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Curso de Ciências Sociais

PRÁTICAS ETNOGRÁFICAS
Docente: Roberto Marques
Discente: Geíza Maria Dias de Oliveira

ETNOGRAFIA

Meu trabalho de campo vai dialogar com as experiências das pessoas da


comunidade do Bairro São José - Muriti nas atividades e dinâmicas dentro da
quadra localizada dentro do bairro, para entender quais influências que a quadra
esportiva tem na criação de relações entre as pessoas que participam das
atividades. Entender como aquele ambiente proporciona possibilidades de construir
relações para além das atividades dentro de quadra.
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A quadra esportiva fica localizada exatamente na Rua Padre Frederico, no


Crato, ao lado da Capela de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, que é uma
capela referência do Bairro São José. Vale ressaltar que a minha presença neste
espaço já é reconhecida por uma parcela das pessoas que frequentam esse
ambiente e especialmente pela pessoa que tem um papel significativo de liderança,
Vandim.

Registros fotográficos feitos por


crianças e jovens que participam do projeto comunitário Procom Saúde, Lazer e Educação.
Uma quadra aberta e coberta por um plano de aço, além da capela não há
casas vizinhas à quadra, há somente um mato raso que possibilita visualizar a
amplidão do bairro à volta da quadra, contanto, soube que nesse ambiente estava
sendo feito um processo de plantação de algumas árvores no entorno da quadra,
disse Vanderlan, o responsável pela quadra, “vamos plantar árvores pra evitar o sol
na quadra, porque a tarde fica um sol quente e também pra ficar mais bonito”. A
plantação de árvores é um processo coletivo, no qual a maioria das pessoas que
participam e frequentam as atividades realizadas na quadra voluntariam-se ou são
convocados por Vandim a colaborarem com essas atividades de cuidados com a
quadra. Em frente a Capela há um espaço que faz referência a uma praça, com
bancos, árvores nos espaços circulares ante o concreto que desenham a estética da
praça. Nos últimos encontros em que estive presente, conseguimos plantar em
média de 6 árvores, sendo elas todas trazidas por mim, porém já haviam plantado
outras quando eu não estive no presente momento.
Registros fotográficos feitos por crianças e jovens
que participam do projeto comunitário Procom Saúde, Lazer e Educação.

É importante identificar que nem todas as pessoas participam de todas as


atividades coletivas, há dias que alguns participam de uma atividade, há outros dias
em que outras pessoas participam e há outras pessoas que de fato não participam
das atividades de limpeza, mas Vandim está constantemente incentivando todas e
todos a participarem da limpeza, porque a limpeza e o cuidado também faz parte
das demais atividades que são promovidas pelo projeto. "Venham amanhã uma
hora da tarde pra pintar a quadra. Basta ir quem for ajudar, porque pra olhar tem o
pessoal que passa na rua já". Nesse momento da plantação de árvores, cada
pessoa desempenhava uma atividade que no final fez com que a gente conseguisse
finalizar a plantação das duas últimas árvores. Fiquei responsável em pegar o
estrume, acompanhada de Claudiane, menina de 14 anos, negra, cabelos lisos, pele
retinta, que também é uma das integrantes das atividades realizadas na quadra.
Vanderlan nos orientava e dizia onde o estrume se encontrava. Também havia o
menino que estava registrando esse momento. Pela orientação de vandim, no
caminho havia ficado dois meninos responsáveis em pegar as pedras para colocar
no entorno das árvores recém plantadas. Tentei ajudar, mas Vandim disse: "não,
deixa os meninos pegarem, é pesado, a gente pega os estrumes". A plantação de
árvores no entorno da quadra e da capela ecoou de uma maneira positiva na
comunidade, segundo vandim: "As pessoas da comunidade tão gostando muito…
das árvores. Quem me deu essa muda aqui foi a mulher que mora bem ali em
cima… uma muda de Ipê…". Esse tipo de situação chama atenção da comunidade,
aproximando-os desse espaço, no qual é provável que anteriormente não houvesse
essa relação, mas com a plantação das árvores atrai mais gente a se envolver e
contribuir para o fortalecimento daquele espaço como um lugar importante pra
comunidade. É importante dizer que houve um entre esses momentos em que
estávamos aguando as árvores plantadas em que vandim me olha e diz: “Esse
menino alí era danado, viu. Isso reverbera sentidos que informam sobre esse
ambiente compartilhado, esse espaço compartilhado transforma quem entra em
contato, uns mais que outros, mas há transformações acontecendo diante do
contato.

A quadra da comunidade São José, um bairro periférico, é frequentada por


crianças, jovens, adolescentes e adultos, portanto, é mais comum a presença de
jovens, crianças e adolescentes juntos nas atividades. É expressiva uma maior
presença de pessoas negras, bem como a presença de meninos, portanto, a
presença de meninas mesmo sendo reduzida é bem ativa. As mediações de
comunicação de intervenção e organização é feita por Vanderlan, um homem negro
de 34 anos, coordenador e organizador do projeto comunitário chamado Procom
Saúde, Lazer e Educação, que acontece na quadra do Bairro São José, Crato-CE,
criado no ano de 2020, ainda em contexto pandêmico.

A presença do Vandim ramifica as possibilidades de interação, principalmente


com as/os jovens da comunidade do São José e as/os integrantes de outras
localidades, como Barro Branco, Juazeiro que vem participar das atividades a
construírem relações dentro da quadra que consequentemente transpassam esse
espaço, ou seja, constrói-se também relações fora dalí. V: “Onde eu tô o povo vem...
Sempre é assim…”. Vanderlan, mais conhecido como Vandim, tem construído
formas de comunicação que fortaleçam os laços criados entre ele e todos que
fazem parte do projeto, com a intenção de fazer com que eles continuem a
frequentar a quadra. “A gente fala as coisas tudo na brincadeira porque é uma forma
de fazer com que eles num vá pro caminho errado e interajam também…”. Essas
interações possibilitam construir uma confiança entre todos que frequentam a
quadra. Não é somente por brincadeira estar alí. Se há presença, há envolvimentos.
Não há quem não se envolva ao chegar nesse ambiente da quadra do bairro São
José - Muriti. A mínima intimidade torna possível criar-se ali em volta a possibilidade
de permanência. Se as pessoas que estão ali veem a necessidade de cuidar desse
ambiente, se organizam e projetam suas vidas em meio a tantas outras é porque ali
encontra-se uma extensão da sua casa.

Adriel, começou a participar das atividades que acontecem na quadra


recentemente e durante uma conversa que tivemos me disse entre um olhar
sincero: “Eu vivo direto aqui… eu gosto daqui! Eu comecei a entrar nos esportes
daqui, futsal, basquete… eu passo mais tempo aqui do que em casa… meu irmão
que me trouxe pra cá”. Adriel, criança, menino negro de 9 anos, passa bastante
tempo na quadra, como dito em suas palavras, se vive alí, é um espaço de viver, um
espaço que relembra casa. É preciso levar em consideração que construí uma
amizade com o Adriel durante as atividades que fez muita diferença na possibilidade
da fala sincera dele pra mim. No final de tarde enquanto eu, Vandim e Adriel
andávamos, eu falei pra vanderlan que eu e Adriel estávamos construindo uma
amizade há dois dias, em seguida Vandim diz: “Meniiina… ele melhorou muito, viu…
depois que veio pra cá… Ele era muito implicante; mexia com todo mundo, mas
agora ele tá bem melhor depois que veio pra cá… Se tu tivesse conhecido ele
antes… acho que tu nem teria tido essa aproximação”.

Renagila, uma menina jovem negra, cabelos ondulados de 14 anos, que


tanto frequenta a igreja como a quadra, ambas vizinhas: “... o único lugar que eu
acho legal desse bairro tudim… Quando… Vai fazer 5 anos… 5 anos não… 2 anos
que eu que eu faço aqui. Meu irmão fazia né, mas ele parou, ai eu falava, “Teu, me
leva”... Aí ele dizia: ”Não, vô levar não”. Aí eu perguntei à mãe: “Mãe eu posso ir pra
quadra”. Aí todo dia.... Ela deixa eu vim só agora. Aí eu jogo basquete, eu era ruim
aí eu fui ficando boa boa boa boa, ai Vandim me chamou pro futsal ai eu fui
treinando, aí passou um ano, aí ficou bom. Aí passou quase um ano, aí ficou mais
bom ainda. Só num sei jogar muito futsal, aí eu fui começando a fazer o coisa da
quadra, aí eu fiz parte do projeto… Eu venho todo dia pra cá. Só não venho todo dia
porque minha mãe não deixa…".
É importante destacar que durante as atividades não era verbalizado e nem
sinalizado uma regra que estabelece que os meninos iriam jogar somente com os
meninos e as meninas iriam jogar somente com as outras meninas. Há aqui um
rompimento muito significativo que possibilita outros envolvimentos, outras criações
de relações entre as pessoas que participam das atividades. As afetações que
ocorrem a partir dessa confluência de gênero para todos os outros campos de
relações é de fato visível. (Houve um momento em que ao falar do meu desconforto
em relação aos meninos não jogarem a bola pras meninas), Vandim me diz: "Os
meninos daqui tão bem melhor que antes, eles tão tocando a bola pras meninas… é
porque essa coisa de jogar os meninos com as meninas é recente, vai melhorando
aos poucos". Ao modo que vai se percebendo alguns enrijecimento da ideia dos
meninos jogarem em conjunto com as meninas se torna visível também que essa
rigidez vai se transformando pela presença das meninas em quadra e
consequentemente transformando as formas de relações nos arredores da quadra;
da vida; das demais relações.

No entorno da quadra é onde se percebe com mais intensidade que as


relações construídas transcendem esse espaço para outros lugares. Nessas
extremidades onde se aguarda sua vez de entrar em quadra para jogar as partidas
de futsal é onde se alarga a possibilidade de aproximação. Há interações sobre o
jogo, sobre situações pessoais, muita “tiração de onda” e muitas contações de
histórias vividas para serem compartilhadas, consequentemente, alí é também esse
local de partilha. As trocas, as palavras e as maneiras de se comunicar e se
comportar é muito mais expressivo, diferenciado e muito mais sugestivo, mesmo
que em alguns momentos durante as atividades alguns comportamentos
extrapolem, há um compromisso em respeitar as regras, há uma mudança de
comportamento. Dentro da quadra, quando algo (comportamentos, formas de
expressar) foge do espaço, a liderança: Vanderlan, chama atenção para essa ação
feita. Porém, quando nas extremidades; na espera; nos intervalos as interações se
manifestam de muitas maneiras que não se limitam às regras estabelecidas no
limite da quadra.

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