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Universidade Federal de Campina Grande – UFCG

II Encontro de Ciências Sociais


UACiS/CDSA - UACS/CH
As Ciências Sociais no Brasil contemporâneo: lutas e resistências

GT 09 - ETNICIDADE E PROCESSOS INDENITÁRIOS

Jamilly Rodrigues da Cunha (PPGA/UFPE)


Camila Meneghini (PPGA/UFPE)

A BOTIJA É NOSSA: uma busca pelo tesouro dos griots de Livramento-PB

SILVA, Jéssica Kallyne A.1


SILVA, Rosana Medeiros.2
SOUZA, Wallace G. Ferreira de3

RESUMO: Durante a realização do projeto ‘A botija é nossa: contação de história e


sociabilidade no Cariri paraibano’ que tem como lócus de desenvolvimento de suas atividades
as três comunidades remanescentes de quilombo do Município de Livramento-PB (Areias de
Verão, Sussurana e Vila Teimosa). Surgiu a ideia de fomentar espaços de integração
universidade/comunidade. Tais atividades ampliam a compreensão de espaço formativo e, no
caso especifico desta proposta, contribui na valorização dos sujeitos negros quilombolas
dando destaque para um protagonismo social das respectivas comunidades. As atividades
realizadas tiveram como vetor de mobilização a cotação e registro das histórias que compõe o
patrimônio do grupo social (as comunidades remanescentes de quilombo). Neste sentido,
tanto a contação como o registro das histórias orais estão sendo assumidas neste projeto como
instrumentos metodológicos possibilitaram a percepção/experiência com as dinâmicas de
organização desse grupo étnico, na medida em que, tais histórias possuem um sentido
pedagógico, portanto, formativo. E através dessa atividade buscamos produzir experiências
formativas para os sujeitos quilombolas, protagonistas dessa ação, aspecto que remete para o
principio da extensão, qual seja, construir um espaço universitário integrado com as demandas
dos sujeitos concretos.

PALAVRAS – CHAVE: Comunidades quilombolas; Processos indenitários; Contação de


histór

1
Graduanda do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais na Universidade Federal de Campina Grande –
UFCG do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido-CDSA da Unidade Acadêmica de Ciências
Sociais-UACiS. E-mail: arrudajessica.21@gmail.com
2
Graduanda do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais na Universidade Federal de Campina Grande –UFCG
do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido-CDSA da Unidade Acadêmica de Ciências Sociais-
UACiS . E- mail: medeirosrosana01@gmail.com
3
Doutor em Ciências Sociais; Prof. da Unidade Acadêmica de Ciências Sociais-UACiS na Universidade Federal
de Campina Grande-UFCG do Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido-CDSA. E-mail:
wallace.ferreiradesouza@gmail.com
2

I – INTRODUÇÃO

Griots são conhecidos como os contadores de histórias do continente Africano.


Função de grande importância, pois eram responsáveis por narrar os acontecimentos,
tradições e o passado de um povo. Muito estimados por suas habilidades poéticas e musicais,
por vezes suas narrativas eram cantadas; também bastante temidos, pois acreditava-se que
detinham poderes sobrenaturais. Guardando as tradições de um povo de forma oral, os Griots
tinham posição social de destaque e fundamental importância para o alicerce de antigos povos
africanos. SANTIAGO, 2012

A metodologia se insere numa proposta qualitativa no campo da etnografia. O


objetivo deste trabalho consiste em ouvir memórias da comunidade, observar o processo de
socialização e pertencimento através da contação de histórias e proporcionar espaços de
integração entre a universidade e os quilombos de Livramento.

II – AS COMUNIDADES REMANESCENTES QUILOMBOLAS

O termo quilombo possui profundas raízes coloniais (ALMEIDA, 2002) o que


muitas vezes não representa a totalidade fundiária das comunidades designadas como
quilombolas no Brasil. É necessário um amplo processo de revisão e descolonização da noção
de quilombo, uma vez que essa realidade fundiária não é unívoca. Sobre esses contextos
fundiários, Anjos (2009) destacam sete realidades de ocupação do território das comunidades
na paisagem social brasileira: 1) ocupação de fazendas falidas e/ou abandonadas; 2) compra
de propriedades por escravos alforriados; 3) doações de terras para ex-escravos por
proprietário de fazendas; 4) pagamento por prestações de serviços em guerras oficiais; 5)
terrenos de ordens religiosas deixadas para ex-escravos; 6) ocupações de terras no litoral sob
controle da Marinha do Brasil; 7) extensão de terrenos da União não devidamente
cadastrados. A partir dessa caracterização fundiária, Anjos (2009) apresenta uma tipologia
espacial das comunidades quilombolas, que segundo o autor são recorrentes em todo território
nacional.

Assim, em concordância com o entendimento da antropologia sobre a questão, a


condição de remanescente de quilombo é também definida de forma dilatada, que enfatiza as
identidades dos grupos e o território buscando evidenciar a interação do meio físico com o
grupo social. Portanto, indica a situação presente dos segmentos negros em diferentes regiões
3

e contextos e é utilizado para designar um legado, uma herança cultural, material e uma forma
de organização política que lhe confere uma referência presencial no sentimento de ser e
pertencer a um lugar específico (SCHMITT, 2002), a um grupo cujos membros se reinventam
como novos atores sociais, favorecidos pelo art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT) que garante a titularidade das terras. Portanto, não se deve imaginar que
estes grupos camponeses negros tenham resistido em suas terras até os dias de hoje porque
ficaram isolados, à margem da sociedade. Pelo contrário, sempre se relacionaram intensa e
assimetricamente com a sociedade brasileira, resistindo a várias formas de violência para
permanecer em seus territórios ou, ao menos, em parte deles. Esta realidade também é
encontrada na Paraíba.

O território é a chave que aciona a emergência de um sentimento de pertença,


fundamental na construção da identidade étnica, os sujeitos se pensam inicialmente como
pertencentes a um lugar, onde seus avos, pais e ele mesmo com seus filhos vivem, portanto,
um grupo étnico é uma comunidade política-organizacional produzida a partir de certas
interações sociais que possuem um caráter dinâmico. Neste contexto de relações onde a
etnicidade corresponde à ação dos indivíduos acionada por comportamentos de ondem
racional afetiva, a vida cotidiana não é uma simples repetição mecânica, mas os lócus de
criação das condições fundamentais param nos tornarmos humanos.

Ainda nesta relação território/identidade étnica opera-se a atualização das


experiências do passado com os olhos do presente, realizada por uma memória afetiva onde
cada canto, curva, ladeira e grota do território possui uma história imbricada nas histórias de
vida de cada sujeito da comunidade. Assim, a terra das comunidades quilombolas do
Município de Livramento não é qualquer espaço, é um espaço que se transformou em
território pela ação desses sujeitos sintagmáticos que produzem e dão sentido ao mesmo, ou
seja, o carregam de significados sociais, políticos, históricos e espirituais, portanto, este
território ganha uma identidade, não em si mesma, mas na coletividade que nela habita. E tal
movimento de produção dessa rede de significados passa pelas histórias contadas de geração
em geração formando uma teia que uni estes sujeitos em torno de uma memória comum.

III – UMA BUSCA PELO TESOURO DOS GRIOTS

A palavra griot é de origem francesa, e traduz o termo da língua africana banaman


dieli (jéli ou djeli), que significa “o sangue que circula”. Essa língua tem sua origem no antigo
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Império do Mali, hoje dividido em vários países do noroeste da África 4. Griot designa os
contadores de histórias, genealogistas5, mediadores políticos6·, contadores, cantores e poetas
populares que vivem em alguns países africanos, no Sudão e em parte da zona guineense. São
bibliotecas vivas da tradição oral de vários povos da África. No continente africano, um griot
nasce griot, seu ofício não é escolhido, relaciona-se a uma herança e à sua origem. Quando
assim o sujeito nasce, a ele são atribuídos direitos e deveres, sendo responsável por guardar e
transmitir a história do seu povo. Quando morre, diz-se que uma biblioteca se foi, porque ele
carrega consigo a sabedoria e as tradições desse povo.

É por meio da tradição oral que o griot transmite às novas gerações o que sabe,
especialmente às crianças. Existem mulheres e homens que são griots e griotes. Além das
tradições de seu povo, essas pessoas conhecem o som dos animais, dos grandes aos pequenos,
das cigarras aos elefantes.

De acordo com Hampaté Bâ, classificam-se em três categorias: os griots músicos


que tocam qualquer instrumento (monocórdio, guitarra, cora, tantã etc). Normalmente são
excelentes cantores, preservadores, transmissores de música antiga e, além disso,
compositores; os griôs embaixadores e cortesãos, responsáveis pela mediação entre as grandes
famílias em caso de desavenças. Estão sempre ligados a uma família nobre ou real, às vezes a
uma única pessoa; os griots genealogistas, historiadores ou poetas (ou ostrês ao mesmo
tempo), que, em geral, são igualmente contadores de história e grandes viajantes, não
necessariamente ligados a uma família (BÂ, 2011, p.193).

O autor ainda relata que a tradição confere aos griots um status especial e diferente
dos nobres, pois eles têm o direito inclusive de ser cínicos e gozam de grande liberdade de
fala. Podem se manifestar livremente, até mesmo impunemente e, por vezes, chegam a
zombar das coisas mais sérias e sagradas, sem que isso lhes acarrete graves consequências.
Além disso, podem contar mentiras e ninguém as tomará no sentido próprio. Nesses casos, as
pessoas podem até saber que não estão falando totalmente a verdade, mas aceitam como se o
fosse e não se deixam enganar. Nesse último caso, Hampaté Bâ adverte:

4
Disponível em: <http://www.acaogrio.org.br/>
5
Um genealogista ocupa-se em estudar a origem de um indivíduo ou família, a linhagem e a estirpe de sujeitos
inseridos em determinados grupos e sociedades. Busca identificar o conjunto de antepassados de uma linhagem,
por exemplo.
6
Um mediador político é aquele que atua no sentido de resolver conflitos e superar diferenças entre grupos,
comunidades e sociedades. Ele colabora na tomada de decisões que contemplem os interesses das partes
envolvidas
5

É importante considerar que nem todos os griôs são


necessariamente desavergonhados ou cínicos. Pelo contrário, entre
eles existem aqueles que são chamados de dieli-faama, ou seja, ‘griôs
reis’. Eles não são inferiores aos nobres no que se refere à coragem,
virtude e sabedoria e jamais abusam dos direitos que lhes foram
concedidos por costume (BÂ, 2011, p.195).

Nas sociedades africanas, a oralidade é um elemento central na produção e


manutenção das mais diversas culturas, dos valores, conhecimentos, ciência, história, modos
de vida, formas de compreender a realidade, religiosidade, arte e ludicidade. A palavra falada,
para os povos africanos, possui uma energia vital, capaz de criar e transformar o mundo e de
preservar os ensinamentos. As narrativas orais são registros tão complexos como os textos
escritos. Essas narrativas se articulam à musicalidade, à entonação, ao ritmo, à expressão
corporal e à interpretação. São guardadas e verbalizadas por narradores ou griôs, treinados
desde a infância no ofício da palavra oral. Eles se apropriam e transmitem crenças, lendas,
lições de vida, segredos, saberes, e têm o compromisso com aquilo que dizem.

Nas sociedades africanas reconhece-se a fala não apenas


como uma forma de comunicação cotidiana, mas também como uma
forma de preservação da sabedoria, por meio daquilo que chamamos
de tradição oral. A tradição, nesse caso, é entendida como um
testemunho transmitido verbalmente de uma geração à outra. Na
maioria das civilizações africanas, a palavra tem um poder misterioso,
pois palavras criam coisas. [...] as civilizações africanas, no Saara e ao
sul do deserto, eram em grande parte civilizações da palavra falada.
Isso acontecia até mesmo nos lugares onde havia a escrita, como na
África Ocidental a partir do século XVI, pois um número reduzido de
pessoas sabia escrever. A escrita ficava relegada a um segundo plano
em relação à palavra falada. Todavia, o mesmo autor nos alerta para o
fato de que seria um erro reduzir a civilização da palavra falada a algo
negativo, como uma ‘ausência da escrita’ e perpetuar os preconceitos
sobre esses povos, suas histórias e costumes. Tal atitude seria uma
demonstração da total ignorância em relação à natureza dessas
civilizações orais. Inspirados pela tradição africana, no Brasil, há
6

pessoas que são denominadas e consideradas griôs. São pessoas que


trabalham com a cultura, arte e educação popular, reconhecidas pela
própria comunidade como mestres das artes, da cura, líderes religiosos
de tradição oral, músicos que sabem tocar instrumentos tradicionais,
contadores de histórias de suas comunidades que socializam as raízes
dos povos a que pertencem, são também cantores e poetas. Pessoas
que, por meio da oralidade, das experiências vividas e da
corporeidade, desenvolvem uma pedagogia que valoriza o poder das
palavras (VANSINA, 2010, p. 139).

Se, na tradição africana, a oralidade é considerada uma atitude diante da realidade e


não implica a ausência de capacidades relacionadas ao universo da cultura escrita, a oralidade
constitui um importante momento da formação humana, e para suas famílias é um dos
principais meios de interação. É por meio da comunicação oral que famílias e grupos sociais
brasileiros mantêm a memória, educam novas gerações, transmitem valores, costumes e
tradições, mesmo que seus integrantes sejam alfabetizados e usem a escrita cotidianamente.
Bons exemplos são os famosos “causos” mineiros, os ditados populares, as poesias decoradas
passadas de geração em geração, os repentes dos cantores nordestinos e, até mesmo, as
narrações de contadores de histórias profissionais.

A oralidade em sociedades como a brasileira também é fundamental e adquire vários


sentidos, pois constitui as interações das pessoas com o mundo e com o outro. É por meio da
palavra falada e dirigida a elas por sujeitos mais experientes, desde o nascimento, que
estabelecem laços, interagem, inserem-se e se apropriam da cultura.

Trabalhar com a oralidade, nas comunidades quilombolas, implica que os todos


considerem os moradores como sujeitos sociais e de direitos, sendo compreendidas, educadas,
respeitadas e tratadas como tal.

III – MEMÓRIA NARRATIVA E PERTENCIMENTO ÉTNICO

A proposta deste trabalho se insere no cenário de memórias narrativas através da


contações de histórias. Remetendo aos Griots à relação entre as pessoas das comunidades
quilombolas e o meio, buscando de forma sucinta conhecerem seus tesouros guardados em
lembranças. Todavia, essas cargas de recordação não se limitam apenas ao passado, e sim
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como uma reconstrução daquilo que passou. As relações destes sujeitos inseridos em um
espaço político através de suas memórias narrativas e o seu pertencimento étnico, dando
visibilidade às memórias e subjetividades daquele grupo social.

A contação de histórias é uma das atividades mais antigas de que se tem notícia. Essa
arte remonta à época do surgimento do homem há milhões de anos. Na cultura de povos
antigos e contemporaneamente nos grupos denominados de ‘tradicionais’ e ‘originários’,
saber ler, escrever e interpretar sinais da natureza são de grande importância, porque mais
tarde tornam-se registros pictográficos e narrativas orais, com os quais seriam relatadas coisas
do cotidiano que são lidos e compreendidos pelos integrantes do grupo. As histórias são uma
maneira mais significativa que a humanidade encontrou para expressar experiências que nas
narrativas realistas não acontecem (MATEUS, 2016). Os moradores dos quilombos de
Livramento têm afinidade com o ato de transmitir histórias de forma oral, recentemente um
livro sobre as histórias daquele território foi lançado, documentando os relatos das relações
entre os sujeitos através de histórias contadas pelos quilombolas.

O processo de narrar histórias daquela comunidade é um ato político, que reforça as


relações entre as pessoas e o território, através de uma memória coletiva formando uma rede
ilimitada de subjetividade. Memória que além de reedificar o pretérito, prepara os sujeitos
para uma construção política em todo processo de ocupação do solo, de pertencimento àquele
lugar. Memória como atualização e luta política, materializadas em narrativas orais.

Em maio de 2016, iniciou nas comunidades uma busca pelos griots de Livramento.
No início como qualquer trabalho, chegar a um lugar onde todas as informações até então
eram vagas, um grande desafio, e logo originou – se a necessidade de fomentar espaços de
integração entre a comunidade e a universidade. Onde através da contação de histórias como
estratégia de aproximação com o campo, bem como, dar visibilidade a uma memória social do
grupo materializada nas narrativas orais.

As três comunidades quilombolas localizadas no município de Livramento são as


únicas até então reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares-FCP na região do Cariri
paraibano, desta forma, é de fundamental importância à construção de políticas de visibilidade
e promoção de igualdade de oportunidade para os sujeitos destas comunidades. Nas visitas
realizadas éramos surpreendidos pela forma acolhedora, e através de alguns moradores nos
encantávamos com algumas histórias contadas na maioria das vezes por moradores antigos da
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comunidade. O ato de contar histórias deve impregnar todos os sentidos, tocando o coração e
enriquecendo a leitura de mundo na trajetória de cada um. E através delas que se pode sentir
e viver importantes emoções como: a raiva, a tristeza, alegria, tranquilidade e tantas outras, e
viver profundamente tudo o que as narrativas provocam em quem as ouve. Abramovich
(1989, p. 17)

A partir dessa motivação, os moradores das comunidades foram convidados a


participar do evento “A BOTIJA É NOSSA”. Dessa forma, a comunidade e a universidade
reuniam-se para ouvir, e contar histórias. Abramovich (1989, p. 16) salienta que “é importante
para a formação de qualquer criança ouvir muitas histórias... Escutá-las é o início da
aprendizagem para ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de descobertas e de
compreensão do mundo”.

Os contos são temidos porque objetivam os fatos e as verdades que não podem ser
expressos pela razão, por isso nos estudos dos contos observa-se: “Em primeiro lugar, o fato
de que eles falam sempre de relacionamentos humanos e, por isso, exprimem sentimentos
muito do psiquismo humano” (VIEIRA, 2005), as narrativas míticas tem uma função
pedagógica (ELIADE, 2006).

A contação de histórias é atividade própria de incentivo à


imaginação e o trânsito entre o fictício e o real. Ao preparar uma
história para ser contada, tomamos a experiência do narrador e de cada
personagem como nossa e ampliamos nossa experiência vivencial por
meio da narrativa do autor. (RODRIGUES, 2005, p. 4)

Preserva-se seu caráter literário, sua função de despertar a imaginação e sentimentos,


assim como suas possibilidades de transcender a palavra (MATEUS, 2016). Nestes termos as
comunidades remanescentes de quilombo com sua tradição oral mobiliza este veículo
pedagógico – a contação de história, nos espaços cotidianos e sinalizam com isso a relevância
de tais histórias contadas na organização social do grupo, bem como, na construção dos
pertencimentos indenitários.

Assim podemos salientar que a identidade enquanto conceito pode ser compreendido
em dois planos distintos: o interno, que consiste na percepção de si como membro de uma
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comunidade e o externo, que corresponde ao reconhecimento desse pertencimento como


identidade social.

IV – APONTAMENTOS NÃO FINAIS

O território é a chave que aciona a emergência de um sentimento de pertença,


fundamental na construção da identidade étnica, no qual os sujeitos se pensam inicialmente
como pertencentes a um lugar, onde seus avós, pais e ele mesmo com seus filhos, vivem,
portanto, um grupo étnico é uma comunidade política-organizacional produzida a partir de
certas interações sociais que possuem um caráter dinâmico. Neste contexto de relações, onde
a etnicidade corresponde à ação dos indivíduos acionada por comportamentos de ondem
racional afetiva, a vida cotidiana não é uma simples repetição mecânica, mas o lócus de
criação das condições fundamentais para tornarmos humanos. Ainda nesta relação
território/identidade étnica, opera-se a atualização das experiências do passado com os olhos
do presente, realizada por uma memória afetiva onde cada canto, curva, ladeira e grota do
território possui uma história imbricada nas histórias de vida de cada sujeito da comunidade.
Assim, a terra das comunidades quilombolas do Município de Livramento não é qualquer
espaço, é um espaço que se transformou em território pela ação desses sujeitos sintagmáticos
que produzem e dão sentido ao mesmo, ou seja, o carregam de significados sociais, políticos,
históricos e espirituais, portanto, este território ganha uma identidade, não em si mesma, mas
na coletividade que nela habita. Tal movimento de produção dessa rede de significados passa
pelas histórias contadas de geração em geração, formando uma teia que une esses sujeitos em
torno de uma memória comum.

V – REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: Gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione,


1989.

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Os Quilombos e a Novas Etnias. pp. 43-81 IN:
O’DWYER, Eliane Cantarino (org.). Quilombos: identidade étnica e territorialidade. Rio de
Janeiro – RJ: Ed. FGV/ Associação Brasileira de Antropologia-ABA, 2002

ANJOS, Rafael Sanzio Araújo. Quilombos: geografia africana, cartografia étnica,


territórios tradicionais. Brasília – DF: Mapas Editora  Consultoria, 2009.
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BÂ, Amadou Hampâté. Amkoullel, o menino fula. São Paulo: Palas Athena, Casa das Áfricas,
2003. BÂ, Amadou Hampâté. A tradição viva. In: UNESCO. História geral da África:
metodologia e pré-história da África, v. 1. Brasília: UNESCO, MEC, UFSCar, 2010. p. 167-
212.

ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo-SP: Editora Perspectiva, 2006.

MATEUS, Ana do Nascimento Biluca et al. A importância da contação de história como


prática educativa na educação infantil. Disponível em
http://periodicos.pucminas.br/index.php/pedagogiacao/article/viewFile/8477/7227. Acesso
em: 02/02/2016.

RODRIGUES, Edvânia Braz Teixeira. Cultura, arte e contação de histórias. Goiânia, 2005.

SANTIAGO, Emerson. Griot. Disponível em http://www.infoescola.com/curiosidades/griot/


Acesso em: 21/07/2016.

SCHMITT, Alessandra. TURATTI, Maria Cecõlia Manzoli. CARVALHO, Maria Celina


Pereira de. A Atualização do Conceito de Quilombo: Identidade e Território nas
Definições teóricas. Ambiente & Sociedade. Ano V – N.10, set/2002.

VANSINA, J. A tradição oral e sua metodologia. In: KI ZERBO, J. História geral da África,
v. 1: metodologia e pré-história da África. Brasília: UNESCO, MEC, UFSCar, 2010. p. 139-
166.

VIEIRA, Isabel Maria de Carvalho. O papel dos contos de fadas na construção do imaginário
infantil. In: Revista criança - do professor de educação infantil, v. 38, p. 10,2005.

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