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PANDEMIA.1
Rosana de Medeiros Silva2
Caminhou quase todo o dia sem lhe acontecer coisa merecedora de ser contada; com o que
ele se amofinava, pois era todo o seu empenho topar logo onde provar o valor do seu forte
braço. Dizem alguns autores que a sua primeira aventura foi a de Porto Lápice; outros, que
foi a dos moinhos de vento; mas o que eu pude averiguar, e o que achei escrito nos anais da
Mancha, é que ele andou todo aquele dia, e, ao anoitecer, ele com o seu rocim se achava
estafado e morto de fome; (…)” (Dom Quixote, Cervantes)
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Trabalho apresentado na disciplina de Metodologia de Ensino das Ciências Sociais, como obtenção da nota
parcial, com objetivo de aprovação na mesma. Ministrada pelo Prof. Dr. Wallace G. Ferreira de Sousa. Mestrado
Profissional de Sociologia em Rede Nacional – PROFSOCIO (UFCG/CDSA); Centro de Desenvolvimento
Sustentável do Semiárido (CDSA) Unidade Acadêmica de Ciências Sociais (UACIS).
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Mestranda em Sociologia, no Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional – PROFSOCIO
(UFCG/CDSA). Graduada em Ciências Sociais (Licenciatura), pela Universidade Federal de Campina Grande
(UFCG), Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA). Integrante do Núcleo de Estudos e
Pesquisa em Etnicidade e Cultura (NEPEC). Email: medeirosrosana01@gmail.com
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Rede social de fotos para usuários de Android e iPhone. Basicamente se trata de um aplicativo gratuito que
pode ser baixado e, a partir dele, é possível tirar fotos com o celular, aplicar efeitos nas imagens e compartilhar
com seus amigos.
Logo no inicio da pandemia, da janela do quarto, era de onde podia ver o movimento
na rua, na mesma mais de 50% são pessoas idosas, que vieram da zona rural, algumas delas
têm o hábito de fazer caminhada logo cedinho do dia, outras vão à feira do sábado com seus
filhos, a rotina já não era mesma. Neste dia, fiquei um bom tempo apoiada na janela, pesando
se para mim era ruim, imagina para os meus vizinhos idosos, que agora se quer podiam fazer
suas caminhadas matinais, o quanto de benefícios elas traziam e agora a única opção era
ficarem trancados dentro de casa.
Neste tempo, para além da vida do contexto social, existe a vida acadêmica para dar
continuidade, uma pós-graduação para concluir, uma dissertação para escrever. E como
encarar tudo isso, numa “nova fase” tentando reinventar, novas formas, caminhar com todas
as dores que mim acompanhava, lutar contra pensamentos diários sabotadores “não vou
conseguir”, enquanto vencia, passava pelas aulas através de videoconferência, qualificava o
mestrado através de uma tela, e ate chegar atual a escrita da minha dissertação, foram
inúmeras formas para recuperar a concentração, não perder o foco, escrever em tempos da
pandemia é algo desafiador a cada dia, quando a escrita flui, mesmo como eu gostaria, mas
flui, o que faz entender mesmo em meio às dificuldades, mas continuo seguindo, e não foi,
nem esta sendo fácil fazer acontecer.
Em alguns momentos do dia, tento ler e me concentrar, mas é uma quase impossível.
Há dias que não consigo terminar um raciocínio, pois sou interrompida. Na madrugada é
onde encontro paz, apenas na madrugada, quase todos estão dormindo e eu aproveito para
estudar, a dedicação ao trabalho acadêmico requer uma demanda de muito tempo,
concentração e esforço intelectual, uma tarefa árdua, complexa. Neste sentido, busquei pensar
nos efeitos da escrita acadêmica e como a pandemia do COVID-19 afeta produção acadêmica
das mulheres durante o isolamento social, levando alguns fatores importantes como gênero,
raça e classe, a pandemia não atinge a todos de formas iguais, pelo contrário escancarou as
desigualdades, tornando um desafio ser mulher e ser mãe.
Provavelmente nem nos melhores roteiristas seriam capazes de criar um ano como
vem sendo 2020. A pandemia do Covid-19 atingiu o mundo todo e forçou uma mudança
repentina de hábitos como talvez em poucos momentos antes na história. Sem vacina ou
mesmo medicações com efeitos relevantes comprovados no combate a doença, o isolamento
social. No inicio, vivi momentos de pânico, e ao conectar as redes sociais, assistir noticiários,
ler noticias o medo de que o vírus chegasse próximo aumentava olhar para sociedade e
perceber o quão vulneráveis e desamparados estados pelos órgãos responsáveis, a população
estava diante desse caos, a cidade onde moro, Patos/PB, os casos aumentavam absurdamente,
chegou a ser uma das primeiras cidade do estado da Paraíba comprovação de morte pelo
COVID-19, em poucos dias, a cidade entrou para bandeira vermelha 4. Porém, o que mais
me deixava indignada era a forma de como os órgãos municipais estava agindo, mesmo diante
da bandeira vermelha, os órgãos responsáveis demoram a fiscalização, como também depois
de muitos caos, leitos de UTI lotado, mais de cinco mortes ao dia, foi quando começou a ter
uma fiscalização mais rígida. E tudo isso, acontecendo em uma cidade com 192 mil habitantes
cada dia é uma vitória. A cada divulgação de boletim, olhava atentamente as testagens
positivas, enquanto quase toda cidade estava “respirando” corona vírus nenhum caso era
anunciado no bairro onde eu moro. A crise de ansiedade tomou de conta, o psicológico já não
era mais o mesmo, começa os primeiros casos, começa as mortes de pessoas próximas, a
saúde mental vai sendo destruída, não é fácil, e em meio tudo isso, tinha a qualificação do
mestrado para escrever, confesso que os livros, as madrugadas, foram um meio para que por
algumas horas eu saísse um pouco do foco sobre o vírus.
Ver a pandemia que atingia todo o Brasil desde março deste ano e o descanso com que
o atual presidente do Brasil Jair Bolsonaro (sem partido) trata o vírus faz com que através de
símbolos e do seu discurso, enquanto todo o mundo procurava soluções, Bolsonaro fazia
piadas sobre o vírus. Sem nenhuma responsabilidade que um presidente durante a pandemia
deveria ter. Em nenhum momento houve adoção de medidas que incentivasse a adoção de
medidas para conter a propagação da doença, não houve exemplos pessoais para que pudesse
avalizar atitudes dos cidadãos. E o que fez o presidente? O oposto! Tentou minimizar a
extensão e letalidade da doença, incentivou a população a fazer auto medicação de um
remédio desaprovado pela OMS, andou sem máscara, sempre com aglomeração, dentre tantas
outras barbaridades cometidas por parte de um chefe de estado.
Chegamos a um ponto onde parte da população, esta grande parcela composta por
apoiadores do atual governo, seguiram a linha de pensamento na qual ele estava propagando,
duvidam da própria ciência, desprezam totalmente o conhecimento científico, muitos
baseados nas ideias do presidente da república, outros na ignorância e na fixação religiosa em
algum tipo de crença. Muitas pessoas só passaram a acreditar que algo grave acontecia
quando parentes mais próximos foram atingidos pelo vírus e em alguns casos, infelizmente ter
chegado a óbito.
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A bandeira vermelha, em essência, impõe restrições mais severas àquelas adotadas em áreas com bandeira
laranja. Nas regiões classificadas como bandeira vermelha, somente estabelecimentos que vendem itens
essenciais podem estar abertos, mantendo 50% dos trabalhadores. Os demais locais de comércio devem ficar
fechados.
Era um amanhecer de domingo, o claro do sol entrava pela janela no meu quarto, fui
fechar a janela, esta que acabou sendo o meu ponto de reflexão, parei por alguns minutos
olhando os pássaros cantavam sobre a mangueira da casa do vizinho, tinha tido uma
madrugada de leitura para escrever um dos capítulos da minha dissertação intitulado como
“As pretas no poder: enfrentando ao racismo epistemológico” e me veio o questionamento:
“como as mulheres negras estão administrando as novas disposições de tempo e espaço
para uma condição de escrita?” Como não pensar nessas mulheres que mesmo ocupando
“lugares de brancos” como diz Lélia Gonzalez, em quase sua totalidade são mulheres que
lutam diariamente contra uma sociedade onde as colocam e enxergam como subalternas, e
ao ocupar esses lugares elas resistem dia pós dia, o nosso país trata o acesso à cultura
acadêmica como privilégio, lembrando da frase de uma grande intelectual negra Conceição
Evaristo “durante muito tempo escrever foi considerado revolucionário pelas feministas
brancas. Eu digo, para mulheres negras escrever e publicar é revolucionário”. Alcançar
visibilidade e escutas conjugando as identidades de escritora e negra é uma grande vitória
individual e coletiva.
Imagine em tempos atuais, onde para a além do vírus que se alastram, as mulheres
negras estão cotidianamente ameaças por políticas conservadoras, elaboradas por um
patriarcado do século XXI, no qual o lar, os filhos e o orçamento doméstico definem, sem
pacimônia, o “ser mulher”. (XAVIER, 2020, p.44). Uma multiplicidade que evidencia a
sobrecarga trabalho, naturalizada pela estrutura patriarcal.
Precisamos parar de romantizar o termo “mulheres guerreiras”, termo usado para
elogiar mulheres que se desdobram entre diferentes rotinas, toda visão romântica da
realidade pode acabar atrapalhando análises profundas de alguns contextos sociais. Não é
normal mulheres terem jornadas muito mais que triplas, por exemplo: cuidar do lar, dos
filhos, vida acadêmica, profissional, saúde mental, dentre outros pontos, onde para algumas
e alguns é uma vida produtiva mesmo dentro de casa. Para as mulheres negras, ocupar o
espaço acadêmico é um processo complexo de destabilização do imagino de nascidas para
servir. (XAVIER, 2020, p.89).
Conforme comprovam os dados do IPEA no estudo online “Retratos das
desigualdades de gênero e raça, a luta por existir e resistir como instrumento atinge de
forma especifica as mulheres negras. Os números e as reflexões trazidas por Flávia
Oliveira, no texto intitulado “Calar é preciso”, titulo proposital, mostra o quão as mulheres
negras brasileiras estão em condições de vulnerabilidade.
Levando em consideração que no país onde mais 80% das trabalhadoras domésticas
são negras, segue algumas reflexões como: “quem tem o dinheiro de ser reconhecida como
intelectual no Brasil? Como a intersecção de gênero, raça, e classe colocam-se no espaço
acadêmico e na produção cientifica?
Partindo do levantamento do Movimento Parent in Science 5, intitulado “Produtividade
Acadêmica durante a Pandemia: efeitos de gênero, raça e parentalidade”, o trabalho buscou
entender este cenário, através de um levantamento realizado no Brasil, durante os meses de
abril e maio de 2020. Os questionários 6 foram respondidos por 15 mil acadêmicos entre
discente de pós-graduação, pós-doutorandas (os) e docentes/ pesquisadoras. Um dos grandes
objetivos foi mapear o impacto da pandemia visando o desenvolvimento de ações políticas
que impeçam o aprofundamento de desigualdades de gênero e raça na ciência. O estudo
questionou se essas pessoas estão conseguindo trabalhar remotamente, cumpri prazos
(solicitações de fomento, prestações de contas, etc.) e submeter artigos. Docentes e alunos de
pós-graduação formam os maiores grupos: 3.629 e 9.970 pessoas, respectivamente.
Ao longo do tempo, as mulheres foram vistas como mero acessório do homem. Não
podiam participar de uma vida política nem ingressar em universidades. Com movimentos
como o feminismo e o sufragismo, mulheres ganharam cada vez mais espaço em vários ramos
da sociedade. Segundo Lélia Gonzalez (1988), é inegável que o feminismo como teoria e
prática tem um papel fundamental, porém, na medida em que foram surgindo novas perguntas
as mulheres negras foram buscar novas formas de serem vistas na sociedade, Lélia em seu
artigo nos mostra que no interior do movimento feminista, as negras e indígenas são
testemunhas vivas dessa exclusão dentro das desigualdades existes. De acordo com os dados
mais recentes do Movimento Parent in Science existe uma profunda desigualdade, os
resquício do cenário dos colonizadores ainda perduram no contexto atual.
Ao pensar nesse processo de escrita fazendo o recorte a gênero/raça ainda fica mais
latente as desigualdades. Trazer aqui especialmente dados sobre as mulheres negras, que são
atingidas de todas as formas, por todo tipo de violência, em especial de gênero, raça, uma vez
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O Moviment Parent in Science apresentou sugestões para as agências de fomento e as universidades a fim de
reduzir as desigualdades de gênero e raça na academia, como: aumentar o prazo para submissão em editais de
fomento; flexibilizar o prazo para prestação de contas e relatórios de projetos; elaborar editais específicos aos
grupos mais atingidos, para evitar um aumento da disparidade de gênero e raça, agravando uma situação crítica
que já existe; aumentar o tempo de análise do currículo para mulheres com filhos, em editais de financiamentos e
concursos; programar os horários de reuniões, considerando o horário escolar no qual mães e pais devem dar
suporte a seus filhos; redistribuir, sempre que possível, a carga horária didática e atividades administrativas de
maneira a não sobrecarregar os grupos de cientista mais atingidos pela pandemia.
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Os questionários seguiram o padrão atual do IBGE como referência para a questão de raça ou cor. No entanto,
para a análise dos dados, pretas (os) e pardas(os) foram unidas(os) em um único grupo: negras(os). Não foi
possível realizar nenhuma análise considerando os grupos “amarelo” e indígena”, devido ao pequeno número de
respondentes que se declararam pertencentes a estes grupos.
que sofre as consequências do racismo estrutural, de acordo com Silvio Almeida (2020), o
racismo estrutural é essa naturalização de ações, hábitos, situações, falas e pensamentos que
já fazem parte da vida cotidiana do povo brasileiro, e que promovem, direta ou
indiretamente, a segregação ou o preconceito racial. Um processo que atinge tão duramente
— e diariamente — a população negra, e as questões diretamente relacionadas por serem
mulheres negras, acaba sofrendo dupla, ou triplamente.
Para além da constatação de que o Brasil é um país racista, machista e patriarcal, as
histórias de apagamento, invisibilidade, de silencia-se a produção cientifica de intelectuais
negras e hierarquizando saberes após anos, ainda se insere no contexto atual do nosso país
durante a pandemia, aumentando a desigualdade de gênero, raça e classe na academia. Na
Figura 01, segue o infográfico elaborado pela Parent in Science sobre a produtividade
acadêmica brasileira durante a pandemia.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvo Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora
Jandaíra, 2020. 264p. (Feminismo Plurais/ coordenação de Djamila Ribeiro)
CARNEIRO, Sueli. Escritos de uma vida. Belo Horizonte: Letramento, 2018. 2018.
RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro? 1ª Edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2018.
XAVIER, Giovana. Você pode substituir mulheres negras como objeto de estudo por
mulheres negras contando sua própria história. Rio de Janeiro: Malê, 2019. 182p.