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Boa noite a todas, todos e todes.

Começo essa fala agradecendo às pessoas


presentes e lembrando que esse rito secular de investidura profissional que é
uma formatura universitária não se faz apenas com as autoridades acadêmicas
que compõem a mesa, que outorgam diploma. Ele não se faz sem a presença
de vocês, que, compondo a plateia desse belo auditório, nada tem de
espectadores, que encarnam, aqui, não só a comunidade fraterna e amorosa
que sustentou de múltiplas formas a trajetória dessa turma, mas a sociedade civil
que custeia a Universidade pública, a quem devemos seu rigor, seu
compromisso, sua territorialização. Se as comunidades indígenas nos ensinam
que é preciso de toda uma aldeia para educar uma criança, quero dizer-lhes que
o mesmo se passa com a educação superior pública. Precisamos de todos! Não
deixem de lutar conosco e por nós, pela educação pública superior gratuita e de
qualidade!

Agora, lhes peço a licença pra me dirigir a essa turma especial, inesquecível.

Nos minutos que me cabem, meus queridos, minhas queridas, começo lhes
dizendo, que vocês serão, para sempre, os portões da UFRGS na minha
trajetória, o modo como me lembrarei da minha propria chegada a essa
instituição, em 2019, quando a professora Verônica tirava sua licença
maternidade e eu a substitui na disciplina de regimes e organizações
internacionais, na fase em que vocês deveriam realizar um trabalho final de
pesquisa em grupos. Não esqueço da qualidade daqueles trabalhos, da
dedicação, da escuta atenta de vocês, do esforço em incorporar, em levar a
serio, as observações que fiz a cada trabalho. Aí se estabeleceu entre nós uma
relação de profunda honestidade intelectual, de compromisso com o que
estávamos construindo juntes, pautada por um fluxo intenso de diálogo, de
feedback e acompanhamento para processos pedagogicos erguidos sobre a
noção de autonomia e responsabilidade de todos ali.
Nossa caminhada seguiu pelas disciplinas de análise de conjuntura, de
introdução aos estudos pós coloniais, nas orientações de TCC e nas bancas as
quais vocês me convidaram a estar. Voltarei a falar disso em seguida.

Por enquanto, falo disso para agradecer, honrada e muito emocionada, o


reconhecimento com que vocês, generosamente me presentiaram, de mãos
dadas com essas duas grandes professoras, Marta e Tatiana, que compõem
comigo a trinca de mulheres homenageadas por essa turma.
Registrados esses agradecimentos, quero falar a vcs com ajuda da poeta
polonesa Wislawa timborska, que nos diz que somos filhos de nossa época e
nossa época é política.

Estamos, todos e todas que compartilham a terra, implicadas, atravessadas


pelas urgências, pelos medos, desafios e esperanças dessa época que nos
coube viver, em que lhes coube exercer o instigante ofício de internacionalistas.

A Filósofa feminista Isabelle Stengers, nos diz que estamos no tempo das
catástrofes. O Filósofo yanomami David Kopenawa nos fala na iminência da
queda do céu. Ambos estão se referindo ao tempo presente, em que desastres
ambientais de grandes proporções deixam de ser vistos como exceção, como
acidente, e passam a ser enfrentados como abuso capitalista cotidiano das
forças de regeneração da terra, das florestas, dos rios, das montanhas, do fundo
dos oceanos, e, evidentemente, dos povos que com eles tecem suas vidas – os
condenados da terra, como nos ensinou Fanon – são impelidos a deslocar-se
em busca dos meios de voltar a produzir a vida com a dignidade perdida. Em
outra cena, megamilionários que contribuíram diretamente para essa exaustão,
agora anunciam cinicamente investimentos vultuosos em projetos
multiplanetários, na colonização de marte, e são exaltados como salvadores da
espécie humana.
Esses cenários, esses atores que acabo de descrever não nos são
desconhecidos e nem distantes. Eles fizeram parte da formação de vocês de
muitos modos: atravessaram grupos de pesquisa, projetos de extensão, estágios
feitos por vcs, disciplinas em que se engajaram ao longo do curso. Eles integram,
de modo incontornável, o nosso campo de atuação profissional, ainda que de
formas distintas. Campo em que, hoje, formalmente, vocês fazem sua estreia,
sua aparição política.

O tempo que passamos juntos, meus queridos, minhas queridas, me deu indícios
suficientes para saber que vocês chegam a esse campo, na época que lhes
coube, com preparo, compromisso, ética e coragem.

Como já disse, Meu tempo acompanhando vocês é também o meu tempo nessa
universidade. Vocês me receberam e engajaram-se comigo na aventura exigente
de uma formação em RI chamada a pautar-se por novos rigores, capaz de situar-
se na cena do mundo de modo objetivo e responsável, mas não neutro, de
reconhecer-se parte de um sul marcado pela violência e o despojo colonial, pela
justa necessidade de reparação de seus povos.

Juntos, juntas enveredamos por leituras fora do cânone, nos emocionamos com
as palavras de autoras indianas, intelectuais caribenhos, africanos, indígenas
latinoamericanos. Experimentamos pensar temas ardentes das RI a partir de
suas contribuições e assim, nos vimos não apenas pensando o mundo, como
requer a formação em relações internacionais, mas pensando na companhia dos
povos do mundo, a partir de suas questões.

Em plena pandemia, quando tivemos a maior parte de nossos encontros, vocês


sustentaram com consistência teórica, destreza analítica e sensibilidade
tamanha, - o chamado urgente, profundo, existencial dessas leituras difíceis, que
nos afetaram, que nos impeliam a não deixar de pensar e nem de agir em tempos
sombrios!

Encorajadas por essas leituras, testemunhei muitos, muitas de vocês


encontrando a própria voz, levantando-a como quem ergue mundos contra a
morte, como nos convocou Hannah Arendt. Vozes que me tocaram não só pelo
conhecimento que conseguiram produzir sobre os temas a que se dedicaram,
mas pelas dores que ousaram enunciar, por terem trazido à tona, com coragem
e cuidado, questões incontornáveis como saude mental e adoecimento psiquico
durante a formação em ri.
E, como nos ensinou o grande Eduardo Galeano “Quando é verdadeira, quando
nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha."

Minhas palavras finais nessa noite, afilhades, tem a ver com as conversas mais
recentes que tivemos, onde vieram à tona as inseguranças desse momento de
transição. Quero lembrar vocês, nesse momento, a respeitar sua singularidade,
a resistir, com coragem a enveredar por caminhos sem coração pelo simples fato
de serem os mais confortáveis, aqueles capazes de interromper nossa
perplexidade diante do desconhecido. A vida é um sopro! E o campo de atuação
que vocês escolheram permite que vivamos vidas interessantes, trabalhando em
ramos os mais diversos, vidas amigas de nossa potência! Tratam-se de
caminhos a construir, exigirão engajamento e persistencia, mas jamais nos
arrependeremos de lutar por uma existencia em plenitude.

Não tenham medo do fracasso, ele só existe quando deixamos de aprender com
o que nos acontece. Nas paredes da casa que Gandhi ergueu com sua
comunidade na áfrica do sul, onde desenvolveu a teoria da resistencia pacífica,
está Escrito que sábio é aquele que aprende com tudo. Aprendam! Aprendamos!

E, como vocês já sabem, como disse repetidas vezes a vocês nos feedbacks às
suas leituras dirigidas, nós seguimos e seguiremos juntas, juntos!

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