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Priorado Cavaleiros do Santo Graal

nº 146

Trabalho de Estudos Filosóficos da Cavalaria


(TEFC)

Sir. Cavaleiro: Eduardo Angelus Gomes de Almeida


Tema: A indiferença e as suas (in)consequências
Data: 21/10/2020
Local: Aracaju/SE
A Indiferença e as suas (in)consequências

Um silêncio dramático. Uma escuridão que toma todo o ambiente. Uma pessoa
sozinha diante de um caixão prestes a abri-lo. O que se sucede? Um susto que conquista
o suspiro e até mesmo gritos de toda a sala do cinema. Simultaneamente os
expectadores começam a questionar a verossimilhança do filme: "Ninguém seria burro
assim na vida real...".

E de fato, as pessoas são "burras" assim na vida real. Na verdade não trato como
"burras", mas sim inconsequentes.

Ao ensinar para uma turma de alunos do ensino fundamental alguns conceitos


científicos e médicos, é notável o espanto nos olhos das crianças quando se fala de
"pandemia". E não é para menos, afinal estamos tratando de um surto epidemiológico
de incidência altíssima, o qual é capaz de fugir do controle dos especialistas e ameaçar
todo o mundo. Olhando assim, esperávamos que essas crianças ao crescer pudessem
entender não apenas o significado dessa palavra, como também agissem com
responsabilidade diante de uma situação igual. Ledo engano.

O ano é 2020 e as circunstâncias nos mostraram que as pessoas são, de fato, "burras"
assim na vida real. O termo pandemia provém de um vocábulo grego que significa
“união do povo”, entretanto é perceptível que o povo nunca esteve tão desunido. Diante
da expansão de um vírus que alcançou todos os continentes com um rastro infeliz de
traumas e mortes, através de um contágio assustador capaz de comprometer o sistema
respiratório e ainda deixar infecções em outros órgãos vitais, foi emitida uma
recomendação pela competência máxima de saúde do planeta, a Organização Mundial
da Saúde, a qual dispôs como principal defesa contra o antígeno o distanciamento e o
isolamento social, além de uma série de medidas que viessem a efetivar o seu combate,
como o uso de máscaras e o hábito de higiene.

Ainda assim, a ignorância tomou conta. De um lado as massas que não


compreenderam as reais dimensões do problema - insistindo em sair, mesmo que sem
necessidade, arriscando-se para manter o lazer e o passatempo - e do outro a elite, a
qual deveria passar um bom exemplo - investindo fortemente na falta de
conscientização e transformando a ciência, os riscos e a vida em meras opiniões,
trabalhando em conspirações e em manifestações de sua revolta mal embasada, como
uma criança que gosta de fazer barulho e se fazer de chateada por não gostar de quando
os pais a mandam dormir cedo, para que ela possa crescer bem e saudável. Tal qual
canta Renato Russo: "Quem me dera ao menos uma vez /Provar que quem tem mais do
que precisa ter (...) fala demais por não ter nada a dizer".

Claro que com os efeitos dessa repentina tragédia, presenciamos casos de pessoas
que tiveram que continuar com seus trabalhos e suas rotinas devida a sua condição
econômica, social, etc. Todavia, não é para elas que dirigimos nossa atenção, mas sim
aos inconsequentes - senão burros, dessa vez sem aspas - que, com acesso ao
conhecimento e condições positivas para permanecer reclusos, expuseram não apenas a
própria vida, como também de todos que os beiram, em uma postura arrojada e
enrustida incapaz de pensar, minimamente, no contágio que estaria permitindo ao
continuar saindo de casa desnecessariamente, desrespeitar o distanciamento entre as
pessoas e negar o uso de máscaras.

A partir desse exemplo, tão próximo e intenso, devemos nos perguntar:

- De onde parte essa inconsequência?

- Qual é a verdadeira preocupação dessas pessoas?

- Quais são os seus efeitos para a sociedade?

- Esse desleixo tem algum limite?

- Como devemos nos portar diante desses casos?

Pois bem, pensando no assunto é difícil começar de outro ponto de partida senão a
indiferença. A Era Contemporânea diferencia-se, dentre tantos outros fatores, da
Antiguidade pelo enfoque observado na ação dos homens. Não existe mais aquela rotina
dedicada aos estudos, ao aperfeiçoamento do espírito e à prática direta da vida política e
da filosofia. A ação humana hoje é direcionada à subsistência, transformando o animal
político ("zoon politikon", de Aristóteles) no animal do trabalho ("animal laborans", de
Hannah Arendt), dedicado a manter o seu consumismo trabalhando cegamente,
enxergando no trabalho a sua sobrevivência.

O resultado é um homem tolerante às coisas da vida e do mundo, que segue alienado


sem o anseio de buscar entender as coisas e o seu funcionamento, fundamentando,
assim, pensamentos rasos e vazios enquanto faz crescer a sua angústia e a sua desilusão.
Nasce, dessa forma, o que chamo de "homo blindado", uma espécie que segue os seus
dias como se usasse um "piloto automático", direcionando suas energias a formas
seguras de garantir o seu consumo, mesmo que isso o estresse e o torne bruto para com
todo o resto que o cerca, colocando sua produção acima das demais condições básicas
da vida, esquecendo-se de direcionar ânimo às coisas que o mantém como unidade com
os demais humanos, como as relações sociais, o zelo e até mesmo o amor.

Observando assim, somos capazes de compreender a base da indiferença do homem


moderno como explica Theodor Adorno, quando cita que "os homens, sem exceção,
sentem-se hoje pouco amados porque todos amam demasiado pouco". Como resultado,
nota-se o crescimento do descaso para com aquilo que está ao seu redor uma vez que a
sua visão torna-se míope e rasteira, incapaz de enxergar nos demais as mesmas
necessidades que habitam nele. O "homo blindado" não se preocupa mais em assumir
alguns riscos, mesmo que isso coloque em perigo as outras pessoas, embora não admita
o caminho contrário: quando algo ameaça o seu conforto a resposta é imediata, curta e
grossa. Desse modo, cada vez mais diminuem os diálogos, os quais passam a dar espaço
a uma disputa de rudezas e ataques capazes de surpreender qualquer neandertal (seria,
dessa maneira, o "Homo blindado", um novo passo da evolução humana? Talvez o elo
perdido?).

Na mitologia grega é apresentada a figura de Polifemo, um monstro arrogante e


cruel, sendo uma besta extremamente perigosa senão fosse a sua fraqueza: a sua
estupidez. Polifemo era um ciclope (gigante de um único olho, sendo uma representação
para a ignorância com a sua visão limitada) frustrado que passava a vida com a
monótona rotina de conseguir os seus provimentos para permanecer vivo, chegando a
cortar duas cavidades em seu rosto para tentar viver despercebido entre os humanos e
ser aceito, mas sendo sempre descoberto pelo seu comportamento ríspido e jactante. E
assim, em meios como os nossos, podemos lutar contra os males dessas pessoas
descuidadas que nos cercam. Vivendo em irmandade e nos dedicando a refletirmos
nossas ações, somos capazes de nos tornarmos pessoas esclarecidas, alcançando o que
Immanuel Kant chamava de "Aufklarung"- a ascensão de boas ideias e ações.
Dedicando, assim, nossos anos de juventude ao florescer de posicionamentos,
conseguimos romper com essa armadura que a rotina exaustiva tenta impor sobre nós.
Estamos cada vez mais distantes dessas pessoas rancorosas e agressivas, retornando
para as nossas comunidades como uma fonte de iluminação, com uma promessa de que
faremos o nosso melhor para mudar ela todo dia. Mudando a nós mesmos nos tornamos
capazes de mudar os outros, agindo contra essa onda de melancolia que assombra o
mundo e o torna tão irresponsável para consigo.

Em um mundo amoral e deseducado, ser DeMolay é preciso.

Sejamos o limite que confronta esse mal, combatendo-o de frente com o brilho das
nossas velas. Levemos amor e união onde se cultivam as discussões, como aprendemos
com a chama do Amor filial; depositemos fé onde predomina a desesperança,
aquecendo os necessitados com o calor da chama da Reverência pelas Coisas Sagradas;
carregando nossos bons modos onde vive a indelicadeza, encantando as pessoas com o
brilho da Cortesia; emanando harmonia onde predomina a displicência, carregando
firmemente a missão de promover o companheirismo; levando princípios onde se carece
de valores, como prova da fidelidade que assumimos ao nos tornarmos membros dessa
ordem; sendo exemplo de bondade e limpidez de pensamentos, palavras e ações ao
insistir a descomunhão, defronte qualquer ameaça à pureza; e assumindo o dever de ser
brasileiro e defender nossos compatriotas de qualquer mal que atinja a sua vida,
dispondo-nos, inteiramente à sua defesa, como aprendemos com a importante lição do
patriotismo.

Uma vez capazes de atuarmos ativamente em nossa sociedade, somos coerentes em


buscar censurar toda manifestação de desleixo em nosso ser. Somos vistos como
DeMolays no templo ao usarmos nossas capas e colares, mas somos reconhecidos como
DeMolays em nossos meios ao usarmos nossos exemplos para mudar quaisquer erros
que surjam, pois sabemos bem que seremos inteiramente responsáveis pelas nossas
ações e escolhas, restando-nos, portanto, a opção de sermos prudentes ao fazer o que é
certo, pensando em tudo e em todos.

Sendo assim, tendo em vista atitudes que afastem nossa realidade de um filme de
terror, há de ser mister a atuação de todos os irmãos em prol de uma verdadeira luta a
favor dos bons valores e costumes, despertando compaixão no espírito das pessoas e
concedendo ao mundo a sua energia para seguir lutando. Não devemos nunca nos
afastar dos nossos valores, somente eles são capazes de guiar as pessoas para bons
caminhos, e silenciando os jovens estaremos, irremediavelmente, construindo um futuro
mudo. Afinal, como dizia Frank Sherman "Dad" Land: "O princípio é o que importa".

Nome: Eduardo Angelus Gomes de Almeida,

ID: 65933

Priorado: Priorado Cavaleiros do Santo Graal nº 146

GCE: SE

Elaboração: 21/10/2020

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