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O que está em jogo é a ideia de conciliação entre os desenhos; conciliação que surge a
partir de uma possível dinâmica institucionalizada e incorporada nas relações entre museu,
artistas, curadoria, expografia e público. Se existe ou não essa aproximação conciliatória, a
Formação ajudará na elaboração desta reflexão, identificando possíveis contrapontos que
possam existir e, diante disso, formular outros modos de exibição e critérios de apro-
priação. É preciso implicar esse arcabouço tão secularmente entrelaçado, agora dentro de
uma dimensão contemporânea e política dos acontecimentos.
Juliana Pessoa e Luciano Feijão são artistas que, mesmo trazendo algumas ponderações
sobre o desenho e sobre o corpo, naturalmente não produzem o mesmo tipo de desenho,
não constroem o mesmo tipo de corpo e não acentuam o mesmo tipo de problema. Em
comum a afirmação categórica sobre a materialidade do trabalho, extraindo desse
esforço compenetrado tudo aquilo que ele pode dar. O desenho, para Juliana e Luciano,
não é somente o meio, mas o fim enquanto determinação estética e vigor gráfico. A
convicção na linguagem e a força comum que perpassa os artistas definiram a possibili-
dade do encontro. A separação talvez esteja na maneira como a ideia de anti foi absorvida
nas obras.
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em busca de autonomia através dos cortes e das fendas, através das torções e dos
desmembramentos.
Por fim, esta Formação foi estruturada pensando o corpo como parâmetro de aproxi-
mação e distanciamento, sendo estas as diretrizes que possibilitam inclinações mais
estéticas ou olhares mais críticos. Aproximação e distanciamento entre público/obra,
entre obra/obra e entre público/público, isto é, todas as relações sofrerão implicações
ético-políticas, já que não vamos tratar de um corpo genérico, mas de um corpo que é
negro, que é determinante em todo espaço expositivo e predominante nas relações
sociais brasileiras. Isso obriga cada participante a assumir os incômodos provocados pelo
“choque de realidade”. Eis então o mundo que se abre, aquele que nos apresenta
condições de gerarmos uma antianatomia negra própria.
Esse conjunto de manobras convertem por iguais todos os corpos negros, independente
de suas composições orgânicas, de suas vidas em sociedade e de seus traumas pessoais e
coletivos. É esse o país no qual se insiste um futuro promissor, um país de corpos brancos.
O corpo branco precisa ser perfeito, não pode indicar doenças e deformidades, não está
suscetível a possíveis curas, não se sente culpado, não exprime resistência. Como parte
desse arcabouço, estudos anatômicos, em certo momento, afundaram os sujeitos pretos
na impessoalidade mais vil, tornando-os disponíveis para que se prove toda e qualquer
fundamentação negativa sobre si, sobre sua comunidade, sobre seu futuro.
Ainda mantendo firme essa noção de um futuro promissor, ao final da escravidão brasileira
o que se projetou foi a sistematização da eugenia enquanto política de Estado e estrutura
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de poder vigente, ou seja, uma forma de racionalizar ainda mais o extermínio, que sedi-
mentou ainda mais a violência do racismo através do aparato jurídico. A eugenia, envolvida
também por uma suposta idealização sobre as configurações anatômicas, foram determi-
nantes para subjugar uma “forma negra”, anatomicamente desprovida de elementos que
a emancipassem enquanto sujeitos plenos de suas liberdades. Evidenciar uma antiana-
tomia negra é, portanto, sobressaltar a ideia de que exista uma força para além do apri-
sionamento dessa forma.
Se existe um corpo negro por detrás da tragédia, esse corpo é antianatômico. Se o corpo
negro contempla o cenário de sua própria emancipação, certamente é antianatômico. Se
a “mão anônima” modela de maneira universal uma razão escravista, a “mão manifesta” –
contramão – desenha uma razão negra antianatômica. A luta da população negra será
sempre torcida, desmembrada e antianatômica.
Como estamos afirmando uma outra configuração corporal, que rompe com as modula-
ções e normas definidas pela anatomia, é necessário reiterar, simultaneamente, uma nova
configuração de sentido para esse corpo, já que os sinais agora apontam para o corpo
negro “deformado”. Nessa lógica inversa, a “deformação” afirma uma vida de potência, ou
seja, a força se encontra substancialmente na “torção”, na “anormalidade”, no “desmem-
bramento”, em tudo aquilo que possa emancipar o corpo negro segundo seus atributos
desobjetificados, disformes, reconfigurados e realocados conforme as exigências dos
enfrentamentos. Emancipar o corpo negro do caráter autoritário promovido por ideais
supremacistas, vinculados à noção de que o branco é a norma.
O termo antianatomia não é o oposto do que entendemos como anatomia, mas, a sua
inflexão epistemológica radical. Reconfigura-se, portanto, a imagem do corpo negro,
agora antianatomizado e imerso nas lutas antirracistas como um movimento indissociável.
Estamos agora diante de um anti-normal!
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CONTEÚDOS COMPLEMENTARES
1 - Eugenia, racismo científico e antirracismo no Brasil: debates sobre ciência, raça e
imigração no movimento eugênico brasileiro (1920-1930)
link: https://bit.ly/anticonteudo1
link: https://bit.ly/anticonteudo2
link: https://bit.ly/anticonteudo3
link: https://bit.ly/anticonteudo4
Este material educativo faz parte da exposição ANTICORPOS, dos artistas Juliana Pessoa
e Luciano Feijão, realizada no Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio Del Santo (MAES)
de 24 de janeiro a 23 de abril de 2023. Projeto selecionado pelo Edital Setorial de Artes
Visuais 020/2020, do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura), da
Secretaria da Cultura (Secult).
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EDUCATIVO
Tópicos de investigação
MOVIMENTOS
Este Projeto Educativo optou por estabelecer um recorte racial nessa formação,
considerando a natureza multifacetada da exposição. O vídeo “Zumbi Somos Nós” já
indica uma intencionalidade, correspondendo, portanto, às proposições e debates que
se pretende ativar.
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4. Referências
Cada referência escolhida será associada a um dos desenhos da exposição, fixadas ao lado
da obra. Essas escolhas irão partir de dois princípios:
Nessa dinâmica, cada referência encontrará seu reforço ou seu antagonista. Ao selecionar
as referências que ficarão ao lado de cada desenho, os participantes poderão utilizar, se
assim desejarem, os conteúdos do 3º movimento como diretrizes para as escolhas.
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