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Curso de Ciências Sociais

PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO 5º semestre


Docente: André Alckemin
Discente: Geíza Maria Dias de Oliveira

Elabore uma reflexão sobre a visão antes pejorativa da miscigenação para depois
positivada no pensamento social brasileiro. Para isso, recorra aos textos de Lilia
Schwarcz, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, Gilberto Freyre vistos em sala e aos
filmes trabalhados na disciplina (Que horas ela chega? e Casa Grande & Senzala).
Não esqueça de ressaltar os aspectos de classe, raça e gênero em sua análise.

O percurso que ampara a elaboração de uma série de discussões sobre a


miscigenação conforme o tempo e contexto histórico passa por processos
significativos de reiteração que influenciam nesse enredamento do pensamento
social brasileiro, sendo um deles esse movimento de uma visão antes pejorativa da
miscigenação para depois positivada dentro desse processo de subjetivação do
Brasil. Há um emaranhado de questões e análises, em torno do conceito de raça
dentro do processo histórico que leva-nos a chegar às abordagens trazidas por as
referências a seguir: Lilia Schwarcz. Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, Gilberto
Freyre.

Lilia Schwarcz

Primeiramente, tratar da questão da miscigenação que se perpetuou


historicamente através de muitas abordagens é também, à priori, associá-la
diretamente a uma construção unilateral de um olhar e que é, portanto,
demarcadamente posicionada em termos de europa, em termos de classe, raça e
gênero. Portanto, principalmente o homem branco localizado geograficamente de
classe burguesa, apresenta-se como figura principal neste processo de construção
desse aspecto ideológico orientado por uma “perspectiva eurocêntrica” como
perspectiva para criar-se o “outro” diferente de si, portanto, inferior.

A questão da miscigenação passa por um percurso de invenção e reinvenção


de valores e significação a depender dos contextos e a partir dos pontos de vista
dos intelectuais da época. Podemos pensar que no Espetáculo das Raças
(1870-1930), a autora faz um retrato e análises de um período específico que vai
contextualizar uma série de processos de muita movimentação e articulação do
movimentos negros que influenciará na atualização de um novo momento na
história, entre elas destaca-se a lei do “ventre-livre” após a dita “abolição”. Segundo
Lilia, foi a partir desse período que foi importado um conjunto de concepções e
posteriormente de forma estratégica incorporado na dinâmica interna que tornaram
possível uma manutenção do poder hierárquico nesse contexto do século XIX. Bem
como o darwinismo racial, que propõe colocar a miscigenação como um “fator
degenerativo”.

Essa análise coloca em tese a concepção de que a produção de diferença


produz posições distintas que torna contínua e permanente e autônoma a
manutenção do poder hierárquico e da reprodução da mesma como estrutura
estruturante das novas velhas mudanças. Portanto, o percurso que a ideia de
miscigenação como sendo uma das questões de raça, corre em paralelo às
questões de gênero e classe, que portanto aprofunda ainda mais as camadas que
tornam possível tamanha desigualdade em suas multifaces que mantém-se
interligadas.

O processo de embranquecimento é um desses aspectos que foram


justificados pela ciência como a possível solução para a miscigenação vista como
um “processo degenerativo”. Dentro disso é possível identificar que no processo de
embranquecimento, o homem branco era quem iria estabelecer a ponte primária
entre o esse “mal da miscigenação” para o embranquecimento, ou seja, a “salvação”
“purificação” da raça, trazendo honra para a sociedade tal qual se constituía através
dessa perspectiva. Ponte primária, porque considerando que seriam as mulheres
negras e indígenas que seriam violentadas sexualmente e tantas outras situações
que as levariam também a essa “figura materna”. Sendo assim, a “mulher”
racializada era a principal vítima dessas violências, dessa maneira o homem branco
teria o papel de “salvar” as próximas gerações. A figura da mulher racializada, é
constituída também a partir desse olhar, apesar das mulheres negras e mulheres
indígenas serem consideradas em dimensões pouco distintas, elas ainda assim
tinham essa diferença definitiva em relação aos homens negros que eram visto
como base da força de trabalho, e essas mulheres eram potencialmente vistas em
sua condição sexual pelos homens brancos.

Euclides da cunha

Com Euclides da Cunha, influenciado pelo determinismo geográfico, fez uma leitura
tanto descritiva como interpretativa do contexto que atravessava a guerra dos
canudos, construíndo o livro chamado por ele de: “os sertões”, que logo se
concretiza em palavras: "o sertanejo é antes de tudo um forte”. Essa expressão dita
por Euclides é fundamental para compreender-se como ele trata a questão da
miscigenação. Como suas elaborações apesar de carregadas pela concepção
negativa da miscigenação traz um elemento a mais, que portanto, torna a sua
interpretação uma contradição. Pois mesmo ele considerando o sujeito sertanejo
como um “forte”, ele o considera antes um miscigenado no ponto de vista negativo,
portanto, apesar desse sujeito sertanejo ser um miscigenado, ele é um forte. A
miscigenação não é portanto positivada, mas a situação subjetiva daquele povo em
relação com o território, os tornou diferentes, ou seja, a miscigenação no restante do
brasil tomaria rumos diferentes.

Pode-se perceber que essa afirmação, mesmo que para Euclides fosse um fato, que
tem um sentido explícito, que coloca abertamente a miscigenação como sendo uma
coisa negativa, o que podemos vê nos dias atuais, é que essa dinâmica elaborativa
da linguagem, que trás essa contradição se faz em outros formatos. Portanto, a
linguagem, carregada de associações históricas vê-se atualmente sendo
reproduzidas dentro de expressões que se assemelham a essa, como: “Ele é preto,
mas é gente boa”, “mas ele nem é tão preto assim” e tantos outros jeitos de dizer,
que dentro das justificativas atuais, acabam por serem considerados não como algo
derivado dessa perspectiva, mas parte dos dizeres populares, que remete a esse
processo de alienação e manutenção do racismo através do vocabulário.

Além desse elemento novo, há uma questão que atravessa a existência e ausência
das mulheres e uma exclusividade do homem branco na narrativa, como quem fala
sobre, e quem é descrito ao olhar deste é destacada a figura masculina racializada.
As mulheres mais uma vez “desaparecem de cena” tanto dos fonemas que circulam
no texto, quanto no próprio direcionamento descritivo, e nas vezes que aparecem é
de forma reduzida. Referentes aos documentários de retrata o pensamento de
Gilberto Freyre, pensando na construção da imagem que a mulher representa em
todo o percurso cinematográfica da imagem criada junto ao cenário elementos e
entre outros sujeitos, percebe-se que os movimentos dessas mulheres dentro do
espaço, inclusive, pensando a representação racial que elas carregam, são elas
posicionadas na câmera de forma visivelmente subjugadas e inferiorizadas, dentro
de uma experiência de silêncio excessivo e falas cortadas pelo narrador branco, o
que diz muito sobre a experiência das mulheres principalmente as mulheres negras
e indígenas dentro das narrativas e também na prática evidenciada pela história
contada e das histórias que não tiveram oportunidade de serem contadas. A
utilização de um termo universal, nesse caso “homem”, não faz necessariamente
pensar a mulher dentro do contexto histórico, uma vez que essas narrativas foram
sendo apagadas por essa concepção de escrita. Sendo assim, utilizo a escritora a
seguir para despertar mais sentidos ao que foi dito. “A ausência de determinadas
imagens revelam imaginários” (Alexandrino, E. S. 2022). Pode-se interpretar que
imagens constroem imaginários e imaginários constroem imagens, logo, as imagens
tem potencial de materialidade, principalmente a partir de quem tem meios para tal
feitura.
O. Viana

A discussão trazida e feita por Oliveira Vianna é num primeiro momento mais
direcionada para uma perspectiva de classe, porém é possível observar a
intersecção de raça, classe e gênero dentro dessa análise feita por ele.

Oliveira Vianna faz uma reflexão em torno de como as instituições assim como
todas as formas administrativas de organização do país Brasil é atravessado por um
dinâmica colonial que levava as classes burguesas serem favorecidas pelo estado,
e a ausência de políticas que viessem a amparar as classes baixas, principalmente
no contexto que se estabelecia naquele momento, final do séc XIX adiante. Quem
compunham essas classes de forma expressiva nesse contexto no qual é
mencionado pelo autor? Ele fala de um contexto logo após o período dito
"abolicionista", ou seja, isso significa dizer que há uma concentração de riqueza em
um grupo específico, os fazendeiros, latifundiários, principalmente com a concretude
das chamada "sesmaria" que impulsionou a distribuição de terra para os grupos já
mencionados. Ou seja, através desse projeto que forja a ideia de abolição, as
pessoas que compunham as classes baixas consequentemente seriam essas
pessoas racializadas. Também pode acrescentar que o brasil, na época ruralista,
que se começou a se urbanizar após o período vargas, já apresentava essa
concentração de posses e poder entre o patriarcado; entre homens brancos, e
mesmo que as mulheres brancas tivessem seus privilégios, ainda assim eram vistas
em segundo plano. Na mesma época se via a decadência da monarquia e a
ascensão das políticas republicanas. E para Vianna, essa concentração e
organização diz muito sobre como a Europa se impôs como alternativa de vida e de
formação política e social dentro de outra realidade e acabou colocando adiante um
percurso de muito excesso de riqueza concentrado em um grupo posteriormente
dominante e um outro grupo como desprovidos de riqueza. Ou seja, uma
concentração em excesso de terra em paralelo a um excesso de pobreza que
condiz a um processo histórico efetivo e concreto.

Oliveira Viana retrata a miscigenação a partir de uma perspectiva negativa que já


vem sendo uma pauta central da ciência para justificar determinadas afirmações.
sua fala é bastante permeada por uma concepção eugenista, que tende a pensar
um modelo ideal de indivíduo atrelada a superioridade das raças, e dentro da
miscigenação haver uma hierarquia, Ou seja, através do processo de
embranquecimento pode-se chegar a ser um miscigenado superior.

Gilberto Freyre
É, portanto, em Gilberto Freyre que pode-se visualizar amplamente, os
desdobramentos de um novo sentido valorativo da miscigenação, como a relação e
intersecções de relações raciais, de gênero e classe é evidenciada com mais
transparência na forma que se desenvolve a descrição e interpretações na escrita.

Gilberto Freyre faz uma captura da formação do Brasil nos seus aspectos históricos
a partir de suas interpretações. Sendo assim, o Brasil um país que foi colonizado,
porém uma colonização específica que o tornou subjetivamente diferente dos
demais países e principalmente dos países também colonizados. Uma das
principais características desse novo momento da ideia de miscigenação é a sua
positivação, ou seja, para ele esse acontecimento seria equivalente a um equilíbrio
dos antagonismos economia e cultura, senhor e escravo. Para Gilberto Freyre a
miscigenação que os portugueses viam a se constituir era positiva, pois o único pré
requisito para eles seria a religião católica como superestrutura. Por conseguinte,
afirma que a valorização da miscigenação já era idealizada e trazida de Portugal
para cá, por conta da sua contextualização, na qual antes de invadir o brasil eles já
seriam miscigenados, pelo contato com os povos Mouros.

Do ponto de vista racial, eram todos subjugados, mulheres e homens negros e


indígenas. Portanto, fundamentalmente os homens negros eram os mais
significativos como base produtiva, pois eram forçados a trabalhar na monocultura.
A mulher negra, fazia parte da base dos cuidados e da culinária e plantação de
algodão. As mulheres indígenas assim como as mulheres negras eram
sexualizadas, além disso, desenvolviam o papel de ser aquelas que transmitiriam os
conhecimentos de cuidado e culinária nativa. Os homens indígenas seriam os guias
porque conheciam muito bem aquele território. Porém, pode-se dizer que dentro de
uma análise interseccional é preciso entender a dimensão racial tendo em vista a
miscigenação; a questão de gênero no aspecto sexual, que recai sobre as mulheres
negras indígenas e brancas de forma relativa a visão estabelecida sobre cada
mulher no seu aspecto racial dentro dessa sociedade; e a classe na questão
econômica onde a base principal é o homem negro.

Finalização:

As abordagens feitas sobre miscigenação em diferentes sentidos, leva a uma


compreensão importante que é: A miscigenação principalmente na sua concepção
negativa, mas também positiva torna-se uma ferramenta essencial para fortalecer e
atualizar os meios pelos quais a burguesia branca patriarcal, principalmente nesse
contexto pós abolição, se utiliza para a manutenção e concentração do poder e
reiterar as camadas estruturais que possibilitaram firmar o patriarcalismo branco, as
multifaces das desigualdades e a formalização desse tipo específico de organização
social.

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