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E a bomba explodiu! Racialização,


psicanálise & saúde mental
Francisco Fernandes

Sobrevoo

Um tema árduo, tudo por se fazer, naturalmente, desde que se


assuma colocar-se sob a perspectiva que ele induz. Não faltam trabalhos
que, de dentro da racionalidade da psicanálise, das ciências humanas e
sociais, da filosofia subssumem a racialização, a submetem, a reduzem,
tentam explicá-la. Eventualmente isso acalma alguns espíritos. Mas da
perspectiva dela, da racialização propriamente, isto é, de como nossa
racionalidade é por ela determinada, isso, explode agora. Explode! Por que
falar assim? Porque ao lado da gravidade óbvia, nada, nenhum traço,
anuncia um contorno discursivo mínimo aceitável a partir do qual se possa
conversar de uma maneira profícua a respeito, isto é, que os processos
possam ser deslocados substantivamente dos trilhos por onde esse bonde
passa – e mais, nenhuma alternativa plausível a essa condição, sou da
opinião que a conversa, onde ela for possível, prosseguirá assim, suas
aparições, suas manifestações sempre se dando em torno de seus limites
disruptivos. Porém, ainda assim, limites com alguma chance de abertura a
depender do encaminhamento político: desde o fenômeno das guerras no
oriente com suas repercussões migratórias na Europa sobretudo, passando
por manifestações por direitos civis em várias partes do mundo, com uma
evidência notável para aquelas regiões que praticaram a escravidão e que
têm sua base demográfica marcada por este modo de engajar as pessoas no
trabalho e na produção. Mas não são apenas esses fatos negativos, a
equilibração geopolítica do planeta mesmo parece ser atravessada de
maneira importante pela questão, para ficarmos no mais óbvio – a
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polarização que delimita o lugar da China na economia global. É muito


difícil não se perder no tema.
É o modo próprio do tema existir que torna difícil sua apreensão. A
história humana a partir do advento da ciência estabeleceu a condição de
universalidade para uma outra “plataforma” que não a religiosa: a ciência.
Esta, com seu suposto materialismo equaliza todos os processos presentes e
em ação no mundo em função de uma neutralização ontológica de base, se
alguma diferenciação persiste, ela passou a ser sintomática, uma
particularidade portanto, de nossa condição como criaturas condenadas a
ser regida por valores que nos situa frente a um mundo regido por
diferenciações, privilégios e hierarquias que desempatam justamente essa
indiferença ontológica da ciência. A experiência histórica concreta, no
entanto, está longe de ter se dobrado a essa indiferença frequentemente
exaltada do “somos todos iguais” coerente com o progressista
descompromisso ontológico da ciência. Este no máximo traçou um
horizonte normativo, vago e indeterminado inclusive, que instrui as grandes
potências e se valerem dessa indiferença, se justificarem através dela
quando é o caso na medida de sua enorme eficácia operatória – a técnica –
quanto à acumulação do capital, em causa própria. Pois, de fato, a
organização das sociedades humanas está muito longe da equânimidade
distribuitiva ou mesmo de uma parametrização científica de suas formas de
vida e acessos aos benefícios do “progresso”.
Esse tema há muito é sensível, não é de agora a denúncia do “mito da
neutralidade científica”. Ele também demonstra a impotência da critica,
pelo compromisso de no sentido de não deter a ação desse neutralismo da
ciência, como se sabe, no interior da própria critica, ele foi derivado para
um economicismo alinhado às prerrogativas da ciência que não só não
impediu sua disseminação como o levou adiante configurando o que se
entende hoje sob o rótulo de globalização – claro, economicismo que
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realizou muito pouco no sentido da equalização distributiva na qual ele


mesmo se assenta e diz promover.

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