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BARCELOS, Silvânio Paulo de. Quilombo Mata Cavalo: terra, conflito e os caminhos da identidade negra. 2011. 211 f.

Dissertação
(mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós-Graduação em História.
Cuiabá, 2011. Disponível em: http://ri.ufmt.br/handle/1/1361. Acesso em: 16 de outubro de 2023.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................1

PARTE 1....................................................................................................................................6

CAPÍTULO 1: Escravidão racial na era moderna...................................................6

INTRODUÇÃO

TRECHO PÁGINA COMENTÁRIOS


A identidade negra na Comunidade de remanescentes do Quilombo Mata p. 6. Identidade quilombola: terra e memória.
Cavalo, localizada no município de Livramento, em Mato Grosso, está
ancorada conceitualmente a dois pilares bem definidos: “terra e memória”
dos escravos da Sesmaria Boa Vida, seus ancestrais.
A terra no Quilombo Mata Cavalo, como passaremos a partir de agora a p. 1. Parte da hipótese que será melhor desenvolvida
designar sem que se altere sua condição de lugar de remanescentes, constitui- adiante na dissertação.
se como catalisadora do sentimento de pertença de seu território. No percurso
da história, seus ancestrais fincaram ali suas raízes, construindo através delas
os elementos culturais de suas identidades marcadas pela singularidade do ser
negro e quilombola.
Os costumes, a religiosidade, a vida comunitária, as tradições e o esforço na p. 1-2. Neste trecho, é possível traçar paralelos com o que
manutenção de suas identidades produzem uma territorialidade única, foi observado em Torto arado.
edificando-a enquanto espaço vital, real e simbólico, simultaneamente. Para
além do significado do sentimento de pertença, a questão essencial na
história dos remanescentes do Mata Cavalo consiste no fato da existência
dessa comunidade em função da terra.
Segundo Haesbaert, “teríamos vivido sempre uma multiterritorialidade, onde p. 2-3. Conceito de multiterritorialidade.
percebemos que em toda relação social há uma implicação, uma interação
territorial, um entrecruzamento de diferentes territórios. Nesse quadro
sociocultural, o indivíduo vive ao mesmo tempo ao seu nível particular, bem
como de seus familiares, do grupo social, e da própria comunidade. [...] Ao
rebuscar os elementos culturais a partir da memória de seus antepassados [os
quilombolas] recriam seus territórios na diáspora, ressignificando seu espaço
e delimitando-o como um território de negros.
A tradição e os costumes herdados dos seus antepassados constituem-se para p. 3. Embates entre tradição e modernidade. Na
essa comunidade a possibilidade de perpetuação da memória escrava, um dos dinâmica de conflito entre esses dois campos, a
elos formadores de suas identidades. Entretanto, para os jovens dessa terra ainda possui o mesmo valor material e
comunidade, a tradição possui outras configurações que respondem a seus simbólico que converge as singularidades.
próprios anseios e às necessidades de afirmação em um mundo marcado pela
modernidade, por constantes transformações e pelas incertezas que delas se
originam. Apesar dessas perspectivas um tanto nebulosas, a terra, testemunha
viva da história do Mata Cavalo, ainda possui o mesmo valor material e
simbólico capaz de conformar identidades singulares. No confronto das
gerações, nessa comunidade, o velho e o novo se entrecruzam e, apesar da
aparente contradição, a tensão social, sempre presente, assume novas
dimensões quando todos se reúnem em torno dos festejos nos dias santos.
Nessa ocasião festiva, a alegria reforça os elos da solidariedade ao mesmo
tempo em que cultiva o ideal da negritude, uma herança de resistência ao
regime escravista, que se revela maior que as querelas de suas vidas sociais e
seus aparentes antagonismos.
[...] podemos levantar uma questão explicativa do processo de constituição p. 6-7. Hipótese da pesquisa.
da
identidade no Mata Cavalo, tendo como seus elementos principais a terra e a
memória afro-referenciada, construída pelas vias do imaginário, no período
em que os ancestrais do Mata Cavalo ainda se encontravam em cativeiro.
Para além de local de subsistência, do conforto de uma moradia e a segurança
do espaço de pertencimento, a terra, para os descendentes dos ex-escravos da
Sesmaria Boa Vida, possui valores simbólicos plenos de subjetividades. Via
de regra, constitui-se na fronteira entre o “nós” e os “outros”, possibilitando,
na interface com a memória escrava, a edificação dos pilares de uma
identidade singular: o ser negro e também quilombola. Essa constatação nos
leva a trilhar caminhos de busca dos elementos que possibilitarão a escrita da
narrativa proposta.
Importa frisar que nosso esforço historiográfico expande-se além do limite da p. 7. A presença da subjetividade do autor na pesquisa.
simples especulação retórica de fatos ocorridos, pois sensibilizamo-nos pelas
causas sociais ainda não resolvidas, e nesta vertente percebemos o
movimento quilombola para além da necessidade de conquista de suas
próprias terras, constituindo-se em reparação histórica aos desterrados pela
violência da escravidão racial da era moderna. Nosso lugar da enunciação,
em alusão a Michel de Certeau, de onde falamos e escrevemos, pode ser
referido metaforicamente a partir dos terreiros da senzala da Sesmaria Boa
Vida, privilegiando-se os interesses e anseios mais elementares daquela gente
simples para as quais a terra é bem mais que possibilidade de trabalho, é
vida.

PARTE 1
CAPÍTULO 1 – Escravidão racial na era moderna
TRECHO PÁGINA COMENTÁRIOS
Stuart Hall utiliza o conceito “diáspora negra” para explicar a experiência dos p. 12. Stuart Hall sobre a identidade diaspórica.
Africanos desterritorializados em função da escravidão racial. Afro-
caribenho, vivendo em Londres, Hall entendeu sua condição de ser-no-
mundo: conhecendo intimamente os dois lugares [Jamaica e Inglaterra]
percebeu que na verdade não pertencia a nenhum deles, “e esta é exatamente
a experiência diaspórica, longe o suficiente para experimentar o sentimento
de exílio e perda, perto o suficiente para entender o enigma de uma chegada
sempre adiada”. Esse autor aponta que “de uma forma curiosa, o pós-colonial
prepara o indivíduo para viver uma relação pós-moderna ou diaspórica com a
identidade”.
Numa visão um pouco simplista das formulações deste pensador, quando p. 20. Ainda sobre Stuart Hall e o conceito de identidade.
saímos de nosso lugar de origem, perdemos a condição do retorno a ele ao
mesmo tempo em que no local de destino somos considerados estrangeiros.
Apanágio dos tempos pós-modernos, em função dos intensos movimentos
migratórios, a identidade nesta condição única só poderia ser constantemente
conformada pelas vias do conceito da diáspora. Desterritorializados de seus
lugares de origem os remanescentes do Mata Cavalo recriaram, na diáspora,
o seu território conformando-o como uma territorialidade única clivada pela
tradição herdada de seus ancestrais. Isso explica o alto valor simbólico que a
terra possui para essa comunidade, para além de simples lugar de
recolhimento e subsistência, o que ocorre também com outras populações
tradicionais. Numa consideração minimalista constitui-se como lugar de
fronteira entre o “eu” e o “outro”.
Na verdade, a possibilidade fornecida aos escravos de uma margem de p. 29. Brecha camponesa – conceito empregado pelo
economia própria, através da cessão de pedaços de terra para o plantio e folga historiador Eduardo Silva em Negociação e
de um dia por semana para o manejo da plantação, consistia numa poderosa Conflito. Esse processo, de certa forma, contribui
“moeda de troca” a disposição dos senhores e proprietários de escravos. para a consolidação da ligação das famílias negras
Desta forma, a “brecha camponesa”, de acordo com Silva, “aumentava a com a terra.
quantidade de gêneros disponíveis para alimentar a escravaria numerosa, ao
mesmo tempo que fornecia uma válvula de escape para as pressões
resultantes da escravidão”.
Como já foi dito anteriormente numa citação aos textos de Paul Gilroy, as p. 50. Ancestralidade recriada pela imaginação coletiva:
culturas desenvolvidas no circuito transatlântico - condicionadas ao fundamental para a manutenção da identidade que
sofrimento pela perda, dor e a distância - criaram mecanismos de consolação, caracteriza um grupo.
moldados em valores estéticos e simbólicos construídos por intermédio da
recordação, que entraram para a memória coletiva perpetuando-se através das
gerações. Assim, o mundo ancestral recriado pelas vias da imaginação
coletiva constitui patrimônio imaterial relevante para a manutenção do ethos
e da identidade que
caracteriza um determinado grupo em sua singularidade.
O conceito de identidade étnica surgiu devido à crise de “pertencimento” e p. 50. Conceito de identidade.
do esforço em se consolidar enquanto indivíduo dotado de história num local
em constante mudança, recriando sua própria realidade ao nível da idéia.
Conforme assevera Marcus Cruz, Doutor em História Social pela UFRJ, p. 51. Identidade: processo contínuo de mudanças.
professor da Universidade Federal de Mato Grosso, vivemos em um
momento da história onde as identidades são marcadas por um processo
contínuo de mudanças sendo “constante e permanentemente construídas,
desconstruídas e reconstruídas”. Não se trata, evidentemente, de uma coisa
que existe anteriormente à uma determinada situação, um apriorismo, mas
sim de seu antípoda: resulta de uma “construção humana”, desta forma o
conceito à elas aplicadas relaciona-se diretamente “com a maneira com que
os homens interagem com o mundo”.
Numa análise da concepção de identidade do “sujeito sociológico”, p. 51. Similaridade entre o conceito de identidade para
encontrado no livro “A identidade cultural pós-moderna”, de Stuart Hall, Hall e a condição do “ser quilombola”
citado por Marcus Cruz, percebemos a similaridade, no âmbito da filosofia,
entre os conceitos trabalhados por Hall e a condição do “ser quilombola” (importante para a arguição)
para os integrantes do Mata Cavalo, em oposição ao mundo exterior ao
quilombo onde vivem. Para quem a vida, sob as pressões constantes do
cotidiano de lutas, é continuamente marcada pela necessidade de se impor ao
meio envolvente clivado pela instabilidade, a identidade não resulta da
suposta auto-suficiência, presente no interior do sujeito que a desenvolve,
como é o caso da identidade do “sujeito iluminista”, também analisada por
Hall.
É exatamente a partir do conceito de identidade do “sujeito sociológico” que p. 52. Idem.
percorreremos os caminhos que possibilitarão legitimar nossa questão
norteadora da formação da identidade negra assentada nos conceitos da
“terra” e da “memória escrava”. [...] É no confronto entre o “nós”, que para
eles se reveste da condição de descendentes de escravos, e os “outros” com
os quais negociam seus modos de vidas, que a organização da identidade é
processada na condição do “ser quilombola”.
No entanto retomamos aqui a centralidade que o conceito “terra” possui para p. 52. Centralidade do conceito terra.
a própria existência do Mata Cavalo, constituindo-se no campo fértil da
realidade a sua própria gênese, posto que ao considerar-se a questão da
doação das terras aos ex-escravos, foi o próprio ato em si que permitiu a
consolidação do quilombo.
Entretanto, a valorização da cultura negra não oferece somente uma espécie p. 52.
de
proteção contra os preconceitos raciais, ela cria condições ideais que
permitem aos negros identificarem a si próprios como dotados de história, de
vida, de autonomia social e política, resgatando sua dignidade ética e também
estética, perceptível na busca da valorização do próprio corpo. Conscientes
da condição subjetiva de serem, de alguma forma no plano ideológico,
estrangeiros numa terra distante, embora a condição real de pertencimento à
uma nação constituída, os negros nos dias atuais tem buscado numa suposta
essência africana o elo que os liguem à terra de origem dos seus ancestrais.
Essa condição social e cultural constitui-se no cerne da questão que
possibilita explicar a situação de quem vive na diáspora.

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