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DIREITO
ARMANDO FORMIGA
“Historia est testis temporum, lux veritatis, vita
memoriæ, magistra vitæ, nuntia vetustatis” (A história
é testemunha dos tempos, luz da verdade, a vida da
memória, mestra da vida e mensageira do passado).
Cícero
3. Metodologia
É pertinente insistir que a História do Direito não se reduz a um inventário, nem se
limita a erguer e resolver os antecedentes históricos das instituições ora vigentes. Ela
se explica não pela volta às antiguidades jurídicas, mas pelo fato de construir o único
caminho para a compreensão da essência do Direito na forma que ele se manifesta
atualmente.
Como ciência, a História do Direito descreve e revela, pesquisa e esclarece, coordena
e explica a vida jurídica de um povo e seus mais variados aspectos, embrenhando-se
nas fontes, nos costumes, na legislação que o rege, em todas as manifestações que
permitem o aperfeiçoamento desse entendimento como um todo. Resulta do
conhecimento dos fatos ocorridos e das impressões maiores ou menores que estes nos
deixaram.
Na visão de Sebastião Cruz, a Ciência Jurídica ou Jurisprudência (com maiúscula – a
Iurisprudentia dos romanos) é um saber complexo, misto de ciência no sentido
científico, de técnica, de arte e de sabedoria. Afinal, sem esses elementos, o trabalho
do jurista estará consagrado ao fracasso. E como parte desta Ciência, a História do
Direito molda-se a este sentido.
Já o romanista (e jurista) argentino Ricardo Zorraquín Becú, em Historia Del
Derecho Argentino, observa que o trabalho do historiador se desenvolve, por
conseguinte, através de três etapas: (a) a investigação; (b) a ordenação dos feitos e
documentos que lhe interessam; (c) e a exposição, que é – por sua vez – explicativa;
sistemática; crítica. Hoje, o historiador do Direito encontra grande parte do trabalho
já previamente investigado por outro pesquisador, que o precedeu ou que já havia
publicado o documento. “Entretanto, não exime o jurista de realizar uma investigação
mais profunda, porque sempre podemos encontrar-se novos dados”, alerta Becú.
A mais importante função do historiador consiste em apresentar os resultados de sua
investigação e suas próprias reflexões sobre o tema estudado; oferecer um relato ou
narração dos acontecimentos; uma análise de seus motivos ou dos fins que seus
autores se propuseram, para explicá-los melhor e, por último, as considerações mais
gerais que surgiram no processo, assim como o juízo que surja deste conjunto de
fatos.
Até pouco tempo, explica Becú, a metodologia histórica que predomina se referia
sempre às causas dos acontecimentos. Ao aplicar os sistemas das ciências naturais à
História, os pesquisadores acreditavam que seria possível descobrir uma causa
determinante para todo o fato histórico. Esta hipótese (hoje questionada) parece
menos aplicável a ação humana que é essencialmente livre. A psicologia – individual
ou social – nos ensina, sem embargo, que os atos humanos aparecem muitas vezes
determinados por crenças, idéias, paixões ou interesses de toda a índole, os quais
devem ser considerados os motivos de cada ação. E também determinado.
“O historiador deve investigar, portanto, os motivos e os objetivos dos
acontecimentos para explicar melhor o processo que relata, sempre com base nos
dados que lhe proporcionaram as fontes acessíveis [...] O historiador pode formular
juízos acerca da época que estudou. Cabe insistir aqui que não deve se fundar em
idéias atuais, com a pretensão de que os acontecimentos do passado se ajustem aos
critérios contemporâneos”, insiste o argentino.
A história contempla o homem em sua conduta social. Esta atividade aparece
determinada por crenças, ideais e interesses, mas também, em grande parte, regulada
por normas religiosas, morais e jurídicas. A História do Direito se propõe (como
efeito) a conhecer as estruturas política, sociais e econômicas que cada comunidade
teve nas distintas etapas de sua existência. Um estudo desta índole requer, para ser
completo, analisar também as razões de suas transformações (fontes materiais), o
aparecimento de novas normas e estatutos (fontes formais), o conteúdo jurídico
dessas fontes formais, sua vigência e as conseqüências de sua aplicação.
Não se pode estudar a História do Direito senão a partir da época em relação à qual
remontam os mais antigos documentos escritos conservados. Esta época é diferente
para cada povo, para cada civilização.
No manual-tratado de Gilissen, o belga observa que antes do período histórico, cada
povo já tinha, no entanto, percorrido uma longa evolução jurídica. Esta pré-histórica
do Direito escapa quase inteiramente ao nosso conhecimento; pois se os vestígios
deixados pelos povos pré-históricos (tais como esqueletos, armas, cerâmicas, jóias,
fundos de cabanas, etc.) permitem ao especialista reconstituir, é certo que de uma
maneira muito aproximada, a evolução militar, social, econômica e artística dos
grupos sociais antes da sua entrada na história, estes mesmos vestígios não podem de
forma alguma fornecer indicações úteis para o estudo das instituições.
Quando um povo entra na História, a maior parte das instituições civis já existia –
como o casamento, o poder paternal (e/ou matriarcal) sobre os filhos, a propriedade
(pelo menos mobiliária), a sucessão, o testamento, a doação, diversos contratos (troca
e empréstimos, por exemplo). Do mesmo modo, no domínio daquilo a que hoje se
identifica como Direito Público, uma organização relativamente desenvolvida dos
grupos sociopolíticos já havia se consolidado em numerosos povos sem escrita.
É preciso distinguir pré-história do Direito e a História do Direito, distinção que
repousa no conhecimento ou não da escrita. O aparecimento da escrita – e, em
conseqüência, dos primeiros textos jurídicos – situa-se em época diferentes para as
diversas civilizações. Desta forma, para os egípcios, a transição data entre o século
XXVIII e XXVII antes da nossa era; para os romanos, acontece entre os séculos VI
ou V antes de Cristo; para os germanos/visigodos, somente no século V de nossa era;
para certos povos da Austrália, da Amazônia, da Papuásia, da África Central, data do
século XIX ou mesmo do século XX.
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