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Prefácio
por
Rolf Behncke C.
"A guerra ... a guerra ... Sempre somos
contra a guerra, mas, depois de tê-la
feito, não podemos viver sem ela. A
todo momento queremos voltar à
guerra."
Che Guevara a Pablo Neruda em Con-
fesso que vivi.
e\Jo\ução cultural
reflexão ética
Mas o caso é que tal percepção (de reflexão ética) nos afetará
sempre de uma maneira convergente para o ser humano ' uni-
versal, que é, em última instáncia, nossa verdadeira condição,
já que a humanidade Constitui atualmente, como resultado da
ampliação das interaçôes humanas, um só sistema unitário in-
tegrado, pelo que a responsabilidade primeira dos governantes
de ' todo o mundo deve ser compreender que a realização de
toda vida individual dependerá sempre da organização do sis-
tema social total a que se pertence (posto. qu~ se é componente
dele), estejamos ou não conscientes desse fato.
Entendido isso, segue-se que, doravante (queiramos ou
náo), Lar, Pátria, Humanidade passam a ser termos sinónimos,
visto que em última análise significam a mesma coisa: o meio
formador de nOSsa própria vida e da vida dos nossos filhos. O
fato de que até agora a vida cultural dos diferentes povOs da
Terra esteja' centrad.a na defesa das fronteiras de suas certezas
particulares não é mais que um signo de que nossa humànida.:.
de ainda não se ,encontrou consigo mesma nem assumimos
plenamente, ex toto corpus et toto corde (de todo. o corpo e de
todo o coração), o que significa ser humano. E à ausência des-
se encontro, dessa reflexão profunda sobre nossa condição hu-
mana, está nos custando muito caro e nos custará cada vez
mais caro, enquanto o eixo do nosso entendimento social girar
em torno da defesa de fronteiras culturais particulares, já que
continuaremos girando excentricamente ao que é a natureza
última do ser humano: seu ser social, que é seu ser em lingua-
gem, isto é, em coordenaçáo consensual (comunicação); numa
palavra, em cooperaçáo mútua.
Apesar disso, se realmente qUlsessemos reverter eSse
processo e gerar um formidável reencontro humano com sua
natureza profunda, poderíamos fazê-lo. O desafio nietzschiano
da necessidade de revelar as bases operacionais que cimentam
as culturas humanas foi cumprido, e isso confere um fUnda-
mento científico comum a todas as ciências sociais, o que pos-
sibilita iluminar o ser humano a partir do próprio ser humano
e, portanto, compreender' o humano com conceitos igu.alrriente
válidos para toda a escala do sistema social, desde a vida pes-
soal individual até a Humanidade como um todo.
46 Hwnberto Maturana. R./Francisco Varela G.
ção ética que nos faz refletir na condição humana como uma
natureza cuja evolução e realização está no encontro do ser in-
dividual com sua natureza última, que é o ser social. Portanto,
se o desenvolvimento individual depende da interação social, a
própria formação, o próprio mundo de significados em que se
existe, é função do viver com os outros. A aceitação do outro é
então o fUndamento para que o ser observador ou autoconscien-
te possa aceitar-se plenamente a si mesmo. Só então se redes-
ro~e~~~~~~~~~a~~~~~
dessa trama interdependente de relações que conforma nossa
natureza existencial de seres sociais, já que, ao reconhecer nos
outros a legitimidade de sua existência (mesmo quando não a
achemos desejável em sua atual expressão), o individuo se en-
contrará livre também para aceitar legitimamente em si mesmo
todas as dimensões que atualmente possam ocorrer em seu
ser e que têm sua origem precisamente no todo social. Isso li-
berta nossas relações (e convenções) sociais de um imenso e
pesado fardo "original", reconciliando-nos de passagem com a
própria vida, por ser essa reflexiva viragem um retorno a si
mesmo, por meio de um reencontro com o restante'da própria
humanidade.
o amor ao próximo começa a aflorar então no entendi-,
mento dos processos que geram o fenômeno existencial da
consciência de si, numa expansão dos impulsos naturais de
altruísmo comunitário, precisamente como a condição necessá-
ria do social, e não como uma imposição de uma supranature-
za diferente da nossa.
Tal compreensão é um corolário inescapável do enten-
dimento dos processos que constituem o ser humano. Se a
ação de cooperação social mútua surge na condição primária
do social, o compartilhar tal conhecimento não pode senão ex-
pandir nossos espaços de cooperação e realização mútua. Por
isso, o desenvolvimento socioeconômico da comunidade huma-
na encontra-se então no mesmo eixo (ético e operacional) do
processo de desenvolvimento de toda vida individual e, portan-
to, não pode o primeiro se realizar a expensas deste último,
sem se transformar num mecanismo constitutivamente anti-
sociaL.. mas qual político sabe disso? "
A ároore do conhecimento 51
R.B.C.
Santiago do Chile, janeiro de 1984
Post-scriptum
AARVORE DO CONHECIMENTO
As bases biológicas do
entendimento humano
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ConheceI" o
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Figura 1. Cristo coroado com espinhos.
60 Hwnberto Maturana R./Francisco Varela G.
A grande tentação
As surpresas do olho
Toda vez em· que aparecer este símbolo 1IlO'. o leitor poderá se remeter ao
glossário que se encontra ao final do livro (página 267).
7
A árvore do conhecimento 63
",
o grande escândalo
No zoológico do Bronx, em Nova Iorque, há um grande
pavilhão especialmente dedicado aos primatas. Lá pod,emos ver
de perto chipanzés, gorilas, gibões e muitos macacos do Ve~ho e
Novo Mundos. No entanto, nossa atenção é atraída para uma
cela separada, nos fundos do pavilhão, cercada por fortes grades.
Quando nos aproximamos, lemos a seguinte placa: "O primata
mais perigoso do planeta". Ao olhar por entre as grades, vemos,
com surpresa, nosso próprio rosto.
Esclarece o letreiro que o homem já
destruiu mais espécies sobre o pla-
neta do que todas as outras espé-
cies conhecidas. De observadores,
passamos a observados (por nós
mesmos). Mas o que vemos?
Ver nosso reflexo no espelho
é sempre um momento muito pecu-
liar, pois é quando tomamos cons-
ciência daquele nosso aspecto que
não podemos conhecer de nenhu-
A árvore do conhecimento 67
Explicação
EXPLICAÇÃO DO CONHECER