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Aracaju-SE
2008
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Pretende-se com este artigo analisar o perfil identitário da comunidade Mussuca, povoado
de Laranjeira, Sergipe. Bem como, situar as interfaces existentes entre o sentido do
reconhecimento como remanescente quilombola e do auto-reconhecimento que a própria
comunidade tem de si. Neste sentido, buscaremos situar, através dos discursos locais as
implicações do ser, do vir a ser e do não ser comunidade quilombola. Diante do impasse
entre ser reconhecida pelo Governo Federal e não se auto-reconhecer, trabalharemos as
construções discursivas locais a fim de tentar entender o porquê do reconhecimento feito
pelos “de fora” e o não reconhecimento pelos “de dentro”. Para tanto, propomos construir
um sentido através da sistematização dos discursos êmicos, buscando entender como eles,
moradores da Mussuca, se auto-classificam. Para entendermos, então, o que é ser
mussuquense?
Abstract:
Wants with this article review the identity profile of Mussuca community, village of
Laranjeiras, Sergipe. And, keep the interfaces between the sense of recognition as
remaining Quilombo and self-recognition that the community has of it. In this sense, aimed
at, through local speeches the implications of be, come be and not be quilombo community.
Faced with deadlock between being recognized by the Federal Government and no self-
recognition, work local discursive construction trying to understand the reason why of
recognition done by "outside" and no recognition by "from within". To that end, we
propose to build a sense through systematization of emic speeches, looking into to
understand how they, residents of Mussuca, self-classified. To understand, so, what is
being mussuquense?
Essa pesquisa encontra sua relevância social no fato de apesar de existir muitos
estudos sobre negros e escravos, no quesito de remanescência e identidade, ainda existe
grande carência, principalmente quando do que na contemporaneidade se entende por
Quilombo. Deste modo este trabalho, buscar contribuir com um novo olhar sobre a
identidade quilombola, lendo experiências de outras comunidades, para poder entender esta
na Mussuca-Sergipe.
Optou-se por fazer uso da técnica da história oral, para poder complementar ou até
contrapor aos discursos já pré-existentes, levando em conta a importância da utilização da
memória como fonte histórica, e não só os documentos ditos oficiais.
Optar por falar sobre o que é ser quilombola na atualidade é abrir a mente para um
novo conceito, desprendendo do utilizado nos séculos XIX. E com isso tentar, não
responder, mas refletir: afinal o que a Mussuca é?
Decreto 4.887 artigo 2º: Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos,
para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição,
com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com
presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida.1
1
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/2003/D4887.htm acessado dia 6 de setembro de 2008
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Essa comunidade tem-se destacado nos últimos anos por suas manifestações
culturais, tendo a preocupação de mantê-las vivas, pois estas propiciam a devida interação
entre o indivíduo e o coletivo. Para aqueles homens e mulheres, o São Gonçalo e o Samba
de Pareia são muito mais que danças e folguedos esporádicos, são um motivo de orgulho
singular, são suas vidas.
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CARDOSO, Amâncio. Escravidão em Sergipe: Fugas e quilombos, século XIX p.60
3
SANTOS, Lourival Santana. Quilombos e quilombolas em terras de Sergipe no século XIX p.36
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Como Thompson (1992, p.20) escreveu que toda história depende de sua finalidade
social e que se transmite de uma geração a outra pela tradição oral. Por isso, um dos
mecanismos para melhor compreender a história da Mussuca, de seus hábitos e tradições, é
recolher os relatos dos mais antigos moradores. A fronteira entre o dizível e o indizível, o
confessável e o inconfessável, separam, em nossos exemplos, uma memória coletiva.
Se a identidade na maioria das vezes é pensada na idéia nas conexões com o passado,
Spielbaver (1990,p.1) expõe que o passado acumulado não é suficiente, pois acredita que a
identidade é um fenômeno atual, contemporâneo e dinâmico.
As histórias que seus pais, seus avós e bisavós contam, têm um valor muito maior do
que aparentam, soam com muito mais profundidade do que meras memórias de pretas e
pretos velhos. De fato, essas memórias são um pedaço da história que as atuais gerações
não alcançaram, são relatos que não estão nos livros e sim nas entrelinhas das conversas
informais.
Na Mussuca, utilizamos a História Oral para entender as lacunas que a história oficial
deixou, fazendo-se possível entender um pouco melhor o que aquele local representa, não
apenas para a Academia e seus estudos históricos e antropológicos, mas para os seus
moradores. Podendo sim, ouvir diretamente as fontes para construir as versões que a
história nos disponibiliza.
Não queremos buscar a veracidade dos relatos, mas sim sua diversidade de histórias e
experiências vividas por eles, e por seus antepassados. Se pudermos entender o sentido que
os fazem serem entendidos como comunidade, quilombos e negros, já teremos grandes
vitórias na pesquisa.
O propósito maior do reconhecimento de comunidades quilombolas, para o Governo
Federal vai muito além do que uma simples titulação, uma forma de melhoria, para garantir
a regulamentação fundiária e o desenvolvimento sustentável da comunidade. Além disso,
os projetos querem abranger a construção de escolas, a manutenção ou construção de postos
de saúde, saneamento básico, empregos e luz elétrica.
Mas segundo consta, o povoado tem água, mas não é tratada e não é canalizada. Os
moradores dizem que a questão é política e antiga, assim para conseguir água, as pessoas
têm que levar latas d’água na cabeça sem qualidade e obtendo com sacrifícios. Embora, a
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Mussuca seja cortada por tubulação da DESO, além de não ser tratada, não é canalizada
para as residências. (LIMA ,2005 p.29)
Ao ser perguntado sobre a água que consomem, ouve-se a seguinte resposta:
Temos não. Temos não. Ela é encanada
assim do Rio São Francisco, onde não falta
água não. Todo dia tem água, aonde cai, caí
água. Onde vamos pegar. A maioria do povo
aqui, sai ta acostumado, ai vão lá, pegar
água.4
4
Neilson dos Santos. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 21/10/2006
5
CPI-SP – Comissão Pró-índio de São Paulo é uma organização não-governamental que tem como
beneficiários os povos indígenas e as comunidades remanescentes de quilombos do Brasil. www.cpisp.org.br
6
SACI – Sociedade Afrosergipana de Estudos e Cidadania, uma instituição não governamental, de caráter
publico e sem fins lucrativos, criada em Aracaju em 1986.
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Embora os relatos orais sejam uma alternativa para preencher lacunas que os
documentos nos deixam, elas não são “perfeitas”, pois ao mesmo tempo em que pode
responder a algumas dúvidas, elas podem trazer á tona outros questionamentos, havendo
também discursos contraditórios, da oralidade sobre os documentos. Sendo assim
construindo um circulo que gira em torno de um determinado assunto, fazendo que ele
nunca seja totalmente terminado, ou caia no esquecimento.
Se usarmos o conceito dessa nova abordagem que temos que dá ao que é uma
comunidade quilombola, então a é difícil ver que a Mussuca foi um refugio, pois em
depoimentos que se obteve, seria uma doação feita por uma Maria Banguela ou “Benguela”
que doou a escritura da área para os primeiros moradores do loca (LIMA, 2005), se foi uma
doação, não foi um refugio de escravos, ou um esconderijo.
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O que podemos ver com isso, é que não existe com eficácia a preservação de uma
identidade, mas sim uma criação. Lançando novos sujeitos políticos, que constituem uma
identidade comum, a fim de alcançar novos recursos primordialmente de natureza
territorial, e só depois as questões de cultura e origem emergem, passando a ser plenamente
tematizada. Chamando assim o que Hobsbawm e Ranger titula de “invenção de tradições”
(ARRUTI,1997,p.27)
“A gente já vem trabalhando esse grupo há
um ano para ver se a gente mobiliza a
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Entrevista de Elpidio Dílson dos Santos e José Sales de Sousa em 21.10.2006
9
CPI-SP – Comissão Pró-índio de São Paulo é uma organização não-governamental que tem como
beneficiários os povos indígenas e as comunidades remanescentes de quilombos do Brasil. www.cpisp.org.br
10
Entrevista de Neilton dos Santos. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 21.10.2006
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O que impressiona é quando saímos pra conversar com as pessoas, alguns não
entendem o que é ser um remanescente de quilombo (podendo ser um desinteresse, falta de
explicação ou mesmo resistência). Enquanto outros acham muito bom que finalmente o
povoado que há muitos negros foi reconhecido. Identifica-se com as manifestações
culturais, como também manifestações religiosas, como o “Xangô” como alguns citam.
Olhando atentamente para essas manifestações, entende que foi um meio que a
comunidade teve para expressar sua alegria e a sua história, e, portanto perpetuá-la. A
conseqüência disso tudo, foi que os moradores acabam criando a sua identidade, sem ajuda
de nenhum órgão dizendo o que são ou o que não são.
Os moradores valorizam a sua cultura, a sua descendência negra, suas identidades
estão entrelaçadas nas festas (considerando-se folclore ou manifestações populares) e na
família, com lembrança de seus pais e avós, parentes e amigos. Como disse Neilton 12 na
entrevista, “aqui é como se fosse o berço cultural de Laranjeiras, da cultura.”
Todos os entrevistados oficialmente ou que apenas em conversas amistosas, falavam
que gostam muito de morar naquela localidade, mas que sabiam o quanto era preciso ser
mais valorizado e incentivado pelas autoridades.
O que D. Regina relata, não é diferente o que já ouvimos dos outros moradores:
“Quem sabe daqui da Mussuca somos nós velhos, que nasceu aqui e se criou, quem
chega... não sabe notícia daqui da Mussuca.” 13 As pessoas mais velhas tem um destino da
memória muito importante, a de não só guardar as tradições mas de voltar ao passado e
rememorar detalhes, fases, confrontos e opiniões.
A memória dos mais antigos são de uma alguma forma o que Bossi (1994,p.84) cita,
que existe dois tipos de narrador, o que vem de fora e narra suas viagens; e o que ficou e
conhece sua terra, seus conterrâneos, cujo passado o habita.
11
Cleide dos Santos. Entrevista retirada do site www.cpisp.org.br/comunidades, moradora da comunidade
Mussuca , acessado no dia 18.10.2006
12
Entrevista de Neilton dos Santos. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 21.10.2006
13
D. Nadir. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 28/10/2006
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRUTI, José Maurício Andion. Emergência dos “Remanescentes”: Notas para o diálogo
entre Indígenas e Quilombolas. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0104-93131997000200001 Acesso em 04.08.2008
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembrança de Velhos.3ªed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994
SANTOS, Maria Nely. A sociedade Libertadora. “Cabana do Pai Thomaz”, Francisco José
Alves, uma história de vida e outras histórias. Aracaju: Gráfica J. Andrade, 1997
SILVA, Valdélio Santos. Rio das Rãs à luz da noção de quilombos. Disponível em:
http://www.mulheresnegras.org/doc/valdelio.doc acesso em 30.08.2008
THOMPSON, Paul. A voz do Passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992
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LISTA DE FONTES: