Um tema árduo, tudo por se fazer, naturalmente, desde que se
assuma colocar-se sob a perspectiva que ele induz. Não faltam trabalhos que, de dentro da racionalidade da psicanálise, das ciências humanas e sociais, da filosofia subssumem a racialização, a submetem, a reduzem, tentam explicá-la. Eventualmente isso acalma alguns espíritos. Mas da perspectiva dela, da racialização propriamente, isto é, de como nossa racionalidade é por ela determinada, isso, explode agora. Explode! Por que falar assim? Porque ao lado da gravidade óbvia, nada, nenhum traço, anuncia um contorno discursivo mínimo aceitável a partir do qual se possa conversar de uma maneira profícua a respeito, isto é, que os processos possam ser deslocados substantivamente dos trilhos por onde esse bonde passa – e mais, nenhuma alternativa plausível a essa condição, sou da opinião que a conversa, onde ela for possível, prosseguirá assim, suas aparições, suas manifestações sempre se dando em torno de seus limites disruptivos. Porém, ainda assim, limites com alguma chance de abertura a depender do encaminhamento político: desde o fenômeno das guerras no oriente com suas repercussões migratórias na Europa sobretudo, passando por manifestações por direitos civis em várias partes do mundo, com uma evidência notável para aquelas regiões que praticaram a escravidão e que têm sua base demográfica marcada por este modo de engajar as pessoas no trabalho e na produção. Mas não são apenas esses fatos negativos, a equilibração geopolítica do planeta mesmo parece ser atravessada de maneira importante pela questão, para ficarmos no mais óbvio – a 2
polarização que delimita o lugar da China na economia global. É muito
difícil não se perder no tema. É o modo próprio do tema existir que torna difícil sua apreensão. A história humana a partir do advento da ciência estabeleceu a condição de universalidade para uma outra “plataforma” que não a religiosa: a ciência. Esta, com seu suposto materialismo equaliza todos os processos presentes e em ação no mundo em função de uma neutralização ontológica de base, se alguma diferenciação persiste, ela passou a ser sintomática, uma particularidade portanto, de nossa condição como criaturas condenadas a ser regida por valores que nos situa frente a um mundo regido por diferenciações, privilégios e hierarquias que desempatam justamente essa indiferença ontológica da ciência. A experiência histórica concreta, no entanto, está longe de ter se dobrado a essa indiferença frequentemente exaltada do “somos todos iguais” coerente com o progressista descompromisso ontológico da ciência. Este no máximo traçou um horizonte normativo, vago e indeterminado inclusive, que instrui as grandes potências e se valerem dessa indiferença, se justificarem através dela quando é o caso na medida de sua enorme eficácia operatória – a técnica – quanto à acumulação do capital, em causa própria. Pois, de fato, a organização das sociedades humanas está muito longe da equânimidade distribuitiva ou mesmo de uma parametrização científica de suas formas de vida e acessos aos benefícios do “progresso”. Esse tema há muito é sensível, não é de agora a denúncia do “mito da neutralidade científica”. Ele também demonstra a impotência da critica, pelo compromisso de no sentido de não deter a ação desse neutralismo da ciência, como se sabe, no interior da própria critica, ele foi derivado para um economicismo alinhado às prerrogativas da ciência que não só não impediu sua disseminação como o levou adiante configurando o que se entende hoje sob o rótulo de globalização – claro, economicismo que 3
realizou muito pouco no sentido da equalização distributiva na qual ele
Apologia Da História Política - Estudos Sobre o Século XIX Português - Bonifácio, Maria de Fátima - 1999 - Lisboa - Quetzal Editores - 9789725643839 - Anna's Archive