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VALQUÍRIA MARIA DOS SANTOS SANTANA

ENTRE QUILOMBOS, MOCAMBOS, RECONHECIMENTO:


AFINAL O QUE É SER MUSSUQUENSE?

Trabalho de Conclusão de Curso,


apresentado como requisito para a
conclusão da Pós-Graduação em
Ensino de História: Novas
Abordagens, da Faculdade São
Luis de França, sob a orientação
do Profº MsC. Fernando Aguiar

Aracaju-SE
2008
2

Entre Quilombos, Mocambos, reconhecimento:


Afinal o que é ser mussuquense?

Pretende-se com este artigo analisar o perfil identitário da comunidade Mussuca, povoado
de Laranjeira, Sergipe. Bem como, situar as interfaces existentes entre o sentido do
reconhecimento como remanescente quilombola e do auto-reconhecimento que a própria
comunidade tem de si. Neste sentido, buscaremos situar, através dos discursos locais as
implicações do ser, do vir a ser e do não ser comunidade quilombola. Diante do impasse
entre ser reconhecida pelo Governo Federal e não se auto-reconhecer, trabalharemos as
construções discursivas locais a fim de tentar entender o porquê do reconhecimento feito
pelos “de fora” e o não reconhecimento pelos “de dentro”. Para tanto, propomos construir
um sentido através da sistematização dos discursos êmicos, buscando entender como eles,
moradores da Mussuca, se auto-classificam. Para entendermos, então, o que é ser
mussuquense?

Palavras-chave: Mussuca, quilombo, reconhecimento

Among Quilombos, Mocambos, recognition:


So what is mussuquense be?

Abstract:
Wants with this article review the identity profile of Mussuca community, village of
Laranjeiras, Sergipe. And, keep the interfaces between the sense of recognition as
remaining Quilombo and self-recognition that the community has of it. In this sense, aimed
at, through local speeches the implications of be, come be and not be quilombo community.
Faced with deadlock between being recognized by the Federal Government and no self-
recognition, work local discursive construction trying to understand the reason why of
recognition done by "outside" and no recognition by "from within". To that end, we
propose to build a sense through systematization of emic speeches, looking into to
understand how they, residents of Mussuca, self-classified. To understand, so, what is
being mussuquense?

Key-words: Mussuca, quilombo, recognition.

Aluna: Valquíria Maria dos Santos Santana


e-mail: val_mar_san@hotmail.com
Orientador: Fernando Aguiar
e-mail:fernandojfaguiar@hotmail.com
3

Entre Quilombos. Mocambos, reconhecimento e redistribuição:


Afinal o que é ser mussuquence?

Essa pesquisa encontra sua relevância social no fato de apesar de existir muitos
estudos sobre negros e escravos, no quesito de remanescência e identidade, ainda existe
grande carência, principalmente quando do que na contemporaneidade se entende por
Quilombo. Deste modo este trabalho, buscar contribuir com um novo olhar sobre a
identidade quilombola, lendo experiências de outras comunidades, para poder entender esta
na Mussuca-Sergipe.
Optou-se por fazer uso da técnica da história oral, para poder complementar ou até
contrapor aos discursos já pré-existentes, levando em conta a importância da utilização da
memória como fonte histórica, e não só os documentos ditos oficiais.
Optar por falar sobre o que é ser quilombola na atualidade é abrir a mente para um
novo conceito, desprendendo do utilizado nos séculos XIX. E com isso tentar, não
responder, mas refletir: afinal o que a Mussuca é?

Decreto 4.887 artigo 2º: Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos,
para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição,
com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com
presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida.1

Esta é a definição sobre o que é ser Quilombola na atualidade que se encontra no


decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003. É a definição oficial do que por “lei” é ser
quilombola.
A muito se discute o que é ser quilombola, e o que torna uma comunidade se
reconhecer como quilombola. A existência de muitos estudos faz com que possamos refletir
sobre o passado e futuro delas.
Segundo se encontra no site da Fundação Cultural Palmares, existe 13 certidões de
auto-reconhecimento das comunidades remanescentes dos quilombos em Sergipe e a

1
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/2003/D4887.htm acessado dia 6 de setembro de 2008
4

Mussuca seu reconhecimento foi publicada no Diário Oficial da União em 20 de janeiro de


2006.
A Mussuca é um povoado de características negra e rural, próximos de antigos
engenhos: Ilha, Forte Grande e Cedro. Tem em sua existência provavelmente, um
aglomerado de pessoas livres, desprovidas financeiramente, vivendo nos arredores destas
propriedades.
Uma interessante característica que existe nessas comunidades é o espírito de
solidariedade que existia entre os escravos fugidos que aparece nos estudos feitos sobre o
século XIX . Tanto Cardoso (1992), quanto Santos (2003-2005) entram em concordância
em dizer que os escravos fugidos mantinham uma rede de solidariedade com moradores de
engenhos e povoados, livres ou cativos:
“pois os quilombolas fugidos mantinham
uma rede de solidariedade com moradores
de engenhos w povoados, livres ou cativos,
dos quais recebiam, (...) alimentos, armas,
roupas, ferramentas.”2

“procuraram alcançar a própria senzala


através de uma aliança, uma solidariedade
com os que ali ficaram. Essa solidariedade
perdurou a todo o período do
desenvolvimento do quilombismo em
Sergipe. Manifestou-se caso de perigo,
quando uns protegiam os outros,
escondendo-os nas senzalas (...) realizavam
intercâmbio comercial, trocando farinha e
agasalhos pelos roubos praticados.”3

Essa comunidade tem-se destacado nos últimos anos por suas manifestações
culturais, tendo a preocupação de mantê-las vivas, pois estas propiciam a devida interação
entre o indivíduo e o coletivo. Para aqueles homens e mulheres, o São Gonçalo e o Samba
de Pareia são muito mais que danças e folguedos esporádicos, são um motivo de orgulho
singular, são suas vidas.

2
CARDOSO, Amâncio. Escravidão em Sergipe: Fugas e quilombos, século XIX p.60
3
SANTOS, Lourival Santana. Quilombos e quilombolas em terras de Sergipe no século XIX p.36
5

Como Thompson (1992, p.20) escreveu que toda história depende de sua finalidade
social e que se transmite de uma geração a outra pela tradição oral. Por isso, um dos
mecanismos para melhor compreender a história da Mussuca, de seus hábitos e tradições, é
recolher os relatos dos mais antigos moradores. A fronteira entre o dizível e o indizível, o
confessável e o inconfessável, separam, em nossos exemplos, uma memória coletiva.
Se a identidade na maioria das vezes é pensada na idéia nas conexões com o passado,
Spielbaver (1990,p.1) expõe que o passado acumulado não é suficiente, pois acredita que a
identidade é um fenômeno atual, contemporâneo e dinâmico.
As histórias que seus pais, seus avós e bisavós contam, têm um valor muito maior do
que aparentam, soam com muito mais profundidade do que meras memórias de pretas e
pretos velhos. De fato, essas memórias são um pedaço da história que as atuais gerações
não alcançaram, são relatos que não estão nos livros e sim nas entrelinhas das conversas
informais.
Na Mussuca, utilizamos a História Oral para entender as lacunas que a história oficial
deixou, fazendo-se possível entender um pouco melhor o que aquele local representa, não
apenas para a Academia e seus estudos históricos e antropológicos, mas para os seus
moradores. Podendo sim, ouvir diretamente as fontes para construir as versões que a
história nos disponibiliza.
Não queremos buscar a veracidade dos relatos, mas sim sua diversidade de histórias e
experiências vividas por eles, e por seus antepassados. Se pudermos entender o sentido que
os fazem serem entendidos como comunidade, quilombos e negros, já teremos grandes
vitórias na pesquisa.
O propósito maior do reconhecimento de comunidades quilombolas, para o Governo
Federal vai muito além do que uma simples titulação, uma forma de melhoria, para garantir
a regulamentação fundiária e o desenvolvimento sustentável da comunidade. Além disso,
os projetos querem abranger a construção de escolas, a manutenção ou construção de postos
de saúde, saneamento básico, empregos e luz elétrica.
Mas segundo consta, o povoado tem água, mas não é tratada e não é canalizada. Os
moradores dizem que a questão é política e antiga, assim para conseguir água, as pessoas
têm que levar latas d’água na cabeça sem qualidade e obtendo com sacrifícios. Embora, a
6

Mussuca seja cortada por tubulação da DESO, além de não ser tratada, não é canalizada
para as residências. (LIMA ,2005 p.29)
Ao ser perguntado sobre a água que consomem, ouve-se a seguinte resposta:
Temos não. Temos não. Ela é encanada
assim do Rio São Francisco, onde não falta
água não. Todo dia tem água, aonde cai, caí
água. Onde vamos pegar. A maioria do povo
aqui, sai ta acostumado, ai vão lá, pegar
água.4

Segundo consta na página da CPI-SP5 a ONG SACI6 trabalhou dez anos na


comunidade Mussuca, desenvolvendo projetos em parceria com a associação de moradores.
Começando com um grupo de 29 mulheres, Grupo de Mulheres Quilombolas, promovendo
um processo de conscientização e mobilização acerca de sua identidade enquanto afro-
descentes e quilombolas, no entanto, desconhecemos qualquer ação desta ONG, referente à
questão do acesso da comunidade a água tratada.
Na concepção de Cunha (2002) esse tal reconhecimento constitucional e a
“autodenominação” pode vi a ser uma estratégia política, pois essas comunidades negras e
rurais são marcadas por uma ausência do Estado, por isso eles se interessam no
reconhecimento, pois este fato poderá provocar a existência de benefícios, já que a
comunidade passa a ter direitos depois de reconhecida.
Na observação de Neves (p.122) ele alerta para as armadilhas que rondam o ser ou
não reconhecidos. Reflete sobre quando o reconhecimento é apenas baseado na luta do
reconhecimento pelo reconhecimento, pode levar a um não reconhecimento da comunidade
em questão, ou ainda pior, o não reconhecimento dos que não fazem parte do grupo.
Neves (p.121) cita:
“como instrumento de defesa, ora como
modo de distinção e de afastamento dos
problemas da sociedade, diversos grupos

4
Neilson dos Santos. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 21/10/2006
5
CPI-SP – Comissão Pró-índio de São Paulo é uma organização não-governamental que tem como
beneficiários os povos indígenas e as comunidades remanescentes de quilombos do Brasil. www.cpisp.org.br
6
SACI – Sociedade Afrosergipana de Estudos e Cidadania, uma instituição não governamental, de caráter
publico e sem fins lucrativos, criada em Aracaju em 1986.
7

passam a reivindicar identidades


particulares e exclusivos.”

Pondo em cheque um fenômeno que pode ser detectado na Mussuca, o interesse


externo de identificar os moradores como remanescentes quilombolas, tentando fazer com
que estes se “identifiquem” como quilombolas. Mas essa tentativa pouco adiantou, tirando
a declaração que obtiveram da Fundação Palmares, os moradores ainda não conseguem
usufruir as benesses da titulação.
Nesse sentido, pode-se ressaltar a fala de Dona Regina7, que diz que o terreiro é
registrado com o nome de São Lázaro devido à falta de assistência médica na localidade, o
que demonstra como a ausência do Estado fez com que os moradores busquem outros
meios para suprir deficiências, ou seja, procurassem nas suas práticas culturais religiosas,
meios de resolver este problema.
O fotografo Alberto Lima (2005) ao realizar as entrevistas feitas para execução do seu
trabalho observou que, os mussuquences permanecem vivendo o seu cotidiano sem a
preocupação de serem ou não remanescente de quilombo, até porque muitos nem sabem ao
certo o que isso significa, mesmo reconhecendo-se como uma comunidade de negros.
Existem alguns aspectos em comum nas comunidades negras rurais (outra
denominação atual pra designar uma comunidade quilombola) são: a falta de preocupação
de legalizar as terras que lá vivem; usam a terra para uma pequena agricultura, pecuária
entre outras noções; o grupo não se isola da sociedade envolvente e os laços de parentescos,
sejam eles diretos ou indiretos, fazem parte da organização desta comunidade. (SILVA,
2008 , p.4).
Durante a escravidão, era comum achar que qualquer aglomeração de escravo era um
QUILOMBO, mas segundo novos olhares da literatura sobe as antigas documentações e a
apropriação da expressão vem sendo ressignificado e ressemantizado.
Quem chama atenção pra esse fato é a pesquisadora Maria Nely em sua obra
intitulada A sociedade Libertadora. “Cabana do Pai Thomaz” quando abre a discussão
sobre o que se entende de Quilombo. Achando mais apropriado a denominação de
Mocambos as fugas que aqui houveram, explicando: (SANTOS,1997 p.111-113)
7
Maria Regina. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 21/10/2006
8

“Durante a escravidão, tornou-se


costumeiro denominar-se, genericamente, de
“quilombo” tudo e qualquer agrupamento
de escravos fugidos... Sem fugir à regra,
estudiosos sergipanos da
contemporaneidade adotam,
sistematicamente, o mesmo procedimento”.

Apresentando o mocambo com construções precárias, localizada na floresta e nas


proximidades nas matas dos engenhos, não compondo espaços específicos, marcado pela
prevalência dos roubos e saques.
É necessário que haja uma revisão conceitual sobre quilombo, pois só assim
poderemos melhor pesquisar e analisar assuntos relevantes a escravidão. O importante é
entender o complexo contexto que cada comunidade possui em sua bagagem histórica.
No artigo de Arruti (1997) ele defende o conceito de reconhecimento dos
remanescentes que tem se mostrando em alguns casos, uma via importante para garantir
suas terras e sua voz política, antes mesmo de ser um ato natural de identificação do que é
dado, ao contrário, as obriga a compreender as transformações operadas na ideologia
dominante para que possam aceitar e se adaptar a esses novos papéis.
Mas afinal de contas, o que define ser ou fazer parte de uma comunidade quilombola?
Pois já há mais de duas mil comunidades identificadas como descendentes de quilombolas.
(CASTRO,2007) Entre elas há muitas formadas por escravos libertos e também formadas
posteriormente a 1888, quando já dão haveria escravidão e, portanto não mais necessidade
de quilombos.
Isso realmente nos indaga a reforçar a necessidade de se rever e de se entender o que
era ser quilombo no século XIX e hoje, século XXI. Será que temos tanto arcabouço assim
para traçar afirmar que perfil é uma comunidade quilombola ou não? Ou depois de 120
anos temos muito a galgar antes de fazer essa afirmação?
Contudo, antes de qualquer atitude radical, é imprescindível rever essa postura que
ainda persiste na historiografia clássica brasileira. Um caso parecido com o da Mussuca,
esta escrito no artigo que se refere a uma comunidade quilombola Rio das Rãs, o qual o
autor SILVA, (2008 p.5)ao fazer a releitura de outros pesquisadores que atentam a um
9

interessante ponto. Que as definições de quilombo são criadas pelos agentes da


administração, ou seja, apresentando a cena um personagem que muitos nunca
suspeitariam, a tendência em poder manipular as fontes documentais, os quais muitos
historiadores ainda se prendem tanto.
O texto de (SILVA, 2008 , p.5), cita o exemplo do que os agentes da administração
colonial fez com Palmares, aumentando o numero de habitantes, para “compensar” o
fracasso frente aos quilombolas.
Acredito que Nascimento (2006, p.53-54) foi feliz no quesito do uso da história oral,
que tornou-se trivial ao discutir esses casos, onde a documentação dificilmente conseguiria
chegar ao ponto desejado:
“Remover as camadas do tempo, vasculhar
a memória procurando vestígios tradutores
de uma época e de uma forma de vida;
reviver em cada gesto, em cada palavra,
cada objeto citado um tempo ímpar, onde o
que conta não é o episódio, mas os retalhos
de uma narrativa... Debulhar as narrativas e
delas retirar objetos ocultos pela poeira do
tempo é o que certas narradoras nos
provocam.”

Embora os relatos orais sejam uma alternativa para preencher lacunas que os
documentos nos deixam, elas não são “perfeitas”, pois ao mesmo tempo em que pode
responder a algumas dúvidas, elas podem trazer á tona outros questionamentos, havendo
também discursos contraditórios, da oralidade sobre os documentos. Sendo assim
construindo um circulo que gira em torno de um determinado assunto, fazendo que ele
nunca seja totalmente terminado, ou caia no esquecimento.
Se usarmos o conceito dessa nova abordagem que temos que dá ao que é uma
comunidade quilombola, então a é difícil ver que a Mussuca foi um refugio, pois em
depoimentos que se obteve, seria uma doação feita por uma Maria Banguela ou “Benguela”
que doou a escritura da área para os primeiros moradores do loca (LIMA, 2005), se foi uma
doação, não foi um refugio de escravos, ou um esconderijo.
10

É um grupo majoritariamente que tem orgulho de terem vários grupos folclóricos (e


representa uma grande importância para a cultura sergipana, sendo o São Gonçalo e o
Samba de Pareia maiores referenciais da cultura e identidade locais), existe características
afrodescendentes e muitos laços de parentesco. Apesar dos rumores de ser uma comunidade
fechada até pouco tempo, hoje ela abre as portas de suas casas para que os pesquisadores
possam desfrutar de simples e agradáveis presenças.
Segundo alguns moradores por nós entrevistados 8 eles tem muito orgulho de brincar,
dançar e festejar o São Gonçalo. “Adoro São Gonçalo, só fico satisfeito quando brinco o S.
Gonçalo”.
Para debater sobre a construção de uma identidade quilombola na Mussuca, é
interessante verificar como a comunidade interage com as organizações de apoio como a
SACI, CPI-SP9 e a Fundação Cultural Palmares.
Demonstrando como as questões teóricas divergem da prática, nas conversas e
entrevistas com os moradores fez-se perceptível que a idéia de quilombo ou remanescente
quilombola está confusa ou pouco explícita pra eles.
Patrimônio histórico quilombola,
quilombola, ai com isso a Mussuca ta
dizendo assim, acho que não é não, que ela
voltaria ao que era antes, sem paralelo, sem
luz, mas é uma comunidade precisada.10

O que podemos ver com isso, é que não existe com eficácia a preservação de uma
identidade, mas sim uma criação. Lançando novos sujeitos políticos, que constituem uma
identidade comum, a fim de alcançar novos recursos primordialmente de natureza
territorial, e só depois as questões de cultura e origem emergem, passando a ser plenamente
tematizada. Chamando assim o que Hobsbawm e Ranger titula de “invenção de tradições”
(ARRUTI,1997,p.27)
“A gente já vem trabalhando esse grupo há
um ano para ver se a gente mobiliza a

8
Entrevista de Elpidio Dílson dos Santos e José Sales de Sousa em 21.10.2006
9
CPI-SP – Comissão Pró-índio de São Paulo é uma organização não-governamental que tem como
beneficiários os povos indígenas e as comunidades remanescentes de quilombos do Brasil. www.cpisp.org.br
10
Entrevista de Neilton dos Santos. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 21.10.2006
11

comunidade a se reconhecer enquanto


quilombolas.”11

O que impressiona é quando saímos pra conversar com as pessoas, alguns não
entendem o que é ser um remanescente de quilombo (podendo ser um desinteresse, falta de
explicação ou mesmo resistência). Enquanto outros acham muito bom que finalmente o
povoado que há muitos negros foi reconhecido. Identifica-se com as manifestações
culturais, como também manifestações religiosas, como o “Xangô” como alguns citam.
Olhando atentamente para essas manifestações, entende que foi um meio que a
comunidade teve para expressar sua alegria e a sua história, e, portanto perpetuá-la. A
conseqüência disso tudo, foi que os moradores acabam criando a sua identidade, sem ajuda
de nenhum órgão dizendo o que são ou o que não são.
Os moradores valorizam a sua cultura, a sua descendência negra, suas identidades
estão entrelaçadas nas festas (considerando-se folclore ou manifestações populares) e na
família, com lembrança de seus pais e avós, parentes e amigos. Como disse Neilton 12 na
entrevista, “aqui é como se fosse o berço cultural de Laranjeiras, da cultura.”
Todos os entrevistados oficialmente ou que apenas em conversas amistosas, falavam
que gostam muito de morar naquela localidade, mas que sabiam o quanto era preciso ser
mais valorizado e incentivado pelas autoridades.
O que D. Regina relata, não é diferente o que já ouvimos dos outros moradores:
“Quem sabe daqui da Mussuca somos nós velhos, que nasceu aqui e se criou, quem
chega... não sabe notícia daqui da Mussuca.” 13 As pessoas mais velhas tem um destino da
memória muito importante, a de não só guardar as tradições mas de voltar ao passado e
rememorar detalhes, fases, confrontos e opiniões.
A memória dos mais antigos são de uma alguma forma o que Bossi (1994,p.84) cita,
que existe dois tipos de narrador, o que vem de fora e narra suas viagens; e o que ficou e
conhece sua terra, seus conterrâneos, cujo passado o habita.

11
Cleide dos Santos. Entrevista retirada do site www.cpisp.org.br/comunidades, moradora da comunidade
Mussuca , acessado no dia 18.10.2006
12
Entrevista de Neilton dos Santos. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 21.10.2006
13
D. Nadir. Entrevista realizada no povoado Mussuca (SE) em 28/10/2006
12

Em termos práticos, é uma confirmação ou queixa que os moradores da comunidade


fazem, pois muito se diz a respeito da Mussuca, será que é isso mesmo que os moradores
pensam ou querem?
Será que eles realmente acham mais importante uma titulação de comunidade
quilombola, ou se querem continuar seguindo com suas vidas, como antes da “invenção”
(jeito interessante que um dos entrevistados referiu-se a titulação) do conceito quilombola.
O que pra eles é ser mussuquence?
Apesar de serem uma comunidade negra, possuírem tradições culturais e religiosas
afrodescendente, vivem em parte sob uma “criação” acadêmica de uma espécie de
biblioteca viva sobre a memória, que os mais antigos moradores guardam das histórias
contadas dos seus antepassados sobre época da escravidão.
Ao que parece a população vai vivendo sem a preocupação da problemática ser ou
não ser remanescente quilombola. São negros e se assumem como tais, são atores principais
de suas tradições passadas oralmente de geração em geração. Causando até como vimos
antes, estranheza o termo quilombo ou quilombola. Para eles, a questão de ser negro está
explicito, não precisando então para se identificar utilizar rótulos.
As famílias sobreviveram explorando pequenas roças de subsistência com o trabalho
familiar em terra alheia ou devoluta. São pessoas que experimentaram uma vida de
sacrifícios e sofrimentos, marcados pela pobreza pela falta de oportunidade, pela
discriminação.
13

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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entre Indígenas e Quilombolas. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0104-93131997000200001 Acesso em 04.08.2008

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14

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Janeiro, 1989, vol II, nº3, p.3-15

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/2003/D4887.htm acesso em 6.09.2008

http://www.palmares.gov.br acesso em 6.09.2008

www.cpisp.org.br/comunidades acesso em 18.10.2006

LISTA DE FONTES:

Neilton dos Santos – entrevistado no dia 21.10.2006


Estudante, 15 anos, nascido na Mussuca

Elpidio Dílson dos Santos – entrevistado no dia 21.10.2006


86 anos, aposentado, nascido na Mussuca, atual líder do São Gonçalo

José Sales de Souza – entrevistado no dia 21.10.2006


64 anos, aposentado, nascido em Cedro, participante do São Gonçalo

Maria Regina dos Santos – entrevistada no dia 28.10.2006


Sem documentação. Terreiro de candomblé. Rezadeira-benzadeira.

Cleide dos Santos. Entrevista retirada do site www.cpisp.org.br/comunidades, moradora da


comunidade Mussuca , acessado no dia 18.10.2006

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