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Apontamentos de História do pensamento jurídico

Docente Msc. Felizardo F. C. Campos

INTRODUÇÃO

A evolução do pensamento jurídico é amplo e complexo se analisado em


todos os seus possíveis detalhes.

O homem é, por natureza, um ser social. Por instinto e por necessidade,


sempre procurou conviver, comunicar, trocar experiências, conjugar esforços
para satisfazer as suas necessidades, e, assim, assegurar a sua subsistência e a
da sua espécie, de modo a atingir a sua plena realização.

O estudo da história das civilizações tem demonstrado que a sociedade, nos


seus vários graus de desenvolvimento, inclusive os mais primitivos, sempre
esteve ligado segundo regras de convivência. O ser humano possui uma
vocação, que lhe é imamente, de viver em grupo, associado a outros seres da
mesma espécie. Como observou Aristóteles: * “o homem é um animal
político, que nasce com a tendência de viver em sociedade”. É, portanto,
predominante o entendimento de que não há sociedade sem direito: ubi
societas ibi jus (onde está a sociedade, está o direito). Ao lado dos que assim
pensam, formam ainda os autores que sustentam ter o homem vivido uma
fase evolutiva pré-jurídica. Mas, sem divergência, os historiadores
reconhecem que a sociedade e o direito nasceram e caminham lado a lado.

RESUMO

Estudar a história do pensamento jurídico é procurar conhecer a evolução por


que passou o entendimento do homem sobre o direito e o processo
metodológico da sua concretização.

Move-nos-emos em dois planos: Num, tentaremos observar as grandes


correntes que debatem a validade do direito positivo, com destaque para o
jusnaturalismo e para o positivismo. No outro, procuraremos compreender as
propostas que as escolas ou correntes do pensamento jurídico nos oferecem
sobre a realização concreta do direito. No primeiro estaremos situados num
plano teórico, no segundo, entraremos no terreno em que o direito se
realiza.

1 Referencias: 1. Giovanne H. B. Schiovan - (o jusnaturalismo clássico); 2. António C. Wolkmer - (síntese de


Prof.Msc. uma história das ideias jurídicas); A. Santos Justo – Nótulas de História do Pensamento
Felizardo
Campos Jurídico.
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Docente Msc. Felizardo F. C. Campos

I - AS ORIGENS DO PENSAMENTO JURÍDICO NA ANTIGUIDADE

Não se pode claramente definir a existência do pensamento jurídico ático


antes do século VII a.c, nos chamados temos homéricos. No período histórico
posterior, marcado pela formação das cidades – estados, uma cultura grega
começa a definir-se a partir do momento em que o pensamento racional
transpõe a tradição oral mitológica. O mundo simbólico dos costumes e das
interpretações divinas da natureza são sucedidas, desde o século VI, por uma
consciência humana que começa a explicar a origem da vida e a
universalidade cósmica agora por processos de racionalização, em que o
espaço privilegiado é ocupado pela literatura (particularmente a
dramaturgia), pela filosofia e pela ciência.

O direito ocidental é filho das experiências republicanas das cidades-Estados


mediterrânicas antigas. Surge na Pólis grega e desenvolve-se diferentemente
na civitas romana, conforme as peculiaridades políticas das culturas helénica e
romana.

1. Pensamento Jurídico Grego

Duas épocas marcaram o pensamento jurídico grego – arcaica e clássica –


bastante distintas conforme o desenvolvimento desse povo se aproxima mais
da política e conforme a vida mais se concentra em torno da Pólis. A Grécia
por séculos não teve códigos escritos, prevalecendo o direito
consuetudinário, ritualístico, cultuando os ancestrais e os deuses, passados
familiarmente. Com o avanço da escrita o direito oral perde força, com isso
questiona-se o poder da aristocracia e a forma de se fazer justiça.

O direito escrito é oportunamente utilizado pelos legisladores como forma de


promover as reformas necessárias à democracia, principalmente em Atenas. O
estudo da Grécia antiga é um tanto etnocêntrica, pois foi em Atenas que a
democracia e o direito melhor se desenvolveram na península grega. O
desenvolvimento do direito grego deve muito ao surgimento da escrita, pois
foi a partir dela que puderam ser codificados as leis e a sua posterior
divulgação nos muros da cidade.

2 Referencias: 1. Giovanne H. B. Schiovan - (o jusnaturalismo clássico); 2. António C. Wolkmer - (síntese de


Prof.Msc. uma história das ideias jurídicas); A. Santos Justo – Nótulas de História do Pensamento
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1.1. Período Arcaico (800-500 a.C.)

1.2. Os principais legisladores de Atenas

Drácon

foi um estadista da cidade grega de Atenas, em 621 a.C. Político


revolucionário para sua época, foi também o primeiro legislador da pólis
grega. Uma das suas mais importantes acções foi a elaboração de um código
de leis ("thesmi", em grego) que serviram como a primeira constituição escrita
da cidade de Atenas. As leis concebidas ficaram conhecidas como o "Código
de Drácon", onde, para quase todos os crimes era aplicada a mesma pena, ou
seja, a pena de morte. Os dispositivos deveriam ser seguidos rigorosamente,
sempre aplicadas por um magistrado denominado, o que impedia os nobres
eupátridas de interpretarem as leis segundo seus interesses. Caracterizado pela
sua imparcialidade, era essencialmente uma legislação considerada muito
severa. Assim, o termo "draconiano" logo se tornaria popular, utilizado para
qualificar a norma que exacerba o rigor punitivo. Segundo Aristóteles, Drácon
foi incumbido de elaborar o código criminal já vigente mas que ainda não se
tinha colocado sob uma forma escrita, e por isso, o carácter violento das leis
não corresponde apenas a uma característica particular do modo de pensar
de Drácon, mas reflecte um período mais bárbaro da história e tradição
gregas.

Seu principal mérito consistiu em proporcionar normas determinadas e iguais


para todos, constituindo o primeiro passo para diminuir os privilégios da
aristocracia, o que na época provocava contínuos conflitos sociais, desordens
e instabilidade política.

A figura de Dracon é importante no desenvolvimento de Atenas, e em última


instância no progresso da cultura ocidental como um todo, pois o seu
conceito revolucionário de igualdade na aplicação das leis, mesmo que
consideradas bastante severas, foram um importante estímulo no progresso
económico social e político pelo qual a pólis grega passava justamente
naquela época. Com leis mais equilibradas, distribuídas a todas as classes, a
população como um todo foi estimulada a buscar com mais afinco os seus
direitos e exercer seus deveres como cidadãos atenienses.

3 Referencias: 1. Giovanne H. B. Schiovan - (o jusnaturalismo clássico); 2. António C. Wolkmer - (síntese de


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Sólon

No final do século VII a.C. foi a vez do legislador Sólon apresentar um


conjunto de leis para a cidade de Atenas. Elas também visavam,
principalmente, evitar revoltas sociais. As leis pretendiam atender as principais
reivindicações das camadas populares de Atenas, assim como da elite
aristocrática.

Notabilizou-se particularmente por estabelecer uma legislação igualitária, base


da democracia grega.

➢ Modificou o código de leis de Drácon, que já não era mais seguido


por causa do seu rigor. A punição do roubo, que era a morte, passou a
ser uma multa igual ao dobro do valor roubado
➢ Estimulou e levou a cabo um importante trabalho na direcção da
redistribuição de riquezas da cidade-estado, chegando mesmo a
esboçar um princípio de reforma agrária em Atenas.
➢ Proibiu a escravidão por dívidas, salvaguardando as liberdades
individuais dos cidadãos.
➢ Na economia, além da incipiente redistribuição de terras e rendas,
estimulou o desenvolvimento económico de Atenas através de leis que
unificavam sistemas de pesos e medidas, além de reformar o sistema
monetário.

Clístenes

No começo do século VI a.C., Clístenes começou a implantar várias reformas


políticas em Atenas, cujo objectivo principal era o estabelecimento da
democracia. A legislação criada por Clístenes visava, portanto, garantir a
participação política aos cidadãos de Atenas.

Outra proposta de Clístenes, que foi adoptada, era a participação política


direta, através da votação nas Assembleias (ocorriam em praças públicas
chamadas de ágoras). Este privilégio político também era exclusivo para os
cidadãos atenienses. Vale ressaltar a crítica feita a democracia grega, já que

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alguns dizem que ela era uma democracia escravagista, pois dos 300 mil
habitantes, 30 mil eram cidadãos e entre 100 e 150 mil eram escravos.

2. Período clássico

O homem grego é um ser submetido à família, à cidade e ao Estado. A sua


realização efectiva-se na participação e na integração com interesse da
colectividade. Como ordenação perfeita, a natureza cósmica preside o
mundo dos homens e oferece os fundamentos para as práticas de valoração
ética e de regulamentação jurídica.

Entre os seculos v e IV a.C., no período clássico, A maior fonte da Filosofia


do Direito, durante a Grécia Antiga, foi a chamada "Tríade Grega", formada
por Sócrates, Platão e Aristóteles.

A característica deste período histórico Grego, que corresponde ao século V


a.C. foi à efervescência das ideias, numa perspectiva racional onde se buscou
analisar o homem e as suas relações com o seu meio e sobre tudo consigo
mesmo. Sem sombra de duvida, estes foram momentos gloriosos da filosofia
grega, outrossim, ainda mais grandiosa a exaltação de Atenas, como cidade
mãe, das artes, da inteligência, da cultura, da democracia e de tudo aquilo
que tão belamente enobreceu o género humano no seu desenvolvimento
sócio-político-cultural.

Começa-se a conceber um conceito desmistificado, ideal e moral de justiça,


desvinculando-se de uma concepção presa à magia, aos costumes tradicionais
e ao éthos aristocrático. Não muito diferentemente entendem-se as
interpretações sobre os conceitos de Direito e de lei na estruturação da pólis,
tendo como incursão inicial as preocupações essenciais dos Sofistas com a
historicidade do costume humano (nomos) e a natureza ordenada pelos
deuses (physis)

É a partir dessa cosmovisão que caberá examinar, brevemente, alguns


momentos jusfilosóficos, nascidos na dramaturgia e na filosofia clássica antiga.

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2.1. Concepção de lei justa

Uma das primeiras e mais notáveis reflexões acerca de um Direito justo,


anterior a qualquer lei ou ordenação do poder político temporal, advém da
cultura helénica, mais especificamente da literatura e do teatro de Sófocles,
que, constituíram as maiores expressões da dramaturgia clássica.

Antes, porém, de ser transmitida à posterioridade a mensagem admirável do


drama poético representado por Antígona, a primeira tomada de consciência
para uma resistência humana às lei injustas efectivou-se entre os pensadores
sofistas, na verdade, para alguns deles – como Trasímaco, Protágoras, Cálicles
e Hípias – que discutiram a questão da moral e da justiça, as leis são
resultantes da força arbitraria dos que exercem e controlam o poder,
elaboradas em função dos seus interesses e objectivando justificar as
desigualdades e a escravidão. A justiça legal assume um sentido de camuflar o
domínio dos detentores do poder, representa uma convenção formalizada
assente no interesse do mais forte. Fica, aqui, evidente um choque entre a
justiça por “natureza”(sentido ético) e a justiça por “convenção”. Essa
polémica, naturalmente, tem servido desde aquela época para justificar
rebeldia, “em nome de uma lei mais alta”, contra as convenções e as leis da
sociedade”.

O eterno conflito vivenciado pelo ser humano, entre o dever perante a lei
pública da autoridade e o dever diante da lei superior dos deuses, foi
problematizado, pela primeira vez na belíssima obra de Sófocles (497 – 406
a.C). (Consultar o drama Antígona).

2.1.1. Filosofia Jurídica como Expressão da Natureza Cósmica

Além da tragedia de Sófocles, instaurando o momento inaugural que proteja


o lugar do homem no mundo, e a sua luta contra o destino predeterminado
pelos deuses, o pensamento cultural grego sofre, no século V a.C, um
profundo processo de transformação com a inserção dos problemas sociais,
políticos e morais relacionados à condição humana, em substituição à visão
do naturalismo cósmico dos filósofos pré-socráticos. Esse momento de
ruptura será feito, primeiramente, pelos sofistas, que começam a questionar

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as diferenças entre a ordem natural (physis) e a ordem humana (nomos). Tal


dessacralização fica evidenciada na conclusão desse pensadores de que o
“nomos não era natural, mas sim produto da convenção humana”, extraindo,
assim, o fundamento absoluto e divino da ordem humana, embasando-a na
própria decisão dos homens, os quais deveriam ser preparados para assumir
plenamente a sua condição de cidadãos.

A herança dos sofistas, no que tange às preocupações com o homem, é


repassada aos pensadores clássicos, como Sócrates, Platão e Aristóteles. Se os
sofistas foram, quem sabe, “os primeiros humanistas da cultura ocidental”.

3. A noção de Justiça e a Concepção Normativista-Legal do Direito

Em todas as sociedades, tanto antigas quanto contemporâneas, a justiça


sempre foi tema de debate. Tal importância não poderia ser diferente, uma
vez que uma das bases para a convivência social harmoniosa é a presença de
uma justiça correta, austera e, principalmente, sensata. Embora não tenha
sido único nas sociedades arcaicas, o pensamento grego se destacou pela
abordagem e conceptualização de diversos assuntos de domínio político-
social, sendo a justiça um deles.

Na história do pensamento jurídico foram sustentadas várias teorias da


Justiça. Essas teorias distinguem-se com base na resposta que deram à
pergunta: qual é o fim último do Direito?
As várias respostas a esta pergunta podem ser divididas em três grupos:
1) A Justiça é ordem. Esta teoria surge do fato de se considerar como fim
último do Direito a paz social. Ela sustenta que os homens criaram o
ordenamento jurídico para saírem do estado de anarquia e de guerra, no qual
viveram no estado de natureza.
O Direito natural fundamental que esta teoria deseja salvaguardar é o direito
à vida. O Direito como ordem é o meio que os homens, no decorrer da
civilização, encontraram para garantir a segurança da vida.

2) A Justiça é igualdade. Segundo esta concepção, que é a mais antiga e


tradicional (deriva de Aristóteles na sua formulação mais clara), o fim do
Direito é o de garantir a igualdade, seja nas relações entre os indivíduos (o
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que geralmente é chamado de justiça comutativa), seja nas relações entre o


Estado e os indivíduos (o que é chamado, tradicionalmente, justiça
distributiva).

O Direito é aqui o remédio primeiro para as disparidades entre os homens,


que podem derivar tanto das desigualdades naturais como das desigualdades
sociais. Segundo esta teoria, não é suficiente que o Direito imponha uma
ordem qualquer: é preciso que a ordem seja justa e por "justa" entende-se, de
fato, fundada no respeito à igualdade. Se imaginarmos a Justiça tendo a
espada e a balança, a teoria do Direito como ordem visa ressaltar a espada, e
a do Direito com igualdade, a balança. O Direito natural fundamental que
está na base desta concepção é o direito à igualdade. (BOBBIO, 2000, p.
117).

3) A Justiça é liberdade. Com base nesta concepção, o fim último do Direito é


a liberdade (e entenda-se a liberdade externa). A razão última pela qual os
homens se reuniram em sociedade e constituíram o Estado é a de garantir a
expressão máxima da própria personalidade, que não seria possível se um
conjunto de normas coercitivas não tutelasse, para cada um, uma esfera de
liberdade, impedindo a violação por parte dos outros.

O ordenamento jurídico justo é somente aquele que consegue fazer com que
todos os membros consorciados possam usufruir de uma esfera de liberdade
tal que lhes seja consentido desenvolver a própria personalidade segundo o
talento peculiar de cada um, na mais ampla liberdade compatível com a
existência da própria associação. Portanto, seria justo somente aquele
ordenamento baseado na liberdade.

3.1. A justiça abordada por sofistas e várias outras correntes do pensamento


filosófico.

No campo das relações sociais e da formação do indivíduo, que agora tem


como objectivo tornar-se cidadão da polis, os sofistas e os filósofos travarão
várias batalhas sobre o que definiria o “homem bom” e, em especial, o que
seria uma “vida boa”. Nessa nova etapa do pensamento grego, o conceito de
justiça se ligará fortemente a outro conceito, o de ética.

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Os sofistas não se preocuparam em criar um conceito rígido de justiça, esta


será abordada de forma extremamente relativista por eles, mas sim em
preparar os futuros cidadãos para que obtenham êxito social seguindo as leis
e normas da sociedade em que vivem.

Ao contrário dos sofistas, Sócrates e Platão acreditavam que era necessário


estabelecer conceitos que serviriam como guias para os membros da nova
sociedade. Suas teorias trabalhavam com a busca por verdades universais.
Para eles todas as coisas possuíam uma essência, uma verdade imutável que
guarda o seu real significado. Compreender essa essência era o verdadeiro
objectivo do conhecimento. Entretanto, Sócrates nunca chegou a estabelecer
nenhum conceito; pelo contrário, a principal característica do seu
pensamento era a dúvida da própria capacidade de conhecimento das coisas,
uma de suas frases mais célebres, “só sei que nada sei”, expressa isso. Para
Sócrates, cada um deveria encontrar por si só as respostas para suas questões.
Platão completa o pensamento de Sócrates com sua “teoria das ideias” e,
como Sócrates, ele nunca chegou a afirmar nenhuma definição, embora sua
doutrina aborde a importância do Estado como administrador de instituições
com a justiça.

Aristóteles dedica um livro inteiro da Ética à virtude da justiça, que, em geral,


é “aquela disposição de espírito pela qual os homens tendem a realizar coisas
justas e pela qual operam justamente e querem as coisas justas” (ibid., p. 105).
Essa disposição é uma das mais difíceis de adquirir, mas também uma das mais
importantes para a vida social, porque dirige muitos âmbitos: com efeito, há
a justiça legal, ou seja, o agir em conformidade com as leis, a justiça
comutativa, que governa o âmbito das relações contratuais entre as pessoas, a
justiça distributiva, que é o costume de distribuir vantagens e desvantagens
em proporção ao valor das pessoas. Há ainda uma forma especial de justiça,
que Aristóteles chama de epieikeia, termo que se costuma traduzir por
“equidade” ou “conveniência”, que é apresentado como uma espécie de
“correctivo do justo legal”. Aristóteles a considera a forma mais alta de
justiça, pois a aquisição dessa virtude possibilita “corrigir a lei onde ela é
insuficiente por causa de sua expressão em universal” (ibid., p. 135) (NERI,
2004, p. 128-129).
9 Referencias: 1. Giovanne H. B. Schiovan - (o jusnaturalismo clássico); 2. António C. Wolkmer - (síntese de
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No estoicismo, inaugurado por Zenão em Atenas, por volta de 300 a. C., há


o resgate do antigo conceito de moira (quinhão, cota, a parte que lhe é de
direito em algo), que trabalhava com a noção de “destino”, algo pré-
determinado e inexorável. Segundo essa doutrina, cada pessoa já teria toda a
sua vida determinada por uma força maior que comanda o universo (os
deuses ou algo que foge totalmente da compreensão humana). Assim,
preocupar-se com a justiça seria inútil, uma vez que sobre ela o homem não
tem nenhum poder. Caberia a ele apenas aceitar os desígnios do destino e
conviver harmoniosamente com eles: essa seria sua “acção justa” para com o
cosmo.

O epicurismo, fundado em Atenas também no século III a. C., por Epicuro,


define a justiça com a ideia de “bem estar”, ou seja, todas as acções devem
ter como objectivo principal o bem de seu praticante. A acção justa é aquela
que é “prazerosa” e que não causa dor ou prejuízo ao homem.

O que todas essas teorias têm em comum é a importância transcendental


legada à justiça. Há uma ligação entre o interior e o exterior do indivíduo
que compõe a polis. A justiça não é apenas a instituição governamental que
mantém a ordem e a prática das leis na sociedade, mas também o equilíbrio
entre as qualidades (virtudes) e defeitos (vícios) do carácter de cada pessoa, o
que determinará sua sociabilidade e sua capacidade de exercer suas funções
cívicas para consigo mesmo e para com as outras pessoas.

A justiça tem a sua fonte não no exterior, mas sim no interior do cidadão. Em
sua forma mais ideal, a justiça parte de dentro para fora do indivíduo.
Quando o contrário acontece, significa que ela ainda é uma finalidade, não
uma conquista.

Embora tenham lançado os fundamentos da filosofia ocidental e das raízes


teóricas acerca da doutrina do direito natural, os gregos não chegaram a
desenvolver uma reflexão jusfilosófica mais acabada – que somente
aconteceria na modernidade ocidental – sobre “a dignidade e valor da pessoa
humana”. É esse traço forte pela especulação e pela metafísica que iria
diferenciar os gregos dos romanos. A esse propósito otfriedhoffe escreve que,
em legados pré-filosoficos mais remotos, seja nas “epopéias de homero, na
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Ilíada e na Odisséia”, seja “na Teogonia (geração dos deuses) de Hesíodo, a


justiça ainda tem uma origem divina. Do mesmo modo, direito e justiça
formam uma unidade indistinta, pois uma única deusa, têmis, tem
competência para ambos.

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