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QUE É SER MUSSUQUENCE?

Valquíria Maria dos Santos Santana (FSLF)


Jairton Peterson Rodrigues dos Santos(UFS)

Essa pesquisa encontra sua relevância social no fato de apesar de existir muitos estudos
sobre negros e escravos, no quesito de remanescência e identidade, ainda existe grande carência,
principalmente quando do que na contemporaneidade se entende por Quilombo. Deste modo este
trabalho, buscar contribuir com um novo olhar sobre a identidade quilombola, lendo experiências
de outras comunidades, para poder entender esta na Mussuca-Sergipe.
Optou-se por fazer uso da técnica da história oral, para poder complementar ou até
contrapor aos discursos já pré-existentes, levando em conta a importância da utilização da
memória como fonte histórica, e não só os documentos ditos oficiais.
Optar por falar sobre o que é ser quilombola na atualidade é abrir a mente para um novo
conceito, desprendendo do utilizado nos séculos XIX. E com isso tentar, não responder, mas
refletir: afinal o que a Mussuca é?

Decreto 4.887 artigo 2º: Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os
fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória
histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade
negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.1

Esta é a definição sobre o que é ser Quilombola na atualidade que se encontra no decreto
4.887, de 20 de novembro de 2003. É a definição oficial do que por “lei” é ser quilombola.
A muito se discute o que é ser quilombola, e o que torna uma comunidade se reconhecer
como quilombola. A existência de muitos estudos faz com que possamos refletir sobre o passado
e futuro delas.
Segundo se encontra no site da Fundação Cultural Palmares, existe 13 certidões de auto-
reconhecimento das comunidades remanescentes dos quilombos em Sergipe e a Mussuca seu
reconhecimento foi publicada no Diário Oficial da União em 20 de janeiro de 2006.

1
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/2003/D4887.htm acessado dia 6 de setembro de 2008

1
A Mussuca é um povoado de características negra e rural, próximos de antigos engenhos:
Ilha, Forte Grande e Cedro. Tem em sua existência provavelmente, um aglomerado de pessoas
livres, desprovidas financeiramente, vivendo nos arredores destas propriedades.
Uma interessante característica que existe nessas comunidades é o espírito de
solidariedade que existia entre os escravos fugidos que aparece nos estudos feitos sobre o século
XIX . Tanto Cardoso (1992), quanto Santos (2003-2005) entram em concordância em dizer que
os escravos fugidos mantinham uma rede de solidariedade com moradores de engenhos e
povoados, livres ou cativos:
“pois os quilombolas fugidos mantinham uma
rede de solidariedade com moradores de engenhos
w povoados, livres ou cativos, dos quais recebiam,
(...) alimentos, armas, roupas, ferramentas.”2

“procuraram alcançar a própria senzala através


de uma aliança, uma solidariedade com os que ali
ficaram. Essa solidariedade perdurou a todo o
período do desenvolvimento do quilombismo em
Sergipe. Manifestou-se caso de perigo, quando
uns protegiam os outros, escondendo-os nas
senzalas (...) realizavam intercâmbio comercial,
trocando farinha e agasalhos pelos roubos
praticados.”3

Essa comunidade tem-se destacado nos últimos anos por suas manifestações culturais,
tendo a preocupação de mantê-las vivas, pois estas propiciam a devida interação entre o
indivíduo e o coletivo. Para aqueles homens e mulheres, o São Gonçalo e o Samba de Pareia são
muito mais que danças e folguedos esporádicos, são um motivo de orgulho singular, são suas
vidas.
Como Thompson4 escreveu que toda história depende de sua finalidade social e que se
transmite de uma geração a outra pela tradição oral. Por isso, um dos mecanismos para melhor
compreender a história da Mussuca, de seus hábitos e tradições, é recolher os relatos dos mais
antigos moradores. A fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável,
separam, em nossos exemplos, uma memória coletiva.

2
CARDOSO, Amâncio. Escravidão em Sergipe: Fugas e quilombos, século XIX p.60
3
SANTOS, Lourival Santana. Quilombos e quilombolas em terras de Sergipe no século XIX p.36
4
THOMPSON, Paul. A voz do Passado: História Oral. p.20

2
Se a identidade na maioria das vezes é pensada na idéia nas conexões com o passado,
Spielbaver5 expõe que o passado acumulado não é suficiente, pois acredita que a identidade é um
fenômeno atual, contemporâneo e dinâmico.
As histórias que seus pais, seus avós e bisavós contam, têm um valor muito maior do que
aparentam, soam com muito mais profundidade do que meras memórias de pretas e pretos velhos.
De fato, essas memórias são um pedaço da história que as atuais gerações não alcançaram, são
relatos que não estão nos livros e sim nas entrelinhas das conversas informais.
Na Mussuca, utilizamos a História Oral para entender as lacunas que a história oficial
deixou, fazendo-se possível entender um pouco melhor o que aquele local representa, não apenas
para a Academia e seus estudos históricos e antropológicos, mas para os seus moradores.
Podendo sim, ouvir diretamente as fontes para construir as versões que a história nos
disponibiliza.
Não queremos buscar a veracidade dos relatos, mas sim sua diversidade de histórias e
experiências vividas por eles, e por seus antepassados. Se pudermos entender o sentido que os
fazem serem entendidos como comunidade, quilombos e negros, já teremos grandes vitórias na
pesquisa.
O propósito maior do reconhecimento de comunidades quilombolas, para o Governo
Federal vai muito além do que uma simples titulação, uma forma de melhoria, para garantir a
regulamentação fundiária e o desenvolvimento sustentável da comunidade. Além disso, os
projetos querem abranger a construção de escolas, a manutenção ou construção de postos de
saúde, saneamento básico, empregos e luz elétrica.
Mas segundo consta, o povoado tem água, mas não é tratada e não é canalizada. Os
moradores dizem que a questão é política e antiga, assim para conseguir água, as pessoas têm que
levar latas d’água na cabeça sem qualidade e obtendo com sacrifícios. Embora, a Mussuca seja
cortada por tubulação da DESO, além de não ser tratada, não é canalizada para as residências.
Segundo relata o fotografo Alberto Lima6.
Ao ser perguntado sobre a água que consomem, ouve-se a seguinte resposta:
Temos não. Temos não. Ela é encanada assim do
Rio São Francisco, onde não falta água não. Todo
dia tem água, aonde cai, caí água. Onde vamos
5
SPIELBAVER, Judith K. Identidade. Texto Básico: Identidade. In: Cadernos Museológicos. Rio de Janeiro:
Secretaria de Cultura da Presidência da República/Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, n 3, Outubro de 1990
6
LIMA, Alberto. Cultura, Raça e Etnia: Fragmentos da África em Sergipe. p.29

3
pegar. A maioria do povo aqui, sai ta acostumado,
ai vão lá, pegar água.7

Segundo consta na página da CPI-SP 8 a ONG SACI9 trabalhou dez anos na comunidade
Mussuca, desenvolvendo projetos em parceria com a associação de moradores. Começando com
um grupo de 29 mulheres, Grupo de Mulheres Quilombolas, promovendo um processo de
conscientização e mobilização acerca de sua identidade enquanto afro-descentes e quilombolas,
no entanto, desconhecemos qualquer ação desta ONG, referente à questão do acesso da
comunidade a água tratada.
Na concepção de Katia Cunha10 esse tal reconhecimento constitucional e a
“autodenominação” pode vi a ser uma estratégia política, pois essas comunidades negras e rurais
são marcadas por uma ausência do Estado, por isso eles se interessam no reconhecimento, pois
este fato poderá provocar a existência de benefícios, já que a comunidade passa a ter direitos
depois de reconhecida.
Na observação de Paulo Neves11 ela alerta para as armadilhas que rondam o ser ou não
reconhecidos. Reflete sobre quando o reconhecimento é apenas baseado na luta do
reconhecimento pelo reconhecimento, pode levar a um não reconhecimento da comunidade em
questão, ou ainda pior, o não reconhecimento dos que não fazem parte do grupo.
Neves cita:
“como instrumento de defesa, ora como modo de
distinção e de afastamento dos problemas da
sociedade, diversos grupos passam a reivindicar
identidades particulares e exclusivos.”12

Pondo em cheque um fenômeno que pode ser detectado na Mussuca, o interesse externo de
identificar os moradores como remanescentes quilombolas, tentando fazer com que estes se
“identifiquem” como quilombolas. Mas essa tentativa pouco adiantou, tirando a declaração que

7
Neilson dos Santos. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 21/10/2006
8
CPI-SP – Comissão Pró-índio de São Paulo é uma organização não-governamental que tem como beneficiários os
povos indígenas e as comunidades remanescentes de quilombos do Brasil. www.cpisp.org.br
9
SACI – Sociedade Afrosergipana de Estudos e Cidadania, uma instituição não governamental, de caráter publico e
sem fins lucrativos, criada em Aracaju em 1986.
10
BAPTISTA, Karina Cunha. O Diálogo dos Tempos: Memória da escravidão, história e identidade racial entre os
afro-brasileiros
11
NEVES, Paulo Sérgio Costa. Reconhecimento e desprezo social ou dilemas da democracia no Brasil
contemporâneo p.122
12
NEVES, Paulo Sérgio Costa, idem.121

4
obtiveram da Fundação Palmares, os moradores ainda não conseguem usufruir as benesses da
titulação.
Nesse sentido, pode-se ressaltar a fala de Dona Regina 13, que diz que o terreiro é registrado
com o nome de São Lázaro devido à falta de assistência médica na localidade, o que demonstra
como a ausência do Estado fez com que os moradores busquem outros meios para suprir
deficiências, ou seja, procurassem nas suas práticas culturais religiosas, meios de resolver este
problema.
O fotografo Alberto Lima14 ao realizar as entrevistas feitas para execução do seu trabalho
observou que, os mussuquences permanecem vivendo o seu cotidiano sem a preocupação de
serem ou não remanescente de quilombo, até porque muitos nem sabem ao certo o que isso
significa, mesmo reconhecendo-se como uma comunidade de negros.
Existem alguns aspectos em comum nas comunidades negras rurais (outra denominação
atual pra designar uma comunidade quilombola) são: a falta de preocupação de legalizar as terras
que lá vivem; usam a terra para uma pequena agricultura, pecuária entre outras noções; o grupo
não se isola da sociedade envolvente e os laços de parentescos, sejam eles diretos ou indiretos,
fazem parte da organização desta comunidade. (SILVA, 2008 , p.4).
Durante a escravidão, era comum achar que qualquer aglomeração de escravo era um
QUILOMBO, mas segundo novos olhares da literatura sobe as antigas documentações e a
apropriação da expressão vem sendo ressignificado e ressemantizado.
Quem chama atenção pra esse fato é a pesquisadora Maria Nely 15 em sua obra intitulada A
sociedade Libertadora. “Cabana do Pai Thomaz” quando abre a discussão sobre o que se entende
de Quilombo. Achando mais apropriado a denominação de Mocambos as fugas que aqui
houveram, explicando:
“Durante a escravidão, tornou-se costumeiro
denominar-se, genericamente, de “quilombo”
tudo e qualquer agrupamento de escravos
fugidos... Sem fugir à regra, estudiosos sergipanos
da contemporaneidade adotam, sistematicamente,
o mesmo procedimento”.

13
Maria Regina. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 21/10/2006
14
LIMA, Alberto Op.Cit
15
SANTOS, Maria Nely. A sociedade Libertadora. “Cabana do Pai Thomaz”, Francisco José Alves, uma história de
vida e outras histórias p. 111-113

5
Apresentando o mocambo com construções precárias, localizada na floresta e nas
proximidades nas matas dos engenhos, não compondo espaços específicos, marcado pela
prevalência dos roubos e saques.
É necessário que haja uma revisão conceitual sobre quilombo, pois só assim poderemos
melhor pesquisar e analisar assuntos relevantes a escravidão. O importante é entender o
complexo contexto que cada comunidade possui em sua bagagem histórica.
No artigo de Arruti16 ele defende o conceito de reconhecimento dos remanescentes que
tem se mostrando em alguns casos, uma via importante para garantir suas terras e sua voz
política, antes mesmo de ser um ato natural de identificação do que é dado, ao contrário, as
obriga a compreender as transformações operadas na ideologia dominante para que possam
aceitar e se adaptar a esses novos papéis.
Mas afinal de contas, o que define ser ou fazer parte de uma comunidade quilombola? Pois
já há mais de duas mil comunidades identificadas como descendentes de quilombolas 17. Entre
elas há muitas formadas por escravos libertos e também formadas posteriormente a 1888, quando
já dão haveria escravidão e, portanto não mais necessidade de quilombos.
Isso realmente nos indaga a reforçar a necessidade de se rever e de se entender o que era ser
quilombo no século XIX e hoje, século XXI. Será que temos tanto arcabouço assim para traçar
afirmar que perfil é uma comunidade quilombola ou não? Ou depois de 120 anos temos muito a
galgar antes de fazer essa afirmação?
Contudo, antes de qualquer atitude radical, é imprescindível rever essa postura que ainda
persiste na historiografia clássica brasileira. Um caso parecido com a da Mussuca, esta escrita no
artigo que se refere a uma comunidade quilombola Rio das Rãs, o qual o autor Valdélio Santos 18,
ao fazer a releitura de outros pesquisadores que atentam a um interessante ponto. Que as
definições de quilombo são criadas pelos agentes da administração, ou seja, apresentando a cena
um personagem que muitos nunca suspeitariam, a tendência em poder manipular as fontes
documentais, os quais muitos historiadores ainda se prendem tanto.
O texto cita o exemplo do que os agentes da administração colonial fez com Palmares,
aumentando o numero de habitantes, para “compensar” o fracasso frente aos quilombolas.

16
ARRUTI, José Maurício Andion. Emergência dos “Remanescentes”: Notas para o diálogo entre Indígenas e
Quilombolas
17
CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Quilombos: comunidades e patrimônio
18
SILVA, Valdélio Santos. Rio das Rãs à luz da noção de quilombos p.5

6
Acredito que Gizêlda Melo19 foi feliz no quesito do uso da história oral, que tornou-se
trivial ao discutir esses casos, onde a documentação dificilmente conseguiria chegar ao ponto
desejado:
“Remover as camadas do tempo, vasculhar a
memória procurando vestígios tradutores de uma
época e de uma forma de vida; reviver em cada
gesto, em cada palavra, cada objeto citado um
tempo ímpar, onde o que conta não é o episódio,
mas os retalhos de uma narrativa... Debulhar as
narrativas e delas retirar objetos ocultos pela
poeira do tempo é o que certas narradoras nos
provocam.”

Embora os relatos orais sejam uma alternativa para preencher lacunas que os documentos
nos deixam, elas não são “perfeitas”, pois ao mesmo tempo em que pode responder a algumas
dúvidas, elas podem trazer á tona outros questionamentos, havendo também discursos
contraditórios, da oralidade sobre os documentos. Sendo assim construindo um circulo que gira
em torno de um determinado assunto, fazendo que ele nunca seja totalmente terminado, ou caia
no esquecimento.
Se usarmos o conceito dessa nova abordagem que temos que dá ao que é uma comunidade
quilombola, então a é difícil ver que a Mussuca foi um refugio, pois em depoimentos que se
obteve, seria uma doação feita por uma Maria Banguela ou “Benguela” que doou a escritura da
área para os primeiros moradores do local 20, se foi uma doação, não foi um refugio de escravos,
ou um esconderijo.
É um grupo majoritariamente que tem orgulho de terem vários grupos folclóricos (e
representa uma grande importância para a cultura sergipana, sendo o São Gonçalo e o Samba de
Pareia maiores referenciais da cultura e identidade locais), existe características afrodescendentes
e muitos laços de parentesco. Apesar dos rumores de ser uma comunidade fechada até pouco
tempo, hoje ela abre as portas de suas casas para que os pesquisadores possam desfrutar de
simples e agradáveis presenças.

19
NASCIMENTO, Gizêlda Melo. Feitio de viver: memórias de descendentes de escravos. p. 53-54
20
LIMA, Alberto Op.Cit p. 24

7
Segundo alguns moradores por nós entrevistados21 eles tem muito orgulho de brincar,
dançar e festejar o São Gonçalo. “Adoro São Gonçalo, só fico satisfeito quando brinco o S.
Gonçalo”.
Para debater sobre a construção de uma identidade quilombola na Mussuca, é interessante
verificar como a comunidade interage com as organizações de apoio como a SACI, CPI-SP 22 e a
Fundação Cultural Palmares.
Demonstrando como as questões teóricas divergem da prática, nas conversas e entrevistas
com os moradores fez-se perceptível que a idéia de quilombo ou remanescente quilombola está
confusa ou pouco explícita pra eles.
Patrimônio histórico quilombola, quilombola, ai
com isso a Mussuca ta dizendo assim, acho que
não é não, que ela voltaria ao que era antes, sem
paralelo, sem luz, mas é uma comunidade
precisada.23

O que podemos ver com isso, é que não existe com eficácia a preservação de uma
identidade, mas sim uma criação. Lançando novos sujeitos políticos, que constituem uma
identidade comum, a fim de alcançar novos recursos primordialmente de natureza territorial, e só
depois as questões de cultura e origem emergem, passando a ser plenamente tematizada.
Chamando assim o que Hobsbawm e Ranger titula de “invenção de tradições”
(ARRUTI,1997,p.27)
“A gente já vem trabalhando esse grupo há um
ano para ver se a gente mobiliza a comunidade a
se reconhecer enquanto quilombolas.”24

O que impressiona é quando saímos pra conversar com as pessoas, alguns não entendem o
que é ser um remanescente de quilombo (podendo ser um desinteresse, falta de explicação ou
mesmo resistência). Enquanto outros acham muito bom que finalmente o povoado que há muitos
negros foi reconhecido. Identifica-se com as manifestações culturais, como também
manifestações religiosas, como o “Xangô” como alguns citam.

21
Entrevista de Elpidio Dílson dos Santos e José Sales de Sousa em 21.10.2006
22
CPI-SP – Comissão Pró-índio de São Paulo é uma organização não-governamental que tem como beneficiários os
povos indígenas e as comunidades remanescentes de quilombos do Brasil. www.cpisp.org.br
23
Entrevista de Neilton dos Santos. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 21.10.2006
24
Cleide dos Santos. Entrevista retirada do site www.cpisp.org.br/comunidades, moradora da comunidade Mussuca ,
acessado no dia 18.10.2006

8
Olhando atentamente para essas manifestações, entende que foi um meio que a comunidade
teve para expressar sua alegria e a sua história, e, portanto perpetuá-la. A conseqüência disso
tudo, foi que os moradores acabam criando a sua identidade, sem ajuda de nenhum órgão dizendo
o que são ou o que não são.
Os moradores valorizam a sua cultura, a sua descendência negra, suas identidades estão
entrelaçadas nas festas (considerando-se folclore ou manifestações populares) e na família, com
lembrança de seus pais e avós, parentes e amigos. Como disse Neilton 25 na entrevista, “aqui é
como se fosse o berço cultural de Laranjeiras, da cultura.”
Todos os entrevistados oficialmente ou que apenas em conversas amistosas, falavam que
gostam muito de morar naquela localidade, mas que sabiam o quanto era preciso ser mais
valorizado e incentivado pelas autoridades.
O que D. Regina relata, não é diferente o que já ouvimos dos outros moradores: “Quem
sabe daqui da Mussuca somos nós velhos, que nasceu aqui e se criou, quem chega... não sabe
26
notícia daqui da Mussuca.” As pessoas mais velhas tem um destino da memória muito
importante, a de não só guardar as tradições mas de voltar ao passado e rememorar detalhes,
fases, confrontos e opiniões.
A memória dos mais antigos são de uma alguma forma o que Bossi (1994,p.84) cita, que
existe dois tipos de narrador, o que vem de fora e narra suas viagens; e o que ficou e conhece
sua terra, seus conterrâneos, cujo passado o habita.
Em termos práticos, é uma confirmação ou queixa que os moradores da comunidade fazem,
pois muito se diz a respeito da Mussuca, será que é isso mesmo que os moradores pensam ou
querem?
Será que eles realmente acham mais importante uma titulação de comunidade quilombola,
ou se querem continuar seguindo com suas vidas, como antes da “invenção” (jeito interessante
que um dos entrevistados referiu-se a titulação) do conceito quilombola.
O que pra eles é ser mussuquence?
Apesar de serem uma comunidade negra, possuírem tradições culturais e religiosas
afrodescendente, vivem em parte sob uma “criação” acadêmica de uma espécie de biblioteca viva
sobre a memória, que os mais antigos moradores guardam das histórias contadas dos seus
antepassados sobre época da escravidão.
25
Entrevista de Neilton dos Santos. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 21.10.2006
26
D. Nadir. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 28/10/2006

9
Ao que parece a população vai vivendo sem a preocupação da problemática ser ou não ser
remanescente quilombola. São negros e se assumem como tais, são atores principais de suas
tradições passadas oralmente de geração em geração. Causando até como vimos antes, estranheza
o termo quilombo ou quilombola. Para eles, a questão de ser negro está explicito, não precisando
então para se identificar utilizar rótulos.
As famílias sobreviveram explorando pequenas roças de subsistência com o trabalho
familiar em terra alheia ou devoluta. São pessoas que experimentaram uma vida de sacrifícios e
sofrimentos, marcados pela pobreza por falta de oportunidade e discriminação.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRUTI, José Maurício Andion. Emergência dos “Remanescentes”: Notas para o diálogo entre
Indígenas e Quilombolas. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0104-93131997000200001 Acesso em 04.08.2008

BAPTISTA, Karina Cunha. O Diálogo dos Tempos: Memória da escravidão, história e identidade
racial entre os afro-brasileiros. (Dissertação do departamento de História UFF)

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembrança de Velhos.3ªed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994

CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Quilombos: comunidades e patrimônio. Disponível em:
www.revista.iphan.gov.br/print.php?id=55 acesso em 26/05/2007

CARDOSO, Amâncio. “Escravidão em Sergipe: fugas e quilombos, século XIX”.In: Revista do


Histituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Vol.1, Nº34 (2003-2005)

LIMA, Alberto. Cultura, Raça e Etnia: Fragmentos da África em Sergipe. (Governo Federal)
Mussuca-Laranjeiras-Sergipe 2005

NASCIMENTO, Gizêlda Melo. Feitio de viver: memórias de descendentes de escravos ;


Londrina: Eduel, 2006

NEVES, Paulo Sérgio Costa. Reconhecimento e desprezo social ou dilemas da democracia no


Brasil contemporâneo: algumas considerações à luz da questão racial. Disponível em:
http://64.233.169.104/search?q=cache:mxsoaMw7ZNUJ:www.periodicos.ufsc.br/index.php/
politica/article/viewPDFInterstitial/1260/1203+reconhecimento+e+desprezo+social&hl=pt-
BR&ct=clnk&cd=1&gl=br&lr=lang_pt acesso em 13.09.2008

SANTOS, Lourival Santana. Quilombolas e quilombos em terras de Sergipe no século XIX.


Revista do IHGS. Aracaju. n. 31, 1992

SANTOS, Maria Nely. A sociedade Libertadora. “Cabana do Pai Thomaz”, Francisco José
Alves, uma história de vida e outras histórias. Aracaju: Gráfica J. Andrade, 1997

SILVA, Valdélio Santos. Rio das Rãs à luz da noção de quilombos. Disponível em:
http://www.mulheresnegras.org/doc/valdelio.doc acesso em 30.08.2008

SPIELBAVER, Judith K. Identidade. In: Cadernos Museológicos. Rio de Janeiro: Secretaria de


Cultura da Presidência da República/Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, n 3, Outubro de
1990.

THOMPSON, Paul. A voz do Passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992

POLLACK, Michel. “Memória, esquecimento e silêncio”. In: Estudos históricos. Rio de Janeiro,
1989, vol II, nº3, p.3-15
11
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/2003/D4887.htm acesso em 6.09.2008

http://www.palmares.gov.br acesso em 6.09.2008

www.cpisp.org.br/comunidades acesso em 18.10.2006

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