Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Este barco pelo qual navegamos há anos já se acostumou com o balanço do mar e
as oscilações das ondas são, fontes de aprendizagem e de crescimento. É certo
que, desta vez, a tempestade veio muito rápida, situações como essa sempre se
repetem, mas sempre nos pegam desprevenidos. O perigo que, até então, parecia
distante já fazia parte de nossa realidade. Difícil retratar por palavras esse
momento, por isso recorremos a Drummond que, em seu poema “Congresso
internacional do medo”, descreve sentimentos que parecem tão atuais:
“Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos
subterrâneos e cantaremos o medo que esteriliza os abraços”.
Infelizmente, os dias lindos de outono são invadidos pelo medo. Poucos falam de
amor, o medo está no cotidiano: Em vários lugares, em todos os cantos e nas
conversas. Percebam que esse medo, como o do poema, não é nosso, é universal,
só se fala dele nesse congresso. E o que causa tanto medo assim nas pessoas?
Assim, a Terra foi parando aos poucos. Caminhar pelas ruas ou pelos parques em
busca de inspiração para os textos, tornou-se impossível. As máscaras antes
acessórios suspeitos, hoje, são obrigatórias, o que dificulta a comunicação.
Rapidamente, reparem nos olhares, mas pouco tem ajudado, pois parecem todos
muito amedrontados. Hoje, estamos nos acostumando a sorrir mais com olhos. Uso
de máscara é essencial para nos cuidar e proteger o próximo.
Enfim, é preciso acatar esse comando do Universo e aceitar, com resignação, que
há um tempo para tudo. Na correria, não percebemos que, às vezes, temos de
passar um tempo recolhidos seja pelo frio do inverno ou para uma necessária
leitura do mundo interior. Diante desse cenário, resolvi sair da quarentena e, mais
uma vez, fiz uma viagem, aliás, a mesma que tenho feito há muito tempo (ou pelo
túnel do tempo ou pelo meu interior).
Leitores gostam dessa viagem porque nela vão observando o caminho percorrido
vivendo-o em toda a sua extensão e, na medida do possível, em toda a sua
profundidade. Terminada essa viagem, passeamos pelo mundo do coronavírus.
Para isso, recorremos à memória, às leituras e ao cantinho com vista para o por do
sol outonal. Normalmente, demoramos muito para escrever um texto porque
pensamos e repensamos nas palavras empregadas, nos posicionamentos, não só
literários, mas, sobretudo, os de nossa vida.
E agora neste contexto de pandemia, a demora foi ainda maior. Apesar do triste
cenário a que estamos presenciando na cidade, do medo do invisível e do clima de
incerteza em que vivemos, não tenhamos dúvida em afirmar que nada vem por
acaso, sempre há uma mensagem nas entrelinhas dos acontecimentos. Quem
nunca ouviu alguém dizer: “Nem sei quem é o meu vizinho”. Pois bem: Acredito que
não só o susto, mas também o isolamento a que estamos submetidos constatou o
que há muito já disse o poeta “Nenhum homem é uma ilha”. Sim, nunca
pensávamos sentir tanto a falta do outro, de um bom dia no elevador, de um aperto
de mão. Precisávamos acabar ou minimizar (acabar acho difícil) o espírito
individualista que predomina na sociedade.
Citamos a época em que de uma prosa com um vizinho já nos tornávamos amigos.
Hoje, partilhamos anos de convivência para chamá-lo de amigo, às vezes, nem
assim. Cada vez mais juntos fisicamente, mas nunca tão separados, haja vista a
convivência em muitos edifícios de apartamentos.
Aquele que não mudar, que optar a ser um piruá (milho que não estoura), não
entendeu a nova realidade, não lhe será possível usufruir o direito de
“pertencimento” do novo contexto.
Ontem, passando pelo aplicativo que foi considerado uma ameaça cibernética pelo
país do Tio Sam, o TikTok, deparamos com um vídeo, engraçado por sinal, em que
uma mãe se esconde do filho na hora das agora famosas lives escolares, aulas
síncronas (que permitem interação em tempo real), encontros online e seus
devidos nomes, mas de mesmo significado.
Essas mães que, às vezes, parecem não ter paciência, não se cansam nunca e
estão ajudando a formar uma nova geração, uma geração única, uma geração que
já é parte da nossa história. Essas mães estão entregando com excelência o que
lhes foi imposto.
Outro detalhe que chama a atenção são os valores cobrados pelas escolas
particulares. Todas estão fechadas, com um custo bem abaixo daqueles de
momentos anteriores, já que gastam menos com luz, água, horas extras de
funcionários, etc.
Todos, de certo modo, procuram responder à pergunta que Santos (2020, p. 05)
propõe: que potenciais conhecimentos decorrem da pandemia do coronavírus? Em
sintonia com Santos (2020) e Bauman (2001), a proposta dessa primeira edição da
revista reflete principalmente uma indagação, a de saber: Com quais
conhecimentos, mobilidades e consciência social teremos diante do que
denominam de “novo normal”, sendo que as crises na economia, na política, na
educação, na saúde e na segurança, dentre tantas outras, insistem em se manter
permanentes?
Essa questão nos direciona a (re) pensar o novo normal no cotidiano da vida
pública, da vida privada e na sociologia das ausências (SANTOS, 2020), um surto
viral que pulveriza nossas ações, despertando o melhor e o pior em nossas atitudes
e em nossos discursos.
Mesmo assim, ainda é possível indagar: até quando? Será que essa solidariedade
forçada ainda existirá após a pandemia? Pelo lado negativo (mesmo que seja
quase impossível enumerar) reina um discurso preconceituoso, intolerante, racista,
em que os enunciados concretos viralizam sentimentos de ódio; fake news
espalham-se na sociedade promovendo ataques e atitudes de enfrentamento
contra o sistema democrático conquistado com “sangue, suor e lágrimas”, dos
tempos da ditadura militar no Brasil. Há uma nova ordem mundial, previna-se.
Há desordem social: “E daí?”, “Só uma gripezinha”, “não sou coveiro”, o “novo
Normal” Fairclough (2001) apresenta que as práticas discursivas são investidas
ideologicamente, na medida em que incorporam significações e contribuem para
manter e/ou reestruturar as relações de poder. Para o aludido autor, essas relações
de poder podem ser afetadas por quaisquer tipos de práticas discursivas
(científicas, religiosas, políticas), sendo que o sujeito é capaz de agir criativamente,
no sentido de realizar suas próprias conexões entre as diversas práticas e
ideologias a que é exposto e a (re)conhecer as formas de controle impostas pelo
sistema. Será que essas relações de poder, concretizadas pelos discursos
hegemônicos, estão mais nítidas em meio à contemporânea pandemia?
Referências Bibliográficas
Ricardo Santos David tem pós – doutorado em Educação, pela FCU – IESLA.
Doutorado e Mestrado em Educação e Comunicação: Audiovisual, pela
UNIATLÁNTICO, Especialista em Docência do Ensino Superior e Educação
Ambiental: Sustentabilidade, pela UCAM – Candido Mendes – Rio de Janeiro –
Revisor de Textos e Professor para Educação Básica. E-mail:
ricardosdavid@hotmail.com.br