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INSTITUTO FEDERAL FARROUPILHA/IFFAR

PROFA. SUZANA ZANON/ LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA

DANIEL MUNDURUKU: "OS POVOS INDÍGENAS SÃO A ÚLTIMA RESERVA MORAL DENTRO DESSE
SISTEMA"

Ao lado de nomes como Aílton Krenak, Munduruku é um dos grandes pensadores e difusores da cultura indígena no
Brasil - Universidade Estadual do Piauí (UESPI)

Basil de Fato - Daniel, você já disse em outras oportunidade  que considera os povos indígenas, hoje no Brasil,  a
última fronteira a ser superada pelo sistema capitalista .  O que você quer dizer com essa afirmação?
Quando eu afirmo isso, eu levo em consideração o fato de que no Brasil nunca houve nenhum socialismo. É tudo
balela, no sentido narrativo. Existe sim o desejo, o ideal, a utopia, mas de fato mesmo nunca houve socialismo,
comunismo ou experimentação política que seja mais radical.
Os únicos que fazem isso sem precisar fazer teoria são as populações originárias do Brasil, que já tem toda uma
uma pedagogia de transmissão de saberes com essa ideia da repartição, do coletivismo, de trabalhar em conjunto, de
manter o território como um bem comum e nunca como um bem individual, que sai um pouco dessa ideia de propriedade
privada e tudo mais, que é a grande mola propulsora do capitalismo. 
Portanto, são sociedades que questionam o status capitalista que nós vivemos. São sociedades que estão ali
gritando e dizendo que outro modo de vida é possível. ‘É assim que nós queremos viver, acreditamos nisso, e nós temos
direito a isso’. E é claro que sempre que a gente faz isso, que a gente defende esses princípios, a gente está brigando  
frontalmente, está criando uma resistência, uma fronteira para que o capitalismo não avance.
As pessoas normalmente acham que ao fazer isso nós estamos fazendo porque nós somos selvagens, né? Ou
porque, nós somos preguiçosos e não queremos trabalhar. As pessoas precisam entender que isso é uma escolha, uma
opção. E que a vida capitalista não é única. Existem outras maneiras. Então, nós formamos mesmo a última fronteira de
resistência que o capitalismo brasileiro ainda não conseguiu superar.
Porque, em outros lugares do mundo, essa barreira já foi vencida, inclusive criando essa ideia cínica, que está na
boca do atual presidente, que é preciso integrar os índios à sociedade brasileira, para que eles usufruam de tudo isso, de
todos os benefícios do capitalismo.
Isso já foi experimentado em outros lugares, mesmo nos Estados Unidos, que costumam ser o exemplo dessa
gente neoliberal, a gente vê que lá se criou sim uma série de experiências de inserção ao mundo capitalista e os próprios
indígenas hoje estão frustrados, decepcionados com isso e estão querendo voltar atrás, voltar a sua vida mais coletiva,
foram percebendo que perderam a sua essência. 
No Brasil, isso precisa ser conversado. O Brasil é um país muito diverso, o Brasil ainda possui 305 povos e isso
é uma diversidade muito grande. E esses 305 povos estão em diferentes momentos de contato com a sociedade brasileira.
Então não se pode generalizar, que é o que o termo índio faz, né? Generaliza como se todos nós dependêssemos da
mesma política. 
Então, eu penso mesmo que dentro dessa perspectiva de pensamento, de filosofia, os povos indígenas ainda são a
última reserva moral dentro desse nosso sistema. Agora, o que vai ser daqui pra frente? A gente nunca sabe. Esperamos
que os próprios indígenas possam responder e ter soluções fidedignas para isso tudo

[...]
Daniel, mais recentemente nas mobilizações em Brasília, acompanhamos muitos indígenas, especialmente jovens,
narrando, filmando e retratando as manifestações contra os retrocessos em curso hoje no país. Gostaria que você
falasse um pouco sobre este movimento. Atualmente, a criação de narrativas pelos próprios indígenas está mais
consolidada?
Isto está acontecendo e é um movimento muito interessante. Me anima muito observar a juventude dominando
toda essa tecnologia, toda essa linguagem moderna e contemporânea, usada pelas redes sociais, pelas mídias sociais. Me
agrada muito saber que estão cumprindo aquilo que é o exercício da nossa própria cultura, que é a atualização
permanente.
Para que a gente sobreviva enquanto povo a gente tem que estar o tempo inteiro nos atualizando, atualizando a
nossa cultura. E aí também tem toda uma ressignificação que a juventude está fazendo a respeito de qual o conceito de
indígena

que nós precisamos trabalhar a partir de agora. Conceito que não é aquele antiquado que ainda hoje as escolas
lidam no famoso dia 19 de abril, no Dia do Índio. Como se existisse um único sujeito igual a todos.
A sociedade precisa perceber que somos seres do presente. Nós somos contemporâneos, ou seja, nós estamos aqui
agora vivendo essas mesmas dificuldades que todo mundo vive, as mesmas alegrias que todo mundo vive, com um
diferencial que nós queremos continuar mantendo o nosso bem viver, nosso jeito de entender o mundo a partir de uma
compreensão de coletividade.
Pode ser que essa juventude tenha um pouco mais de dificuldades às vezes de lidar com isso, porque muitos deles
não experimentaram a vida comunitária de fato, muitos deles já são frutos de uma  realidade mais urbana. Mas eles
trazem consigo a memória, a memória do seu povo, a memória ancestral e se eles conseguem de fato trabalhar com essa
memória. 
Eles irão certamente fazer um trabalho bem bonito de atualização dessa memória porque é isso que a literatura
também faz. É essa atualização permanente da memória ancestral, quer dizer, trazer para o agora, para o hoje, as histórias
contadas pelos antigos. Porque isso dá sentido ao nosso hoje, ao nosso  pertencimento a essa realidade. Por isso costumo
dizer sempre que nós indígenas não somos do passado. 
O passado para nós é apenas memória e é a memória que nos dá o suporte para que a gente viva hoje de acordo
com os princípios da nossa tradição, com aquilo que faz parte do princípio de existência, do princípio de vida, que é a
questão do coletivo, que é a questão do pertencimento, questão de proteção do território, questão da demarcação de terra,
tudo isso faz parte desse desses princípios básicos da nossa existência.
Sobre a memória que você fala Daniel, em meio à pandemia, vimos muitos anciãos indígenas, de diferentes etnias,
perderam a vida pela covid-19. Como vocês sentiram a perda destes mestres da tradicionalidade oral?
A gente sentiu muito, foi muito triste, mas faz parte da tradição que as histórias sejam contadas gradualmente.  
Elas não estão concentradas em uma pessoa. Claro, quanto mais velha uma pessoa é, mais ela guarda de memória. Mas ao
longo da trajetória de cada um, essas histórias vão passando para outras gerações. De modo que é a garantia de que
quando acontece um acidente, e é claro a covid não foi um acidente, mas quando acontece um acidente que uma pessoa
mais idosa faleceu fora do tempo, digamos fora da hora, outros já tenham aprendido aquelas histórias.
Eu costumo dizer que a gente se torna velho, mas não é um velho de imediato. A gente vai se tornando velho. E a
gente começa a se tornar velho numa cultura, por exemplo, quando a gente se torna avô. E ser avô na cultura indígena é
muito cedo, normalmente com 30, 35 anos. Se tudo seguir seu ciclo, aos 40, 45 anos a gente já é bisavô.
Então, é uma perda sempre muito grande, é uma biblioteca inteira de nós que se apaga. Mas, ao mesmo tempo, ele
já garantiu, ao se tornar mais velho, mais sábio, que outros já ouviram suas histórias, para que se mantenha essa
circularidade do pensamento. É óbvio, repito, porque foi muito triste, que a gente perdeu, no meio da pandemia, muitos
bons narradores de histórias, a gente perdeu muitos líderes comunitários, articuladores políticos. E tudo isso sempre é
uma grande perda de fato porque a gente perde referências.

Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2021/10/17/daniel-munduruku-os-povos-indigenas-sao-a-ultima-reserva-moral-
dentro-desse-sistema

(ENEM 2016.)
TEXTO I
Documentos do século XVI algumas vezes se referem aos habitantes indígenas como “os brasis”, ou “gente
brasília” e, ocasionalmente no século XVII, o termo “brasileiro” era a eles aplicado, mas as referências ao
status econômico e jurídico desses eram muito mais populares. Assim, os termos “negro da terra” e “índios”
eram utilizados com mais frequência do que qualquer outro.
SCHWARTZ, S. B. Gente da terra braziliense da nação. Pensando o Brasil: a construção de um povo. In: MOTA, C. G. (Org.). Viagem incompleta: a
experiência brasileira (1500-2000). São Paulo: Senac, 2000 (adaptado).

TEXTO II
Índio é um conceito construído no processo de conquista da América pelos europeus. Desinteressados pela
diversidade cultural, imbuídos de forte preconceito para com o outro, o indivíduo de outras culturas,
espanhóis, portugueses, franceses e anglo-saxões terminaram por denominar da mesma forma povos tão
díspares quanto os tupinambás e os astecas.
SILVA, K. V.; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2005.

Ao comparar os textos, as formas de designação dos grupos nativos pelos europeus, durante o período
analisado, são reveladoras da:
a) concepção idealizada do território, entendido como geograficamente indiferenciado.
b) percepção corrente de uma ancestralidade comum às populações ameríndias.
c) compreensão etnocêntrica acerca das populações dos territórios conquistados.
d) transposição direta das categorias originadas no imaginário medieval.
e) visão utópica configurada a partir de fantasias de riqueza.

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