Você está na página 1de 8

(...) Não deixa de ser uma alienação.

Se alienou o sentido da Arte, para o próprio produtor e o


fazer artístico sobreviver.

Íris: O que vocês acreditam que seja o grande propósito do projeto?

Abel: Ser bloco. Eu falo isso do meu ponto de vista. O grande lance para mim é ser bloco.
Primeiro porque é uma coisa extremamente carioca, para cidade, porque também é uma coisa
que a gente faz da forma mais potente, generosa e solidária. É o que a gente faz melhor, que é
reunir gente em diferença, e em diversidade, para produzir um momento comum. Olha que
coisa maravilhosa a gente produziu, um bloco!

Sandra: Eu na verdade inverti, a primeira coisa que eu fiz foi chamar o Gabriel para o bloco
antes de poder escutar. Acredito que dá uma outra dimensão.

Abel: Porque você vê na prática.

Sandra: Exatamente.

Abel: É um momento totalmente diferente do que aqui (entrevista). Porque por exemplo, a
gente falou no início do “hospital de maluco”. “Onde você mora?” “Perto do hospital de
maluco.” Mas hoje essa moeda girou. As pessoas falam que moram perto do Loucura. “É ali
que tem o bloco do Loucura.” Eu fui me tocar nisso um dia, quando eu fui ao mercado. Tinha
uma moça com a blusa do Loucura, no Hortifruti. Aí eu fui brincar com ela. “Poxa moça,
maneira a sua blusa.” Ela me respondeu, “Gente, você conhece isso aqui?” Eu respondi “Não,
não conheço não. O que é isso?” Ela respondeu, “É um bloco no Engenho de Dentro que sai
uns loucos, todo mundo toca, é maneiro para carraca. Você precisa ver, é um bagulho lindo.”
Eu respondi, “É mesmo?”, ela, “Não perco por nada.”

Outro dia, fui comprar uma quentinha, o chefe de cozinha estava com uma blusa do Loucura.
“Saio lá todo ano.”. Eu pensei, com a continuidade, mal ou bem são mais de vinte anos.
Virou uma coisa da cidade. Ainda é uma coisa que o Jairo faz, o Abel faz, mas era uma coisa
que a gente carregava o piano nas costas, agora a cidade está se animando que carregar o
piano também. Isso no opino mais geral, mas em outro opino imaginar que algo que tem vinte
e dois anos e hoje tem um garoto e uma garota de quinze anos que nasceu e isso já existia.
Eles cresceram todos os anos vindo ao desfile do Loucura. Meu filho está com doze anos.

Voltando a conversa de finalidade do fazer artístico, se isso é um bloco ou terapêutico. A


gente não está aqui para dizer para as pessoas o que isso é para elas, isso é a última coisa que
a gente tem que fazer, dizer para o outro o que aquilo é. Até porque muitos vieram parar aqui
por causa disso. Mas eu falo assim, se o cara e a moça frequentam a batéria e falam que vem
aqui porque isso os fazem muito bem, e para eles é terapêutico. Top, ele decidiu. Mas uma
das únicas coisas que eu posso dizer que a gente se propõe a fazer, aprender e construir junto,
é a possibilidade de que as pessoas possam exercer de forma cidadã, generosa e solidária, a
sua autonomia de decidir coisas sobre a sua vida que os foram negados.

Jairo: Nem de pão se vive o homem. Não pensando de maneira que eu “conseguirei ovelhas
para o meu rebanho”. Não é nada disso, é pensando de uma forma e ideia de que o registro
que temos de Cultura não é necessariamente vital que venha um Messias. Ou que seja vital,
necessariamente, que venha alguém que conheça de todas as nuanceis da atmosfera que
regem. No meu pensamento, com a modesta que eu procuro ter, que venhamos das nossas
bases, que temos nós, de nos sustentarmos. Que é o nosso ingerir, digestão, de tudo aquilo
que nos mantém de pé. Eu acho, que a maior grandeza que nós temos é, indendepente de
qualquer fraqueza, as vezes não é saber do horário que para elas. Às vezes é um lembrete
“Vamos tomar o remédio.”, é um remédio essencial, mas mesmo se ela deixar de tomar
naquela hora, porque no tocante, inusitante, aquela pessoa possa estar tendo uma vanguarda.
Não vai ser um prato de comida que vai resolver a situação, até por que o horário e até uma
hora da tarde. Eu por exemplo, estou em uma situação assim. Mas eu creio, que no meu
íntimo, mais lá no fundo, com coragem ainda, e de suma importância que eu poça ver que é
um momento muito solene que estamos vivendo. Um momento bastante solene nas nossas
vidas, que é uma superação, que não apenas nos, começamos a ter algum sucesso, e todos se
viram obrigados a superar a Covid 19.

Abel: É isso. Superou porque a gente se ajudou, estávamos juntos.

Jairo: É acabamos nos ajudando. No contexto geral do mundo, independente de que esteja
vindo um Messias, qualquer astro de cinema, ou músico fenômeno, como o Elvis Presley.
Ainda bem que não precisou voltar nenhum deles. Que podemos nos ajudar nos mesmos.

Abel: Acredito que seja isso, esses pontos. Outra coisa legal para se pensar, voltando a
conversa da semi-ótica, por exemplo, na Geografia a gente tem a horizontalidade e a
verticalidade. Vamos dizer que a verticalidade é aquilo que não temos como rebater, como o
preço do dólar, petróleo, políticas governamentais do momento. E as horizontalidades é como
cada espaço da cidade e seus espaços, luminosos e opacos, estão reagindo as pressões sociais.
As formas como cada um for reagir, além do que impossível de ponderar, a subjetividade e a
história, tem também, o recurso que aquele lugar te põe. As paisagens, se tem mais ou menos
mato, se era de praia, concreto ou favela. Isso produz uma série de pontos cruzados e se
juntando os doutores Paulos Santos e Gilberto Freire, para os mesmos se produzem duas
coisas. A primeira, a esquizofrenia do local. O mesmo diz que o local vive uma
esquizofrenia, a obediência e a revolta. Pensando como ele (Jaime) colocou, no momento de
pandemia e o atual governo.

Tem momentos, não leia obediência como subserviência, e sim como estratégia. Tem
momentos que não temos forças para reagir, e o máximo que podemos garantir e estar vivo
para quando essa fase passar. Nesse momento que ele chama de obediência é isso, a gente
está se municiando de estratégia, saúde, vida e cuidados. Trancados dentro de casa, tomando
cuidado para não pegar o negócio (doença), para amanhã poder ser revolta. Isso é cíclico,
hora você vai estar em um ou no outro. Essas constantes esquizofrenias do local, geram
pedagogias de existência e resistências. E o bloco também é uma estratégia nesse campo, ele
tem sua tecnologia. Vamos imaginar que de uma maneira muito inesperado o Loucura
Suburbana produziu uma tecnologia no campo da Cultura e Saúde mental de como a gente
produz essa reforma cultural. Fica uma discussão e um debate, convida mais pessoas para
conversar.

Outro ponto interessante para se conversar além do tempo, é entender que as pessoas que nem
todas pessoas que desfilam irão sair com impressões resolvidas. Muitas pessoas me paravam
na rua e diziam “Eu te vi lá no desfile, tu toca cavaquinho.” e muitas falavam “Eu já tive uma
questão com um parente...” e diziam “Não vou te dizer que eu superei, mas aquela
experiência me fez por em dúvida.” Então se a gente está semeando a dúvida, a gente tá
pontuando.

Camila: Quais foram e quais são os maiores desafios enfrentados?

Abel: Pensando em tudo que a gente construiu aqui, pensando nessa tecnologia, que não é só
o bloco e sim como a gente geri e constrói o dia a dia. Bom, aqui é um equipamento. Tá
dentro de um local público, ele precisa de um edital para sobreviver, por que ele não é dotado
de orçamento. Mas ele tem uma gestão favorável, que sede funcionários concursados e sede
OS. Então a gente tem aqui OS, concursado, voluntário. Vamos dizer que chegue um cara
super bem intencionado e diga “Abel, chama o Richard e o pessoal... acabou a miséria. A
gente vai regulamentar o Loucura, vai colocar no papel. Tudo bonitinho.”
No que ele começar a olhar essas coisas “Mas isso não existe, como eu vou colocar que tem
um cara de OS, um de mei...”. O modelo que tem pronto a rubrica não comporta o que a
gente faz. De outro lado você não vê, o que eu imagino que não deva ser só o nosso caso,
outras iniciativas culturais, locais que estejam produzindo novidades em termos de gestão e
atuação. Você não vê uma busca das políticas públicas em se interessar como essas pessoas
estão solucionando para poder dar algum tipo de suporte a elas, para que saiam dessa situação
tão frágil de depender de uma gestão favorável ou um momento político que haja mais
editais.

Por exemplo, na pandemia, na verdade nem na pandemia já no Temer, a partir do golpe, a


gente tinha um dinheiro que era o resto do edital. Acabou o edital, nossa vida foi ensinar o
pessoal a usar celular, a tirar auxílio, arrumar bolsa de alimento, doação. A gente fez um
trampo que foi nosso mas foi para o Instituto. Eu e uma outra menina que sacava mais de
tecnologia tiramos uma semana e fomos estudar plataformas de stream, ninguém sabia mexer
nisso aqui. E gratuitos por que ninguém ia pagar também. Cara, tudo que gerou disso dai,
upor exemplo, a gente tem um seminário anual, esse seminário só aconteceu por que a gente
estudou e geriu as transmissões. A gente fazia oficina, para não perder contato com as
pessoas. Fizemos uma oficina de como entrar em uma live do Instagram. Tínhamos que
estudar que celular essa pessoa tem, se ela tem dados, internet.

No produzimos uma oficina de compositores para ensinar a eles entrar no Google meet,
zoom, o que desse. Achei o Jairo. Fui explicando o passo a passo, como ele ligava o celular.
A gente se virou, foi uma expertisse que a gente desenvolveu a ponto de ser a base do
Instituto. Esses anos de pandemia não teve nada praticamente que o Instituto produziu
externo que não foi na mão da gente. Por que quem pilotava a nave era essa menina Thaís, a
Juliana, eu, o pessoal daqui. Então eu acho que era muito isso, a galera no sufoco consegue
achar solução. Mas depois que passa, agora por exemplo, estamos vivendo um momento de
relativa estabilidade, com boas perspectivas.

Agora era o momento desses setores virem. Eu penso que se a gente em condições adversas
produz o que produz, imagina o dia que não seja nem condições excepcionais, mas
trabalhando com o que precisa para trabalhar plenamente. A gente precisa que tenha uma
vontade política que não seja apenas de equipamentos, fazeres, aconteceres como o Loucura,
mas vários que a cidade está repleta deles, haja um interesse público. Não só para mapear e
dizer que ele existe, mas de entender seu funcionamento para que se criem estratégias para
que possam ser financiados. Mesmo que seja um edital, uma premiação, parcerias públicas e
privadas, mas que entenda que existe um mundo diferente de se pensar e fazer cultura que a
galera tá reconhecendo mas não se debruçando.

Como por exemplo, as pessoas que estudam as práticas educacionais. “Existe uma escola x
no Ceará que deu super certo.” “Uma escola pública no Piaui.”. As pessoas querem entender
a metodologia que aquela escola utilizou, o material que ela produziu, como ela abordou os
alunos, para assim criar um material e expandir para a rede. Quando é que as pessoas irão
entender que abordagens como a nossa tem profunda comunicação e já se comunica com a
cidade. Então por que não estreitar a comunicação nesse campo. Acho que isso é um grande
desafio, por que eu acredito que ainda vamos viver esse impasse. Por conta do tempo que a
gente tem e o relativo conhecimento que a gente tem, em algum momento pode ser que isso
fique constrangedor. “Como essas pessoas vivem desse jeito, fazendo o que essas pessoas
fazem para a cidade?”, “Por que é ainda tão sofrido?”. Isso é um ponto, em outro ponto vão
dizer que “Olha o que vocês fazem... a maneira que vocês pensam administração pública não
existe.”. “Olha eu quero enviar uma bola no quadrado.”. Existe isso aqui, e a gente não quer
ser isso.

É isso, a gente trabalha menos pensando em saúde e doença, mais em potência e limitação.
Existe muitas limitações sim para funcionar, mais tem potência. Mau bem é uma
precariedade que nos gera uma relativa autonomia para gerir sobre certas coisas, aprender,
testar e receber a galera. E a gente tem que se apegar no que é potente.

Sandra: Enquanto ponto de cultura, durante um tempo vocês foram um ponto de cultura.
Vocês se apresentam como um ponto de cultura? Como coletivo?

Abel: Isso vai variar de como cada pessoa vê o Loucura. A Ariadne, que é a coordenadora,
para ela é um ponto de cultura. Ponte extinguir, ela irá continuar falando isso. E como ela
abraçou, para mim é bloco. Cada um joga em um ponto e eles convergem, não é uma coisa
que tá em disputa. Mas cada um entende... minha área é essa então vou jogar aonde eu acho
que contribuo melhor, vou falar como essa instituição da cidade produz encantamento,
revolução e inventivo. Eu brinco muito que quando você ganha um edital, prêmio, algo
assim, parte muito de uma ideia de que não é nem o caso do ponto de cultura, mas para quem
não tá nesse ambiente, e de como você fosse ganhar um dinheiro para começar algo. E o
nossa já tava botando gente pelo ladrão. A gente não conquistou as coisas que conquistou no
sentindo de iniciar algo, mas de fazer melhor algo que já tava funcionando. E com certeza
essas coisas foram divisores de águas, a gente ter acesso a esses recursos. Teve um prêmio
que a gente ganhou, por exemplo, do Ministério da Cultura, que a gente já nem ganhava mais
o dinheiro. Se eu não me engano era em dois mil e treze, quando tinham aqueles encontros
nacionais da TEIA. O encontro nacional foi em Natal, imagina a gente botando quarenta
doidos em um avião. Era o Chaves e Acapulco, colocamos quarenta doido em um avião e
ficamos em um hotel perto da praia. E ainda ganhamos um dinheiro “Vamos todo mundo em
um restaurante almoçar... dar um passeio.”

Íris: Você falou que o Loucura está em um momento mais positivo em relação a Pandemia
anteriormente. Como você vê e quais são os propósitos e desejos do Loucura pro futuro?

Abel: Cara tem uma situação que eu vou falar que é particular da saúde mental. E uma
galera, os profissionais, a rede toda, a família, é uma galera muito mobilizado por saber pelo
que luta, o que quer para si. Entendendo essas discussões que a gente colocou, cada um do
seu jeito, mas tá muito claro. Como a galera tem isso muito claro, acho que mesmo com tudo
isso que aconteceu, é uma galera difícil de roer a corda. Teve coisas tristes, pessoas
morreram, não tiveram mais como estar com a gente, foram embora, foi uma situação muito
difícil de grana, de vida e tudo. Mas eu acho que a perspectiva nossa é positiva nesse sentido,
de poder tá trabalhando, recebendo de volta as pessoas. Acredito que vivemos um novo
momento, se você pensar quando o bloco começou, além da enfermaria de crise a gente tinha
moradores. Muitas das pessoas o trajeto delas se resumia a isso, sair daquele prédio ali e vir
pro Loucura, sair da enfermaria dos CAPs e vir pro Loucura. Se você pensar hoje o cara tem
a casa dele, tem o role dele.

Outro dia mesmo, foi até no dezoito de maio, falei “Olha gente, não nem pra desanimar mas
pode ser uma realidade que a gente não consiga reunir todo mundo.” Não olhem isso como
uma coisa chata, triste, é fruto do trabalho de nós todos. As pessoas estão em casa, cara quer
fazer um mercado, ouvir um pagode, sentar e ver o “Chocolate com Pimenta” pela décima
quinta vez. Que ótimo, muitas vezes o Loucura e o Caps eram o único itinerário da pessoa,
hoje o cara tem inúmeras possibilidades, itinerários. Felizmente a galera vem, tá ai, mas é um
momento novo, que a gente tá aprendendo a lidar, descobrindo coisas novas. O Carnaval
cresceu, muita gente do bairro vem, a molecada, tem uma escola pública aqui dentro, que era
uma escola “especial” separada, que com a reforma da educação passou a ser uma escola
regular.

Camilla: Essa aqui do lado?


Abel: É. E é muito legal, depois até mando para vocês. Uma das contrapartidas do edital era
dar oficinas para alunos da rede pública, a gente deu de manhã nessa escola e de tarde aqui
pro público escolar. Foi maravilhoso, foi legal pra caramba. Quando aqui tinha carro, por que
antigamente tinhamos uma van, a gente fazia umas oficinas itinerantes, montávamos uma
mini bateria e íamos bater um papo com a molecada sobre saúde mental e depois botava a
galera da bateria, os doidos para ensinar a molecada tocar. As vezes a gente recebia também,
fazia um lanche, passava um filme, é isso tinha em escolas, abrigos, outros Caps, rodavamos
bastante. Por exemplo, tem duas situações que são bem legais de como a gente aprende com
os outros coisas que a gente nem sabia que era possível. Uma vez uma moça chamou a gente
lá para tocar “Queria que vocês viessem fazer um desfile aqui.” Mas não era Carnaval nem
nada assim, mas a gente foi, ela arrumou um carro na prefeitura de Caxias. “Mas como a
senhora teve essa ideia?” “Eu fui ai no desfile de vocês e aqui tem uma moradia, mas ao
contrário de vocês que ao invés de alugar casa a prefeitura construiu uma vila no centro da
cidade.” Ficou aquela situação, o pessoal da vila ficou escaldado de como os vizinhos vão
receber, e os vizinhos também ficam escaldados... “Imaginei que se vocês fizessem um
samba lá na porta da vila todo mundo ia se misturar, entrar na onda...” “Você tá certa
senhora, a gente vai ai.”

Botamos a galera em um ônibus, a vila era um negócio maneirão, tinha quintal com árvore,
fruta, eram umas casas que moravam umas três pessoas em cada casa, botaram um mesão no
quintal com sorvete, as pessoas almoçando. Um cara parou, ficou me olhando, e falou
“Abel...” e eu falei “ O que que foi?” e ele “ Isso aqui” e eu “ O que que tem?” ele falou “Isso
aqui que é a luta antimanicomial.” “Olha, a gente tá em um quintal, com nossos amigos,
chamando gente pra almoçar, dando sorvete, os cara tem a sua casa.” ai eu falei “Porra,
milhões de coisa que eu explicasse para você não seria melhor que isso aqui hoje.” “E é
exatamente isso, você receber uma pessoa em casa, os amigos pra almoçar, tocar um pagode,
tomar um sorvete, sair na rua, você entendeu tudo.” Dito e feito, concentramos na porta da
vilinha, todo mundo ficou olhando, fomos até a praça e geral na praça já tava animado, e a
gente “Essa aqui é a galera da vila, seus vizinhos, agradeçam a eles ai, quando o pessoal
chamar a gente vem de novo.”

Era bem isso, a gente estava falando da escola, não sei se vocês vão lembram quando quebrou
o estado e fechou todas escolas, ai ficou aquela coisa de ocupação nas escolas, as crianças
ligavam “A gente queria aula sobre saúde mental.” A gente foi no Pedro II, Visconde de
Cairu, fomos em um monte de escola, ensaiavamos, botávamos a galera pra tocar, um monte
veio desfilar com a gente. A própria galera da bateria ficou surpresa “Estão chamando a gente
pra ir em escola, dar palestra...” Eu falava “O povo quer saber.” E eu acho que tem uma
coisa, toco muito nessa tecla, acho que foi até um seminário antes de 2019 ou 2018, que eu
falei “Cara tem uma coisa que é difícil as pessoas... que leva tempo pra ver... se você pensar
que de oitenta a dois mil, uma pessoa podia ficar adulta sem nunca ter falado nada disso que a
gente conversou, sem falar sobre gênero, raça, deficiência, saúde mental.” Você se tornava
um adulto sem falar sobre isso. Se você pensar que hoje, qualquer garoto, garota, ou o que
quiser ser, por mais que eu queira ignorar que esses assuntos, blindar essa pessoa, não tem
como esse assunto não chegar em uma tv, numa sala de aula, em uma praça, buteco. Essas
coisas são longes do que a sonhou e gostaria que fosse, mas são uma realidade.

E esse lance da molecada é isso, é um mundo que é diferente, e as vezes, o que eu falei com a
galera na época, nos aterrorizamos e chamamos as coisas de avanço, avanço da extrema
direita, do conservadorismo, fascismo, mas isso não é avanço, o nome tá errado, isso é
desespero. Essas pessoas ganharam tudo que ganharam no grito e no silêncio das pessoas, e ai
você chega e vai falar para o cara essas coisas e ele vira e fala “Não, não é assim não.” Isso é
desesperador, as pessoas tão a mais de quinhentos anos vivendo assim, e ai você vê que um
garoto de seis anos, oito anos, fala “Não isso ai que você tá falando é maluquice.” E não é
nem pra desrespeitar o mais velho “Minha tia é assim, minha mãe é assim e ninguém é do
diabo, assassino, mau caráter. Deve ser o seu parente.” E é isso, o triste e que essas pessoas...
como o ditado diz “Violência mais como arma é um discurso.” O triste as vezes é que essas
pessoas tão vendo mais do que muitos de nóis que a gente avançou e tão reagindo, e a gente
ainda tá preocupado com que a gente chama de avanço. Quando na verdade é isso, os caras
estão tão desesperados, e tudo que a gente já conseguiu avançar tem uma reação violenta de
quem está perdendo.

Sandra: Queria te agradecer se não ficaremos aqui e eu não quero tomar o seu tempo.

Você também pode gostar