numa
insatisfação cuja faina, sempre vã e sempre fértil, tem de acompanhar a própria
história. (SALDANHA, 1978, p. 72-73). 4 – Exemplo emblemático dessa
situação foi aquela que se seguiu ao assassinato da atriz Daniella Perez, filha
da novelista Glória Perez. A Lei n. 8.930/1994, que incluiu o homicídio
qualificado na Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/1990), é usualmente
atribuída à pressão popular advinda da alta exposição midiática dada ao caso.
147 Justiça & História Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 O Direito frente a sua
historicidade: novas concepções de História e de História do Direito
decorrentes de um projeto político organizado com vistas a determinada
consequência social, uma das funções centrais da organização do aparato
penal pelo Estado. Por isso, encarando a mutabilidade das categorias penais
por meio da História do Direito, vemos um exemplo de manifestação concreta
do relativismo acima referido (ainda que não seja o único), e que desnuda a
fluidez das categorias jurídicas e da aplicação do Direito como um todo. Acerca
do tema, António Hespanha (1978, p. 7) apresenta o seguinte exemplo:
“Quando hoje aquilo que foi indubitavelmente 'legítimo' (do ponto de vista
político) é equiparado a 'crime', por falta de uma oportuna cobertura jurídica, e
daí se extraem consequências politicamente relevantes; como quando actos
que se tornaram indubitavelmente 'ilegítimos' (do mesmo ponto de vista) são
considerados 'lícitos', por falta de adequada cobertura jurídica de sua punição,
nós adquirimos a trágica demonstração de que essa realidade indócil e fugidia
é mesmo um 'instrumento', isto é, tem mesmo que ver com a realidade social e
com a sua transformação.” No entanto, ainda que seja inegável a função da
História do Direito para a compreensão do fenômeno jurídico, sua
desvalorização é recorrente no mundo acadêmico. A disciplina ainda está
usualmente ausente nos currículos de muitas faculdades de Direito e, quando
presente, é relegada à condição de propedêutica, faltando o aprofundamento
adequado.5 Porém, 5 – Conforme Saldanha (1978, p. 47-48): “Se verificarmos,
portanto, o conteúdo da ciência jurídica contemporânea (incluídos nessa
palavra os séculos XIX e XX, adotando-se provisoriamente o sentido infracrítico

3
dos compêndios), vemos que de um modo geral a história jurídica ainda é
tratada mais como um ponto de referência, como depósito de exemplos. Se
tirarmos as grandes obras decididamente historiográficas que se escreveram
do romantismo para cá, vemos que para a forma, para a elaboração da Ciência
do Direito, o fato histórico vem tendo, praticamente, apenas aquela função. O
ponto de vista sistemático 148 Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 Justiça & História
DUTRA, Guilherme Miranda mesmo diante dessa situação, qualquer estudante
ou pesquisador do Direito está acostumado a redigir o que Ana Lucia Sabadell
(2003) chama de “inevitável escorço histórico” no início de seus trabalhos
acadêmicos, que, segundo ela, é “uma forma de pensamento que é
testemunha de uma concepção equivocada sobre a história e o direito”. O
intrigante reside no fato de que, por um lado, o Direito vira as costas para o seu
estudo histórico, enxergando-o ora como simples método auxiliar, ora como
mera curiosidade a ser pincelada no início da graduação. Por outro lado,
procura na História alguma forma de justificativa para sua existência, o que se
mostra evidente pelos estudos históricos frequentemente realizados no início
de diversos trabalhos jurídicos, e cujas pretensões não ficam exatamente
claras. Infelizmente, essa tendência a tecer considerações históricas nas
introduções dos textos produzidos no âmbito do Direito não leva, em geral, a
uma tão necessária valorização do estudo da História do Direito como um
campo autônomo sério. A prática comum, na verdade, é a repetição do
discurso sobre História apresentado por outros juristas (muitos deles de
décadas muito anteriores), deixando-se de buscar a interpretação acurada que
apenas o contato com as fontes primárias e a bibliografia especializada poderia
proporcionar. Limitante é o fato que, obviamente, um estudo sério de História
pode levar tanto tempo (ou mais) que a própria pesquisa jurídica que o cientista
do Direito tenta empreender. Não se pode enxergar nessa repetição de
esboços históricos apenas um fato benigno na produção científica, pois
subjacentes a ela encontram-se ideias danosas. O elemento mais incômodo é
a forma mecânica de exposi- ção legislativa usualmente adotada, transmitindo
uma posição continuísta- -simplificadora (SABADELL, 2003), ignorando as
rupturas inerentes aos processos históricos. Como alertou o historiador Marc
Bloch (2001, p. 55) acerca da antítese central do estudo da História, “[o] tempo
verdadeiro é, por natureza, um continuum. É também perpétua mudança”. A

4
tão conhecida obsessão do pensamento jurídico com o Direito Romano é
evidência predomina plenamente; e no caso de certas referências históricas, a
impressão que temos é a de que surgem quase como um troféu, uma
curiosidade complacentemente exibida pelo ponto de vista conceitual
triunfante”. 149 Justiça & História Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 O Direito frente a
sua historicidade: novas concepções de História e de História do Direito clara
de como certos juristas às vezes esquecem de produzir uma História crítica,
preferindo o conforto da presunção de que, indubitavelmente, uma linha
invisível nos une a esses seres humanos que viveram há 2000 anos atrás, e
que as respostas que deram à sua sociedade são suficientes para dar conta
dos nossos problemas.6 Apesar do cenário pouco favorável à História do
Direito que se delineia, diversos juristas-historiadores posicionam-se de forma
diversa, estabelecendo, por meio da sua produção teórica, uma contraposição
importante às características citadas que obscurecem a autonomia dessa área
do conhecimento. Para tanto, buscam subsídios teóricos nos novos formatos
de produção do conhecimento histórico que se tornaram possíveis no século
XX, estreitando os laços com a História, ao mesmo tempo que fortalecem a
ideia de autonomia da História do Direito. Rupturas epistemológicas na História
e na História do Direito Embora busque sua autonomia, é inegável que a
História do Direito não pode prescindir das formas metodólogicas e dos
conceitos teóricos da História. Ainda que não seja apenas uma extensão da
ciência histórica, é na História que devemos procurar as ferramentas centrais
para um método de investigação histórica no Direito. Em geral, o argumento
correntemente utilizado no âmbito do Direito é de que a História do Direito é
apenas uma das maneiras de estudar a realidade jurídica, ao lado de outras
(SALDANHA, 1978, p. 47). Assim, numa perspectiva conservadora, podemos
admitir a existência autônoma do fenômeno jurídico e, em uma das suas
facetas, encaramos sua historicidade como um dos seus predicados, que seria
teoricamente enfrentado por meio da História do Direito. 6 – Trata-se, na
verdade, de eco das escolhas teóricas da Escola Histórica do Direito do século
XIX, conforme defende Nelson Saldanha (1978, p. 47): “Ao 'tomar' o Direito
romano como ponto de referência, a historiografia jurídica oitocentista projetava
sobre as realidades jurídicas de Roma conceitos e significados que a
sistematização do saber jurídico moderno tinha alcançado: projetava-os para

5
'rever' e reentender o passado jurídico”. 150 Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 Justiça
& História DUTRA, Guilherme Miranda Porém, essa definição mostra-se
insuficiente no momento em que admitimos o Direito como historicidade, como
“o modo mais significativo que uma comunidade tem de viver a sua história”
(GROSSI, 2004, p. 18). Em uma metáfora poética e pertinente, o historiador
Paolo Grossi (2004, p. 68) chega a definir o Direito como “História viva”. Afinal,
compartimentar o Direito e circunscrever seu caráter histórico a apenas mais
uma das suas possíveis áreas de estudo é ignorar o fato de que a História
atravessa o fenômeno jurídico em todas as suas dimensões, visto ser
impossível pensar um Direito longe dela e da sociedade. Obviamente, não se
defende que a História do Direito seja capaz de explicar completamente o
fenômeno jurídico, prescindindo das outras áreas. Afinal, o seu objeto
permanece delimitado: cabe a ela, em sentido geral, investigar as formas da
experiência jurídica dos homens no tempo (VARELA, 2000, p. 179). Porém, a
historicidade jurídica não pode ser preocupação exclusiva de uma História do
Direito isolada das outras áreas do conhecimento. Defende-se que até mesmo
uma teoria “geral” do Direito não pode ser apenas estrutural e sistemática,
devendo também ser histó- rica, na medida em que necessita entender a
formação de suas próprias bases, e incluir este entendimento em sua
autoconsciência epistemológica (SALDANHA, 1978, p. 105). Assim, a História
do Direito assume a função de colocar o Direito em contato com a sua própria
historicidade, que não apenas o adjetiva, mas constitui elemento substancial da
sua existência. Dessa forma, soaria incoerente classificarmos a História do
Direito como subdivisão da ciência histórica, face às suas características e
funções específicas para a própria ciência jurídica. No entanto, maior
contrassenso seria decretar independência completa entre essas duas áreas
do conhecimento, visto que ambas compartilham métodos e objetos. Em suma,
e simplificadamente, admitimos que a História do Direito, embora conte com
alguns pressupostos teóricos próprios, deve buscar na ciência histórica o seu
instrumental, mantendo-se atenta às discussões que ali se desenvolvem
(VARELA, 2000, p. 179). Porém, como adverte Paolo 151 Justiça & História
Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012 O Direito frente a sua historicidade: novas
concepções de História e de História do Direito Grossi (1993, p. 8-9), ela não
deve se dissolver na História Social7 , de forma que o historiador do Direito não

6
deve esquecer que o jurídico está imerso no social, cabendo-lhe, na mesma
intensidade, reconstruir aquele jurídico na sua especificidade (GROSSI, 2006a,
p. 25). Evidentes os laços que unem a ciência histórica à História do Direito,
devemos aceitar que aquela, como ciência-raiz, transmite seus pressupostos
metodológicas a esta, e faz ecoar suas mudanças, mesmo que indiretamente.
O historiador José Reinaldo de Lima Lopes (2008, p. 2) cita, ao elencar razões
para as recentes modificações de paradigmas na História do Direito, a Escola
francesa dos Annales como definidora nesse processo. Embora diversas
tenham sido as revoluções no pensamento histórico no século XX, a gerada
por esse movimento intelectual reverberou de forma tão profunda que o próprio
formato de História passível de ser escrita ampliou-se após essa ruptura
epistemológica. Assim, torna-se impossível não mencionar, mesmo 7 – “Il
problema è, cioè, anzitutto, epistemologico. Se noi crediamo – e io lo credo
fermamente – che il giuridico sia una dimensione autonoma della sfaccettata e
complessa realtà sociale; se crediamo – e io lo credo fermamente – che non si
debba spegnere la storia del diritto in una vaga e fumosa storia sociale; se
teniamo – e io ci tengo fermamente – a segnare con precisione confini e
contenuti del nostro oggetto conoscitivo, allora è semplicemente un atto di
coerenza elementare la conoscenza degli strumenti di analisi scientifica
appropriati a percepirlo, valorizzarlo, definirlo. Né si dica che insistere su questa
valenza ‘tecnica’significhi indulgere a una visione formalistica e riduttiva della
ricchezza storica, e risecchisca lo storico del diritto in un analista di forme
avulse dall`incandescenza complessa del reale. Che lo storico del diritto, da
giurista qual è, maneggi gli strumenti tecnici del giurista, vuol dir soltanto che
egli deve maneggiar strumenti specifici e adeguati a valorizzare soprattutto una
dimensione del sociale.” [Tradução livre: O problema é, antes de tudo,
epistemológico. Se nós acreditarmos – e eu acredito firmemente – que o
jurídico seja uma dimensão autônoma da multifacetada e complexa realidade
social; se acreditarmos – e eu acredito firmemente – que não se deve apagar a
História do Direito em uma história social vaga e esfumaçada; se nos
propormos – e eu me proponho firmemente – a assinalar com precisão os
limites e fronteiras do nosso objeto, então é simplesmente um ato de coerência
elementar o conhecimento dos instrumentos de análise científica apropriados
para percebê-lo, valorizá-lo, defini-lo. Também não se diga que insistir sobre

7
esse valor “técnico” significa ser indulgente com uma visão formalista e
redutora da riqueza histórica, que limita o historiador do direito a um analista de
forma avulsa da incandescência complexa da realidade. Que o historiador do
direito, tal qual o jurista, maneje os instrumentos técnicos do jurista quer
somente dizer que ele deve manejar instrumentos específicos e adequados à
valorização sobretudo de uma dimensão social.] 152 Vol. 12 – n. 23 e 24, 2012
Justiça & História DUTRA, Guilherme Miranda que superficialmente, o
pensamento de Marc Bloch, Lucien Febvre, Fernand Braudel, entre outros, que
desenvolveram concepções revolucionárias sobre a História, bem como
permitiram a criação de novas áreas possíveis de investigação dentro da
ciência histórica (LOPES, 2008, p. 2).

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UNIDADE 2

Direito Primitivo

Caracteres gerais dos direitos dos povos sem escrita direitos não
escritos = quase não há formulação de regras jurídicas abstratas pela limitação
que a falta de escrita causa. direitos numerosos= existem vários sistemas
jurídicos porque cada comunidade tem seu próprio costume, vive isolada, raros
contatos com os vizinhos, vive dos seus próprios recursos, sistema de
economia fechada, autárquica, quer dizer , sem trocas com outros grupos. A
extensão das comunidades que tinham o seu direito próprio é muito variável:
por vezes um clã, mais freqüentemente uma etnia. relativamente diversificado:
há diferenças muitas vezes importantes, por vezes mínimas de um costume
para outro: solidariedade familiar ou clãnica, ausência de propriedade
imobiliária e de responsabilidade individual, etc. Nas sociedades arcaicas, o
direito está ainda fortemente impregnado de religião. A distinção entre regra
religiosa e regra jurídica é muitas vezes difícil, porque o homem vive no temor
constante dos sobrenaturais, chamada de “indiferenciação”- religião, moral,
direito, etc – estão ainda aí confundidas. Estes direitos são místicos e por
conseqüência irracionais; assim, no domínio das provas de justiça, recorre-se
muitas vezes ao ordálio, quer dizer ao “julgamento de Deus”. Direitos em
nascimento: distingue-se ainda mal o que é jurídico do que não é jurídico. Não
existem instituições tais como são definidas nos sistemas romanistas ou de
common law, por exemplo a noção de justiça, de regra de direito (rule of law),
de lei imperativa de responsabilidade individual. Atualmente, sob a influência
de estudos realizados por etnólogos e dos sociólogos, admite-se que os
costumes dos povos sem escrita têm um caráter jurídico porque existem aí
meios de constrangimento para assegurar o respeito das regras de
comportamento. Admite-se assim que não existe uma noção universal e
eterna de justiça, podendo esta noção variar com o tempo e com o espaço.
Nos sistemas arcaicos de direito é justo tudo aquilo que interessa para a

9
manutenção da coesão do grupo social, e não o que tende para o respeito dos
direitos individuais: tendência a procurar a conciliação para resolver todo o
conflito no seio do grupo. A função de julgar não consiste em resolver um
litígio, mas em tentar obter o acordo das partes por concessões recíprocas.
Negociações que podem durar dias, e também a ausência de qualquer noção
de autoridade do caso julgado. O direito não apareceria senão com a
organização de um poder político diferenciado do das hierarquias ligadas ao
parentesco e capaz de assegurar a regulação social por um aparelho jurídico
de normalização, de prevenção e de repressão. Na fase de pré-direito, esta
regulação não resulta senão da tendência dos grupos sociais a conformarem-
se com a tradição, a aderirem às maneiras de viver do grupo pelo medo da
reprovação social, da censura do grupo, e sobretudo das forças sobrenaturais.
A passagem do pré-direito ao direito corresponde geralmente à passagem do
comportamento inconsciente puramente reflexo ao comportamento consciente,
refletido, senão inteligente. Fontes de direito a)Em todos os direitos dos
povos sem escrita, a fonte do direito é quase exclusivamente o costume =
“direitos consuetudinários” Por exemplo: obediência. b)Nos grupos sociais
relativamente evoluídos, acontece que aqueles que detêm o poder impõem
regras de comportamento, dando ordens de caráter geral e permanente.
Leis, mas são leis não escritas, estas são repetidas em intervalos mais ou
menos regulares para assegurar o seu conhecimento e respeito.

c) O precedente judiciário fonte criadora de regras jurídicas; os que julgam,


sejam eles chefes ou os anciãos, tem a tendência, voluntária ou
involuntariamente, para aplicar aos litígios soluções dadas precedentemente a
conflitos do mesmo tipo.

d) Os provérbios e adágios são um modo freqüente de expressão do costume,


podemos encontrá-los em poemas, lendas, etc.

UNIDADE 3

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Direito Egípcio- mesopotâmico- Hebreu

Direito Mesopotâmio

Existe um lugar no mundo onde quase tudo que acreditamos serem atos
civilizados nasceu, e este lugar é o crescente fértil, lugar onde o homem dividiu
as horas, criou edificações, o Estado de governo as escolas e o principal a
escrita, todas essas conquistas foram os povos da Mesopotâmia que criaram,
sendo a escrita uma das maiores invenções dessa gente.

O povo da Mesopotâmia desde os primórdios tinham como base a formação de


cidades com alto grau de independência. A principal economia do povo
mesopotâmio era o plantio e o transporte de mercadorias através da
navegação.

A Babilônia de Hammurabi era dividida por grupos econômicos, (muito parecido


com a índia atual), sendo assim em 3 espécies:

Os “awilum”: conjunto de homens ricos e pobres que gozavam do direito de


liberdade e possuidores de direitos de cidadão.

Os “muskênum”: camada formada por funcionários públicos com direitos e


deveres específicos.

Os escravos: maioria da população.

Os nomes dos códigos na mesopotâmia eram dados em homenagem aos


governantes da época, sendo o primeiro corpo de leis mais antigo o de Ur-
Nammu que foi descoberto através de uma expedição arqueológica, outros
artefatos de leis que foram encontrados foram as leis de Eshunna que possui
sessenta artigos, sendo uma mescla de direito civil e penal que influenciou no
Código de Hammurabi.

Entre o ano de 1901 e 1902 na Pérsia, uma expedição arqueológica encontrou


uma pedra contendo um conjunto de leis com 282 artigos organizados em 3600
linhas de texto, ao qual foi denominado como Código de Hammurabi, cujas leis
foram esculpidas, em pedra a mando do próprio Rei Hammurabi antigo Rei da
Babilônia. Percebe-se então a monarquia como forma de política.

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O código de Hammurabi foi constituído com base nos códigos anteriores, e
decisões de casos, ou seja, jurisprudência.

O código Hammurabi já tratava de temas específicos, como indenização,


diferentemente do direito Hebraico Hammurabi já acrescentava direitos a
mulher, como por exemplo: o dote pertencia à mulher até depois de separada
do marido em caso de repúdio do marido para mulher, tendo ela capacidade de
administração de seus bens até depois de casada ,ao contrário do direito
Hebraico onde a mulher no caso da morte do marido não possuía a liberdade
de administrar os seus bens e a sua vida, sendo a mulher dependente da
família do esposo até depois da morte do mesmo, mostra-se então que em
Hammurabi a mulher era dotada de personalidade jurídica.

O código de Hammurabi apresenta várias modalidades de contratos e


negócios, pois eles já praticavam a compra e venda o arrendamento,
depósitos, esquemas de juros, sociedades mercantis e bancos.

A pena de talião não é uma lei, mas sim uma interpretação do que seria a lei,
nesta linha de raciocínio quem cometeu o delito irá ser punido com a mesma
intensidade a quem foi praticado o delito. A pena de talião não era aplicada a
um escravo, pois este era um bem, sendo aplicado apenas o ressarcimento
material. Já no direito hebraico em deuteronômio 19,21 diz assim: “que teu olho
não tenha piedade. Vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão,
pé por pé” sendo este princípio aplicado de forma mais amena que no direito
mesopotâmio.

No caso de roubo e receptação era morto quem roubava e quem comprava


produto de roubo, e era aplicada a pena de morte em casos específicos de
defesa do consumir.

O direito babilônico cuida em primeiro plano de proteger a vida e os bens do


cidadão, determinando severos castigos não só por assassínato como também
por roubo e furto. Ao passo que as leis bíblicas visam antes de mais nada a
proteção dos socialmente fracos, e defendem os assalariados, os servos, os
estrangeiros, os órfãos e as viúvas.

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Direito Hebreu

Seus ensinamentos foram fundamentais para a feição de grande parte da


influência que exerceu por meio de seu grande ícone: Moisés, que tem como
principal ponto de sua vida a condução do povo à Terra Prometida e, durante o
caminho, recebeu a base de todo o Direito Hebreu e influenciou todas as
gerações: Os dez mandamentos, por meio das tábuas da lei. (Elder costa,
ferreira Lisboa, história do Direito, Belém, Unama 2009).

Leis baseadas nos costumes, e religiosidade, tendo como princípio a moral


religiosa. A doutrina representada pela Lei Mosaica era a própria constituição
do povo.

As principais leis mosaicas esta divididas nos cinco primeiros livros da bíblia
Gênesis, Exodo, Levítico, Números e Deuteronômio, que é chamado de
Pentateuco, para os judeus o Pentateuco significa o próprio Deus
falando (Thora).

A segunda fase do direito hebraico é chamada de Lei Natural, é chamada


assim, pois, após o dilúvio não havia outra autoridade senão a de Noé em
forma de patriarcado.

A terceira fase chamada de lei escrita remonta o período de Moisés,


conduzindo o povo à Terra prometida, depois da escravidão do Egito. (Elder
costa, ferreira Lisboa, história do Direito, Belém, Unama 2009).

No reinado de Salomão as leis hebraicas evoluem principalmente a crimina


onde a lei de talião não é mais aplicada, como, o olho por olho, mas sim
substituída por multa, prisão e imposição de flagelos físicos.

Artigos do Código de Hamurabi

Estupro: “se um awilum amarrou a esposa de outro awilum, que ainda não
concebeu um homem e more na casa de seu pai, dormiu em seu seio e o

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surpreenderem, este awuilum será morto, mas a mulher libertada”. Código de
Hammurabi Artigo 130.

Escravo: “se uma divida pesa sobre um awuilum e ele vendeu sua esposa,
filho ou sua filha ou os entregou em serviço pela divida, durante três anos
trabalharam na casa de seu comprador ou daquele que os têm em sujeição, no
quarto ano será concedida a sua libertação”. Código de hammurabi artigo 117.

Processo: “se um awilum lançou contra outro awilum uma acusação de


feitiçaria, mas não pôde comprovar: aquele contra quem foi lançada a
acusação de feitiçaria irá ao rio e mergulhara no rio. Se o rio purificar aquele
awilum e ele sair ileso: aquele que lançou sobre ele a acusação de feitiçaria
será morto e o que mergulhou no rio tomara para sai a casa de seu acusador”.
Código de Hamurabi artigo 02.

Brigas: “Se um cidadão, em uma briga, bateu em um (outro) cidadão e lhe


infligiu um ferimento, esse cidadão deverá jurar: ‘não bati nele
deliberadamente’, e pagará o médico” (Art. 206).

Agressão contra os pais: “Se um filho bateu em seu pai, cortarão a sua mão”
(Art. 195).

Extratos da Lei Mosaica

Estupro: “Quando um homem for achado deitado com mulher que tenha
marido, então ambos morrerão o homem que se deitou com a mulher, e a
mulher; assim tirarás o mal de Israel. Quando houver moça virgem, desposada,
e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela, Então trarão ambos à
porta daquela cidade, e os apedrejareis, até que morram; a moça, porquanto
não gritou na cidade, e o homem, porquanto humilhou a mulher do seu
próximo; assim tirarás o mal do meio de ti.E se algum homem no campo achar
uma moça desposada, e o homem a forçar, e se deitar com ela, então morrerá
só o homem que se deitou com ela;Porém à moça não farás nada. A moça não
tem culpa de morte; porque, como o homem que se levanta contra o seu
próximo, e lhe tira a vida, assim é este caso.Pois a achou no campo; a moça
desposada gritou, e não houve quem a livrasse. Deuteronômio 22,23-27.

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Escravo: Quando teu irmão hebreu ou irmã hebréia se vender a ti, seis anos te
servirá, mas no sétimo ano o deixarás ir livre. E, quando o deixares ir livre, não
o despedirás vazio. Liberalmente o fornecerás do teu rebanho, e da tua eira, e
do teu lagar; daquilo com que o SENHOR teu Deus te tiver abençoado lhe
darás. Deuteronômio 15, 12-14.

Processo: Uns homens, filhos de Belial, que saíram do meio de ti, incitaram os
moradores da sua cidade, dizendo: Vamos, e sirvamos a outros deuses que
não conhecestes;

Brigas: “Se dois brigarem, ferindo um ao outro com pedra ou com o punho, e o
ferido não morrer, mas cair de cama, se ele tornar a levantar-se e andar fora,
apoiado em seu bordão, então será absolvido aquele que o feriu; somente lhe
pagará o tempo que perdeu e o fará curar-se totalmente” (Êx 21:18-19).

Agressão contra os Pais: “Quem ferir seu pai ou sua mãe será morto”
(Êx21:15). Vê-se que, em relação ao Código de Hamurábi, a Lei Mosaica era
mais severa, pois punia o filho agressor com a morte.

Então inquirirás e investigarás, e com diligência perguntarás; e eis que, sendo


verdade, e certo que se fez tal abominação no meio de ti;

Certamente ferirás, ao fio da espada, os moradores daquela cidade, destruindo


a ela e a tudo o que nela houver, até os animais.

E ajuntarás todo o seu despojo no meio da sua praça; e a cidade e todo o seu
despojo queimarás totalmente para o SENHOR teu Deus, e será montão
perpétuo, nunca mais se edificará.

Existem algumas semelhanças entre os códigos de Hamurabi e o Código da


Aliança (direito mosaico), mas requer-se naturalmente o maior cuidado quando
se fazem deduções baseadas em cotejos literários. Semelhança de tema,
idéias e até de expressão, são freqüentemente o resultado de análogas
situações e semelhantes condições de vida.

Os influxos babilônicos percebem-se com clareza nos primeiros capítulos de


Gênesis, nas narrativas sobre a criação do mundo e a história primitiva da
humanidade. Neste particular é muito instrutiva a descrição babilônica do

15
dilúvio, a qual se assemelha à história bíblica, não só em sua idéia central, que
aliás é difundida pelo mundo inteiro, mas também em certos detalhes.

16
UNIDADE 4

Direito na Grécia Antiga e Direito Romano

1. O DIREITO NA GRÉCIA.

Para o estudo do Direito Grego é particularmente interessante o período que se


inicia com o aparecimento da polis e vai até o seu desaparecimento e
surgimento dos reinos helenísticos. Corresponde a um período de cinco
séculos, denominado “época arcaica” e “período clássico”.

Em Atenas foi onde a democracia melhor se desenvolveu e o direito atingiu sua


mais perfeita forma quanto a legislação e processo. É comum utilizar direito
grego e direito ateniense como sinônimos. No entanto, deve-se observar que
nem sempre são a mesma coisa.

Um dos fenômenos mais característicos da época arcaica foi o da colonização,


prática que continuou durante muito tempo. Seja por motivos de excesso de
população, secas ou chuvas em demasia, sempre que a polis tinha dificuldade
em alimentar a população, decidia pelo envio de uma parte para outro lugar,
com o objetivo de fundar uma colônia, a qual denominavam apokia (residência
distante). Foi dessa forma que os gregos se espalharam pelo Mediterrâneo.

Tendo aparecido em meados do século VII a. C., a moeda foi logo adotada
pelos gregos, contribuindo para incrementar o comércio e permitir a
acumulação de riquezas. Com o aparecimento dos plutocratas como uma nova
classe, a aristocracia perdeu o poder econômico, embora ainda mantivesse o
poder político, que seria por ela controlado, contudo finalmente retirado com as
reformas introduzidas pelos legisladores e tiranos.

A escrita surge como nova tecnologia, permitindo a codificação de leis e sua


divulgação através de inscrições nos muros das cidades. Dessa forma, junto
com as instituições democráticas que passaram a contar com a participação do
povo, os aristocratas perdem também o monopólio da justiça.

17
Retirar o poder das mãos da aristocracia com leis escritas foi o papel dos
legisladores. Coube-lhes compilar a tradição e os costumes, modifica-los e
apresentar uma estrutura legal em forma de leis codificadas.

São de particular interesse dois legisladores atenienses: Drácon e Sólon. O


primeiro fornece a Atenas o seu primeiro Código de leis, que ficou conhecido
por sua severidade e cuja lei relativa ao homicídio foi mantida pela reforma de
Sólon. Deve-se a Drácon a introdução de importante principio de Direito Penal:
a distinção entre os diversos tipos de homicídio, diferenciando entre homicídio
voluntário, homicídio involuntário e o homicídio em legítima defesa.

Sólon não só cria um Código de leis, que alterou o Código criado por Drágon,
como também procede a uma reforma institucional, social e econômica. No
campo econômico, Sólon reorganiza a agricultura, incentivando a cultura da
oliveira e da vinha e ainda a exportação do azeite. No aspecto social, entre a s
várias medidas, são de particular interesse aquelas que obrigavam os pais a
ensinarem um ofício aos filhos; caso contrario, estes ficariam desobrigados de
os tratarem na velhice; a eliminação de hipotecas por dívidas e a libertação dos
escravos pelas mesmas e a divisão da sociedade em classes. Atrai também
artífices estrangeiros com a promessa de concessão de cidadania.

Apesar de ter sido o berço da democracia, da filosofia, do teatro e da escrita


alfabética fonética, a civilização grega tinha algumas características bastante
particulares. Duas delas podem ter contribuído para o obscurecimento do
direito grego ao longo da história. A primeira é a recusa do grego em aceitar a
profissionalização do direito e da figura do advogado que, quando existia, não
podia receber pagamento. A segunda é a de que preferia falar a escrever.
Parece até um paradoxo que o povo que inventou a escrita desse primazia à
fala.

A característica dos gregos de dar preferência à fala em detrimento da escrita


era também reforçada pelas dificuldades que a escrita ainda apresentava,
mesmo no século V a.C., com a disponibilidade e custo do material para escrita
e produção de obras para consumo.

18
O que levou os gregos a utilizarem a nova tecnologia da escrita para escrever e
publicar leis na forma de inscrições públicas tem sido motivos de controvérsias.
A explicação até agora mais predominante tem sido a de que o povo grego, em
determinado ponto da História, começou a exigir leis escritas para assegurar
melhor justiça por parte dos Juízes. O propósito seria o de remover o conteúdo
das leis do controle de um grupo restrito de pessoas e coloca-lo em lugar
aberto, acessível a todos.

No entanto, entre as objeções a essa teoria está a falta de evidência de que as


leis, antes dos legisladores, estivessem sob controle exclusivo de determinados
grupos da sociedade. Uma coisa é grupos aristocráticos controlarem o
processo judicial e outra é ter o controle do conhecimento das leis. As maiores
inovações introduzidas pelos legisladores, nas novas leis escritas, era com
respeito ao processo. Não há também evidências de que as leis escritas
fossem mais justas que as anteriores; as evidências são, principalmente,
quanto à preocupação das novas leis em reformular o sistema judicial.

Uma versão mais recente é a da utilização da nova tecnologia, a escrita, pela


cidade, como um instrumento de poder sobre o povo. As leis escritas não
colocaram em xeque e nem limitaram o poder de governantes e magistrados.
Elas podem ter limitado a autonomia dos magistrados judiciais, mas o poder
político absoluto, continuava intocável. Embora mais tarde, como foi o caso de
Atenas, as reformas introduzidas no sistema legal tenham aumentado o poder
do povo, inicialmente as leis visavam a beneficiar a polis e dessa forma
fortalecer o poder do grupo que dominava a cidade, fosse ele qual fosse, e,
principalmente, as leis eram inicialmente aristocráticas. Devem-se a Sólon as
primeiras iniciativas de democratização das leis.

Com o crescimento das cidades, aumentavam as oportunidades de conflitos e


conseqüentemente a necessidade de meios para sua solução pacífica. Como
resposta às perturbações e agitações que se formavam, muitas cidades devem
ter buscado na nova tecnologia da escrita uma forma de controle e persuasão.
Embora já estivesse disponível por quase um século, a escrita somente foi
utilizada em inscrições públicas para as primeiras leis por volta da metade do
sétimo século antes de Cristo,

19
1.1. O Direito Grego Antigo.

As fontes das leis escritas gregas dividem-se em duas categorias: fontes


literárias e fontes epigráficas.

Os gregos não elaboraram tratados sobre o direito, limitando-se apenas à


tarefa de legislar (criação de leis) e administrar a Justiça pela resolução de
conflitos (direito processual). Adicionalmente, devido a precariedade dos
materiais de escrita utilizados na época (inscrições em pedra e madeira e
textos escritos em papiro), um texto literário, filosófico ou lei escrita, somente
chegaria aos nossos dias, não pela conservação do original, mas pelas
contínuas reproduções e citações de autores posteriores.

Pode-se categorizar as leis gregas em crimes, família, pública e processual. A


categoria denominada por crimes, que corresponderia ao nosso direito penal,
inclui o homicídio que os gregos, diferenciavam entre voluntário, involuntário e
em legítima defesa.

Classificadas como família, encontramos leis sobre casamento, sucessão,


herança, adoção, legitimidade de filhos, escravos, cidadania, comportamento
das mulheres em público etc.

Como leis públicas temos as que regulam as atividades e deveres políticos dos
cidadãos, as atividades religiosas, a economia, finanças, vendas, aluguéis, o
processo legislativo, relações entre as cidades, construção de navios, dívidas
etc.

Algo notável no direito grego era a clara distinção entre lei substantiva e lei
processual. Enquanto a primeira é o próprio fim que a administração da justiça
busca, a lei processual trata dos meios e dos instrumentos pelos quais o fim
deve ser atingido, regulando a conduta e as relações dos tribunais e dos
litigantes com respeito à litigação em si, enquanto que a primeira determina a
conduta e as relações com respeito aos assuntos litigados.

Um exemplo significativo de quão evoluído era o direito processual grego é


encontrado no estudo dos árbitros públicos e privados. Trata-se aqui de duas

20
práticas que se tornaram comuns, no direito grego, como alternativas a um
processo judicial normal: a arbitragem privada e a arbitragem pública. A
arbitragem privada era um meio alternativo mais simples e mais rápido,
realizado fora do Tribunal, de se resolver um litígio, sendo arranjada pelas
partes envolvidas que escolhiam os árbitros entre pessoas conhecidas e de
confiança. Nesse caso, o árbitro (ou árbitros) não emitia um julgamento, mas
procurava obter um acordo, uma conciliação, entre as partes. A arbitragem
privada corresponderia a nossa moderna mediação.

Embora os gregos não estabelecessem diferença explícita entre direito público


e direito privado, civil e penal, é no direito processual que se encontra uma
diferenciação quanto à forma de mover uma ação: a ação pública e a ação
privada. A ação pública podia ser iniciada por qualquer cidadão que se
considerasse prejudicado pelo Estado, por exemplo, por ação corrupta de
funcionário público. A ação privada era um debate jurídico entre dois ou mais
litigantes, reivindicando um direito ou contestando uma ação, e somente as
partes envolvidas podiam dar início à ação.

Exemplos de ações privadas: assassinato, perjúrio, propriedade, assalto, ação


envolvendo violência sexual, ilegalidade, roubo.

Exemplos de ações públicas: contra oficial que se recusa a prestar contas, por
impiedade, contra oficial por aceitar suborno, contra estrangeiro pretendendo
ser cidadão, por registro falso etc.

No direito grego não havia magistrado que iniciasse um processo, não havia
ministério público que sustentasse a causa da sociedade. Em princípio cabia à
pessoa lesada ou a seu representante legal intentar o processo,fazer a citação,
tomar a palavra na audiência, sem auxílio de advogado. A lei ateniense era
essencialmente retórica. Não havia advogado, juízes, promotores públicos,
apenas dois litigantes dirigindo-se a centenas de jurados.

Em Atenas a administração da Justiça foi mantida, tanto quanto possível, nas


mãos de amadores, com efeito (e talvez também o objetivo) de permanecer
barata e rápida. Todos os julgamentos eram aparentemente completados em

21
um dia, e os casos privados muito mais rápidos do que isto. Não era permitido
advogado profissional. O presidente da Corte não era um profissional
altamente remunerado, mas um oficial designado por sorteio.

O direito a um julgamento por um júri formado por cidadãos comuns (em vez de
pessoas tendo alguma posição especial e conhecimento especializado) é
comumente visto nos estados modernos como uma parte fundamental da
democracia. Foi uma invenção de Atenas.

O direito grego através de seus Tribunais formado por um júri composto de


cidadãos comuns, cujo número chegava a várias centenas, era atividade que
fazia parte do dia-a-dia da maioria das cidades gregas.

Na sociedade moderna, a administração da Justiça está nas mãos de


profissionais especializados, os Juízes. Na Atenas clássica, a situação era o
reverso. A heliaia era o tribunal popular que julgava todas as causas, tanto
públicas como privadas, à exceção dos crimes de sangue que ficavam sob a
alçada do areópago. Os membros da heliaia, denominados helialistas, eram
sorteados anualmente dentre os atenienses. O número total era de seis mil e,
para julgar diferentes causas, eram sorteados novamente para evitar fraudes.
O número de heliastas atuando como júri em um processo variava, mas atingia
algumas centenas. Para permitir que o cidadão comum pudesse participar
como heliasta sem prejuízo de suas atividades, recebiam um salário por dia de
sessão de trabalho.

As sessões de trabalho para julgar os casos apresentados eram chamadas


dikasterias, e as pessoas que compunham o júri eram referidas como dikastas
em vez de heliastas. Os dikastas eram apenas cidadãos exercendo um serviço
público oficial, e sua função se aproximava mais da de um jurado moderno. A
decisão final do julgamento era dada por votação secreta, refletindo a vontade
da maioria.

A apresentação do caso era feita por discurso contínuo de cada um dos


litigantes, interrompido somente para a apresentação de evidências de suporte,
e era dirigido aos dikastas, cujo número poderia variar em algumas centenas,

22
por exemplo 201 ou 501, por julgamento; o número total era sempre ímpar para
evitar empate. A votação era feita imediatamente após a apresentação dos
litigantes, sem deliberação. Não havia Juiz: um magistrado presidia o
julgamento, mas não interferia no processo.

Os litigantes dirigiam-se diretamente aos jurados através de um discurso,


sendo algumas vezes suportados por amigos e parentes que apareciam como
testemunhas. O julgamento resumia-se a um exercício de retórica e persuasão.
Cabia ao litigante convencer a maior parte de jurados e para isso valia-se de
todos os truques possíveis. O mais comum, e que passou a ser uma das
grandes características do direito grego, foi o uso de logógrafos, escritores
profissionais de discursos forenses. Podemos considera-los como um dos
primeiros advogados da história.

Apesar de ser requerido por lei que os litigantes apresentassem seus próprios
casos aos jurados, era difícil cumprir essa lei, que aos poucos foi
transformando-se em lei morta. O júri regularmente permitia que um parente,
ou associado, auxiliasse um litigante. Alguns litigantes faziam uma breve
introdução e solicitavam que um amigo o representasse.

Os logógrafos escreviam para seus clientes um discurso que este último


deveria recitar como se fosse de sua autoria. Eles suprimiam sua própria
personalidade e escreviam um discurso que parecesse o mais natural possível
para o litigante cliente e desse a impressão de ser extemporâneo.

Por fim, vê-se que os gregos antigos não só tiveram um direito evoluído, como
influenciaram o direito romano e alguns dos nossos modernos conceitos e
práticas jurídicas: o júri popular, a figura do advogado, a diferenciação de
homicídio voluntário, involuntário e legítima defesa, a mediação e a arbitragem,
a gradação das penas de acordo com a gravidade dos delitos.

23
2- Direito Romano

Conforme enfatizado pelo Professor Doutor César Fiúza, o “Direito Romano é a


mais importante fonte histórica do Direito nos países ocidentais, e, ainda, a
maioria dos institutos e princípios do Direito Civil nos foi legada pelo gênio
jurídico dos romanos” (FIUZA, 2006, p. 160).

E, é de conhecimento de todos que o nosso direito deriva do Romano. Dessa


forma, ao estudá-lo, buscam-se as origens do nosso próprio direito vigente.
Além disso,

“A perenidade do direito romano é fato evidente. Sua atualidade não pode ser
negada, pela presença constante em inúmeros institutos jurídicos de nossa
época.

Além disso, qualquer estudo profundo de direito privado principia sempre por
introdução histórica que investiga as raízes romanas do assunto tratado.”
(CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 57).

Então, de extrema relevância este artigo, o qual com certeza será responsável
para aprofundar o conhecimento no âmbito do Direito Privado. Passa-se então,
ao desenvolvimento do tema.

AS FASES DO DIREITO ROMANO

2.1 O Direito Romano na Realeza (753 a.C. a 510 a.C.)

2.1.1 Principais eventos

Os manuais de Direito Romano indicam que o Império Romano teve início com
a fundação da Cidade, em 753 a.C. e que o período histórico em que Roma foi
governada por reis foi chamado de realeza. Essa cidade teria sido governada
por sete reis até 510 a.C., ano considerado como fim desse período histórico.

Rômulo foi o primeiro rei, sendo considerado fundador lendário de Roma. Com
relação à época da fundação, considera-se ter sido “a cidade romana
constituída, no início, pelos componentes das tribos conhecidas pelos nomes

24
de ramnenses, tirienses e luceres” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 25), razão
pela qual Rômulo, conforme narra César Fiuza, “dividiu a cidade em três tribos:
Tities, Ramnes e Luceres” (FIUZA, 2007, p. 37).

Tendo em vista que nessas tribos havia apenas homens, Rômulo convidou os
sabinos, povo vizinho, constituído de indivíduos de ambos os sexos, para
festividades. Nessa ocasião, os romanos teriam raptado as pessoas do sexo
feminino, razão pela qual se iniciou uma guerra entre esses povos. Antes do
término da batalha, por influência das mulheres, os sabinos resolveram se
integrar aos romanos, junto à tribo dos Tities.

Sérvio Túlio, penúltimo rei dessa fase, ordenou o primeiro censo na história.
Ele “mandou fazer cadastro de todos, sendo que os censores vasculhavam
todos os cantos da cidade à procura de riqueza, para que se pudesse pagar
impostos e ampliar as receitas” (TAVARES, 2003, p. 8).

Vale ressaltar que o fim da realeza (510 a.C.) teve como marco a expulsão do
“último rex, Tarqüínio, o Soberbo, usurpador de poderes realmente imperiais”
(ENGELS, 2006, p. 143).

2.1.2 Organização social

Dentre os habitantes de Roma havia quatro classes bem distintas: os patrícios,


os clientes, os escravos e os plebeus. Os primeiros, homens livres, fundadores
da cidade e seus descendentes, agrupados em clãs familiares patriarcais,
denominados gentes, formavam a classe detentora do poder e privilegiada.

Os clientes, de origem diversa, “eram pessoas que se submetiam ao poder de


um chefe de família patrício, oferecendo seus préstimos e seu patrimônio em
troca de proteção” (FIUZA, 2007, p. 39). Geralmente eram estrangeiros e
escravos alforriados.

Já os escravos eram a mão-de-obra responsável por praticamente toda a


economia romana da época. Viviam sob as ordens do senhor, ou pater. Por
último, os plebeus, que não faziam parte das gentes, estavam em posição de
inferioridade, mas estavam sob a proteção do rei.

25
Até o reinado de Sérvio Túlio, a plebe não fazia parte da organização política
de Roma. Somente após essa ocasião - com as mudanças introduzidas por
esse rei - é que os plebeus ganham cidadania e “entram nos comícios
centuriatos, que se reúnem no Campo de Marte; pagam impostos e prestam
serviço militar” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 26).

2.1.3 Organização da família

A família patrícia era uma estrutura organizada, como se fosse uma pequena
sociedade com seu governo, chefiado unicamente pelo pai. Este, que exercia
as funções mais elevadas, sendo todos os demais membros submissos a ele.
Essa submissão se dava em todos os sentidos eis que o pater detinha, dentro
do lar, poderes ilimitados de pai, esposo, administrador, sacerdote e, até
mesmo, de um juiz cujas decisões nenhuma autoridade tinha o direito de
reforma.

Sendo assim, “no pai repousa o culto doméstico; quase pode dizer como o
hindu: “Eu sou o deus”. Quando a morte chegar, o pai será um ser divino que
os descendentes invocarão” (COULANGES, 2007, p. 93). Em caso de morte,
o lugar do pai “era ocupado pelo filho primogênito. Se não tivesse, adotava um.
O que não podia ocorrer era a vacância de seu lugar, sob pena de não se dar
continuidade ao culto familiar” (FIUZA, 2007, p. 40). E, “cada gens transmitia,
de geração em geração, o nome do antepassado e perpetuava-o com o mesmo
cuidado com que continuava o seu culto” (COULANGES, 2007, p. 119).

Com relação ao conceito de gens, expressão comumente trazida nos manuais


de direito romano, pode-se, resumidamente, considerar que trata-se do
“conjunto de pessoas que pela linha masculina descendem de um antepassado
comum” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 26).

Acredita-se que essa organização familiar foi um empecilho para o


desenvolvimento das regras comerciais em Roma, uma vez que, em
decorrência da predominância da indústria doméstica, somente foram
desenvolvidas relações contábeis e não-jurídicas entre pai e filhos. Relação

26
cujas decisões, conforme já mencionado, eram tomadas arbitrariamente pelo
detentor do poder patriarcal.

2.1.4 Organização da religião

A religião tinha como base duas classes de deuses. Uma era inspirada na alma
humana, em que os deuses eram chamados de domésticos, manes ou lares.
Tratava-se dos ancestrais e, a eles, era feito o “culto doméstico, em que se
invocavam os antepassados para proteção. Levava-se-lhes comida e
prestavam-se-lhes orações” (FIUZA, 2007, p. 40).

A outra classe era inspirada nos fenômenos naturais, chamados de deuses


superiores (deuses do Olimpo), “cujas principais figuras foram Zeus, Hera,
Atena, Juno, a do Olimpo helênico e a do Capitólio romano” (COULANGES,
2007, p. 132).

Essas duas classes, que alguns autores chamam de religiões, perduraram em


harmonia, dividindo o domínio sobre o homem.

2.1.5 Organização política e judiciária

Os poderes públicos eram exercidos pelo rei, pelo senado e pelo povo. O rei
era o supremo sacerdote, chefe do exército, juiz soberano e protetor da plebe.
Seu cargo, que era “indicado por seu antecessor ou por um senador”
(CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 27), era vitalício, mas não hereditário. Apesar
disso tudo, podia ser deposto, conforme a já mencionada expulsão ocorrida
com Tarqüínio, o Soberbo.

Já a instituição do senado era como um conselho, que tinha competência para


gerir e opinar nos negócios de interesse público. “O Senado detinha
a auctoritas para aconselhar o rei, quando convocado, e para confirmar as
decisões dos comícios” (FIUZA, 2007, p. 41).

Nomeados dentre os chefes das gentes pelo rei, os “senadores, por serem os
mais velhos em suas gens, chamavam-se patres, pais. O conjunto deles
acabou formando o Senado (de senex, velho, ancião – conselho dos anciãos)”

27
(ENGELS, 2006, p. 139/140). E, o “poder, de fato, estava nas mãos dos patres-
familias, sendo o Senado sua representação máxima” (FIUZA, 2007, p. 41).

O último dos três elementos que integram a organização política e judiciária na


fase da realeza era o povo. Este era, no início,

“Integrado pelos patrícios, na idade de serviço militar. Reúne-se em


assembléias – os comícios curiatos – (“comitia curiata”) -, num recanto
do fórum denominado mesmo comitium. A lei, proposta pelo rex, é votada
pelo populus, que vota por cúrias. As leis, assim votadas, recebem o nome
de leges curiatae” (CRETELLA JÚNIOR: 2007, p. 27).

Então, o povo era a sociedade romana, constituída, no início, apenas de


patrícios. Após Sérvio Túlio, que deu à plebe a cidadania, também passaram a
compor a populus romanus.

O povo exercia seus direitos em assembléias, denominadas comícios, onde


votavam para decidir sobre propostas específicas de casos concretos.

2.1.6 Fontes do direito

As fontes do direito na fase da realeza são apenas duas: o costume (fonte


principal) e a lei (secundária). E, tendo em vista o amplo domínio dos deuses
sobre o homem, essas fontes são extremamente influenciadas pela religião.

Costume pode ser entendido como o “uso repetido e prolongado de norma


jurídica tradicional, jamais proclamada solenemente pelo Poder Legislativo”
(CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 28). Sua autoridade resulta de um acordo tácito
entre todos os componentes da cidade.

Já a lei decorre de uma iniciativa do rex, tendo em vista um caso concreto em


que alguém deseja agir contrariando algum costume. Essa proposta do rei
pode ou não ser aceita pelo povo. Se for aceita, a lex é analisada pelo senado.
Caso ratificada torna-se obrigatória perante todos.

Aqui, a autoridade da lei resulta, ao contrário do costume, de um acordo formal


entre todos os cidadãos. Então, o Direito na realeza é:
28
“Casuístico, porque era criado para cada caso concreto. Empírico, porque se
baseava na observação prática, nada possuindo de científico. A posteriori,
porque nascia depois do fato concreto. Finalmente, concreto, uma vez que
nada tinha de abstrato, vinculando-se exclusivamente ao caso concreto”
(FIUZA, 2007, p. 42).

Então, a lei na fase da realeza teria surgido de forma gradativa e “como parte
da religião. As normas sobre direito de propriedade e de sucessão estavam
dispersas entre as regras relativas aos sacrifícios, à sepultura e ao culto dos
antepassados” (COULANGES, 2007, p. 206).

2.2 O Direito Romano na República (510 a.C. a 27 a.C.)

2.2.1 Principais eventos

No início da fase da república, logo após a expulsão de Tarqüínio, o Soberbo,


houve a “substituição do rex por dois comandantes militares (cônsules) dotados
de iguais poderes” (ENGELS, 2006, p. 143).

Esses sucessores do rei eram eleitos anualmente, em número de dois, para


que governassem de forma alternada, cada mês um deles controlavam
o imperium, enquanto o outro fazia uma fiscalização, com direito de veto
ou intercessio. E, “se perigos gravíssimos ameaçam a república, o cônsul em
exercício enfeixa o poder dos dois, tornando-se ditador, com opoderes
absolutos, perdendo o colega o recurso da intercessio (CRETELLA JÚNIOR,
2007, p. 30).

Foi nessa época que a diferença entre patrícios e plebeus já não se justificava.
Inclusive, por volta dos séculos IV e III a.C., “a plebe já ocupava todos os
cargos da magistratura, antes reservados só aos patrícios” (FIUZA, 2007, p.
54).

2.2.2 Organização social

29
Na República, a organização social se modifica um pouco. As classes sociais
eram bem distintas: classe baixa (ou plebs urbana), escravos, Cavaleiros da
Ordem Eqüestre e a nobreza.

A economia, assim como na realeza, se baseava na mão-de-obra escrava. Os


escravos, parcela significativa da população, “eram considerados bens
semoventes, despidos de personalidade” (FIUZA, 2007, p. 53).

Já a classe baixa, ou plebs urbana, era a casta composta por plebeus pobres,
“com profissões menos prestigiosas: barbeiros, sapateiros, padeiros,
açougueiros, pastores, agricultores etc” (FIUZA, 2007, p. 53).

A classe dos Cavaleiros da Ordem Eqüestre era composta, na verdade, por


homens de negócio. Atuavam, até mesmo, em nome de nobres, que não
queriam ou não podiam exercer atividades mercantis. Eram os homens que
não integravam a nobreza e que possuíam patrimônio superior a 400.000
sestércios. Esse nível patrimonial era o mesmo exigido “para se tornar um juiz
eqüestre, a quem competia julgar as questões envolvendo corrupção” (FIUZA,
2007, p. 54).

A última classe era a nobreza, também chamada de nobilitas, composta de


descendentes de magistrados. Nesta classe, tinha destaque a Ordem
Senatorial. Ao final da República, não era preciso ser descendente de homem
público para integrar essa Ordem.

A nobilitas era considerada a classe administradora e constituía, juntamente


com os Cavaleiros, a classe dominante da época. Posto isso, as demais
classes (plebe urbana e os escravos) eram dominados na fase do direito
romano na República.

2.2.3 Organização da religião

Na fase anterior, o rei era o supremo sacerdote. Já na República, conforme


ensina César Fiuza:

30
“Os poderes sacerdotais do rei passaram ao rex sacrorum (rei das coisas
sacras) na República. Além dele, havia o Colégio de Pontífices, encabeçado
pelo pontifex maximus (sumo pontífice). Com o passar dos tempos, a pessoa
do rex sacrorum se tornou figurativa e quem exercia o poder sacerdotal era o
sumo pontífice” (FIUZA, 2007, p.48/49).

2.2.4 Organização política e judiciária

Na República, a organização política era composta por cônsules, pelo senado e


pelo povo, que se reúne em comícios populares.

Tendo em vista que os cônsules eram apenas dois e que enquanto um


governava, o outro fiscalizava, o desenvolvimento da população de Roma
exigiu a repartição das funções antes concentradas no rex. Por isso, foram
criados vários cargos, dentre eles: questores, censores, edis curuis, pretores,
praefecti jure dicundo e governadores das províncias.

Já o Senado, que exercia funções consultivas, como por exemplo, ratificar leis
e decisões dos Comícios, “compõe-se de 300 patres, nomeados pelos
cônsules” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 31). “A partir de 312 a.C., os
censores passaram a nomear os senadores, normalmente, dentre antigos
cônsules. Até essa data eram indicados pelos cônsules” (FIUZA, 2007, p. 47).

O povo, composto por patrícios e plebeus, exercia seus direitos reunidos em


comícios:

“Os comícios curiatos e os comícios centuriatos, como na realeza. Além disso,


há uma nova espécie de comícios, os comícios tributos. A plebe, sozinha,
reúne-se nos concilia plebis. Nestes concílios, votam-se os plebiscitos. Os
comícios tributos (comitia tributa) são assembléias do povo, cuja unidade de
voto é a tribo.” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 32).

Nesses comícios populares, o populus romanus exercia funções legislativas e


judiciárias (Comícios Centuriatos); eram responsáveis pelos testamentos e
pelas ad-rogações (Comícios Curiatos); e exerciam funções eletivas e
legislativas (Comícios Tributos e Conselhos da Plebe).

31
2.2.5 Fontes do direito

As fontes do direito na fase da República são cinco: os costumes, as leis


escritas, o senatusconsultos, a jurisprudência e os editos dos magistrados.

Em se tratando de um povo conservador, os costumes continuam


desempenhando um papel importante como fonte do direito em Roma. Para
César Fiúza,

“um costume só será fonte de Direito, só será verdadeiramente costume se


nele estiverem presentes o uso (repetição constante de uma prática) e a opinio
necessitatis (convicção de que aquele uso tem força de norma jurídica).”
(FIUZA, 2007, p. 49).

Para José Cretella Júnior, a autoridade de um costume resulta de um acordo


tácito entre os componentes da cidade. Para esse autor, costume pode ser
entendido como o “uso repetido e prolongado de norma jurídica tradicional,
jamais proclamada solenemente pelo Poder Legislativo” (CRETELLA JÚNIOR,
2007, p. 28).

Pela incerteza oriunda de um ordenamento baseado em costumes, a plebe luta


por uma lei escrita, pública, conhecida e que possa ser invocada contra
qualquer um. Havia duas espécies de leis escritas, as leges rogatae e as leges
datae. As primeiras eram propostas por iniciativa de um magistrado, votadas
pelo povo e homologadas pelo Senado. Já as leges datae eram medidas
unilaterais tomadas diretamente pelos cônsules, em nome do povo, sem
votação e nem homologação do Senado.

Das leis escritas, fundamental mencionar sobre a Lei das XII Tábuas,
considerada até mesmo como sendo fonte de todo o direito privado. Elas
“foram escritas em meio a uma evolução social; foram os patrícios que as
fizeram, mas a pedido e para uso da plebe” (COULANGES, 2007, p. 334). Esse
pedido foi feito através de protestos e revoltas populares.

Diante do caráter tipicamente romano da Lei das XII Tábuas, ocorreu imediata
aceitação e, assim que publicadas, passaram a regular as relações do povo de

32
Roma.Há autores que afirmam de modo diferente, que essa Lei teria sido fruto
de compilação dos costumes da época.

O senatusconsultos era a consulta que o Senado fazia após convocação por


um magistrado. Era “uma espécie de parecer senatorial” (FIUZA, 2007, p. 51).
Não tinha força de lei.

A jurisprudência, que também pode ser chamada de interpretação dos


prudentes, seria como se fosse nossa atual doutrina jurídica, contendo
interpretações e adaptações à lei.

Como a lei na época tinha muitas lacunas, de extrema importância o trabalho


dos jurisprudentes, que eram “jurisconsultos encarregados de preencher as
lacunas deixadas pelas leis” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 34).

Os editos dos magistrados tinham grande relevância na fase da república.


Eram um conjunto de cláusulas, que funcionavam como normas, expondo a
plataforma que seria aplicada para os casos que fossem apresentados. Eram
divulgados assim que os magistrados assumiam o cargo.

2.3 O Direito Romano no Alto Império (27 a.C. a 284 d.C.)

2.3.1 Principais eventos

“Chama-se alto império (27 a.C. a 284 d.C.) ou principado (de princeps) o
período histórico que vai do reinado de Augusto até a morte de Diocleciano”
(CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 38). Nessa fase ocorreram revoltas de escravos
e vários conflitos entre as classes sociais. Esses acontecimentos levaram a
uma alteração política em Roma.

Dentre os acontecimentos importantes, destaca-se a reforma no início da fase


que deu poder aos generais de livremente recrutarem soldados, que se
tornaram fiéis à eles, e não a Roma. Diante disso Silas, com o apoio de suas
tropas, tornou-se ditador, em 82 a.C, permanecendo até 79 a.C.

Em 66 a.C., formou-se, com a associação política entre Júlio César, Pompeu e


Crasso, o primeiro triunvirato. Por volta de 43 a.C., “formou-se um segundo
33
triunvirato, formado por Otávio (sobrinho e filho adotivo de Júlio César), Marco
Antônio e Lépido”. (FIUZA, 2007, p. 55).

E, considera-se triunvirato “uma associação política entre três homens em pé


de igualdade. A palavra triunvirato originou-se a partir de dois radicais do
latim: trium (três) e vir (homem)” (TRIUNVIRATO, 2008).

Durante o segundo triunvirato, Lépido foi exilado e Marco Antônio se suicidou.


Então, conforme conta César Fiuza:

“Otávio se tornou ditador. Em 36 a.C., foi-lhe atribuída a tribunicia


potestas (poder de veto e inviolabilidade). Em 29 a.C., o título
de imperator (comandante-em-chefe das forças armadas). Em 28 a.C., recebeu
o título de princeps senatus; em 27 a.C., o de augusto. Otávio se tornou, então,
o senhor absoluto, mas sem o título de rei, do qual não fazia questão”. (FIUZA,
2007, p. 56).

Vale ressaltar ainda que, nesta fase, “O imperador ou príncipe não governa
sozinho: partilha o poder com o senado, havendo, pois uma diarquia, (governo
de dois).” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 38).

2.3.2 Organização política e judiciária

Os poderes públicos eram exercidos pelo imperador, pelo consilium principis,


pelos funcionários imperiais, magistraturas republicanas, senado, comícios e
organização das províncias.

O imperador, que tinha autoridade máxima, inviolável, reunia todas as


atribuições que na república eram divididas entre vários magistrados. Eram
atribuições dele:

“a tribunicia potestas, o pró-consulado (comando militar de todas as


províncias), o direito de declarar guerra e celebrar paz, fundar e organizar
colônias, conceder cidadania, convocar o Senado, cunhar moedas, instituir
tributos, administrar, dizer o direito (jurisdição civil em 2ª instância e jurisdição
criminal).” (FIUZA, 2007, p. 56).

34
O consilium principis atuava como órgão consultor para o imperador, quando
este entendia necessário. Era integrado por amigos do imperador e juristas que
se destacavam na época.

Os funcionários imperiais tinham funções variadas, desde cuidar das vias


públicas e do abastecimento de água (curadores) e, até mesmo, governar
províncias imperiais (Legados de César).

As magistraturas republicanas tiveram suas funções reduzidas, eis que o


consulado perdeu os poderes militares e civis, a pretura peregrina
desapareceu, a censura deixou de existir (sendo que seus poderes passaram
para o imperador), a edilidade curul e da plebe deixaram de existir e o tribunato
da plebe recebeu funções administrativas de menor importância.

O senado “administra as províncias senatoriais, cujas receitas vão para


o aerarium, tesouro público” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 38). Nessa fase, os
senadores, que eram nomeados pelo imperador, repartiam com este o poder
judiciário.

Além disso, o Senado possui atribuições de poder eleitoral dos comícios, parte
do legislativo e administra as províncias senatoriais e o erário de Saturno.
Então, o senado perde independência e sua função de corpo consultivo.

Os comícios, também perdem atribuições, eis que não possuem mais seus
poderes legislativos, eleitorais e judiciários.

Quanto à organização das províncias, leciona César Fiuza:

“Províncias imperiais – eram mais numerosas e necessitavam de forças


permanentes.

Províncias senatoriais – estavam pacificadas. Eram governadas por um pró-


cônsul, auxiliado por legados e um questor.” (FIUZA, 2007, p. 58).

2.3.3 Fontes do direito

35
As fontes do direito na fase do alto império são seis, conforme ensina José
Cretella Júnior: costume, lei, senatusconsultos, editos dos magistrados,
constituições imperiais e a jurisprudência.

Os costumes continuam desempenhando um papel importante como fonte do


direito. Isso eis que o povo romano é extremamente conservador. Tal fonte já
foi explicada no item 3.5, motivo pelo qual dispensa maiores esclarecimentos
nesta oportunidade.

Das leis escritas, ainda havia duas espécies: as leges rogatae, que assumem
grande importância, e as leges datae, que perdem relevância nessa época.

O senatusconsultos, espécie de consultoria senatorial, era feito através de um


parecer, a pedido do príncipe. Passam, na fase do Alto Império, a ter força de
lei.

Os editos dos magistrados, nesta fase, perdem importância, eis que os


magistrados foram perdendo o direito de editar editos de seus antecessores.
Então, os pretores passaram a apenas reproduzir os editos passados. Isso
ocorreu até que

“Adriano (117 a 138), finalmente, encarregou o jurisconsulto Sálvio Juliano de


fixar e sistematizar em um único texto os editos pretorianos. A obra denominou-
se Edito Perpétuo, por ser imutável. A partir daí, os pretores só podiam inovar
por solicitação do Imperador ou do Senado.” (FIUZA, 2007, p. 58).

Para José Cretella Júnior, as constituições imperiais podiam ser de quatro


tipos:

“Edicta são proclamações feitas pelo imperador, ao ser consagrado, do mesmo


modo que os pretores quando assumiam as preturas.

Mandata são instruções que o príncipe envia aos funcionários da


administração, principalmente aos governadores imperiais das províncias,
indicando-lhes um plano a seguir no exercício de suas magistraturas.

36
Decreta são decisões que o imperador toma, como juiz, nos processos que lhe
são submetidos pelos particulares em litígio. São sentenças emanadas extra
ordinem, fugindo, pois, aos princípios da ordo judiciorum. Tomadas com
relação a um caso particular, passam, como os atuais acórdãos, a ser
invocados para situações iguais ou semelhantes, até que Justiniano, mais
tarde, lhes dá força de lei.

Rescripta são respostas dadas pelo imperador a consultas jurídicas que lhe
são feitas ou por particulares (subscriptio) ou por magistrados (epístula).”
(CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 43).

Por fim, a jurisprudência, considerada fonte eis que vinculava as decisões


judiciais, “equivalia a nossa doutrina. Diga-se que o imperador podia atribuir a
certos juristas o chamado ius respondendi, que conferia a seus pareceres
maior força que aos dos demais” (FIUZA, 2007, p. 59).

2.4 O Direito Romano no Baixo Império (284 d.C. a 565 d.C.)

2.4.1 Principais eventos

Essa fase é marcada pela monarquia absolutista, diante da concentração dos


poderes nas mãos do Imperador, sem repartição de poderes com o Senado.
Para alguns autores, esse período é chamado de Dominato.

O primeiro a experimentar esse “poder absoluto” foi Diocleciano (284 a 305),


que dividiu o império romano em Império Romano do Oriente (Constantinopla)
e Império Romano do Ocidente (Roma).

Todos os poderes, atribuições e órgãos públicos passaram a ser submetidos à


vontade do imperador. Como fatos importantes nessa fase têm-se:

“313 – Edito de Milão, de Constantino, dando liberdade de culto aos cristãos. O


edito foi reforçado posteriormente e aplicado em todo o império. Constantino se
converteu à fé cristã, atribuindo várias de suas vitórias a isso.

380 - Constituição Cunctos Populos, de Teodósio I (379 a 395). Elevou o


catolicismo a religião oficial.
37
395 - Morte de Teodósio I e divisão do Império em Oriente e Ocidente, com
dois imperadores, seus filhos: Arcádio, no Oriente, e Honório, no Ocidente. A
unidade jurídica foi mantida por meio da legislação, que era a mesma.

476 - Queda do Império Romano do Ocidente. Rômulo Augusto é derrotado por


Odoacro, rei dos hérulos. Alguns reis bárbaros invasores passaram a ser
tratados como delegados do Imperador no Ocidente (ex.: Odoacro, Teodorico e
outros).

527 a 565 - Reinado do Imperador Justiniano. Tenta reunificar o Império e


promulga as compilações de leis e doutrina, conhecidas hoje com o nome de
Corpus Iuris Civilis.” (FIUZA, 2007, p. 60/61).

E o fim da fase do baixo império é marcada pela morte do Imperador Justiniano


(565 d.C.).

2.4.2 Organização política e judiciária

Os poderes públicos eram exercidos pelo Senado, pelas magistraturas


republicanas e pelo Imperador. O senado já não tinha quase nenhum poder eis
que nem mais repartia a função judiciária com o imperador. Passa a ser um
mero conselho municipal.

As magistraturas republicanas eram compostas por cônsules (que davam nome


ao ano), pretores (perderam as funções judiciais), tribunos da plebe, questor
para o Sacro Palácio (assessor do imperador), Prefeitos para o Pretório
(administravam prefeituras e exerciam funções judiciais), vigários (governavam
as Dioceses) e governadores (governavam as províncias). Então, as
magistraturas não desaparecem, mas perdem suas atribuições.

Como o Império Romano estava subdivido em Império Romano do Oriente e


Império Romano do Ocidente, cada um desses blocos foi entregue a um
imperador, monarca absoluto, que concentrava em suas mãos todos os
poderes. Junto ao imperador “funcionava o Sacrum Consistorum (conselho
imperial para assuntos administrativos e judiciais).” (FIUZA, 2007, p. 61).

38
2.4.3 Fontes do direito

O imperador, conforme já mencionado, concentrava em si todos os poderes


nesse período. Detinha o poder absoluto. E, além disso, o monarca invocava “a
vontade divina como fonte de inspiração de sua autoridade: o que agradou ao
príncipe tem força de lei (“quod principi placuit, legis habet vigorem”). É
a monarquia absoluta.” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 46).

Diante dessa centralização de poderes, desaparecem as antigas fontes,


restando as constituições imperiais como única fonte de direito no período do
baixo império, conforme José Cretella Júnior. Eram chamadas de leges. Já
César Fiúza considera como fontes desse período, além das constituições
imperiais, “basicamente os costumes, a lei escrita e a jurisprudência (doutrina).”
(FIUZA, 2007, p. 62).

Nesse período, ocorreram várias compilações particulares (elaboradas ou


editadas por iniciativa privada) e oficiais (criadas por iniciativa de um
Imperador). Apesar de todas essas codificações, o Imperador Justiniano ainda
elaborou novas Constituições. Mas,

“foi no século XVI que o jurisconsulto francês Denis Godefroy reuniu todas
essas compilações em um só volume, dando-lhe o nome de Corpus Iuris
Civilis. A primeira edição é de 1583; a segunda, de 1604.” (FIUZA, 2007, p.
63).

O Corpus Iuris Civilis, por reunir em um só volume várias compilações de leis


de sua época e de épocas anteriores, é considerado uma dos maiores
heranças deixadas pela civilização de Roma. Vale mencionar que essa foi a
procedência de muitos institutos jurídicos do nosso tempo.

2.5 O Direito Romano no período Bizantino (565 d.C. a 1453 d.C.)

2.5.1 Principais eventos

Chama-se período bizantino a fase histórica que vai desde a morte de


Justiniano ocorrida em 565 até a tomada da cidade de Constantinopla pelos

39
turcos, em 1453. Essa fase foi assim denominada em decorrência da capital,
que “era a cidade de Bizâncio, situada no Bósforo, estreito que liga Europa e
Ásia. No início do século IV, Constantino mudou seu nome para
Constantinopla. É hoje, a cidade de Istambul, na Turquia” (FIUZA, 2007, p. 63).

Para alguns autores a civilização bizantina é considerada continuação da


civilização romana. “Os historiadores especializados em Bizâncio em geral
concordam que seu apogeu se deu com o grande imperador da dinastia
Macedônica, Basílio II Bulgaroctonos (Mata-Búlgaros), no início do século IX.”
(BIZANTINO, 2008).

Para Marcia Mallmann Lippert,

“No ano de 396 o Império Romano foi dividido, sendo Roma o centro do
Império Romano do Ocidente enquanto Constantinopla (Istambul) era o centro
do Império Romano do Oriente. Em 410 Roma foi pilhada por povos bárbaros,
e 476 é o marco fim do Império Romano do Ocidente. O Império Romano do
Oriente manteve-se até 1453, ano em que os turcos tomaram Constantinopla.”
(LIPPERT, 2003, p. 41).

Então, a queda de Constantinopla, ocorrida em 1453, após batalha com os


turcos, é considerado o marco final da Idade Média. E, para alguns autores o
período Bizantino pode ser chamado de Império Romano do Oriente.

2.5.2 Organização política e judiciária

Os poderes ainda estavam concentrados nas mãos de um imperador. Então, o


poder ainda era centralizado e absolutista. Ocorreu intenso desenvolvimento
comercial, que foi fundamental para o combate às invasões feitas por povos
bárbaros.

O imperador, dentre seus vastos poderes, concentrava o comando do exército


e da igreja. E, nessa época, ainda era considerado representante de Deus na
terra. Por isso, o papa, no Império Romano do Oriente, tinha pouca força.

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Nesse período, após a primeira queda de Constantinopla, surgiram três
Estados: o Império de Nicéia, o Despotado do Épiro e o Império de Trebizona.
Desses,

“é o Império de Nicéia que é considerado o verdadeiro sucessor. Governado


por imperadores fortes e bons, se tornou a primeira potência territorial na Ásia
Menor. A agricultura se desenvolveu, assim como o comércio, e várias cidades
na Europa foram recuperadas. Os Paleólogos, faltando com o seu juramento
de lealdade, assassinaram o legítimo imperador e depuseram a dinastia dos
Vatatzes-Laskaris. Miguel VIII Paleólogo fez uma aliança com Gênova
(desnecessária) e conseguiu reconquistar a antiga capital do Império Bizantino
no dia 25 de julho de 1261.” (BIZANTINO, 2008).

2.5.3 Fontes do direito

Entende-se por Direito Bizantino o “conjunto de regras jurídicas justinianéias


que continuaram em vigor de 565 a 1453, mas adaptadas à vida dos povos do
novo império.” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 56).

O Corpus Iuris Civilis, que reuniu em um só volume várias compilações de leis


e doutrina, na época do Reinado do Imperador Justiniano, trazia muitas normas
inflexíveis, adaptadas à época de sua elaboração. Com a constante evolução
das relações privadas, o direito deveria acompanhar. Por isso, os imperadores
ordenaram a edição de outras compilações oficiais, para que fossem
plenamente aplicáveis diante das inéditas situações jurídicas que vinham
surgindo.

Dessa forma, “surgem, assim, a Egloga legum compendiaria, a Lex Rhodia,


o Prochiron legum.” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 56). No século IX, por
determinação do imperador Teófilo (829 a 843), foi editada a chamada
Paráfrase das Instituições, que seria uma adaptação em língua grega das
Instituições de Justiniano.

E, conforme ensina César Fiuza,

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“Em seguida, a mando do imperador Basílio I (867 a 886), foram escritas as
Basílicas (do grego basilica, significando imperiais, reais). Foram terminadas
por seu filho, Leão VI (886 a 912). Compreendem 60 livros, divididos em títulos,
reunindo os textos do Digesto e do Código Novo, acompanhados de
comentários de juristas da época de Justiniano.” (FIUZA, 2007, p. 64).

Pode-se até afirmar que essas adaptações perduram até os dias atuais, eis
que, “a perenidade do direito romano é fato evidente. Sua atualidade não pode
ser negada, pela presença constante em inúmeros institutos jurídicos de nossa
época” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 57).

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