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pov suü mútua ret)vesentação lute'r%a, que se +n'opõe eocPtícita ou implicitamente
uma ZarP$a gue se consfifuí sua./inanidade" (Pichón-Riviêre) .
Em qué pesem algumas diferenças, chamam-nos a atenção certas
constantes nas definições encontradas: o grupo é um intermediário entre o
indivíduo. e a sociedade; o grupo é um todo; é uma estrutura, é uma unidade,
é um obÚeto de investigação. Entre um transcendentalismo psicologizante e
um tecnicismo cientiHlcista o grupo mantém-se sobretudo como unidade
abstrata pairando acima dos indivíduos que o compõem. Entretanto, assim
dizendo, poderia parecer que estaríamos destacando os indivíduos como
algo pouco visto nos grupos, reivindicando para eles lugar especial.
Nossa perspectiva é bem outra. Alternar o olhar sobre o grupo,
tomado como outro ser, para o indivíduo como elemento básico desta
:unidade maior", em nada mudaria, pois apenas estaríamos virando a
moeda de lado. Em ambas as faces o que encontramos são unidades, todos
irredutíveis à suas partes, indivíduos enfim.
Este modo de apreensão dos grupos responde certamente a um
mesmo modo de subjetivação, presente desde pelo menos o século XVl11,
quando ganha força "0 indivíduo" como dominância de expressão da
subjetividade. Este modo, composto também por linhas diversas -- o
liberalismo político ascendente; o romantismo valorizador das expressões
de "cada um"; o êxodo de grande parte da população do campo para a
cidade e a instauração de uma nova utilização do corpo nas relações de
trabalho; a mudança nas relações entre o domínio público e o privado; a
criação de novos equipamentos sociais, difusores de ideais da burguesia
ascendente, etc. -- passa a se apresentar em diferentes práticas sociais
produzindo objetos e sujeitos conformes a este mesmo modo. Dessa forma,
encontraremos os diferentes saberes recortados por este "modo-indivíduo
Apenas para ilustrar um pouco mais nosso tema, destaquemos a conhecida
polêmica do final do século XIX entre a corrente mentalista e a nominalista
na tentativa de explicar o que determinava os comportamentos humanos.
Seria a sociedade o determinante em última instância, como queriam fazer
crer os primeiros, ou o indivíduo, como o queriam os segundos? De
qualquer maneira, em uma ou na outra concepção, o que insiste é uma
visão una e total de de6lnir tanto A sociedade, quanto O indivíduo.
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Esta marca sobrecodificadora entranha as diferentes práticas
constituindo objetos e sujeitos à sua imagem e semelhança. Foi assim
também com relação ao grupo. Como seus antecessores, ele acabou por
ser também, como pudemos constatar nas definições acima, mais um
indivíduo.
Se tomarmos para nós uma ./ilosc#a dos dásPosifáuos, eis aqui um
primeiro aspecto do qual se desfazer -- o lugar do universal, do invariável.
Quando se fala de "0 grupo" estamos querendo extrair daí uma invariância.
A invariância diz respeito a uma certa abstração, a um axioma separado
dos movimentos que o produziram, a coordenadas que se destacaram dos
processos de constituição de um obÜeto. Este, por sua vez, ao se ver separado
do sujeito que o olha, oferece-se ao conhecimento como um dado a ser
observado, explicado ou compreendido. A relação de conhecimento, neste
caso, se dará por submissão do obÜeto ao sqeito que irá conhecê-lo. Isto
supõe a separação entre dois polos: um ser-substância-cognoscente e um
ser:conteúdo-a-ser-conhecido, sendo o primeiro um continente de todas as
modalidades possíveis de existência. Os seres assim concebidos -- tanto o
sujeito, como o obÚeto -- são totalidades-em-si. Quando se admite a primazia
do sujeito sobre o obÜeto, o que será privilegiado são sistemas hierarquizados
caos canais de transmisssão estão pré-estabelecidos. Ê sempre algo fora da
relação entre os seres que lhes dará significado (Deus, em Descarnes; a
Razão, em Kant) , uma transcendência, sem dúvida. Além disso, a relação
de conhecimento, o contato entre os seres, se dará numa procura infinita
dos fundamentos e das origens, algo que por flm explique como tudo
começou e para onde vai tudo aâinall É o caminho de uma história que se
traça, aquela que com fatos se constrói. O grupo, quando parte desta lógica,
é mesmo este obÜeto de que falávamos acima. A esta lógica chamamos mo-
lar porque apreende os objetos em seu estado já constituído.
Um grupo, entretanto, pode não ser visto apenas em sua configuração
molar. Ele é um composto, um emaranhado de linhas. Aqui vamos nos
servir da leitura de Deleuze sobre Foucault quando destaca como parte de
qualquer dispositivo quatro tipos de linha: a de visibilidade, a de enunciação,
a de força e a de subÜetivação. Vejamos como isto se dá nos grupos
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As linhas de visibilidade e as de enunciação
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múltiplas direções. Rachar as palavras, rachar as coisas, rachar o grupo
para pegar as coisas por onde elas crescem, pelo meio.
As linhas de força
As linhas de subjetivação
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uma produção de subÜetividade, num dispositivo: ela deve se fazer, para
que o dispositivo a deixe ou a torne possível..."(Deleuze, 1988).
Deleuze pergunta se as linhas de subjetivação não seriam a borda
extrema de um dispositivo, delineando a passagem de um dispositivo a
outro. Entendemos que a ação do dispositivo aqui se apresenta em seu
maior grau de intensidade franqueando limiares variados de
desterritorialização nos modos dominantes de subjetivação. Para nós o
dispositivo-grupo pode incidir exatamente onde a linha de subÜetivação-
indivíduo prevalece. Vejamos como isto se dá numa experência grupal.
Um primeiro destaque é que no trabalho grupal estabelecem-se
conexões não apenas entre pessoas diferentes, como tambêm entre modos
de existencialização diferentes. Isto cria um vasto campo de confrontos, de
interrogações, que se propagam criando fossos onde antes estava cimentado.
Muitos diriam que isto não é exclusivo de um grupo e que não há garantias
que isso possa aí se dar. E verdade. Mas é verdade também que as falas
portadoras de cristalizações, os afetos congelados em territórios fechados,
quando acionados pelo dispositivo grupal se vêem na adjacência de uma
inquietação podendo, se intensificados, se deslocar do lugar naturalizado
a que estavam remetidas. Explico-me um pouco mais. O estar frente a outros
pode disparar movimentos inesperados porque é o desconhecido - não só
enquanto experiência, como também enquanto modo de experimentar -
que passa a percorrer as superfícies dos encontros. O sentido de outro,
aqui, é tanto o de outra pessoa - nível molar-, quanto o de outrem - nível
molecular. Outrem é composição de linhas que desenham movimentos
imprevisíveis possibilitando a captação de um mundo das margens, de
perturbação, que arrasta o pensamento do atual ao impensado. Outrem
não é nenhum objeto/sujeito particular. Outrem é multiplicidade, é
coletivo. Entre essas duas dimensões - a molar e a molecular-, há montagens
recíprocas, estabelecem-se correlações necessárias para a construção
permanente do real social. O plano molar recorta o molecular e este não
para de o atravessar. Ejusto no encontro dos dois planos - o primeiro que
codifica e generaliza e o segundo que cria e comporta variações-, que os
embates se dão, que as linhas se entrecruzam, se infiltram. Ê esta mistura
que faz com que os agenciamentos se multipliquem, produzindo
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singularizações. Sempre haverá linhas de subjetivação disponíveis que
flutuam dependendo da composição de forças em jogo. As linhas de
subÜetivação, como processo que são, se fazem no dispositivo para que ele
as mantenha ou as descarte. Assim, linhas de subjetivação menores, parciais,
poderão se fazer no dispositivo-grupo desmanchando o modo-indivíduo.
Foucault (1991) .lá nos alertou que o "que é preciso é 'desindividualizar
pela multiplicação e pelo deslocamento, pelo agendamento de
combinações diferentes. O grupo não deve ser o elo orgânico que une
indivíduos hierarquizados, mas um constante gerador de
desindividualização". O contado com o outro e outrem pode destituir o eu
de seu lugar emanador e sobrecodi6lcador.
Em nossa experiência com grupos temos observado que o
"experimentar ouvir o outro" irradia uma experimentação de ouvir outros
outros modos de existencialização, outros contextos de produção de
subjetividades, outras línguas para outros afetos, outros modos de
experimentar. Impõe, além disso, um deslocamento de espaço de vivência
das angústias, fundamentalmente experimentadas como individuais. Poder
penetrar no campo dos fluxos, acompanhar seus agenciamentos, sempre
coletivos, permite-nos intervir por remetimento a esta ordem coletiva/
múltipla e não aos "sujeitos", seus fantasmas e histórias privadas. Isto vai
criando o contato com os outros-de-si, prê-individualidades ainda informes,
vão se abrindo canais de contado com o coletivo que somos.
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mesma camisa", o do "vale a pena cada um abrir mão de algumas reivindicações
para que todos usuâ'uam das conquistas que agora serão de todos:
Sem dúvida caberia uma analise detalhada situando historicamente
esta tática travestida de novidade de exploração da mais valia. Queremos,
entretanto, apontar para o mecanismo sutil e potente de instauração de
uma sobreimplicação do trabalhador.
A sobreimplicação ê "a ideologia n07mafiua do soózefruóaZÀo, da necessidade
de á7npZácar-se " (Lourau,1990) . Uma das pontas da sobreimplicação é a ilusão
participacionista, um atavismo que quando analisado parte-se em
passividades obturadas em seu potencial criador. A sobreimplicação é a
exigência não mais apenas de um corpo docilizado, mas de uma
subjetividade serializada ansiando por mais identificação com as
organizações e as instituições que Ihe exigem um suplemento de valor. A
sobreimplicação é o regime no qual a "Q.ualidade total" conforma o
dispositivo-grupo como aliado em seu prqeto de instalar um "nós" que
vem carregado de uma pasteurização que homologa o modo-indivíduo.
Os rituais de avaliação constantes, periódicos, vão muito além da
:recompensa" por um bom desempenho, incidem nos processos de
constituição/manutenção de subjetividades ressecadas de vigor,
vampirizadas em sua capacidade criadora.
Eis aí um exemplo de como os dispositivos têm que ser pensados em
sua imanência com os regimes que o connlguram, convocam e que são ao
mesmo tempo por eles constituídos.
Queremos o dispositivo-grupo podendo se fazer anczZífáco, aquele que
não nega a molaridade dos modos de funcionamento, mas põe a funcionar
outros modos, inventa fugas, penetra no plano molecular de constituição
de outras formas. E daí que o singular ganha expressão, emergindo do
coletivo-multiplicidade, convidando as identidades ao mergulho na agitação
das diferenças.
Pensar o dásPosãláuo é pensar l:abafos, é se aliar à ação/criação, é montar
situações que articulem elementos heterogêneos acionando modos de
funcionamento que produzirão certos efeitos.
Se são a novidade e a criatividade que definem um dispositivo, dando
capacidade dele próprio se transformar, pelo composto de linhas que é,
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ele poderá ser diminuído de intensidade em suas linhas mutantes e abortar
em sua potência de heterogênese. Nestes casos ele terá perdido o detalhe,
o eventual, em nome novamente da totalidade.
Referências bibliográficas
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CADERNOS DE susJETivinAnE