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UNIDADE CURRICULAR: HISTÓRIA DAS CIVILIZAÇÕES CLÁSSICAS

CÓDIGO: 30147

DOCENTE: José das Candeias Sales/ Marta Covita

A preencher pelo estudante

NOME: Alberto Manuel de Sousa Pais

N.º DE ESTUDANTE: 2002740

CURSO: Licenciatura em História

DATA DE ENTREGA: 07.11.2022

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A pólis1 concedeu ao cidadão grego especial atenção, dotando-o de consciência de
pertença a uma comunidade de hábitos, normas e crenças2. Contudo, Atenas distinguiu-
se de muitas outras cidades,3 pela atribuição da soberania do governo ao povo,
denominada de democracia4. Nascida de um conflito entre ricos (plousioi) e pobres
(dêmos), concretamente, nobres e outros cidadãos Atenienses que não gozavam de
quaisquer direitos políticos5, a democracia ateniense afirmou-se na busca da igualdade,
com o objetivo de dar aos cidadãos as mesmas possibilidades, independentemente da
categoria social, a fortuna ou cultura6. Distinguiu-se, deste modo, dos regimes vigentes
como a aristocracia ou a oligarquia7. Aristóteles atribuía à liberdade, o principal
fundamento da constituição ateniense, por isso, a justiça democrática assentava na
igualdade segundo o número e não pelo mérito, de forma a assegurar a soberania no povo,
pela maioria. A democracia permitia que a administração da justiça estivesse ao encargo
dos cidadãos, que os cargos fossem escolha de todos, de acordo com o sorteio;
assegurando, na constituição, a liberdade e a igualdade8. A democracia ateniense (que
atingiu o seu apogeu na época de Péricles) era direta e plebiscitária9 e a sua participação
assentava, sobretudo, em três grandes instituições: a Assembleia (Ecclesia), órgão de
maior autoridade e coração do sistema democrático que possuía o direito e o poder em
tomar decisões políticas; o Conselho dos Quinhentos (Boulê), composto por 500
cidadãos, com idade superior de 30 anos e sorteados após candidatura e submissão de
exame moral, tinha a função de auxiliar a Assembleia; e os Tribunais Populares, nos quais
a aplicação da justiça era exercida por dois tribunais, o Areópago para homicídios e
crimes religiosos e a Helieia, para os restantes delitos. Os magistrados eram sorteados,
mas não podiam ser reeleitos. Além de outros órgãos, Atenas tinha os dez Arcontes, um
por cada tribo; tal como os Estrategos, que constituíam uma posição relevante, pois eram
líderes dos exércitos e dotados de autoridade diplomática. A democracia ateniense
assentava em três princípios básicos que muito orgulhavam os atenienses: a isocracia
(ideal de igualdade na participação em cargos públicos), isonomia (igualdade legislativa
que permitisse o igual trato perante a lei) e isegoria (liberdade de expressão que
assegurava o direito à manifestação de pensamento). A democracia estava alicerçada na
absoluta aceitação das leis e, por isso, todo o cidadão que governasse tinha o direito e o
dever de assegurar a execução e manutenção das leis10. Desta forma, os Atenienses
julgavam-se livres porque iguais perante a lei, da qual eram todos autores e pela qual se
norteavam, aquando das decisões políticas11. Ao longo dos tempos, se muitos viam na
democracia ateniense, “uma imagem rudimentar do Paraíso”,12 outros, classificavam-na

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como uma “aristocracia alargada”.13 Os principais críticos viram-na como um regime
que promovia a incompetência, pelo favorecimento dos menos apetrechados e
impreparados para a governação; baseada na tiragem à sorte, o que não beneficiava a
escolha dos mais competentes14. Outros, acusavam-na de “crueldade e cegueira”,
arrastada pelo oportunismo e ambição dos dirigentes. Face aos argumentos
suprarreferidos, José Ribeiro Ferreira sublinha a importância de todas as atividades
realizadas nas diversas instâncias da pólis que permitia, aos cidadãos escolhidos, a
aquisição de conhecimentos em diversas áreas, nomeadamente na governativa. Assim, o
historiador rejeita o argumento da ignorância de grande parte dos cidadãos atenienses.
Reconhecendo que a tiragem à sorte não favorecia os mais competentes, Ferreira aponta
a colegialidade como estratégia da democracia em minorar tais riscos15. Por seu lado, à
crítica que acusa a democracia de crueldade, vários autores contrapõem-na com as épocas
de poder oligárquico que foi marcado pela chacina16. Contudo, uma das principais críticas
à democracia ateniense incide na acusação de uma democracia esclavagista e pela
incoerência, entre o propósito para qual foi criada (igualdade) e a reduzida percentagem
daqueles que podiam participar na vida política17, tal como sugere Fernand Braudel, no
excerto proposto para este trabalho. Face a este argumento, muitos fazem a distinção entre
o estatuto jurídico dos escravos e a sua aceitação na comunidade. Juridicamente, os
escravos eram coisas/ferramentas sem direitos ou garantias18. No entanto, a democracia
dotou-os de dignidade, na vida que levavam em comunidade19. Desempenhavam, por
exemplo, funções em diversos órgãos e edifícios da pólis, como o policiamento da cidade
e gozavam de certa liberdade20. Aliás, a maioria da produção de Atenas dependia de
homens livres. Os escravos eram contratados e pagos tal como os cidadãos atenienses
sem posses e, apesar dos trabalhos duros ao seu encargo, a lei protegia-os contra a
violência de qualquer homem livre, permitia-lhes o refúgio em determinados locais e
declarava que todo aquele que ultrajasse contra alguém não seria digno de participar no
governo da cidade. No excerto apresentado, Braudel acusa a Atenas democrática de
exploração e submissão dos seus aliados, através da força. Apesar de superioridade e
domínio sobre outras cidades, alguns consideram que muitos preferiam a submissão a
Atenas à liberdade de Esparta ou de outros adversários21. Aliás, acreditando na
superioridade do seu sistema de vida, Atenas queria alargá-lo aos outros, como refere
Péricles: “somos os únicos que ajudam alguém, não tanto com a mira nas vantagens, mas
com a confiança própria de homens livres”22.

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Desde sempre, os diversos regimes políticos foram apreciados ou criticados23 e, neste
caso, a democracia primou pela igualdade, em detrimento da competência. Contudo
evidenciou que os seus intervenientes diretos são fundamentais, como se verificou com
Péricles, ao qual, a democracia ateniense oferecia infinitas possibilidades de aproveitar
as iniciativas dos cidadãos24.

1
“A polis é um sistema de vida e, por consequência, forma os cidadãos que nela habitam”. PEREIRA,
Maria Helena da Rocha – Estudos de História da Cultura Clássica – Cultura Grega. 6ª Edição. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, vol. 1, 1987, 177.
2
O conceito de pólis (cidade) era muito mais vasto que um mero aglomerado urbano e/ou o território, mas
assumia o sentido de povo. Cf. FERREIRA, José Ribeiro – Civilizações Clássicas I Grécia. Lisboa:
Universidade Aberta, 1996, pp. 75-77.
3
Por exemplo, Esparta era uma oligarquia. Aliás, “Esparta e Atenas eram as cidades mais poderosas na
época clássica, simbolizando concepções políticas e regimes diferentes”. FERREIRA, José Ribeiro –
Civilizações Clássicas I Grécia. Lisboa: Universidade Aberta, 1996, p. 117.
4
O termo democracia terá surgido no segundo quartel do séc. V a. C. e significa governo pelo povo,
etimologicamente: dêmos (povo) + kratia (poder). Foi usado por Heródoto, Aristóteles, Platão, Tucídides
e utilizou-se ao longo da Antiguidade. Posteriormente, desapareceu até ser “recuperado”, a partir do séc.
XVIII. Cf. PEREIRA, Maria Helena da Rocha – Estudos de História da Cultura Clássica – Cultura Grega.
6ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, vol. 1, 1987, 165.
5
FERREIRA, José Ribeiro – Civilizações Clássicas I Grécia. Lisboa: Universidade Aberta, 1996, p. 135.
6
Cf. FERREIRA, José Ribeiro - Atenas, Uma Democracia? Conferência realizada na Faculdade de Letras
do Porto em 17.04.1989.
7
Na aristocracia, o governo é assumido pelos bons ou pelos melhores e na oligarquia por aqueles que têm
posses, riqueza, como nos explica Aristóteles: “… pois o mérito é o fator distintivo da aristocracia, como
a riqueza é da oligarquia e a liberdade é da democracia”. ARISTÓTELES – Política. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1985, p.1294a.
8
ARISTÓTELES – Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985, pp.1317a-1318b.
9
“… a democracia antiga era directa, plebiscitária, ao passo que a moderna é com mais frequência indirecta
ou representativa”. PEREIRA, Maria Helena da Rocha – Estudos de História da Cultura Clássica – Cultura
Grega. 6ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, vol. 1, 1987, 166.
10
Cf. FERREIRA, José Ribeiro - Atenas, Uma Democracia? Conferência realizada na Faculdade de Letras
do Porto em 17.04.1989.
11
A conceção aristotélica de justiça, como a virtude completa, aponta a igualdade como ponto de partida.
Cf. ARISTÓTELES - Ética a Nicómaco. Livro V, cap.3.
12
BORGES, J.L. apud BRAUDEL, Fernand - Memórias do Mediterrâneo, Pré-História e Antiguidade.
Lisboa: Terramar, 2001, p. 268.
13
EHRENBERG, V. apud FERREIRA, José Ribeiro – Civilizações Clássicas I Grécia. Lisboa:
Universidade Aberta, 1996, p. 157.
14
FERREIRA, José Ribeiro – Civilizações Clássicas I Grécia. Lisboa: Universidade Aberta, 1996, p. 156.
15
FERREIRA, José Ribeiro – Civilizações Clássicas I Grécia. Lisboa: Universidade Aberta, 1996, p. 156.
16
Os oligarcas estiveram no poder em 411 a. C. e entre 404-403 a.C., este último período foi marcado por
inúmeras condenações arbitrárias. FERREIRA, José Ribeiro – Civilizações Clássicas I Grécia. Lisboa:
Universidade Aberta, 1996, p. 157.
17
No início da Guerra do Peloponeso, por volta de 430 a.C., das cerca de trezentas mil pessoas de Atenas,
apenas cerca de trinta a quarenta mil seriam cidadãos. FERREIRA, José Ribeiro – Civilizações Clássicas I
Grécia. Lisboa: Universidade Aberta, 1996, p. 157.
18
Juridicamente, os escravos não podiam possuir bens, constituir família legal, nem conservar os filhos
juntos de si.
19
Como referia Eurípides: “Aos escravos apenas uma coisa traz vergonha, o nome; em tudo o resto não é
inferior aos homens livres”. FERREIRA, José Ribeiro – Participação e Poder na Democracia Grega.
Coimbra: Faculdade de Letras, 1990, p. 135.
20
Aliás, muitos oligarcas criticavam o sistema porque os escravos não se distinguiam de um homem livre

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21
FORREST, W.G. apud FERREIRA, José Ribeiro – Civilizações Clássicas I Grécia. Lisboa:
Universidade Aberta, 1996, p. 175.
22
FERREIRA, José Ribeiro – Civilizações Clássicas I Grécia. Lisboa: Universidade Aberta, 1996, p. 174.
23
Como refere Finley: “Os atenienses cometeram erros. Qual o sistema de governo que não os cometeu?
O conhecido jogo de condenar Atenas por não ter satisfeito um ideal de perfeição é uma abordagem inútil.
Os atenienses não cometeram erros fatais, e isso é o bastante”. FINLEY, M.I. – Democracia Antiga e
Moderna. Rio de Janeiro: Edições Graal Ltda., 1988, p.44.
24
JAEGER, Werner – Paidéia: A Formação do Homem Grego. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995,
p. 469.

BIBLIOGRAFIA

ARISTÓTELES - Ética a Nicómaco.

ARISTÓTELES – Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.

FERREIRA, José Ribeiro – Civilizações Clássicas I Grécia. Lisboa: Universidade


Aberta, 1996.

FERREIRA, José Ribeiro – Participação e Poder na Democracia Grega. Coimbra:


Faculdade de Letras, 1990.

FERREIRA, José Ribeiro - Atenas, Uma Democracia? Conferência realizada na


Faculdade de Letras do Porto em 17.04.1989.

FINLEY, Moses – Democracia Antiga e Moderna. Rio de Janeiro: Edições Graal Ltda.,
1988.

JAEGER, Werner – Paidéia: A Formação do Homem Grego. 3ª Ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1995.

PEREIRA, Maria Helena da Rocha – Estudos de História da Cultura Clássica – Cultura


Grega. 6ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, vol. 1, 1987.

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