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“O rei, interessado em guardar as terras, cada vez mais frequentadas por povos
estrangeiros devido ao comércio do pau-brasil, principalmente franceses, convencera-se da
ineficácia das periódicas esquadras guarda-costas, e o próprio Cristóvão Jacques apresentara
plano de povoamento e fixação de núcleos. Recorreu, pois, às doações de terras e sesmarias,
encabeçadas pelas Capitanias Hereditárias, onde as vantagens oferecidas estimulariam os
súditos a enfrentarem os riscos incontáveis da empresa. Com a falta de candidatos, escreve
Capistrano de Abreu «as concessões e favores foram-se ampliando». Hábil foi o rei, pois os
perigos que poderiam trazer tais privilégios, caso tivesse êxito a maioria das capitanias,
levariam tempo e seriam sempre crime de traição, pois guardava o soberano direitos
essenciais, enquanto os riscos das primeiras tentativas eram certos e imediatos. Além disso,
a única riqueza suscetível de benefícios imediatos, o pau-brasil, logo foi constituído em
monopólio real. Também este monopólio, uma vez estabelecidos os direitos totais do rei, foi
entregue para exploração a concessionários que, igualmente, corriam todos os riscos e
despesas, só tendo o soberano a ganhar com o mesmo. A história dessa exploração mostra,
aliás, que os contratos eram altos, muitas vezes não podendo os contratadores pagar as
prestações dos mesmos, e até deixando de haver candidatos, em certas épocas. Outros, que
se arriscaram aos altos pagamentos, queixavam-se de prejuízos e pediam prazos para
saldarem os compromissos. E quando o rei resolveu, ele mesmo, explorar o comércio da
madeira, não obteve melhores benefícios pois, após certo tempo, decidiu voltar ao regime
das concessões. Sempre o espírito realista, face às dificuldades o soberano procura o
caminho possível ao aproveitamento da colônia e encara com lucidez as limitações do
Reino, aceitando as possibilidades existentes e mesmo estimulando-as. De qualquer modo,
quanto às Capitanias e aos privilégios concedidos, o rei não tinha solução melhor, se queria
conservar as terras descobertas. Mas, desde aí, estabelecia nas concessões o caminho a
seguir, observando-se claramente nos documentos, desde as Cartas de Doações e Forais das
Capitanias Hereditárias, os objetivos de defesa, povoamento e aproveitamento das terras.
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Embora tivesse o soberano enorme interesse de encontrar súditos dispostos a
colocar cabedais, na realidade totais para empresa tão vasta, correndo riscos muito grandes,
não abria mão de seus direitos reais e orientava a colonização nos objetivos visados. E note-
se que restringia direitos e regulava rendas, conservando a parte habitual para a Coroa,
quando tudo ainda estava por fazer, pelos donatários, e tudo era a conquistar. As
dificuldades eram muito grandes para os que arriscavam toda sua fazenda e energias,
contribuindo materialmente o rei apenas no que já fazia antes. De fato continuava a enviar
alguns navios guarda-costas, expedições exploradoras para averiguar riquezas de que se
falava, procurava combater o contrabando estrangeiro, incentivava expedições exploradoras
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passagem dos rios, etc.; o monopólio das marinhas, moendas de água e quaisquer outros
engenhos; finalmente o provimento dos ofícios e cargos públicos da capitania.
Este ensaio de feudalismo não vingou. Decaiu com o sistema de colonização que
o engendrara, e com ele desapareceu sem deixar traço algum de relevo na formação
histórica do Brasil. Em 1549, com a instituição do governo geral, começa o resgate pela
Coroa das capitanias doadas. Neste mesmo ano é recuperada a Bahia, que seria a sede do
novo governo.
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Toda esta população que se comprime nos grandes domínios vive, como
notamos, na mais completa dependência dos senhores rurais. A grande exploração agrícola –
única que se pode estabelecer – absorve toda a economia colonial; monopoliza por
conseguinte os meios de subsistência e subordina assim a massa da população – já sem
contar a escrava, naturalmente ligada aos senhores por sua condição servil – aos grandes
proprietários rurais.
Segue-se daí para estes, na ordem política, um poder de fato que ofusca a
própria soberania teórica da Coroa. Até meados do séc. XVII pode-se afirmar que a
autoridade desta somente se exerce efetivamente dentro dos estreitos limites da sede do
governo geral. Mantinha ela na colônia apenas uma administração rudimentar, o
estritamente necessário para não perder com ela todo contato, e atendia a seus pedidos com
a relutância e morosidade de quem não se decide a fazer grandes gastos com o que não lhe
pagava o custo. Via-se por isso a administração colonial desarmada, a braços com a
turbulência e arrogância dos colonos. Como alcançar através de tão extenso território estes
vassalos desobedientes, que isolados nos seus domínios e cercados de sua gente, não
trepidavam em receber com a força os funcionários da Coroa acaso mandados para refrear-
lhes os excessos e desmandos sem conta? Que maior autoridade podiam nestas condições
exercer governadores e capitães-mores? Não raro por isso fechavam os olhos a toda sorte de
abusos que não tinham forças para reprimir ou castigar. Intervinham junto aos colonos
quando muito como seus aliados nas empresas contra o gentio ou na sua opressão da
população inferior. Deixavam-lhes no mais carta-branca para agirem da forma que melhor
entendessem.
Compreende-se aliás tal atitude passiva da metrópole. Coincidiam perfeitamente
seus interesses nestes primeiros anos da colonização com os das classes dominantes na
colônia. Eram elas que desbravavam o território – ou faziam-no desbravar – conquistando-o
palmo a palmo aos indígenas e aventureiros de outras nações que aqui se instalavam; eram
elas que o valorizavam e exploravam em busca de pedras e metais preciosos, que tanto
fascinavam a Coroa. E faziam tudo isto por conta e risco próprios, não concorrendo a
metrópole senão nos possíveis proventos, que sob a forma dos dízimos e dos quintos reias
reservava para si.
Tais circunstâncias condicionaram a estrutura política da colônia. São elas que
explicam a importância das Câmaras municipais, que constituem a verdadeira e quase única
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