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1. INTRODUÇÃO CONCEITUAL E NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DA DISCIPLINA

Os motivos do estudo da História para a constelação do Direito segundo Bruno Albergaria:

Segundo Bruno Albergaria, o ser humano é um ser essencialmente histórico. Uma das
grandes diferenças entre nós – Homo sapiens – e os animais irracionais é a capacidade de recordar,
via linguagem, os fatos da vida. Assim, sabemos de coisas que sequer vivenciamos: apenas por
ouvirmos contar. Com isso, aprendemos ou desaprendemos; porém, transmitimos, de forma
consciente, as nossas experiências. Com efeito, mesmo as Histórias não contadas ajudam a nos
formar como seres humanos.

Fala-se que “ninguém é uma ilha”. Isto é, estamos ligados uns aos outros e aos nossos
antepassados. O que nos liga aos outros é a linguagem; o que nos liga aos nossos antecedentes é a
tradição, ou seja, o que nos foi transmitido. Nada seríamos sem o trampolim da História, contada ou
não. A História não contada é inconsciente, nem temos a percepção de sua importância na nossa
formação; porém, indubitavelmente atua de forma inconteste na construção do mundo atual. A
História contada nos dá a clarividência do que nos tornamos. É luz; ilumina o caminho que
percorremos. Mostra, como os erros e acertos já vividos, o que devemos – ou deveríamos – ser.

Os animais irracionais podem até transmitir um “saber fazer” através de suas gerações. Mas
esses animais têm somente instintos, como o caso de uma formiga que, ao nascer, sabe-se lá como,
aprende a fazer e estabelecer relações em um complexo formigueiro. Todavia, não tem percepção
dessa transmissão de Know how. Nós, humanos, temos, e isso faz toda a diferença. Somos, ao
mesmo tempo, observadores e atores da história. Temos consciência, ou seja, sabemos da
importância dos fatos em nossas vidas e, munidos desses conhecimentos, tentamos modificar tudo
aquilo que não nos agrada ou que simplesmente achamos que podemos fazer melhor. Por isso,
devemos ouvir as Histórias.

Mas, podem perguntar os jovens de hoje: “para que ouvir as Histórias de tempos tão antigos,
se a modernidade de hoje é tão marcante e voltada para o futuro? Não será perda de tempo?” A
resposta é: não, de forma alguma. Afinal, somos fruto dessas Histórias, queiramos ou não. Dessa
forma, a modernidade de hoje é fruto de “algo” que aconteceu no passado que nos propiciou, em
nossa Era, a sermos tão científicos, modernos e futuristas.

Antigamente, o português fazia diferença na referência das palavras “História” e “estória”.


Aquela era registrada, acontecida, real, oficial; esta, inventada, imaginada, criada, livre. Talvez pela
descoberta da impossibilidade de saber o que é inventado e o que realmente aconteceu os léxicos
preferiram unir as duas Histórias e deixaram-nas oficialmente com “H”. Depois da reforma
ortográfica, para alegria dos alunos de segundo grau, qualquer História é oficial, nada é inventado
(ou será que perceberam que mesmo nas Histórias oficiais tudo é inventado e resolveram deixar
essa História de lado?).

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Para alguns filósofos, a História é como se fosse uma linha reta, em direção ao desenvolvimento
uniforme – mesmo que ás vezes tenha alguns tropeços nessa evolução – rumo a um estado sempre
mais perfeito. Em linguagem metafórica, diz-se o trem da História, como se História andasse em
algum trilho imaginário rumo ao desenvolvimento. À primeira vista, fazendo uma análise das
ciências exatas, pode-se deixar induzir por essa ideia. Afinal, ninguém duvida que oHomem está em
franco desenvolvimento tecnológico cientifico: do domínio do fogo, da criação da roda, do carro, do
avião, dos foguetes, dos voos espaciais, da chegada do homem à lua e do projeto de ir à Marte; das
ferramentas primitivas às mais novas tecnológicas robóticas; das primeiras inscrições nas cavernas
à internet; das fundições primitivas da idade dos metais às modernasmineradoras.

Enfim, até mesmo em nossas vidas percebemos, a cada dia, um crescente desenvolvimento
científico que ninguém sabe onde vai parar; se é que em algum dia a ciência se estabelecerá. Muitos
aprenderam a utilizar os teclados nos cursos de datilografia; a internet é um fenômeno de pouco
menos de 20 (vinte) anos. Hoje, ninguém imagina como seria a vida sem o windows, o e-mail, os
browsers de navegação, o Google. Vinte anos, em termos históricos, é insignificante. Nunca, na
História da humanidade, a aceleração do tempo foi tão sentida.
Mas fica uma dúvida: será que as Ciências Sociais também acompanham esse
desenvolvimento? Será que a humanidade, enquanto ser histórico-social, também se desenvolve em
linha reta sempre em rumo ao desenvolvimento? Ou será que às vezes as evoluções sociais ficam
estacionadas no tempo, quiçá não retrocedem? Frequentemente, os pensadores se debruçam sobre o
tema, mas ainda não se tem uma resposta definitiva.
Hegel e Marx, dois grandes pensadores modernos, afirmavam que o progresso social é uma
das características humanas. A História, cada qual dentro de sua perspectiva, seria um elemento que
induziria o Homem ao seu desenvolvimento certo, como se fosse um plano racional a ser
implementado aos poucos. Por essa visão, é comum inclusive falar em “infância, adolescência, fase
adulta e velhice da História dos povos”.
Há pouco tempo, um autor norte-americano, Francis Fukuyama, chegou a proclamar,
inclusive, que o “fim da História” tinha chegado. Defendia que o capitalismo e a democracia,
juntos, formariam o sistema social mais perfeito que o Homem pode inventar. Por isso, nada mais
de novo deveria acontecer na visão das Ciências Políticas.
Contudo, para outro pensador alemão, Schopenhauer, a História não é linear. Ele aduz que a
História apenas nos fala da vida dos povos e que só sabe nos contar sobre guerras, revoltas e
sofrimento. Assim, continua Shopenhauer, a vida de todo indivíduo é uma contínua luta, não apenas
uma luta metafísica, com a necessidade de se vencer o tédio (diário); mas uma luta real com os
outros indivíduos. A cada passo, encontra-se com o adversário, vive uma guerra contínua e,
finalmente, morre. Dessa forma, a História seria um acaso cego, sem previsão. O progresso social
seria, apenas, uma ilusão.

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O escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez, ganhador do prêmio Nobel de Literatura,


principalmente pelo seu livro Cem anos de solidão, descreve, em forma de realismo fantástico, a
História de uma pequena cidade – Macondo. Nessa cidade do interior, apesar de acontecerem
revoltas, guerras, bem como toda a evolução tecnológica, percebe-se, na verdade, que nada
acontecia de novo nos cem anos em que se passam o romance; inclusive o leitor é induzido a se
perder na própria árvore genealógica da família principal do livro. Dessa forma, Gabriel Garcia
Márquez entende que a História não é linear, mas cíclica, repetitiva, que não muda, como se fosse
um movimento aspiral infinito, apesar do desenvolvimento tecnológico.
Certo é que para entendermos quem somos, como pensamos e sentimos, é necessário, como
já dito, que tenhamos consciência da nossa História, do nosso passado. E assim, quem sabe,
podemos antever um pouco o nosso futuro. Devemos aprender com a História o que o Homem já
fez e deu certo para repetir esses atos. E devemos aprender o que deu errado e tentar evitar esses
erros. É óbvio que quem não conhece a História pode continuar repetindo os mesmos erros e
esquecer os acertos. Sem a transmissão do conhecimento, nunca haverá qualquer tipo de
desenvolvimento.
Importante destacar que o Direito é a própria História da nossa humanidade. Não há como
separar os dois elementos. Apesar de a História poder ser vista por várias facetas, tais como pelas
artes, pela culinária, pela filosofia, pela medicina, pelo desenvolvimento científico e tecnológico, é
justamente pela noção jurídica dos povos que se tem uma correta interpretação do mundo pretérito e
de cada cultura.
Assim, a ideia primeira, ao se iniciar a elaboração desta pesquisa, era apenas contar a
História do pensamento jurídico. Porém, pelo desenvolvimento do trabalho, foi-se percebendo que a
História do homem é, indefectivelmente, uma História do mundo jurídico, isto é, uma História do
Direito.
Portanto, o que ser pretende fazer na presente obra não é contar apenas o Direito passado,
mas como nós nos tornamos o que somos hoje através do estudo do Direito de outrora.
Dessa forma, o conhecimento da História serve para nos revelar e iluminar o nosso caminho
para o futuro. Ao compreendermos como nos formamos, poderemos tentar nos entender melhor e,
assim, construir um futuro melhor. Ou seja, só através do conhecimento da nossa História, como os
seus erros e acertos, poderemos caminhar para o desenvolvimento social previsto por Marx e Hegel.
Sem o conhecimento do passado as sociedades andam ermas, podendo sempre repetir os mesmos
erros, como previu Schopenhauer.

Ademais, pelo estudo da História, percebe-se que o homem passou quase dezoito mil anos
de sua existência vinculado à terra, tendo como única fonte de renda a agricultura e pecuária; assim,
quem possuía a terra detinha o poder econômico e político. Depois, com o surgimento do
capitalismo mercantil, deslocou-se o poder econômico para aqueles que praticavam o comércio em
larga escala. O que fomentou, inclusive, as Grandes Navegações, que acabaram por fomentar a
colonização das Américas.

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A partir daí o capitalismo mercantil se desenvolveu para o capitalismo industrial e o país que
detinha mais indústrias era o mais desenvolvido. Dessa formam, os Estados unidos, com um parque
industrial sedimentado principalmente na indústria automobilística, atingiram o seu apogeu
econômico e político no século passado.

Hoje em dia, opera-se novamente um deslocamento do poder econômico. Não são mais as
grandes indústrias, modificadoras dos insumos em produtos manufaturados, que detêm as grandes
somas de dinheiro. O sistema econômico, e político, está concentrando-se cada vez mais nas ideias.
Vejam-se, por exemplo, as dificuldades enfrentadas pelas grandes montadoras automobilísticas e o
crescimento exponencial das empresas que vendem somente ideias.

Não sem razão empresas que sequer existiam há poucas décadas, hoje são o centro
gravitacional dos grandes investidores, tais como as já citadas Microsoft e Google, fazendo fortuna
em tempo recorde, como nunca se viu em toda a História da humanidade. Portanto,
indubitavelmente, a busca do conhecimento, ou seja, deixar de ser ignorante, é a matéria-prima mais
“cara” hoje em dia. Dessa forma, somente através do estudo da História do Direito e da Economia,
ou ainda, pelo estudo da História social, é que se pode notar os movimentos sociais, econômicos,
políticos e jurídicos que acontecem hodiernamente.
Portanto, não devemos apenas olhar para o passado de forma desinteressada do presente. De
nada adianta saber, se o conhecimento não for corretamente utilizado. Como afirmou Descartes,
conversar com a História de outros séculos é quase o mesmo que viajar. Naturalmente, é bom saber
alguma coisa dos costumes dos povos a fim de julgar melhor os nossos próprios hábitos. Mas,
quando dedicamos tempo demais a viajar, acabamos nos tornando estrangeiros em nosso próprio
país, ou pior, no nosso próprio tempo; de modo que quem é muito curioso nas coisas do passado, na
maioria das vezes, torna-se ignorante das coisas do presente. Pascal, outro grande filósofo,
coadunava com Descartes e afirmou, certa vez, que a História deve ser respeitada, mas não
venerada.

Assim, devemos ter sempre um olho para o nosso passado, para a nossa História, mas
sabendo que estamos com os pés no

Noções introdutórias da Disciplina História do Direito e do próprio Direito:

Visando ampliar o nosso conhecimento, mais precisamente sobre a análise do Direito, cabe
ressaltar que a palavra Direito, no sentido amplo, vem dos romanos e é a soma da palavra
DIS (muito) + RECTUM (reto, justo, certo, aquilo que não possui curvatura) significando o
que é muito justo, o que tem justiça e o que é muito reto. Já no sentido comum, o Direito é
conhecido como o “conjunto de normas para a aplicação da justiça e a minimização de conflitos
de uma dada sociedade”. (Flávia Lages de Castro)
presente e outro olho em direção ao futuro.

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A palavra Direito também advém do advérbio DIRIGERE que significa ordenar e organizar.
O ser humano é quem faz o Direito e é para ele que o Direito é feito.

O Jurisconsulto romano Ulpiano nos dá uma lição do que é o Direito, descrevendo que à
palavra advém de Ius, a qual provem de justitia, pois (retomando uma elegante definição de Celso)
“o direito é a arte do bom, do justo e do eqüitativo”, separando assim o justo do injusto e
distinguindo o lícito do ilícito.

O Direito Público diz respeito ao estado das coisas de Roma, enquanto os Direitos Privados,
relativos à utilidade os particulares, pois certas utilidades são públicas e outras, privadas. O direito
público consiste (nas normas relativas) às coisas sagradas, aos sacerdotes e magistrados. O direito
privado é tripartido: é, de fato, coligido de preceitos naturais, ou das gentes, ou civis.

FS VS N.J. FS: fatos e fen. sociais


VS: valor social
N.J.: normas jurídicas
Positiva Negativo

Essa necessidade do conhecimento do objeto, antes de uma análise de seus pontos, é a base
para a compreensão global do objeto de estudo de qualquer ciência

“Os direitos dos povos equivalem precisamente ao seu tempo e se explicam no


espaço de sua gestação”. (Jayme de Altavila)

A pesquisa histórica foi revolucionada nos últimos tempos. Trata-se de uma combinação de
história de eventos e de estruturas. Ex.: à história das práticas cotidianas, do imaginário social, das
mentalidades etc. Na tradição aberta pela escola francesa dos Annales.

“Não são as leis que formam uma sociedade, mas que estas (leis), históricas em si,
são feitas a partir do que uma sociedade pensa ou deseja de si”. (Flávia Lages de
Castro)

“O direito pode ser visto como ordenamento, isto é, como o conjunto de regras e leis
(estudar direito seria então estudar leis e princípios); pode ser visto como uma
cultura, um espaço onde se produz um pensamento onde se produz um pensamento,
um discurso e um saber; e pode ser visto como um conjunto de instituições, aquelas
práticas sociais reiteradas, as organizações que produzem e aplicam o próprio
direito”. (Lawrence Friedman)

O que efetivamente vale e obriga como direito? O costume ou a lei? Se o costume, a regra é
“quanto mais antiga, mais vale”. Se a lei, “a mais recente, mais revoga a anterior”.

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Onde buscar a hierarquia das fontes? Na constituição Federal ou na anterior Lei de


Introdução ao Código Civil, atualmente designada como Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro? Se nesta última, como entender que um tema de interesse geral – para o direito civil,
mas também para todos os ramos do direito – sendo tratada numa Lei de Introdução ao Código
Civil, hoje conhecida como Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro? E como explicar
ainda que nossa ferramenta básica a respeito de fontes de direito e conflito de leis seja um Decreto-
lei antes que uma lei propriamente dita?

Retornando ao nosso pensamento anterior, devemos nos indagar no sentido se historiar a


cultura jurídica é historiar o modelo literário, os gêneros, as inovações na exposição da matéria,
pois será que todos têm a mesma cultura? Será que todos entendem igualmente a importância do
sinal de trânsito e da faixa de pedestres? Nos séculos XVII e XVIII, pergunto, a quem os escritores
do direito citavam àquela altura e qual a sua coerência?

Neste sentido, existe um vastíssimo campo do saber a ser desbravado na disciplina jurídica a
que nos propomos estudar e aprender, pois estamos sempre reformando o Direito, inclusive ouso
dizer que no Brasil resta tudo por fazer, principalmente no que se refere ao campo particular da
História do Direito. Assim, buscar as respostas para tais questionamentos são importantes para a
compreensão do que é História, História do Direito e do próprio Direito em si.

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1.1. Conceito da história

O que é História?

Analisar a história não é algo fácil, tendo em que contar sobre algo é muito, muito
dificultoso. Não pelos anos que já se passaram, mas pela astúcia que têm certas coisas passadas.

A história só é história na medida em que não consente nem no discurso absoluto, nem na
singularidade absoluta, na medida em que o seu sentido se mantém confuso e misturado.

“A história é essencialmente equívoca, no sentido de que é virtualmente fatual


(episódica) e virtual estrutural”. (Paul Ricoeur, História e verdade)

A história é a memória da humanidade, sendo que a transformação é a essência da História,


e somente o ser humano pode executar tal tarefa.

“O estudo da História concentra-se no ser humano e a sucessão temporal de seus atos”.


(Marc Bloch)

“O homem se parece mais com seu tempo com seus pais”. (Professor Marc Bloch)

Plagiando o ditado árabe, poderíamos afirmar que o direito se parece com a necessidade
histórica da sociedade, que o produziu; é, portanto, uma produção cultural e um reflexo das
exigências dessa sociedade.

Para alguns filósofos, a História é como se fosse uma linha reta, em direção ao
desenvolvimento uniforme – mesmo que ás vezes tenha alguns tropeços nessa evolução – rumo a
um estado sempre mais perfeito. Para Gabriel Garcia Márquez entende que a História não é linear,
mas cíclica, repetitiva, que não muda, como se fosse um movimento espiral infinito, apesar do
desenvolvimento tecnológico.

Certo é que para entendermos quem somos, como pensamos e sentimos, é necessário, como
já dito, que tenhamos consciência da nossa História, do nosso passado. E assim, quem sabe,
podemos antever um pouco o nosso futuro. Devemos aprender com a História o que o Homem já
fez e deu certo para repetir esses atos. E devemos aprender o que deu errado e tentar evitar esses
erros. É óbvio que quem não conhece a História pode continuar repetindo os mesmos erros e
esquecer os acertos. Sem a transmissão do conhecimento, nunca haverá qualquer tipo de
desenvolvimento.

Importante destacar que o Direito é a própria História da nossa humanidade. Não há como
separar os dois elementos. Apesar de a História poder ser vista por várias facetas, tais como pelas
artes, pela culinária, pela filosofia, pela medicina, pelo desenvolvimento científico e tecnológico, é
justamente pela noção jurídica dos povos que se tem uma correta interpretação do mundo pretérito e
de cada cultura.

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Assim, a ideia primeira, ao se iniciar a elaboração desta pesquisa, era apenas contar a
História do pensamento jurídico. Porém, pelo desenvolvimento do trabalho, foi-se percebendo que a
História do homem é, indefectivelmente, uma História do mundo jurídico, isto é, uma História do
Direito.

Dessa forma, o conhecimento da História serve para nos revelar e iluminar o nosso caminho
para o futuro. Ao compreendermos como nos formamos, poderemos tentar nos entender melhor e,
assim, construir um futuro melhor. Ou seja, só através do conhecimento da nossa História, como os
seus erros e acertos, poderemos caminhar para o desenvolvimento social previsto por Marx e Hegel.
Sem o conhecimento do passado as sociedades andam ermas, podendo sempre repetir os mesmos
erros, como previu Schopenhauer.

Portanto, não devemos apenas olhar para o passado de forma desinteressada do presente. De
nada adianta saber, se o conhecimento não for corretamente utilizado. Como afirmou Descartes,
conversar com a História de outros séculos é quase o mesmo que viajar. Naturalmente, é bom saber
alguma coisa dos costumes dos povos a fim de julgar melhor os nossos próprios hábitos. Mas,
quando dedicamos tempo demais a viajar, acabamos nos tornando estrangeiros em nosso próprio
país, ou pior, no nosso próprio tempo; de modo que quem é muito curioso nas coisas do passado, na
maioria das vezes, torna-se ignorante das coisas do presente. Pascal, outro grande filósofo,
coadunava com Descartes e afirmou, certa vez, que a História deve ser respeitada, mas não
venerada.

Assim, devemos ter sempre um olho para o nosso passado, para a nossa História, mas
sabendo que estamos com os pés no presente e outro olho em direção ao futuro.

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1.1.1. Objeto da história

Devemos lembrar sempre que tudo o que fazemos traz o signo ou significado da história,
pois ela desempenhará o papel da desmistificação, ou seja, o eterno e ajudará a compreender que
vivemos no tempo da ação.

Existe um péssimo hábito de não nos darmos conta ou mesmo de tentarmos conhecer a
nossa história. Ela sobrevive inconscientemente entre nós, como tradição ou costume.

“Conhecer-se a si mesmo significa saber o que se pode fazer, sendo que o valor da
história está então em ensinar-nos o que o homem tem feito e, deste modo, o que o
homem é”. (Collingwood)

1.2. Conceito da história do direito

Neste momento devemos nos perguntar: O que é História do Direito? Quais pontos a
História e o Direito têm em comum? Qual o objetivo do estudo de História do Direito?

A História e o Direito têm algo em comum: o Homem, pois o homem é naturalmente


produtor de cultura.

Neste sentido, entende-se por cultura “o processo pelo qual o homem acumula as
experiências que vai sendo capaz de realizar, discerne entre elas, fixa as de efeito favorável e, como
resultado da ação exercida, converte em ideias as imagens e lembranças”. Isto é, tudo o que o
homem produz faz parte da cultura do homem.

Segundo Marc Bloch, “O tempo verdadeiro é por sua própria natureza um contínuo. É
também mudança perpétua”, pois fomos precedidos por gerações diferentes de nós e seremos
sucedidos por gerações diferentes de nós.

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“Historiar a cultura jurídica é historiar o modelo literário, os gêneros, as inovações


na exposição da matéria”. (José Reinaldo Lopes)
“A história do direito visa fazer compreender como é que o direito atual se formou e
se desenvolveu, bem como de que maneira evoluiu no decurso dos séculos”.
(Gilissen)

Neste sentido, verifica-se que a História do Direito volta a ter um lugar nos cursos jurídicos
depois de várias décadas de abandono. A razão de ser deste interesse renovado creio que vem da
situação de mudanças sociais pelas quais passa a nossa sociedade neste início de século, pois cabe
ressaltar que é “em tempos de crise, uma sociedade volta seu olhar para o seu próprio passado e
ali procura por algum sinal”. (Octavio Paz)

A referida disciplina encontra-se atualmente no rol maior das cátedras tidas como basilares à
formação jurídica de seus bacharéis em Direito.

É fato que a História do Direito foi uma disciplina desprestigiada por grande parte das
academias brasileiras, apesar de seu papel primordial na construção do saber jurídico de nossos
bacharéis.

Tornou-se necessário que a afortunada Resolução nº 9, do Conselho Nacional de Educação,


datada em setembro de 2004, viesse formalmente, a ensejar a inclusão de temas relacionados, agora
não somente à Introdução do Direito, Filosofia, Sociologia e Ciência Política, mas também à
Antropologia, Psicologia e História.

Segundo Michel Villey: "Alguns estudantes acham que falta ao nosso ensino algo de
fundamental. Não sabemos bem o que encontraremos, nem em que se fundam nossos
conhecimentos; para onde vamos e de onde partimos. Faltam o fim e os princípios. É como se nos
explicassem o guia das estradas de ferro sem nada nos dizer do destino da viagem, nem da estação
de partida".

Existem grandes especialistas dedicados a investigar tópicos extremamente específicos da


História do Direito, tais como o "Direito Arcaico" e os chamados " Direitos cuneiformes".

Algumas mudanças derivam de grandes transformações no papel do Estado na sociedade:


Um Estado liberal cede seu lugar a um Estado intervencionista. Outras mudanças derivam da
irrupção (invasão súbita e impetuosa = correria) de massas marginalizadas em toda parte.

A História do Direito é uma disciplina jurídica autônoma que se destina a estudar as


diferentes dimensões culturais assumidas pelo fenômeno jurídico através dos tempos, investigando,
para tanto, o significado da gênese e do caso das instituições jurídicas fundamentais entre os seus
inúmeros artífices.

O grande desafio do profissional versado na matéria de História do Direito talvez seja


explicar as múltiplas conexões estabelecidas sob o império da legalidade, temporalmente buscando
o seu lastro na ascensão e na decadência das diversas civilizações no decurso dos séculos.

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1.2.1. Objeto da história do direito

Nossos estudantes se mostram sempre cheios de expectativas que deveriam ser nutridas e
jamais desestimuladas por atos de negligência ou omissão por parte de profissionais que visam
transmitir conhecimento, e é por este motivo que ressalto a importância do estudo da História do
Direito.
A história do Direito é primordial para o estudante de Direito na medida em que o auxilia na
compreensão das conexões que existem entre a sociedade, suas características e o direito que o
produziu, “treinando o acadêmico do curso de Direito” para uma melhor visualização e
entendimento do próprio direito em si.

Neste sentido, devemos lembrar que o valor do estudo da História do Direito não está em
ensinar-nos tão somente o que o direito tem “feito”, mas o que o direito “é”. Assim, podemos
pensar de fato em uma História do Direito. Não com um olhar descritivo sobre leis do passado que
parecem ter surgido do nada, mas a partir do caráter, intenção e noções de moral e objetivos dos
povos que acharam por bem escrever suas normas.

Segundo o autor Rodrigo Arnoni Scalquette, quando construímos uma casa é importante
fazermos um bom alicerce com ferro e concreto para depois edifica-la. Da mesma forma serve a
História do Direito para o curso de Direito. Para chegarmos às disciplinas tradicionais, como o
Direito Civil e Direito Penal, há necessidade de fazermos um bom alicerce, e esse alicerce é dado,
dentre outras disciplinas, pela História do Direito.

Sob a ótica terminológica, a História do Direito já recebeu diversas nomenclaturas, como


por exemplo: “História do Pensamento Jurídico”, “Evolução Histórica do Direito” ou mesmo
“Introdução Histórica do Direito”, contudo, seu objeto é único, pois a referida disciplina é
responsável por avaliar as muitas transformações ocorridas no seio das sociedades segundo o viés
do Direito.

A História do Direito nos ensina que o Direito não surgiu espontaneamente, mas sempre
esteve condicionado a incontáveis ordens da realidade, nunca estáticas, mas dinâmicas, e que se
alternam conforme estáticas, mas dinâmicas, e que se alternam conforme igualmente se modificam
outros inumeráveis fatores que a vida continuamente proporciona.

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1.2.2. As tarefas da história do direito

Dentro de uma conceituação e justificabilidade do estudo da História do Direito, poderíamos


mencionar que a História do Direito é a disciplina jurídica autônoma que se destina a estudar as
diferentes dimensões culturais assumidas pelo fenômeno jurídico através dos tempos, investigando,
para tanto, o significado da gênese e do ocaso das instituições jurídicas fundamentais entre os seus
inúmeros artífices.

O grande desafio do profissional versado na matéria da História do Direito talvez seja


explicar as múltiplas conexões estabelecidas sob o império da legalidade e temporalmente,
buscando o seu lastro na ascensão e decadência das civilizações no decurso dos séculos.

1.2.3. Relação da História do Direito com as demais disciplinas jurídicas:

Em linhas gerais, pode-se dizer que a Filosofia do Direito, a Introdução ao Estudo do Direito
e a Sociologia Jurídica possuem correlação direta com os pressupostos oferecidos pela História do
Direito. As duas primeiras pelo fato de que se propõem a investigar a própria razão de ser do
fenômeno jurídico e a essência teórica do universo normativo. A terceira, pela tentativa de adequar
o papel exercido pelas regras de conduta no contexto social e sua utilidade nesse mesmo ambiente.

“O Direito, além de filosófico e sociológico, é também histórico”. (Benedito Hespanha)

Dentro das disciplinas que podem ser consideradas eminentemente históricas nos possuímos
o Direito Romano e o Direito Canônico.

Tanto o Direito Romano, como o Direito Canônico, são duas disciplinas que se caracterizam
por serem eminentemente históricas. Também devemos ressaltar a importância da Antropologia
Jurídica, a qual cuida, em sua essência, de investigar as mais remotas manifestações do fenômeno
jurídico. A Antropologia Jurídica revela-se de capital importância para o conhecimento da chamada
"gênese" do Direito.
Portanto, para o conhecimento da História do Direito, assim como para o conhecimento do
próprio Direito, devemos buscar conhecer várias outras disciplinas e ciências, como: A sociologia, a
filosofia, a Dogmática Jurídica, a hermenêutica jurídica, a teologia, a psicologia, a medicina legal,
dentre muitas outras.

A Antropologia Legal e o estudo dos Direitos primitivos: as Escolas Europeias

Cabe a Antropologia Legal o papel de delimitar os conhecimentos relativos ao estudo dos


Direitos primitivos.

Sir Henry Sumner Maine (1822-1888) é considerado o "Pai da Antropologia Legal".

A França, Inglaterra e Holanda eram consideradas as potências coloniais do século XlX. Na


atualidade, a Escola de Antropologia Legal norte-americana é umas das mais respeitadas do mundo.

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A Antropologia Legal na América Latina

Nenhum outro país da América Latina se destaca tanto quanto o México no campo da
Antropologia Legal. Na Argentina, no Brasil, no Paraguai e no Uruguai são praticamente
inexistentes obras de Antropologia Legal, principalmente no mercado editorial brasileiro.

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1.1.1. Analise do quadro cronológico entre a cultura e o direito:

Ano Cultura Direito


2.340 a.C. Código de Urukagina ou Uruinimgina
2.100 – 2.040 a.C. Código de Ur-Nammu
1.930 a.C. Código de Eshnumma
1.700 a.C. Código de Hammurabi
621 a.C. Reformas legislativas em Atenas
594 a.C. Constituição de Sólon (Atenas) – abolição da servidão por
dívidas
508 a.C. Reforma de Clístenes (Atenas)
450 a.C. Lei das XII Tábuas
390 a.C. Perda do texto da Lei das XII Tábuas
326 a.C. Lex Poetelia (fim da servidão por dívidas)
286-7 a.C. Lex Aquilia (responsabilidade extracontratual)
(…)
44 a.c. Tópicos de Cícero
Anno domini
117 d.C. Era da jurisprudência clássica: Pompônio, Paulo, Papiniano,
Ulpiano, Gaio, até 228 (morte de Ulpiano) Modestino
313 d.C. Edito de Milão
410 / 425 d.C. Escola Jurídica de Constantinopla
506 d.C. Código Alarico
530 d.C. Código de Justiniano
533 d.C. Digesto de Justiniano (publicado)
554 d.C. Justiniano manda aplicar sua legislação na Itália
1140 d.C. Decretum (Graciano)
1189 d.C. Policratius de João de Salisbury
1215 d.C. Magna Carta (Inglaterra)
1224 d.C. Morte de Francisco de Assis
1225 d.C. Nascimento de Tomás de Aquino
1240 d.C. Tradução da Ética, de Aristóteles
1252 d.C. Inocêncio IV admite a tortura na inquisição
1265 d.C. Nascimento de Dante Alighieri
(1321)
1348 d.C. Peste negra
1446 d.C. Ordenações do Reino (Afonsinas)
1478 d.C. Inquisição espanhola

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1531 d.C. Inquisição portuguesa


1545 d.C. Concílio de Trento
1603 d.C. Ordenações Filipinas
1696 d.C. Primeiro Juiz de fora no Brasil, Bahia
1827 d.C. Cursos jurídicos

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1.1.2. Questões de método na disciplina de História do Direito:

Um dos elementos indispensáveis no historiador é certamente a estranheza, o estranhamento,


os quais não podem ficar confinados na esfera das curiosidades. Papel legitimador do status quo –
papel crítico e uma expressão mais neutra.

a) metodologia doutrinária:

1ª– Suspeita do poder: Seu objeto é sempre um elemento do poder, o exercício da


autoridade formalizada pelo direito.

2º– Suspeita do romantismo: A história do direito que se fez antes foi uma história
romântica. Ex.: Escola histórica de Savigny, pois Savigny no começo do século XIX,
tinha como propósito claro combater as pretensões dos legisladores alemães que se
inspiravam no Código Civil Francês. Ele rejeitava a um só tempo o afrancesamento do
direito dos povos de línguas alemã e a elevação da lei ao caráter de fonte primária do
Direito. Dizia ele, deveria contar o “espírito do povo”, então caberia aos professores
falarem em nome do povo.

Savigny é exemplar de um modo de fazer história e de um modo que mostra como a


disciplina está sempre envolvida em alguma situação de poder, mesmo que apenas
poder cultural e das ideias. Neste sentido, busca este aparentemente resgatar o espírito
do povo (popular), nacional (porque acredita que não é o próprio povo
democraticamente quem decide o seu direito, mas os professores que são capazes de
desentranhá-lo das práticas costumeiras).

3º– Suspeita das continuidades: “O tempo verdadeiro é por sua própria natureza um
contínuo. É também mudança perpétua”, pois fomos precedidos por gerações diferentes
de nós e seremos sucedidos por gerações diferentes de nós. (Marc Bloch)

A história pode nos mostrar-nos que as coisas nem sempre foram assim, por exemplo,
na segunda metade do século XIX, quando os juristas debatiam sobre a abolição, o tema
proeminente do debate era o direito de propriedade dos senhores. A Constituição
Imperial, entre os direitos individuais inalienáveis, registrava o direito de propriedade:
Como então abolir a escravidão sem indenizar os senhores pelo seu “direito adquirido”?
E no que se refere ao fim do patriarcalismo que quer dizer alteração completa das
relações entre os gêneros (sexos) e que estabelece novas formas de interação familiar.

4º– suspeita da ideia de progresso e evolução: Devemos ter cuidado diante das concepções
organicistas e evolucionistas. O futuro é contingente e aberto. Com vai ser ele?
Devemos imaginar que o nosso presente é um puro desenvolvimento evolutivo e natural
do passado que nos precedeu.

O tema moderno da evolução e do progresso – não se constitui senão quando se decide


só conservar da história aquilo que pode ser considerado como a acumulação de algo

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adquirido.

Na busca pela analise histórica devemos observar a valorização das particularidades, a


valorização da vida material, as quantificações, percepção de rupturas, percepção de
continuidades, etc.

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Referências Bibliográficas

Bibliografia Básica

GLASENAPP, Ricardo (Org.). Introdução ao direito. 2 ed. São Paulo: São Paulo : Pearson, 2019.

(Biblioteca Virtual Universitária - Pearson) ISBN: 9788570160423

Bibliografia Complementar

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2017. (Biblioteca Física

ISCON – 2 exemplares)

MEZZOMO, Clareci. Introdução ao direito. São Paulo:Educs, 2011. (Biblioteca Virtual Universitária -

Pearson) ISBN: 9788570616265

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