Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
Lisboa e, no seculo XVI, como escreve entao um cronista portugues, uma das
rainhas dos oceanos, a par de Sevilha, nela se cruzando uma multidao de novas e
desvairadas gentes, vindas de varios continentes. Importa, no entanto, ter em atençao,
quando historiografamos um tempo, que, como sistematiza A. G. Hopkins no seu livro,
Global History- Interactions between the Universal and the local:“(…) the study of history
develops in two ways. One impulse derives from revisions proposed by scholarly body
itself as a result of dissatisfaction with dominant approaches and interpretations; the
other reflects the influence of events in the wider world, which help to give each
generation of historians its priorities and distinctive character. When the two influences
are brought together, conditions are set for fundamental change.”2 Assim, compreender a
cidade como um privilegiado lugar de encontro e a nossa proposta.
1Damiao de Gois, Elogio da Cidade de Lisboa- Urbis Olisiponis Descriptio,Lisboa, Guimaraes Ed., 2002, p.83.
2A. G. Hopkins, Global History – Interactions between the Universal and the local, New York , Palgrave –
Macmillan, 2006, p. 3.
2
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
Note-se, igualmente, que nos nucleos urbanos persiste uma ambiencia rural
atraves da manutençao das hortas, da criaçao de aves e de porcos… . Assiste-se, todavia, a
uma certa estratificaçao na estruturaçao social urbana. A tipologia da organizaçao do
espaço urbano esboça-se, encontrando-se intervençoes para a sua melhoria. Por vezes
estas acontecem na sequencia de surtos epidemicos. Na sua Da FABRICA que falece ha
3Traduçao de Dias de Carvalho. Damiao de Gois, Opúsculos Históricos, Porto, Livraria Civilizaçao, 1945,p.
205.
4Citado por Elisabeth Feist Hirsch, Damião de Góis, Lisboa, Fundaçao Calouste Gulbenkian, 1987, p. 32.
3
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
5Antonio Borges de Coelho, Quadros para uma Viagem a Portugal no séc. XVI, Lisboa, Editorial Caminho,
1986, pp. 137-145.
6 Ibidem, p. 142.
7 Ibidem.
4
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
a um couro de boi volto o pescoço para a parte onde confina com França pelos montes
Pyreneos (...)” 8. Sera esta, Europa, a filha de Agenor, rei de Tiro objecto do amor de Zeus?
Flui, decerto neste signo da Hispania de Duarte Nunes de Leao o mito fundador da
Europa, aquele que iconicamente se prefigura no rapto desta corporizada na figuraçao de
uma jovem assustada que no dorso de um touro abre caminho por entre as aguas,
observada ao longe pelas suas companheiras. O texto que se serve de matriz evocadora
deste mito e o epidíctico poema Metamoforses de Ovídio. No momento em que o poeta
descreve a tapeçaria tecida por Minerva (Metamorfoses, Liv.VI:104) parece que, o touro
era real e real, o mar. Europa parecia que olhava a terra que havia deixado para trás,
parecia que gritava às suas companheiras e que temia o contacto da água que saltava junto
dela.
8 Duarte Nunes do Leao, Descrição do Reino de Portugal, Lisboa, Centro de Historia da Universidade de
Lisboa, 2002, p. 129.
9 Damiao de Gois, Elogio da Cidade de Lisboa- Urbis Olisiponis Descriptio, p. 147.
5
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
mundo: “ (…) into painted images: it would only inscribe the return of things that would
thus come to be caught in the trap of the canvas and the painted surface, a surface that is
itself already a trap of language, a net or network of names: a dream of or a double
exchange, a translation, a transfer, a transposition in which the logic and the economy of
artistic mimesis would follow the same rules as the logic and the economy of the description
of images, and the inverse would end up, under the circumstances, being the same- a logic
and economy of sameness for both language and image, thanks to the correspondence of the
mimetic figure in painting and the descriptive name that functions only to designate.” 10
6
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
evocado por Gois no seu elogio a Lisboa. Neste texto a viagem marítima para a India,
outrora tao temida, transmutara-se: “A verdade e que esta rota de tao larga peregrinaçao
se tornou agora tao frequente para as gentes das nossas terras, seja por instigaçao de
genio infatigavel, seja por força da fome implacavel do ouro, que nao atribuem maior
importancia a uma navegaçao dessa natureza que ao percurso que tenham que fazer por
mar de Portugal a Inglaterra ou a Belgica.”12 Na sua dedicatoria, Gois refere como tinha
sido instado por homens doutos a trazer a público uma História dos feitos da Índia. Ainda
que esta nao tenha sido elaborada, varios textos parcelares sobre a presença portuguesa
no espaço do Indico foram sendo publicados pelo autor. Lisboa e para Gois, a cidade que:
“Desde a embocadura do Tejo chama ela a si o domínio da parte do Oceano que, em amplexo
imenso de mar, abarca a África e a Ásia”.13
Mas outros sao os autores que tambem se debruçam sobre esta cidade. Em 1551
Cristovao Rodrigues de Oliveira tinha descrito a cidade, no seu Summario em que
brevemente se contem algumas cousas, assim eclesiásticas como seculares que há na cidade
de Lisboa14, para que noutras terras se soubesse: “(..) das muitas e grandes esmolas e
outras obras pias que se nesta cidade fazem e como é celebrado nela o culto divino em tantos
e tão sumptuosos templos e casas de oração, como também para se saber da grandeza e
povo doutras muitas cidades do Mundo a errada opinião que se tem, vendo a certeza desta
(...)”15. No ano seguinte Joao Brandao, dito de Buarcos, no Tratado da Magestade e
7
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
16Sobre esta relaçao manuscrita indicar-se-a a sua publicaçao pela mao de Anselmo Braamcamp Freire com
anotaçoes e comentarios de Gomes de Brito, utilizando-se a ediçao de Jose da Felicidade Alves. Cf. Joao
Brandao, Grandeza e Abastança de Lisboa em 1552, Lisboa, Livros Horizonte, 1990.
8
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
(http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Lisbon_in_1598.jpg)
17Cf. Damiao de Gois, Elogio da Cidade de Lisboa- Urbis Olisiponis Descriptio, p.11-40. A gravura de Lisboa do
seculo XVI esta incorporado na obra de G. Braun e F. Hogenberg Urbium proecipuarum mundi theatrum
quintum de Quinhentos e e utilizada na referida ediçao.
9
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
Nao sao todavia apenas os estrangeiros em visita a cidade quem referenciam aquilo
que deve ser corrigido. E a propria face da capital do Reino, o que se procura melhorar,
nas palavras, por vezes avaras, de Joao Brandao, quando se dirige ao monarca: “(...) a mais
nobre coisa que ha no Reino e a dita Casa da Suplicaçao. Pelo que devia V. Alteza mandar
tirar-lhe aquela frontaria do pescado, donde procede tanta sujidade e maus cheiros, que e
18 Ibidem, p. 161.
19Garcia de Resende, Crónica de D. João II e Miscelânea, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1973,
p.393.
20Cf. A. H. Oliveira Marques, “Retrato e Reverso de Portugal”, in Nova História, 1-Seculo XVI, Lisboa, Editorial
Estampa, 1984, pp. 83-143.
10
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
muito feia coisa para quando V. Alteza vai aos despachos. E esta so razao basta para se
tirar, quanto mais havendo tantas outras, e mudar-se para a Porta do Mar o peixe, pois tem
o mesmo aparelho do mar para se descarregar e praça tao pertencente a ele como a que
em que ora esta.”21
21Citado in Rodrigo Banha da Silva e Paulo Guinote, O Quotidiano na Lisboa dos Descobrimentos- Roteiro
arqueológico e Documental dos espaços e objectos, Lisboa, GTMECDP,1998, p. 210.
22Cf. Helder Carita, Lisboa Manuelina e a formação de modelos urbanísticos da época moderna ( 1495-1521),
Lisboa, Livros Horizonte, 1999.
23 Cristovao Rodrigues de Oliveira, Lisboa em 1551. Sumário em que brevemente se contém algumas coisas
assim eclesiásticas como seculares que há na cidade de Lisboa, editado por Jose da Felicidade Alves, Lisboa,
Livros Horizonte, 1987, p. 104.
24 Damiao de Gois, Elogio da cidade de Lisboa e Vrbis Olisiponis Descriptio, p. 171.
11
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
25 Garcia de Resende, Cancioneiro Geral, Lisboa, Centro do Livro Brasileiro, 1973, I, p. 214.
26 Damiao de Gois, Elogio da cidade de Lisboa e Vrbis Olisiponis Descriptio, p. 175.
12
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
Capital de Partida: Azáfama: Embarcações, Pescadores, mulheres salgam peixe, diversas atividades
económicas
Neste mundo da Ribeira fervilha toda a azafama duma capital da partida. Labutam,
na preparaçao das armadas, todo um sem numero de gentes: ao lado dos calafates e
outros mesteirais que reparam as embarcaçoes, estao os que preparam as peças de carne
decepadas necessarias para a viagem, esfola-se, corta-se salga-se. Descobrem-se os
pescadores e as suas mulheres que abrem e salgam um sem numero de peixes, e
pressente-se os tanoeiros a reparar as vasilhas para os vinhos, carnes e outros
mantimentos; os alfaiates, a costurar todo o tipo de roupas em algodao ou la grosseiros; os
carpinteiros, a encaixar bombardas e outra artilharia; e os cordoeiros, a preparar toda a
cordoalha necessaria a equipagem das embarcaçoes... convocam-se os ritmos agitados de
uma urbe, rainha dos mares.
13
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
O numero dos que partiam e referenciado pelos que estudam a Historia da Carreira
da India. De acordo com os elementos recolhidos por Paulo Guinote, Eduardo Frutuoso e
Antonio Lopes, podemos afirmar que, entre 1497e 1505, teriam partido 93 embarcaçoes,
77 das quais durante o primeiro vice-reinado. Nos anos seguintes os dados estabilizam,
assistindo-se entre 1511 e 1515 a 46 partidas, entre 1516 e 1520 a 48, e entre 1521 e
14
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
1525 a 46. Ate 1580 observa-se que os numeros nao mais atingem os níveis verificados
ate 1510. Observemo-los27:
1541-1545 26 1561-1565 23
15
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
Grande e a quantidade das gentes que afluem a capital da partida a um ritmo mais
ou menos constante. Busca-se melhor vida. Sera, porem, a impressao da partida, que
marca os que partem e os que ficam. Gil Vicente, no seu Auto da Índia, e naquela que e uma
modalidade discursiva distinta das que nos tem ocupado, expoe os sentires arquetípicos
dos que buscam a fortuna. Tomemos, so a título de exemplo, o dialogo que se estabelece
entre o marido recem-chegado a Lisboa e a esposa que permaneceu na capital:
30Francisco Contente Domingues, Navios e viagens –A experiência portuguesa nos séculos XV a XVIII ,Lisboa,
Tribuna, 2007, p. 170.
16
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
Gaspar Correia, revela o seu dar à vela, e sair do rio, indo el-rei no seu batel os
acompanhando, e falando a todos com benções e boas horas se despediu deles, ficando sobre
o remo até desaparecerem...31; Fernao Lopes de Castanheda, descreve a gente de Lisboa, a
mais dela chorava de piedade dos que se iam embarcar crendo que haviam todos de
morrer32; Joao de Barros, evoca a sua praia das lágrimas para os que vão, e terra de prazer
aos que vem33. Exemplar e a ecfractica evocaçao na epopeia camoniana da saída da barra
do porto:
31 Cf. Gaspar Correia, Lendas da Índia, Porto, Lello & Irmao-Editores, 1975, I, p. 15.
32Cf. Fernao Lopes de Castanheda, História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos portugueses, Porto,
Lello e Irmao –Editores, 1979, I,p.11.
33Cf.Joao de Barros, Ásia...Dos feitos que os portugueses fizeram no descobrimento e conquista dos mares e
terras do Oriente-Primeira Década, Lisboa, Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 1988, p. 125.
17
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
18
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
Uma nova mentalidade mercantil, ancorada nas emerfentes técnicas comerciais, providencia uma nova forma de
aproximação ao objeto onde a quantidade tomaria o seu lugar. Esta nova forma de descrever o mundo19poderá ser
entendida como a primeira manifestação de uma ECONOMIA GLOBAL
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
BIBLIOGRAFIA CITADA
35 Cf. Vitorino Magalhaes Godinho, Les Découvertes XVe-XVIe: une révolution des mentalités, Paris, Edition
Autrement, 1992, pp. 61-72.
36 C. Delacroix, F. Dosse, P. Garcia, N. Offenstadt, Historiographies, I- concepts et débats, Paris, Editions
20
LISBOA NO SÉC. XVI: ESPAÇO DE ENCONTRO DE CULTURAS NA HISTÓRIA GLOBAL
21