Você está na página 1de 7

INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO

DIREITO
ARMANDO FORMIGA
“Historia est testis temporum, lux veritatis, vita
memoriæ, magistra vitæ, nuntia vetustatis” (A história
é testemunha dos tempos, luz da verdade, a vida da
memória, mestra da vida e mensageira do passado).
Cícero

1. Quando o Direito tange a História


Para o francês Gustavo Hugo, “l’Histoire forme la moitié de la partie scientifique du
Droit”, ou seja, “a História contribui com a metade da parte científica do Direito”.
Nossa estrutura curricular incluiu estudos que premiam a perspectiva histórica do
Direito, permitindo mergulhar na evolução do Pensamento Jurídico. Como um
caleidoscópio, durante as aulas, professor e acadêmicos observarão a transformação
do pensamento (nomeadamente jurídico) ao longo dos séculos e vislumbrarão a
doutrina, iurisprudentia e práxis dos principais atores.
Com estilo peculiar, assegura (meu professor Doutor) António dos Santos Justo –
catedrático em Coimbra e um dos maiores romanistas da atualidade – que “estudar a
História do Pensamento Jurídico é procurar conhecer a evolução por que passou o
entendimento do homem sobre o direito e o processo metodológico de sua
concretização. É ir ao encontro da preocupação, sempre irrenunciável, de
fundamentar a obrigatoriedade do direito e de proporcionar soluções justa aos sempre
novos e diversificados problemas da vida” .
Na mesma linha, o mestre alemão Puchta, em um dos manuais que ele escreveu na
metade do Oitocentos, entende que “assim como o povo se transforma, se modifica
através dos tempos, o Direito (como se fora ramo da mesma vida) também se altera e
se transfigura”.
A nomenclatura poderá até confundir aluno no auge da verdura acadêmica. Afinal,
que disciplina será estudada? A História do Pensamento Jurídico, a História das
Fontes e História das Instituições – por exemplo – integram o leque de disciplinas
que derivaram da História do Direito.
O professor Mário Júlio de Almeida Costa defende que o conceito de Pensamento
Jurídico é complexo e questionado. “Refere-se à autonomia cultural do jurídico,
enquanto assimilado e objetivado por um pensamento específico. Reporta-se, pois, à
teleologia, à formação e à atitude mental do jurista; ou como sujeito de um
pensamento que intenciona constitutivamente o Direito e sua realização em geral; ou
como ‘operador do direito’ em sentido estrito, quer dizer, desempenhando a função
mediadora que lhe compete entre o mundo das normas ou dos valores jurídicos e a
vivência destes nas situações concretas. Tudo isto pressupõe ou traduz
inevitavelmente certa posição metodológica” .
Para ser completo, nenhum curso de Direito pode abrir mão do estudo da História e
das fontes. “É preciso remontar às origens das instituições, investigando, na noite do
passado, a sua ascendência no tempo e no espaço. Agir de outra forma seria realizar
trabalho superficial, sem penetrar no âmago de tantas questões interessantes, que
surgem em torno de muitos institutos”, defende o romanista Silvio Meira .
O estudo da História e das fontes constitui, portanto, a primeira etapa a vencer. É a
porta de entrada, que leva a caminhos diferentes e oferece ao pesquisador-acadêmico
visão de conjunto de todo o panorama. O conhecimento dos fatos históricos é obtido
pela investigação das fontes (vestígios, documentos, escritos de toda índole) que
refletem o acontecido no passado.
O português António Manuel Hespanha observa que muito se tem escrito sobre a
importância da História do Direito na formação do Jurista, “que ela serve para a
interpretação do Direito atual; que permite a identificação de valores jurídicos que
perduram no tempo (ou, talvez mesmo, valores jurídicos de sempre, naturais); que
desenvolve a sensibilidade jurídica; que alarga os horizontes culturais. Para, além
disso, a vida de todos os dias nos ensina que os exemplos históricos dão certo brilho à
argumentação dos juristas e, neste sentido, poderá aumentar o seu poder de
persuasão, nomeadamente, perante uma audiência forense” .
Já jus-historiador belga John Giulissen ajuda-nos a identificar a importância desta
disciplina: “Incontestavelmente, a História do Direito visa fazer compreender como é
que o direito atual se formou e se desenvolveu, bem como de que maneira evoluiu no
decurso dos séculos” .
Ao acadêmico brasileiro que se depara com a jus-historiografia nos primeiros
semestres do curso de Direito, é absolutamente necessário situá-lo em um quadro
mais vasto, que compreenda toda a Europa Ocidental, dada as influências exercidas
pelo Direito dos diversos países “d’Além Mar” no sistema jurídico brasileiro, foco de
nossos estudos.
A maioria dos direitos dos países europeus integra a família dos direitos
originariamente romanistas; os sistemas jurídicos influenciados pelo Direito Romano
da antiguidade. No mundo atual, ao lado dos direitos romanistas, co-existem sistemas
jurídicos mais ou menos aparentados com os direitos romanistas, como o Common
Law inglês e os direitos socialistas dos países de tendências comunistas (mesmo
depois da queda da União Soviética). Há também outros muito diferentes destes
direitos europeus, como o Direito hindu, chinês, japonês, mulçumano e africano.
Assim, a América luso-hispânica recebeu toda a influência de um Direito com cariz
germânico-romanista, quando os monarcas de Portugal e Espanha promovem a
transposição-imposição às colônias da experiência originariamente românico-
visigótica. O Brasil, forjado sob a influência cultural das matrizes européia, africana e
indígena, recebeu exclusivamente o Direito lusitano, imposto pelo colonizador. Foi
adotado desde o primeiro momento, perdurando até mesmo depois da Independência,
mais de três séculos depois.

2. História do Direito: conceitos e perspectivas


É incontestável que o conhecimento do passado sempre interessou aos homens em
proporções análogas ao nível de sua evolução cultural. A lembrança dos feitos
brilhantes ou históricos que advieram; a tendência a exibi-los como fonte de
referências morais, políticas ou estéticas; e a necessidade de melhor investigar os
acontecimentos para compreendê-los e explicá-los, deram origem, desde a Grécia
antiga, a produções literárias ou eruditas que tinham e têm um objetivo comum: saber
o que fizeram e como pensavam outros homens, que atuaram, como nós, integrando
uma organização social.
A transcendência da História do Direito é facilmente perceptível. Um bom
ordenamento jurídico pode ser base da prosperidade ou do atraso de um povo; da paz
e da justiça nas relações públicas e privadas; ao mesmo tempo em que um sistema
jurídico inadequado, deficiente ou injusto, pode provocar a resistência coletiva que
conduzirão, em última, ao seu desaparecimento por meio da violência. A tarefa do
historiador do Direito consiste em estudar a evolução jurídica de um povo. Não
somente as leis sancionadas ou a doutrina exposta, mas – principalmente – o sistema
que imperou na realidade.
O Direito de cada país não foi criado de um dia para o outro, não foi instituído. Ele é
a conseqüência de uma evolução secular, que não é, de resto, própria de cada país. Se
desde a época moderna o Direito é, antes de tudo, nacional (se atualmente cada
Estado soberano tem o seu próprio sistema jurídico), nem sempre foi assim. Na Baixa
Idade Média, o Direito era infinitamente mais diferenciado do ponto de vista
territorial. Ao mesmo tempo, cada pode estava sujeito a grandes correntes de
influência, como o Direito da Igreja e do Direito letrado (tal como ele se desenvolveu
no ensino universitário, na base do Direito romano).
É perceptível que as origens do Direito datam na pré-história; e da pré-história não se
sabe quase nada. O problema das origens da maior parte das instituições jurídicas é,
portanto, quase insolúvel. No entanto, não se deve renunciar aos diferentes aspectos,
permanecendo-se, todavia, muito prudente nas conclusões que se podem tirar dos
estudos feitos.

3. Metodologia
É pertinente insistir que a História do Direito não se reduz a um inventário, nem se
limita a erguer e resolver os antecedentes históricos das instituições ora vigentes. Ela
se explica não pela volta às antiguidades jurídicas, mas pelo fato de construir o único
caminho para a compreensão da essência do Direito na forma que ele se manifesta
atualmente.
Como ciência, a História do Direito descreve e revela, pesquisa e esclarece, coordena
e explica a vida jurídica de um povo e seus mais variados aspectos, embrenhando-se
nas fontes, nos costumes, na legislação que o rege, em todas as manifestações que
permitem o aperfeiçoamento desse entendimento como um todo. Resulta do
conhecimento dos fatos ocorridos e das impressões maiores ou menores que estes nos
deixaram.
Na visão de Sebastião Cruz, a Ciência Jurídica ou Jurisprudência (com maiúscula – a
Iurisprudentia dos romanos) é um saber complexo, misto de ciência no sentido
científico, de técnica, de arte e de sabedoria. Afinal, sem esses elementos, o trabalho
do jurista estará consagrado ao fracasso. E como parte desta Ciência, a História do
Direito molda-se a este sentido.
Já o romanista (e jurista) argentino Ricardo Zorraquín Becú, em Historia Del
Derecho Argentino, observa que o trabalho do historiador se desenvolve, por
conseguinte, através de três etapas: (a) a investigação; (b) a ordenação dos feitos e
documentos que lhe interessam; (c) e a exposição, que é – por sua vez – explicativa;
sistemática; crítica. Hoje, o historiador do Direito encontra grande parte do trabalho
já previamente investigado por outro pesquisador, que o precedeu ou que já havia
publicado o documento. “Entretanto, não exime o jurista de realizar uma investigação
mais profunda, porque sempre podemos encontrar-se novos dados”, alerta Becú.
A mais importante função do historiador consiste em apresentar os resultados de sua
investigação e suas próprias reflexões sobre o tema estudado; oferecer um relato ou
narração dos acontecimentos; uma análise de seus motivos ou dos fins que seus
autores se propuseram, para explicá-los melhor e, por último, as considerações mais
gerais que surgiram no processo, assim como o juízo que surja deste conjunto de
fatos.
Até pouco tempo, explica Becú, a metodologia histórica que predomina se referia
sempre às causas dos acontecimentos. Ao aplicar os sistemas das ciências naturais à
História, os pesquisadores acreditavam que seria possível descobrir uma causa
determinante para todo o fato histórico. Esta hipótese (hoje questionada) parece
menos aplicável a ação humana que é essencialmente livre. A psicologia – individual
ou social – nos ensina, sem embargo, que os atos humanos aparecem muitas vezes
determinados por crenças, idéias, paixões ou interesses de toda a índole, os quais
devem ser considerados os motivos de cada ação. E também determinado.
“O historiador deve investigar, portanto, os motivos e os objetivos dos
acontecimentos para explicar melhor o processo que relata, sempre com base nos
dados que lhe proporcionaram as fontes acessíveis [...] O historiador pode formular
juízos acerca da época que estudou. Cabe insistir aqui que não deve se fundar em
idéias atuais, com a pretensão de que os acontecimentos do passado se ajustem aos
critérios contemporâneos”, insiste o argentino.
A história contempla o homem em sua conduta social. Esta atividade aparece
determinada por crenças, ideais e interesses, mas também, em grande parte, regulada
por normas religiosas, morais e jurídicas. A História do Direito se propõe (como
efeito) a conhecer as estruturas política, sociais e econômicas que cada comunidade
teve nas distintas etapas de sua existência. Um estudo desta índole requer, para ser
completo, analisar também as razões de suas transformações (fontes materiais), o
aparecimento de novas normas e estatutos (fontes formais), o conteúdo jurídico
dessas fontes formais, sua vigência e as conseqüências de sua aplicação.
Não se pode estudar a História do Direito senão a partir da época em relação à qual
remontam os mais antigos documentos escritos conservados. Esta época é diferente
para cada povo, para cada civilização.
No manual-tratado de Gilissen, o belga observa que antes do período histórico, cada
povo já tinha, no entanto, percorrido uma longa evolução jurídica. Esta pré-histórica
do Direito escapa quase inteiramente ao nosso conhecimento; pois se os vestígios
deixados pelos povos pré-históricos (tais como esqueletos, armas, cerâmicas, jóias,
fundos de cabanas, etc.) permitem ao especialista reconstituir, é certo que de uma
maneira muito aproximada, a evolução militar, social, econômica e artística dos
grupos sociais antes da sua entrada na história, estes mesmos vestígios não podem de
forma alguma fornecer indicações úteis para o estudo das instituições.
Quando um povo entra na História, a maior parte das instituições civis já existia –
como o casamento, o poder paternal (e/ou matriarcal) sobre os filhos, a propriedade
(pelo menos mobiliária), a sucessão, o testamento, a doação, diversos contratos (troca
e empréstimos, por exemplo). Do mesmo modo, no domínio daquilo a que hoje se
identifica como Direito Público, uma organização relativamente desenvolvida dos
grupos sociopolíticos já havia se consolidado em numerosos povos sem escrita.
É preciso distinguir pré-história do Direito e a História do Direito, distinção que
repousa no conhecimento ou não da escrita. O aparecimento da escrita – e, em
conseqüência, dos primeiros textos jurídicos – situa-se em época diferentes para as
diversas civilizações. Desta forma, para os egípcios, a transição data entre o século
XXVIII e XXVII antes da nossa era; para os romanos, acontece entre os séculos VI
ou V antes de Cristo; para os germanos/visigodos, somente no século V de nossa era;
para certos povos da Austrália, da Amazônia, da Papuásia, da África Central, data do
século XIX ou mesmo do século XX.

4. Objeto da História do Direito


A História do Direito, quanto ao objeto ou conteúdo, reúne três áreas fundamentais: a
História das Fontes; a História das Instituições; a História do Pensamento Jurídico.
Dentre tantas sub-disciplinas da História do Direito e apesar da íntima relação, essas
matérias apresentam-se susceptíveis de estudo autônomos.

4.1. História das Fontes


A expressão “Fontes do Direito” remete-nos a cinco significações na terminologia
jurídica. No sentido filosófico, aparece como fundamento da validade ou da
obrigatoriedade do Direito. No sentido político, pode ser tomada como órgãos
criadores destes direitos. Já no sentido formal, aparece como modos de formação e de
revelação do Direito. No sentido material ou instrumental, como textos ou diplomas
em que o Direito se contém. Finalmente, firma-se no sentido sociológico como os
fatores que representam a causa próxima da gênese e do conteúdo concreto das
normas jurídicas. Vale salientar que todos os aspectos acima mencionados interessam
à diretamente à História do Direito.
Uma vez que a História do Direito visa reconstituir os sistemas jurídicos do passado,
torna-se imperativo ocupa-se dos textos onde se encontram as respectivas normas. O
próprio fato de sua elaboração e a técnica que preside às coletâneas ou codificações
reflete os conceitos e o ambiente jurídico dos ciclos históricos em que surgiram. “Na
verdade, não se pode encarar o Direito fora da circunstância ou realidade em que se
insere, ou seja, desligado dos restantes fatores que integram a realidade social. Um
exemplo: determinadas providências legislativas sobre o contrato de arrendamento
podem explicar-se, em dado período histórico, pela crise de habitação. Dir-se-á,
então, que este fato social e econômico constitui a fonte ou causa das
correspondentes normas” .

4.2. História das Instituições


Outra vertente apresentada, a História das Instituições, procura estudar o próprio
Direito, como se acha contido nas normas jurídicas das diferentes épocas históricas.
É evidente que não basta averiguar as instituições jurídicas configuradas pelas
normas. “Interessa apurar, além disto, se, na prática, essas instituições eram vívidas,
ou se, em que medida, constituíam letra morta. Nesta última hipótese, cabe ainda a
análise do ordenamento jurídico efetivamente seguido” .
Vale conotar da diferença entre o Direito que o legislador estatui para uma sociedade
e o Direito que de fato se adota neste agregado social. Em plena pós-modernidade, as
normas contidas nos diplomas legais coincidem fundamentalmente com os preceitos
jurídicos por que os seus destinatários se regem. “Entre os povos antigos, verifica-se,
não raro, um esforço constante dos legisladores para estabelecer a observância de
normas jurídicas inovadoras e mais perfeitas, ao mesmo tempo em que existe grande
resistência da população, que continua apegada às instituições tradicionais”, observa
Almeida Costa.
Em dado ponto da História, Direito legislado se contrapõe ao costume. O fato se
atenua à medida que o poder central afasta-se da periferia. “Se as instituições
consuetudinárias (costume) têm a sua localização geográfica em pontos distantes da
sede do poder central, muitas vezes, tais instituições persistem para além da
promulgação de normas legislativas, passando a haver um Direito prático ao lado de
um Direito oficial”. Afastada da metrópole, nas comunidades remotas, as leis deixam
de serem aplicadas, valendo, assim, um Direito voltado ao costume, à prática.
Este afastamento centro-periferia é muito percebido hoje: Juvenal Antena,
personagem vivido por Antônio Fagundes, comanda a fictícia Portelinha tendo como
fonte o costume (e um Direito não-estatal autopoieticamente definido por Gunther
Teubner, moldado dentro de uma racionalidade sistêmica e reflexiva). E o legal não
parte do Estado, sai da cabeça do “líder comunitário”, pois a “legal legislado”, de
certa forma, não sobe a favela.

4.3. História do Pensamento Jurídico


Almeida Costa é seco ao afirmar que “a História do Pensamento Jurídico ocupa-se,
então, da atividade científica, cultural e também que, em cada época, sempre
acompanha o Direito” . Diretamente relacionados a esses aspectos, e enveredando
pela “autonomia cultural do jurídico”, são analisadas a formação dos juristas, o
nascimento das correntes doutrinais e a produção da literatura jurídica.
Assim, o tempo atrela-se aos atores (juristas, professores, advogados, magistrados,
notários), ao pensamento doutrinal e ao produto deste casamento: um pensamento
consignado em livros, tratados, discursos, leis, aulas, etc.

5. Classificações da História do Direito


Para o melhor ordenar e esclarecer a matéria histórico-jurídica, duas correntes
observam o conhecimento sob duas perspectivas:

5.1. História Externa e História Interna do Direito


Foi Leibniz que sugeriu a divisão da História do Direito em Interna e Externa,
embora tenha atribuído um sentido diferente do entendimento atual.
Assim, a História Interna constitui o que se define como História do Direito, voltada
aos sistemas jurídicos que vigoraram no passado em todos os seus aspectos. Por sua
vez, a História Externa estuda os fatores “metajurídicos” de ordem social, política,
econômica, religiosa, cultural, etc., que exerceram determinada influência na
formação do Direito das várias épocas.
O Direito integrado no conjunto do seu movimento social, reflexo dos fatores
culturais e civilizacionais. Desta forma, a História Interna volta-se ao conhecimento
do próprio sistema jurídico, ao passo que a História Externa busca um entendimento
dos elementos exteriores a um sistema jurídico, mas que nele repercutiram direta ou
indiretamente.
“A crítica fundamental dirigida à classificação de Leibniz é a de que só a História
Interna constitui autêntica História do Direito”, enquanto que História Externa
traduz-se numa faceta da História da Civilização. “O reparo procede’, observa
Almeida Costa. Mas isso não significa, como se apreciará, que o apelo a tais
condicionantes e explicativos seja inadequado numa exposição histórico-jurídica,
máxime no capítulo da chamada História Geral do Direito”.
Atualmente, corrigindo o pensamento leibniziano, entende-se por História Interna o
ramo da História jurídica que se ocupa das instituições (casamento, testamento,
sucessão, contratos, aquisição de bens, etc.), ao passo que a História Externa incide
sobre as fontes do Direito passado.
Esta distinção tem sido atacada com o fundamento de que estes dois aspectos não
esgotam o objeto da História do Direito. “Ela preocupa-se com outros problemas,
além das fontes e das instituições. É o caso nítido do Pensamento Jurídico” .

5.2. História Geral e História Especial do Direito


Almeida Costa atribui a Brunner a melhor distinção entre História Geral e História
Especial do Direito. Para ele, a História Geral dá uma visão de conjunto do Direito de
cada época, uma perspectiva global dos sucessivos sistemas jurídicos, diversamente
da História Especial, que se dedica ao estudo monográfico e detalhado das várias
instituições.

6. Método cronológico X Método monográfico


Ao expor a História do Direito, o lente poderá valer-se de metodologias próprias e
peculiares ao ensino da disciplina: o método cronológico e o método monográfico.
As preleções poderão percorrer a linha do tempo, no chamado método cronológico.
Consiste em nortear os estudos através da explicação das fontes, das instituições e do
pensamento jurídico segundo os vários períodos pré-estabelecidos, de forma a
configurar-se uma visão de conjunto de cada um deles.
Por sua vez, o método monográfico o traduz-se numa análise da linha evolutiva das
diversas instituições, sem procurar avaliar as influências e interdependências, no
mesmo ciclo histórico, de umas em relação às outras.

7. História e Direito: para quê?


A História do Direito é muitas vezes tratada com um condescendente desdém, por
aqueles que entendem ocupar-se apenas do Direito Positivo, observa o belga H. de
Page, em Traité de Droit Civil Belge. Para ele, os juristas que se interessam pela
História do Direito, quase sempre à custa de investigações muito longas e muito
laboriosas, são freqüentemente acusados de pedantismo. Uma apreciação deste
gênero não beneficia àqueles que a rotulam. “Quanto mais avançamos no Direito
civil, mais constatamos que a História, muito mais do que a Lógica ou a Teoria, é a
única capaz de explicar o que as nossas instituições são as que e porque é que são as
que existem” .
“A História do Direito não é um áugure que nos prediga a fama ou o opróbrio
histórico, se isso acaso interessa ainda a alguém” . Na verdade, a História do Direito
contribuirá para o treino e refinamento da sensibilidade histórica (instrumento
imprescindível ao político e ao estadista), fornecendo os dados, as conjecturas, as
problemáticas, os instrumentos e as teorias que, ajudadas por uma extensa formação
humanística e jurídica, poderão fazer desabrochar, nos espíritos inteligentes
preocupados, lúcidos, subtis e argutos, o espírito do tempo e a consciência do
momento e, até, o rasgo do heroísmo, que é a capacidade de protagonizar a solo no
palco da História.
Para Hespanha, toda esta discussão acerca do interesse pedagógico da História
Jurídica limita-se à simples afirmação de que ele é, para os futuros juristas, uma
disciplina formativa, que raramente se diz exatamente por quê. Na opinião do
português, a História do Direito é, de fato, um saber formativo; mas de uma maneira
que é diferente daquela em que o são a maioria das disciplinas dogmáticas que
constituem os cursos de Direito. Enquanto a dogmática cria certeza acerca do Direito
vigente, a missão da História do Direito é antes a de problematizar o pressuposto
implícito e acrítico das disciplinas dogmáticas, ou seja, o de que o direito dos nossos
dias é o racional, o necessário, o definitivo. A História do Direito realiza esta missão
sublinhando que o direito existe “em sociedade” (situado, localizado) e que, seja qual
for o modelo usado para descrever as suas relações com os contextos sociais
(simbólicos, políticos, econômicos, etc.), as soluções jurídicas são sempre
contingentes em relação a um dado envolvimento (ou ambiente).
Para desempenhar um papel crítico e tático nos cursos jurídicos, naturalmente, a
História do Direito não pode ser feita de qualquer maneira, lembra Hespanha. “Sem
que se afine adequadamente a sua metodologia, a história jurídica pode sustentar – e
tem sustentado – diferentes discursos sobre o Direito. Realmente, a História do
Direito pode desempenhar um papel oposto àquele que se descreveu, ou seja, pode
contribuir para legitimar o Direito estabelecido”, observa o professor.

Fontes bibliográficas
ARRACÓ, José Manuel Pérez-Prendes Muñoz de. Curso de Historia del Derecho Español. Madrid: Darro, 1978.
AZEVEDO, Luiz Carlos de. Introdução à História do Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
BECÚ, Ricardo Zorraquín. Historia del Derecho Argentino. Buenos Aires: Perrot, 1990.
CASTANHEIRA NEVES, António. Digesta. Escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e Outros.
Volume 2. Coimbra: Coimbra Editora, 1995.
CICERO, M. Tullius. De Oratore, 2.36.
COSTA, Mário Júlio Almeida. História do Direito Português. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2007;
CRUZ, Sebastião. Direito Romano, I. Introdução. Fontes. 3ª ed. Coimbra: Edição do Autor, 1980.
CUNHA, Paulo Ferreira da; SILVA, Joana Aguiar e; SOARES, António Lemos. História do Direito – Do Direito Romano à
Constituição Europeia. Coimbra: Almedina, 2005.
GILISSEN, JOHN. Introdução Histórica do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.
HESPANHA, António M. Cultura Jurídica Europeia: síntese de um milénio. 3ª ed. Portugal: Publicações Europo-América, 2003.
HUGO, Gustavo. Histoire du Droit Romain. Paris: int, 1825.
PAGE, H. De. Traité de droit civil belge. Bruxelas: Emile Bruylant, 1942.
PUCHTA, G.F. Institutionen I, Cursus der Institutionen. Leipzig: Rudorff, 1853.
SANTOS JUSTO, António. Nótulas de História do Pensamento Jurídico (História do Direito). Coimbra: Coimbra Editora, 2005.
TEUBNER, Gunther. Droit et réflexivité. Lá auto-référence em Droit et dans l’organisation. Bruylant: Librairie Génerale de Droit et
Jurisprudence, 1996)
TEUBNER, Gunther. O Direito como sistema autopoiético. Tradução do original Recht als Autopoietisches System, por José
Engrácia Antunes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.
WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

10

Você também pode gostar