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A administração

colonial
• Até 1530 a América não tinha sido prioridade para a Coroa de Portugal.
Navegadores castelhanos, ingleses e franceses também extraíam pau-brasil,
ameaçando o domínio pretendido pelos lusitanos. A defesa do extenso litoral
ficara a cargo de expedições guarda-costas, ineficazes para deter o assédio de
conquistadores de outros Estados europeus. Os pequenos povoados e feitorias,
além de estarem à mercê das incursões de estrangeiros e de ataques de povos
indígenas, eram desprovidos de organismos de justiça e de administração. Nas
disputas e conflitos, entre os poucos europeus que se aventuravam a atravessar o
Atlântico, imperava a lei da espada. A economia baseava-se na extração de pau-
brasil e em primeiras experiências de lavoura canavieira, que devem ter sido
iniciadas entre 1516 e 1519, segundo estudos recentes.

• Com o início da crise do comércio com o Oriente, o tratamento dispensado às


terras americanas passou a ser outro. Para garantir a defesa do território, dar
sustentação ao escambo do pau-brasil e empreender a busca de metais e pedras
preciosas, o governo português iniciou sua política de povoamento. Era
necessário tornar mais lucrativos os domínios atlânticos.
• Ao final de 1530, Martim Afonso de Sousa, dotado de amplos poderes
judiciais, foi investido no cargo de capitão-mor de uma frota endereçada à
América e encarregado de iniciar a colonização efetiva das novas terras.

• As embarcações chefiadas por ele enfrentaram navios franceses e


exploraram a costa brasileira, buscando acumular informações sobre as
possibilidades de ocupação do território e a existência de minas de metais
preciosos. Em 1532, fundou a Vila de São Vicente, a primeira na América
portuguesa, numa região próxima aos domínios castelhanos do sul do
continente, procurando inibir suas incursões nos territórios lusos e, ao
mesmo tempo, ameaçar o controle espanhol sobre a região do Prata.
Mudas de cana-de-açúcar e colonos com experiência no seu cultivo e na
produção do açúcar foram trazidos para a América pelo capitão-mor.
• Em 1534, a Coroa portuguesa resolveu lançar mão de um sistema de colonização já desenvolvido
nas ilhas dos Açores e da Madeira, denominado capitanias hereditárias, visando atrair investimentos
privados. Nesse sistema, particulares recebiam grandes extensões de terra, sendo encarregados de
promover o povoamento, realizar a exploração econômica e exercer o governo, o comando militar e
os poderes de justiça. A posse desses direitos e das terras concedidas ao capitão donatário era
indivisível, hereditária e inalienável, mas ele podia conceder sesmarias, lotes de terra que deveriam
ser desenvolvidos economicamente por seus colonos.

• O sistema de capitanias não garantiu aos portugueses o domínio das novas terras. Conflitos com
povos indígenas e certo desinteresse demonstrado por alguns donatários, que sequer vieram conhecer
suas capitanias, provocaram o fracasso da experiência colonizadora. A principal dificuldade estava em
estabelecer uma atividade econômica estável que sustentasse a ocupação e o povoamento. Muitos
donatários também não conseguiram administrar suas capitanias, pois arcavam sozinhos com a
responsabilidade da segurança e da administração, entre outras. A extração de pau-brasil dependia da
disposição do indígena, que, como vimos anteriormente, tinha outras referências de cultura. Por mais
que o trabalho eventual de derrubada das árvores de pau-brasil estivesse integrado à vida dos nativos,
em pouco tempo o recebimento de bugigangas europeias deixou de despertar seu interesse.

• Apenas as capitanias de Pernambuco e São Vicente tiveram desempenho satisfatório, resultado da


implementação mais sistemática do cultivo da cana-de-açúcar, o que já apontava a solução para o
controle efetivo das novas possessões.
• Em razão dos insucessos do sistema de ocupação e exploração adotado e por
considerar excessivo o poder dos donatários, a Coroa decidiu criar, em 1548, o
governo-geral, numa tentativa de centralizar a política de exploração dos domínios
americanos. A instituição do governo-geral limitou o poder dos capitães donatários,
que ficavam submetidos à nova instância administrativa. O governador-geral,
escolhido e nomeado diretamente pelo rei, era incumbido da defesa militar interna e
externa, da Justiça, da arrecadação dos tributos devidos à Coroa, do estímulo às
atividades econômicas e à fundação de vilas e povoações.

• Os governadores-gerais tiveram dificuldades para impor sua autoridade, por causa


da resistência dos capitães donatários e dos fazendeiros e da extensão do território a
ser administrado. O dilema da centralização administrativa repousava no fato de, além
de atrair colonos e mantê-los nos domínios de além-mar, exigia controlá-los e
governá-los. Assim, enquanto alguns poderes eram retirados das mãos dos capitães
donatários e fazendeiros, estabeleceram-se órgãos e instituições em que eles pudessem
participar do exercício da política e da administração.
• Nas vilas e cidades coloniais foram criadas as câmaras municipais, encarregadas das
funções administrativas, judiciais, policiais e financeiras locais. Nas eleições de seus
ocupantes só podiam participar os chamados "homens bons", ou seja, homens de
posses, fazendeiros, clérigos, funcionários do Império e nobres. Excluíam-se,
portanto, mulheres, escravizados, pobres, judeus, estrangeiros e pessoas que
desenvolvessem trabalhos manuais. Com elevado grau de autonomia, as câmaras eram
o principal espaço de expressão dos interesses dos poderosos dos municípios.

• À medida que se ampliavam os negócios na América, consequência do


desenvolvimento da lavoura açucareira, a ocupação lusitana progredia. A produção de
açúcar atraiu portugueses que vieram formar os primeiros núcleos populacionais com
a fundação de vilas e da cidade de Salvador, sede do governo até 1763. A
administração colonial tornou-se, então, mais complexa e absolutamente integrada aos
demais organismos burocráticos do império português. Gradativamente as capitanias
hereditárias foram incorporadas pela Coroa, recebendo o nome de capitanias reais, e
as funções do donatário passaram a ser exercidas por um capitão-geral ou governador
nomeado pelo rei. A primeira capitania a retornar ao controle da Coroa foi a da Bahia,
já em 1548, e a última, Porto Seguro, em 1759.
• A monarquia francesa, rejeitando a partilha do mundo pelos ibéricos,
procurou estabelecer núcleos colonizadores na América do Sul. Em 1555,
Nicolau Durand de Villegaignon, enviado pelo rei Henrique II, fundou a
França Antártica, na região da baía de Guanabara. A maior parte dos
colonizadores era composta de protestantes franceses que fugiam das
perseguições dos católicos em sua terra natal. Entre os conquistadores
encontravam-se o católico André Thevet e o calvinista Jean de Léry, que
escreveram dois dos mais interessantes documentos sobre as características
das terras americanas e seus primeiros habitantes no século XVI.

• Em pouco tempo, as divergências entre seguidores das duas religiões


também se manifestaram no Novo Mundo, provocando disputas e
dissidências em nome da fé. Com a notícia das tensões religiosas vividas nas
terras de além-mar, outros colonos sentiram-se desestimulados a atravessar o
Atlântico, o que dificultou o desenvolvimento da colônia francesa.
• As primeiras expedições portuguesas para a expulsão dos
franceses iniciaram-se em 1560. Sob o comando do governador-
geral Mem de Sá, os franceses foram vencidos e obrigados a se
refugiar no sertão.

• Constatou-se, mais uma vez, que a única possibilidade de defender


a região dos franceses e dos indígenas Tamoio, seus aliados, seria o
povoamento. Com esse objetivo, em 1565, Estácio de Sá, sobrinho
do governador, fundou a vila de São Sebastião do Rio de Janeiro.

• Os confrontos prolongaram-se por mais dois anos, quando tropas


comandadas por Mem de Sá derrotaram definitivamente os
franceses.
• Estabelecer a Justiça portuguesa nos domínios americanos não era tarefa fácil. A maior
parte dos conquistadores logo se sentia atraída pelas indígenas. A ausência de mulheres
europeias e as práticas e regras sexuais nativas, menos restritivas que aquelas pregadas
pela moral cristã, levaram muitos portugueses a se entregar aos prazeres sensuais. Os
governadores-gerais e seus auxiliares na área da Justiça, os ouvidores, tentavam, sem
muito sucesso, conter a licenciosidade sexual que predominava nesses domínios. Os
representantes do clero, mais decididos nessa causa, procuravam combater o que
consideravam depravação e sugeriam que se enviassem mais moças portuguesas para a
América. Como alternativa, buscavam implementar os princípios do matrimônio cristão,
promovendo casamentos dentro das comunidades indígenas e de portugueses com as
nativas, no intuito de diminuir as práticas consideradas pecadoras.

• Além disso, a ocupação portuguesa foi realizada por um vasto contingente de


degredados, cujos delitos eram punidos com a obrigação de se estabelecerem no território
colonial. Pobres, mendigos e indivíduos marginalizados da Metrópole eram enviados à
força para cumprirem serviços militares nas possessões de além-mar. Mesmo parte do
contingente de religiosos que desembarcava para a missão apostólica tinha sua conduta
afetada pelo ambiente da Colônia. O padre Manuel da Nóbrega reclamava, em 1549, que
"cá há clérigos, mas é a escória que de lá vem".
• A dificuldade fundamental da colonização repousava na falta de
mão de obra. Para os colonos, ávidos pelos lucros da atividade
açucareira, a conquista deveria ser direcionada a obter o maior
número possível de braços para a lavoura de cana. Além disso, os
trabalhos manuais requeridos na América eram tidos como
desonrosos para os conquistadores. A primeira coisa que queriam
os moradores recém-chegados, segundo Pero de Magalhães
Gandavo, eram pessoas escravizadas, pois "sem eles não se pode
sustentar na terra". A Colônia, de acordo com o mesmo cronista
do século XVI, só não florescia mais porque os indígenas se
rebelavam e fugiam cada dia mais dos conquistadores.
•A violência contra os indígenas tumultuava a vida colonial. Além dos ataques
aos povoados e às fazendas, a escravidão dos nativos foi questionada por alguns
religiosos portugueses. Em 1580, o clérigo Gonçalo Leite chegou a afirmar que os
padres que permitiam a escravidão não vinham salvar almas, mas condenar as
suas. Outros religiosos, menos críticos com a situação, procuravam fazer valer a
regulamentação do cativeiro legal, pela qual só poderiam ser escravizados os
indígenas aprisionados em guerra justa. Outra forma de cativeiro legal era o
resgate: os prisioneiros indígenas que seriam submetidos aos rituais de
antropofagia eram resgatados pelos colonos a fim de plantarem suas roças e
fazerem as demais tarefas necessárias para a vida honrada dos europeus.

• Tal disposição dos religiosos conflitava com os interesses dos colonos laicos. As
disputas tinham de ser resolvidas pelos governadores-gerais e pelas autoridades
legalmente investidas pela Coroa portuguesa. A administração central era,
portanto, fundamental para apaziguar os conflitos e viabilizar o domínio sobre a
América. Todos os governadores tiveram de enfrentar os diversos conflitos e
oscilavam a favor ora dos colonos laicos, ora dos colonos eclesiásticos.

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