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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

PEDRO LUCAS ROMANELLY NIKITIN NASCIMENTO

ANÁLISE DISSERTATIVA DE FONTE PRIMÁRIA:


Alvará Régio de 20 de janeiro de 1798.

MARIANA
2021
PEDRO LUCAS ROMANELLY NIKITIN NASCIMENTO

ANÁLISE DISSERTATIVA DE FONTE PRIMÁRIA:


Alvará Régio de 20 de janeiro de 1798.

Trabalho apresentado na disciplina de


História do Brasil I, no curso de
Licenciatura em História, pela
Universidade Federal de Ouro Preto.

Professora: Pérola Maria Goldfeder


Borges de Castro.

MARIANA
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – ICHS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA – DEHIS
LICENCIATURA EM HISTÓRIA
HISTÓRIA DO BRASIL I – HIS064
PEDRO LUCAS ROMANELLY NIKITIN NASCIMENTO – 21.1.3018
FONTE ESCOLHIDA: MANUSCRITA

1. Introdução:

A legislação é, há tempos, um direcionamento normativo da sociedade


fundamental para a organização econômica, política e social. E, levando em
consideração esse panorama que ela dá sobre a sociedade, é evidente seu
potencial como uma fonte de conhecimento histórico, sendo tão importante quanto
um vestígio arqueológico. Logo, daqui a cem anos, quando historiadores utilizarem
de nossas leis atuais como fonte, será possível ter uma noção da dinamicidade com
que se deram as relações dos governos de hoje em dia em relação a políticas
públicas, reformas econômicas, garantias de liberdades individuais e outros temas
que destrincham o funcionamento da nossa sociedade, assim como podemos ter
essa mesma análise do passado através desses tipos registros.

Dessa forma, a fim de trabalhar e explorar fontes legais, foi escolhido para esse
trabalho a análise – formal, conteudista e histórico-social – do Alvará Régio de 20 de
janeiro de 1798, o qual se trata de uma lei, em nome da rainha, D. Maria I – atuante
como monarca do Reino de Portugal e Algarves desde o falecimento de seu pai, D.
José I, em 1977 (CERQUEIRA, 2014) -, que determinava à Secretaria de Estado dos
Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos a responsabilidade de organizar e
viabilizar a frota de embarcações que serviriam ao Correios Ultramarinos e às Juntas
da Real Fazenda o dever de estabelecer os Correios nas capitanias do território
brasileiro.

2. Análise Formal

Atualmente, o Alvará Régio de 20 de janeiro de 1798 está disponível, com uma


boa digitalização, no arquivo digital do site “O Governo dos Outros”, desenvolvido
pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). Durante o
processo de elaboração desta análise, foi feita a busca do documento em outras
fontes, como o Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), entretanto, não foi possível
encontrar. Ele pode ser acessado através da consulto no arquivo, sendo localizado
na seção “Collecção da Legislação Portugueza: Legislação de 1791 a 1801”. Ao
todo, a seção conta com 799 páginas de registros, porém o referido alvará pode ser
encontrado entre as páginas 509 e 512, usando o visualizador como referência, ou
entre as 479 e 482, de acordo com o arquivo digitalizado. Entretanto, ao lado do
visualizador do site, há um índice indicando o nome de todos os decretos, alvarás,
cartas régias, assentos, etc. ordenados pela data de publicação.

O registro legal é escrito como uma ordem direta da rainha, sem nenhuma
intermediação ou então representado como um ato em seu nome, sendo datado,
conforme indica seu nome, no dia 20 de janeiro de 1798, e indicado como local o
Palácio de Queluz – que à época era utilizado como residência oficial da rainha
Maria I e como local de lazer para a Corte.

Assim como todas as leis régias do Brasil – e de todos os domínios portugueses


- à época, o Alvará parte da metrópole para ser implementado na colônia. Como já
dito, ele é elaborado por D. Maria I e direcionado para um conjunto de instituições e
representantes que haveriam de ter conhecimento do que se estipulava, como pode
ser constatado na passagem:

“Pelo que: Mando á Meza do Desembargo do Paço; Presidente do Meu


Real Erairo; Regedor da Casa da Supplicação; Conselhos da Minha Real
Fazenda, e do Ultramar; Conselho do Almirantado, e Real Junta da
Fazenda da Marinha; Real Junta do Commercio, Agricultura, Fabricas, e
Navegação destes Reinos, e seus Dominio; Vice-Rei, e Capitão General de
Mar e Terra do Estado do Brazil, e mais Governadores, e Capitães
Generaes das outras Capitanías do mesmo Estado, e das Ilhas, e a todos
os Tribunaes, Magistrados, e Pessoas, a quem o conhecimento deste
Alvará pertencer [...]”. (ALVARÁ,1798)

E disso deve surgir a questão: Okay, mas sobre que exatamente esse Alvará
trata? É sobre criar um Correios? É sobre montar uma frota marítima? É sobre
regulamentar o comércio marítimo? Do que se trata, especificamente, esse
documento, e como isso influenciou na nossa história? Quanto a esses
questionamentos, parafraseando um programa infantil popular durante a década de
1990, “senta que lá vem história!”.

3. Análise do Conteúdo e da Estrutura Textual:

O conteúdo do documento é se trata de um registro voluntário, ou seja, havia-se


uma intenção em produzi-lo, ainda que esse intuito não fosse objetivamente de ser
uma fonte histórica. O objetivo do referido Alvará era, como já comentado aqui,
estabelecer diretrizes para a estruturação de uma instituição responsável pelos
serviços postais, tanto interno quanto marítimo, que fosse administrado pela Coroa,
e não mais pela iniciativa privada – entre 1606 e 1797, o transporte de
correspondências da Corte era, por meio de direito concedido, responsabilidade da
família Gomes da Mata (GUAPINDAIA, 2017).

Quanto à as escrita, o registro judicial é elaborado em língua português,


entretanto, não no formato como conhecemos hoje. O estilo de grafia é próprio da
época, como a aplicação de palavras como “Brazil” (Brasil), “costumão” (costumam)
e “efeito” (efeito) (BLUTEAU, 1712). Quanto à linguagem empregada, se trata de
uma utilização culta e formal, assim como os projetos de leis atualmente, uma vez
que se trata de um documento régio. A seguir é possível ver a escrita utilizada na
elaboração do alvará em contraste com um trecho da seção de política do jornal
“Correio Braziliense”, inaugurado dez mais tarde, que apresenta uma linguagem
mais “simples”, ainda que cause estranhamento:

Imagem 01: Trecho inicial do Alvará Régio de 20 de janeiro de 1798 (p. 479)

Imagem 02: Trecho do caderno de política do jornal “Correio Braziliense” (p. 11, Edição de junho
de 1808)

4. Análise Histórico-Social do Documento:

As orientações contidas no registro diferenciam as funções ordinárias no


processo de transporte e distribuição dos postais. À Repartição da marinha, por
exemplo, é incumbido o dever de enviar, a cada dois meses, dois paquetes – que
pode ser entendido à época como maço de cartas que é transportado através de
correios marítimos (BLUTEAU, 1720) – destinados um para o porto do Assú e outro
para a Bahia. Já às Juntas da Fazenda cabe definir o local de recebimento e
distribuição das cartas, as pessoas envolvidas na atividade, administrarem as
despesas, dentre outras funções.
Até o início do século XVIII, as relações de troca postal se davam de forma
bilateral, ou seja, através de linhas diretas que ligavam dois centros, sem privilegiar
vilas que se encontrassem no caminho e muito menos vilas mais afastadas
(SALVINO, 2018 apud FORTUNATO, 2021).

A partir de 1730 até a criação do alvará, a estrutura da circulação de postais,


mais especificamente no Brasil, se desenvolveu a fim de expandir o número de vilas
atendidas pelas linhas postais, de modo que os serviços eram prestados entre
algumas vilas próximas – ou entre capitanias quando localizadas estas fizessem
fronteiras. Porém, com a nomeação de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, em 1796,
começou-se a vislumbrar uma forma mais regulamentada de tratar esse serviço de
correios, a fim tanto de garantir os devidos lucros com taxas à Coroa e como forma
de assegurar a comunicação com suas colônias, o que viria a culminar na
promulgação do dito alvará régio. Com isso, o “Correios Maritimo” se torna o meio
legal da Coroa portuguesa para contatar, via postal, seus domínios, ainda que
navios mercantes e de guerra pudessem levar as cartas em malas até o porto de
destino, como é ressaltado no nono ponto do documento: “[..] mas para que se
facilite ao Público mais este meio de comunicação, por todos eles (navios mercantes
e de guerra) se remetterão Malas para o Correio do Porto do seu destino.”. Essa
regulamentação, segundo Mayra Guapindaia (2017), visou diminuir a concorrência
com navios privados e garantir uma oferta maior de viagens. Por consequência, isso
ocasionou no alargamento da influência e do controle da Coroa sobre as frotas
comerciais privadas.

Desse modo, como a consequência do alvará e da gestão de Sousa Coutinho, em


parceria com os governadores e as Juntas da Fazenda, foi possível estruturar, em
terras brasileiras, uma “rede geográfica” (CORRÊA, 2012 apud FORTUNATO, 2021)
postal capaz de interligar regiões mais afastadas do território a centros políticos e
sociais, como é o caso da ligação feita entre as capitanias do Pará e Rio Negro,
localizadas no norte, e o Rio de Janeiro, passando por Minas Gerais, Goiás, Mato
Grosso, além das outras intersecções existente nessa malha postal (FORTUNATO,
2021).

Atualmente, o impacto deste escrito é perceptível em sua importância no


processo de centralização política ocorrida no período – processo esse iniciado por
Marques de Pombal, durante sua gestão como Secretário de Estado do Reino. Além
disso, essa regimentalização dos correios foi o primeiro passo para burocratização
do serviço postal por parte do Estado, e até hoje podemos identificar isso em nossa
sociedade, uma vez que, até o momento em que escrevo, a Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos (ECT), ou popularmente chamada de Correios, é uma
empresa pública que detém o monopólio da distribuição de correspondências.
5. Considerações Finais:

O trabalho em questão trata não de questionar ou debater as visões dos


diferentes autores e autoras aqui referenciados, mas sim uma explanação das
pesquisas realizadas até aqui a respeito da formação das redes de correios interno e
marítimo, tendo como fonte base o alvará que propõe as regulamentações
necessárias para a implementação dessas instituições.

Fontes:
- Alvará Régio de 20 de janeiro de 1798 (manda estabelecer correios marítimos
entre a Corte de Lisboa e os domínios ultramarinos). In: SILVA, António Delgado
(org.). Coleção da Legislação Portuguesa (1791-1801). Lisboa, 1828, p. 479-482.
Disponível em:
http://www.governodosoutros.ics.ul.pt/?menu=consulta&id_partes=110&acca=ver&p
agina=2.

Referências bibliográficas:
- ANTUNES DE CERQUEIRA, Bruno da Silva . A primeira Chefe de Estado do
Brasil: D. Maria I, a louca?. Cadernos Aslegis (Impresso) , v. 51, p. 151-172, 2014.
Disponível em:
https://bd.camara.leg.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/27399/primeira_chefe_cerqu
eira.pdf?sequence=1&isAllowed=y#:~:text=Maria%20I%20de%20Portugal%2C%20a
,associados%20ao%20enforcamento%20do%20Tiradentes;
- BLUTEAU, Rafael. Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico,
architectonico, bellico, botanico ... : autorizado com exemplos dos melhores
escritores portuguezes , e latinos; e offerecido a El Rey de Portugal D. Joaõ V.
Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesu : Lisboa, Officina de Pascoal da
Sylva, 1712-1728. 8 v; 2 Suplementos. Disponível em: https://www.bbm.usp.br/pt-
br/dicionarios/vocabulario-portuguez-latino-aulico-anatomico-architectonico/;
- CORREIO BRAZILIENSE ou o Armazem Literario. Londres: W. Lewis, Paternoster,
junho de 1808. Disponível em:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/correio_braziliense/correio_brazili
ense.htm;
- FORTUNATO, Thomáz. Nas vértices do Império: a formação das redes de correio
na América portuguesa (1796-c.1808). In: 31 Simpósio Nacional de História, 2021.
Anais do 31° Simpósio Nacional de História, 2021. Disponível em:
https://www.snh2021.anpuh.org/resources/anais/8/snh2021/1628520494_ARQUIVO
_b420f83a8680bc6e9cf6debb9001d86b.pdf;
- GUAPINDAIA, Mayra C. . Comunicação e poder: a implantação do Correio
Marítimo de 1798 e as respostas dos governos da América Portuguesa. Nuevo
mundo-mundos nuevos , v. Online, p. Online, 2017.Disponível em:
http://journals.openedition.org/nuevomundo/71539;
- HISTÓRIA do Palácio Nacional e Jardins de Queluz. Parque de Sintra. 2020.
Disponível em: https://www.parquesdesintra.pt/pt/parques-monumentos/palacio-
nacional-e-jardins-de-queluz/historia/.

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