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A. MACHADO PAUPÉRIO*
D. Manuel, na época rei de Potrugal, teve confirmados seus direitos reais so-
bre as terras do Brasil pela bula do Papa Júlio 11, de 24 de janeiro de 1506,
relacionados com a demarcação fixada pelo Tratado de Tordesilhas. Tal bula
foi ratificada pelo Papa Leão X, em 1514.
A princípio, houve certo desinteresse da metrópole na colonização. Mas as
incursões de aventureiros chamaram Portugal à colação.
Martim Afonso de Sousa, portador de amplos poderes, fundou São Vicente,
verdadeira célula mater da nacionalidade, escolhendo o lugar para erguê-la, de-
marcá-la, arruar-Ihe o terreno, distribuí-lo em lotes, erguendo-lhe os primeiros
edifícios, construindo um forte, a igreja, a casa da Câmara, a cadeia e a alfân-
dega ... Mas fez mais Martim Afonso de Sousa: nomeou oficiais para a admi-
nistração da justiça e convocou os homens bons para a escolha dos vereadores.
Isso em fins de 1530 e inícios de 1531.
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sesmeiro era alodial, ou seja, plena. Antes, até 1780, a única obrigação do do-
natário era a de aproveitar as terras dentro de determinado prazo, geralmente
de cinco anos. As capitanias constituíam a superestrutura político-social; as
sesmarias, a infra-estrutura.
Embora em geral não tivessem as capitanias dado bom resultado, o que levou
Portugal a enveredar por outro regime, o dos governos gerais, só em fins do
século XVIII se efetuou o resgate das últimas capitanias doadas em 1534. Assim,
ao lado dos capitães-mor não-donatários de capitanias e vilas, continuavam
a existir os donatários antigos, numa seqüência do sistema anterior. A última
capitania incorporada ao Estado foi a de São Vicente, em 1791. Desse modo,
acabaram as capitanias, verdadeiras entidades autárquicas territoriais, no dizer
do Prof. Waldemar Ferreira.
2.5 As vilas
As vilas tinham por sede o Conselho, com o seu Senado da Câmara. As fei-
torias portuguesas representavam então o embrião do futuro município luso-
brasileiro. As vilas, que se caracterizavam pelo pelourinho e pela igreja, e as
cidades, pelas sedes episcopais, passaram a crescer. São Vicente é exemplo mar-
cante. Sem dúvida, há falta de originalidade na organização política e adminis-
trativa das vilas e das cidades. O que há é uma cópia da organização jurídica
lusitana.
Além das autoridades locais, a vida político-administrativa tinha a culminá-
Ia superiormente os órgãos metropolitanos como o Conselho da fndia, depois
Conselho Ultramarino, o Conselho do Estado, o Conselho da Fazenda, a Casa
da Suplicação e a Mesa da Consciência e Ordens.
Semelhantemente aos cabildos da América espanhola, que garantiam os inte-
resses e as liberdades individuais, o governo das vilas no Brasil exercia pelas
suas câmaras municipais funções administrativas e judiciárias, com os juízes
e vereadores que nelas se assentavam, escolhidos pelos homens bons, e com os
auxiliares, entre os quais não se pode esquecer a figura dos almotacés, de fun-
ções de certo modo sanitárias.
Às Câmaras competiam então encargos muito maiores que nos atuais muni-
cípios. Entre outras funções, nomeavam algumas representantes seus, verdadei-
ros procuradores perante as Cortes, como foi o caso da Câmara do Rio de Ja-
neiro em 1641 e da de São Luís do Maranhão em 1685.
Além das incumbências administrativas, não tinha o vereador possibilidades
de escusar-se do cargo. Só as mesmas escusas da tutela eram então possíveis.
Proibida a recondução, a não ser três anos depois de expirado o mandato, de-
viam os vereadores manter hipotecados bens particulares em garantia durante
a respectiva função.
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e as comunas. Tais disposições da legislação do reino também aqui vigoravam
para as primitivas comunidades municipais, que por toda parte surgiam.
Campos e Parati, no estado do Rio, são exemplos dessas franquias. E verdade
que, em sentido contrário, encontrávamos muitas vezes os delegados militares,
oficiais de "ordenanças" do governador.
O município aparece então como unidade anterior ao Estado, na forma pre-
vista por Rafael Bielsa, e que deve ser robustecida, como vislumbrou Alberto
Torres.
Algumas zonas, é verdade, não se coadunavam com o princípio da autono-
mia, como é o caso da zona aurífera e do distrito diamantino. Há, aí, as inten-
dências do ouro, as guardamorias das minas e as casas de fundição como o
intendente dos diamantes, com poderes excepcionais. Na época do despotismo
esclarecido e da política pombalina, sobretudo, no século XVIII, o centralismo
da metrópole havia de refletir-se largamente no ultramar.
Antes disso, porém, depois das feitorias como Santa Cruz, Rio de Janeiro e
Cabo Frio, e das capitanias, cujo sistema durou apenas 14 anos, por não terem
sido bem-sucedidas, instituiu-se o governo geral, em 1548, com Tomé de Souza,
seu primeiro titular. Pelo Regimento trazido por ele, nosso primeiro estatuto
básico, podia o governador, entre outras coisas, fazer concessão de terras e
águas para fundação de engenhos de açúcar de cana e de fazendas, contanto
que se pudessem esses engenhos e fazendas transformar em autênticos núcleos
de resistência aos ataques dos índios e dos corsários estrangeiros.
As capitanias continuavam a existir, subordinadas ao governo central, sedia-
do em Salvador. O que se toma logo então um elemento importante na orga-
nização social e política é o latifúndio agrário, com o clã rural, gravitando em
tomo do senhor de engenho e do fazendeiro.
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2.9 O governo das vilas
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o próprio domínio espanhol manteve a continuidade administrativa carac-
terística da realizada pelos portugueses.
Sabemos que o monarquia portuguesa passou por três fases muito caracte-
rísticas: a) monarquia limitada pelas ordens; b) monarquia absoluta; c) monar-
quia constitucional.
Na primeira fase prevalece o direito costumeiro; na segunda, a legislação es-
crita desenvolvida com as Ordenações; na terceira, de feição liberal, a codi-
ficação.
Assim sendo, no Brasil primitivo haviam de ser sempre aplicadas as mesmas
leis portuguesas da época: as Ordenações do Reino. Tais Ordenações manti-
veram-se aqui em vigor mesmo depois da Independência e até mesmo durante
os primeiros anos da República, que antecederam a promulgação do Código
Civil.
Quando foi descoberto o Brasil, já havia sido ultrapassado o período de vir-
tual prevalência do direito consuetudinário.
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o direito português foi então o direito brasileiro dos primeiros séculos. A
esse, só se pode acrescer o direito especial da colônia, concretizada sobretudo
pelas cartas de doação, pelos forais e pelos regimentos dos governadores.
4. Diferenciais brasileiras
Se havia eleição para as câmaras no período colonial, tal sufrágio está longe
de ser democrático, no sentido atual da expressão. Quem elegia e era eleito,
quem tinha portanto o direito, ativo e passivo de elegibilidade, não era o povo
propriamente mas uma classe nobre e uma aristocracia rural, constituída dos
homens bons, dentro da conceituação do tempo.
No fundo, o que tivemos durante o período colonial foi apenas autonomia
das administrações municipais, dentro de sua feição aristocrática. Nossas câma-
ras de vere ação afirmaram, nesse ponto, bem alto, os pruridos da nacionalidade
contra a soberania da coroa.
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o açúcar, que começava a sofrer a concorrência das colônias espanholas e ingle-
sas da América Central.
Na guerra comercial, os naturais do reino passam a gozar de real monopólio.
Os brasileiros são excluídos das atividades mercantis. Seu progresso, no caso,
torna-se impossível. Beneficiados pela opressiva política comercial da metró-
pole, os portugueses prosperavam, sem concorrência.
Endividados os proprietários de terras, a rivalidade cresceu, surgindo daí o
movimento que passou à história com o nome de Guerra dos Mascates: de um
lado, os brasileiros, especificamente proprietários rurais, de outro, os mercado-
res portugueses ou a burguesia comercial, ligada aos interesses da metrópole.
Concorrendo às eleições das Câmaras, passa a imiscuir-se nos negócios mu-
nicipais a burguesia mercantil que por toda parte surge. Afirma-se então visível
o novo espírito centralista.
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novas concepções de liberdade de comércio, preconizada pelas novéis idéias
econômicas.
Não foi à toa que a fase de D. João VI marcou a expansão do direito comer-
cial, quer sob o aspecto legislativo, quer sob o aspecto doutrinário. Talvez por
isso mesmo, o direito comercial, ramo novo do direito privado, mereceu codi-
ficação antes mesmo do direito civil, que só se fez mais de 50 anos depois.
Desde 1808 o Tesouro Nacional ou Tesouro Geral ou Erário Público subs-
tituíra a antiga Junta da Fazenda.
Em abono da liberdade de comércio, instalou D. João VI no Rio de Janeiro
o Tribunal Superior ou Casa de Suplicação, que nos deu a emancipação
judiciária.
Por força de ter sido elevado o Brasil à categoria de reino em 1815, recebia
como armas particulares uma esfera armilar de ouro em campo azul.
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