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UNIDADE CURRICULAR: Seminário I (História)

CÓDIGO: 31125

DOCENTE: Maria Rosário Bastos

A preencher pelo estudante

NOME: ALBERTO MANUEL DE SOUSA PAIS

N.º DE ESTUDANTE: 2002740

CURSO: LICENCIATURA EM HISTÓRIA

DATA DE ENTREGA: 21.11.2021

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A IMPORTÂNCIA DOS FORAIS NA GÉNESE DO CONCELHO

Os denominados forais ou cartas de foral assumiram especial importância na


história do municipalismo português e na consequente afirmação de Portugal, como
estado definido territorialmente e organizado a nível social, fiscal, jurídico e económico.
Este diploma concedido pelo rei, ou senhorio eclesiástico ou laico, a uma determinada
terra, contendo normas, fundamentalmente de direito público que disciplinam as relações
dos seus povoadores ou habitantes entre si e destes com a entidade outorgante 1, ganhou
várias formas e relevância a diversos níveis, ao longo dos primeiros séculos do país.
Desde muito cedo, os monarcas reconheciam ou criavam de direito uma
instituição coadjuvante no aproveitamento da terra e no enquadramento das pessoas.
Reconhecidos desde muito cedo, pelo Conde D. Henrique, os concelhos ganham
preponderância no apoio militar e económico, ao monarca, e permitem uma proliferação
dos burgos e do seu desenvolvimento comunitário. Apesar de, numa primeira fase da
afirmação do país, o objetivo passava por agraciar os senhorios através da conceção de
coutos e honras, de forma a garantir apoio para a guerra, foi ainda no reinado de D. Afonso
Henriques que a malha concelhia aumentou, para garantir a proteção, tal como os tributos
provenientes das atividades dos homens e da circulação e transação dos produtos2. D.
Sancho I, com a conceção ou confirmação de muitos forais, apostou fortemente na
potencialidade dos concelhos para dinamização da sua política colonizadora.
Contudo, o papel dos forais e a importância concelhia ganha nova forma nos
reinados de D. Afonso III e D. Dinis3. Concluída a conquista, urgia povoar, logo, o papel
dos concelhos ganha nova e diferente relevância. Inaugurando uma nova fase da política
portuguesa, o Bolonhês destaca-se como notável governante e proporciona um novo
impulso à vida agrícola, mercantil e marítima do país que serviu de florescimento da
economia nacional. No reinado do terceiro Afonso, elaboram-se diversas leis relativas à
segurança das pessoas e das propriedades4, procura cessar o antigo costume do revindita5,
protegem-se os viajantes, mercadores, trabalhadores de classes inferiores e até mesmo os
escravos, medidas que “marcavam um progresso acentuado, tanto de ordem moral como
de ordem jurídica”6. Contudo, a vida dos municípios, marcada pelos interesses dos
poderes instalados, padecia de alguns males. Por isso, é com D. Afonso III, nas Cortes de
Leiria de 1254, que começam a ser admitidos, nas assembleias nacionais, os procuradores
da burguesia das cidades e vilas. Com D. Afonso III, os forais protegem as classes
trabalhadoras, agrupadas nos concelhos, possibilitando o desenvolvimento da atividade

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produtora e mercantil. Os vilãos, com diversos ofícios, passam a contribuir para um
regime de impostos mais regular e a possibilitar a organização de um sistema de finanças
públicas. Os concelhos ganham importância no equilíbrio de poderes, apoiando o rei
“anulando a oposição que os privilegiados lhe moviam”7.
Saída dos concelhos, a sociedade manufatureira e mercantil substitui a velha
sociedade feudal. Com D. Dinis, o Estado organiza-se solidamente, com o florescimento
de todas as atividades sociais, atribuindo ao país um novo aspeto devido ao trabalho das
pessoas das cidades e vilas que produziam e exportavam. Com o rei Lavrador, direciona-
se a agricultura a toda a nação, facilitando a distribuição da propriedade. Desta forma,
divide as terras incultas em grupos, distribuindo cada uma a sua família, em regime de
propriedade enfitêutica8.
Com o propósito de aplicar a mesma norma jurídica a toda a nação, D. Manuel I,
no início do seu reinado, ordena a reforma dos forais indo ao encontro das aspirações dos
procuradores que já o tinham solicitado, nos dois anteriores reinados, motivados pelos
abusos dos senhores que, sob falsificações de documentos, atentavam contra as liberdades
das populações. Numa época em que o poder real já não estava tão dependente do apoio
popular, concretizado na dispersão de soberania que os forais simbolizavam, D. Manuel
I, mais do que defender as liberdades consignadas nos forais 9, pretendeu atualizar os
encargos tributários, fazendo da nação, um organismo único sob o impulso forte do poder
central. “Os novos forais, os primeiros dos quais, o de Lisboa, o rei assina em Agosto de
1500, são mais pautas aduaneiras do que códigos políticos”10. Contrariamente aos forais
“velhos”, os forais manuelinos evidenciam que a autonomia administrativas e judiciais,
da maior parte dos concelhos, encontrava-se “em perda acentuada, em favor da
centralização régia”11. A recolha em massa dos forais, para revisão, foi um trabalho
inédito, mas praticamente limitado a reformas fiscais, com imperfeições a nível
diplomático, jurídico e administrativo, tornando públicas muitas relações que até então
tinham sido do foro do direito privado.
É neste contexto da reforma manuelina que se enquadra o foral de Manteigas,
apresentado para análise neste trabalho, datado de 4 de março de 151412, elaborado por
Fernando Pina, por ordem de D. Manuel I. Este documento, à imagem de tantos outros,
veio substituir o foral “velho”, neste caso concreto, o de D. Sancho I. Este documento
centra-se basicamente a definir e atualizar os impostos referentes às atividades da
comunidade. Na primeira parte do documento, são apresentadas normas relativas ao
pagamento das colheitas, sublinhando que “a dízima da execução das sentenças é direito

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real13”, ao uso dos Maninhos14, ao Gado de Vento15, e disposições sobre o uso violento
de armas, denominado por Pena de Arma, com um valor fixado em duzentos reais e
consequente perda de arma16. Neste ponto, o foral apresenta também as condições de
isenção da pena, tais como: os que agissem em legítima defesa, dessem murros ou
bofetadas, os menores de quinze anos, entre outros. Grande parte do documento está
relacionado com os impostos e tributos, como a Portagem (imposto a pagar pelas
mercadorias transportadas para venda); e, por exemplo, os Montados (uso de terrenos
para o gado pastar). No final do foral, são apresentados os privilegiados, ou seja, a
referência da isenção de pagamento de Portagem por parte do clero: “As pessoas
eclesiásticas de todos os mosteiros (…) são isentos e privilegiados de pagarem nenhuma
portagem…”17. O documento termina com as medidas a tomar em caso de abuso ou
incumprimento por parte daqueles com responsabilidades: “E se o senhorio dos ditos
direitos o dito foral quebrantar por si ou por outrem, seja logo suspenso da jurisdição do
dito lugar (…) E mais as pessoas que em seu nome ou por ele o fizerem incorrerão nas
ditas penas.”18.
Podemos concluir que os concelhos tiveram enorme relevância no processo de
conquista e defesa do reino, de povoamento e ordenamento do território nacional, no
incremento do cultivo da terra, e no enquadramento social da população portuguesa. Os
forais, além de reconhecerem oficialmente as comunidades, reforçam o espírito
comunitário, como evidenciam o funcionamento do concilium ou concelho19, e tornam-
se essenciais na relação entre municípios e realeza que, numa primeira fase, possibilita a
independência e fortalecimento económico da Coroa, face aos outros poderes e, numa
segunda, abre caminho à execução de uma política centralizadora.
Ao longo dos tempos, e perante os diferentes contextos e as diferentes regiões, os
forais têm “um significado variável conforme se aplicam a umas ou outras”20. Contudo,
há uma evidente diferença entre os forais «velhos» e os «novos». A reforma manuelina
dos forais acaba por ter, para muitos, um resultado dececionante, “gerando confusão entre
direito público e privado”21, deixando muitos problemas por resolver, mas acaba por abrir
caminho a um maior centralismo do Estado.

1
SERRÃO, Joel - Dicionário de História de Portugal. Porto: Figueirinhas, 1985, vol. III, p. 55.
2
Cf. SERRÃO, Joel; OLIVEIRA MARQUES, A.H. dir. – Portugal em Definição de Fronteiras (1096-1325). Do
Condado Portucalense à Crise do Século XIV. Nova História de Portugal. [s.l.] Editorial Presença, p. 575.
3
Nestes dois reinados, foram outorgados mais de 150 forais.
4
Estas leis relativas à segurança das pessoas foram elaboradas na sequência de uma assembleia de ricos-
homens, fidalgos e juízes realizada em 1251.

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5
Através do costume da reivindica, o ofendido confiava, o castigo do ofensor, da própria espada e não
das justiças régias.
6
RIBEIRO, Ângelo – História de Portugal: A Afirmação do País – Da Conquista do Algarve à Regência de
Leonor Teles. In SARAIVA, José Hermano coord. – História de Portugal. Matosinhos: QUIDNOVI, 2004, vol.
II, p.15.
7
SERRÃO, Joel; OLIVEIRA MARQUES, A.H. dir. – Portugal em Definição de Fronteiras (1096-1325). Do
Condado Portucalense à Crise do Século XIV. Nova História de Portugal. [s.l.] Editorial Presença, p. 582.
8
“Cada casal pagava um foro ou pensão à Coroa, ao município ou ao donatário”. Cf. RIBEIRO, Ângelo –
História de Portugal: A Afirmação do País – Da Conquista do Algarve à Regência de Leonor Teles. In
SARAIVA, José Hermano coord. – História de Portugal. Matosinhos: QUIDNOVI, 2004, vol. II, p.31.
9
Liberdades reais ou simbolizadas que “tinham como contrapartida de tributos à entidade concessora da
carta de foral”. (SERRÃO, Joel; OLIVEIRA MARQUES, A.H. dir. – Portugal em Definição de Fronteiras (1096-
1325). Do Condado Portucalense à Crise do Século XIV. Nova História de Portugal. [s.l.] Editorial Presença,
p. 565.).
10
MACEDO, Newton – História de Portugal: Glória e Declínio do Império – De D. Manuel I ao Domínio dos
Filipes. In SARAIVA, José Hermano coord. – História de Portugal. Matosinhos: QUIDNOVI, 2004, vol. IV,
p.27.
11
DUARTE, Luís Miguel – Os «Forais novos»: uma reforma falhada?. III Congresso Histórico de Guimarães
– D. Manuel e a sua época. Guimarães: Câmara Municipal de Guimarães, 2004, p.162.
12
No reinado de D. Manuel I, o ano de 1514 foi quando se emitiram mais forais: mais de duas centenas.
13
VAZ, Inês – Foral Manuelino de Manteigas. [s.l] Edição fac-similada, 2008, p. 28.
14
À imagem dos atuais Baldios, eram terrenos que a comunidade podia usar e que era motivo de
desentendimento entre moradores e/ou com os senhores.
15
Era denominado desta forma aquele gado sem dono que, por sua vez, e segundo o documento, “seus
donos do gado perdido o acharem no dito lugar lhe será logo entregue sem mais outra dilação” (VAZ, Inês
– Foral Manuelino de Manteigas. [s.l] Edição fac-similada, 2008, p. 30.)
16
Em comparação com outros forais, o valor de Pena de Arma é semelhante, como podemos comparar
pelo Foral de Sever do Vouga, assinado no mesmo ano.
17
VAZ, Inês – Foral Manuelino de Manteigas. [s.l] Edição fac-similada, 2008, p. 52.
18
VAZ, Inês – Foral Manuelino de Manteigas. [s.l] Edição fac-similada, 2008, p. 60.
19
Cf. REIS, António – História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Livros Horizonte, 2006, p.137.
20
MATTOSO, José – Identificação de um país: Ensaio sobre as origens de Portugal 1096-1325. Lisboa:
Editorial Estampa, 1985, vol. I, p.313.
21
DUARTE, Luís Miguel – Os «Forais novos»: uma reforma falhada?. III Congresso Histórico de Guimarães
– D. Manuel e a sua época. Guimarães: Câmara Municipal de Guimarães, 2004, p.163.

BIBLIOGRAFIA

DUARTE, Luís Miguel – Os «Forais novos»: uma reforma falhada?. III Congresso
Histórico de Guimarães – D. Manuel e a sua época. Guimarães: Câmara Municipal de
Guimarães, 2004.

MACEDO, Newton – História de Portugal: Glória e Declínio do Império – De D. Manuel


I ao Domínio dos Filipes. In SARAIVA, José Hermano coord. – História de Portugal.
Matosinhos: QUIDNOVI, 2004, vol. IV.

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MATTOSO, José – Identificação de um país: Ensaio sobre as origens de Portugal 1096-
1325. Lisboa: Editorial Estampa, 1985, vol. I.

REIS, António – História dos Municípios (1050-1383). Lisboa: Livros Horizonte, 2006.

RIBEIRO, Ângelo – História de Portugal: A Afirmação do País – Da Conquista do


Algarve à Regência de Leonor Teles. In SARAIVA, José Hermano coord. – História de
Portugal. Matosinhos: QUIDNOVI, 2004, vol. II.
SERRÃO, Joel - Dicionário de História de Portugal. Porto: Figueirinhas, 1985, vol. III.

SERRÃO, Joel; OLIVEIRA MARQUES, A.H. dir. – Portugal em Definição de Fronteiras


(1096-1325). Do Condado Portucalense à Crise do Século XIV. Nova História de
Portugal. [s.l.] Editorial Presença.

VAZ, Inês – Foral Manuelino de Manteigas. [s.l] Edição fac-similada, 2008.

WEBGRAFIA

FORAL DE SEVER DO VOUGA – Foral de Sever do Vouga: Exposição Virtual.


[consult. 19.11.2021]. Disponível na Internet <URL: https://mm-sever.pt/foral>.

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