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“Rir é correr o risco de parecer tolo.

Chorar é correr o risco de parecer


sentimental. Estender a mão é correr o risco de se envolver. Expor seus
sentimentos é correr o risco de mostrar seu verdadeiro eu. Defender seus
sonhos e idéias diante da multidão é correr o risco de perder as pessoas.
Amar é correr o risco de não ser correspondido. Viver é correr o risco de
morrer. Confiar é correr o risco de se decepcionar. Tentar é correr o risco
de fracassar. Mas devemos correr os riscos, porque o maior perigo é não
arriscar nada. Há pessoas que não correm nenhum risco, não fazem nada,
não têm nada e não são nada. Elas podem até evitar sofrimentos e
desilusões, mas não conseguem nada, não sentem nada, não mudam, não
crescem, não amam, não vivem. Acorrentadas por suas atitudes, elas viram
escravas, privam-se de sua liberdade. Somente a pessoa que corre riscos é
livre!” – Sêneca (orador romano que viveu entre 55 aC. e 39 dC.).

Magnífico Reitor da Universidade Estadual Ceará, Prof. Dr. José Jackson


Coelho Sampaio, em nome de quem cumprimento todos os demais
membros da mesa, senhoras e senhores... Caríssimos formandos: boa noite.

Estou aqui hoje porque a palavra me foi entregue. Tenho a tarefa de


proferi-la neste momento tão especial. Inesquecível. Represento aqui um
pouco dos sentimentos que cada formando traz nesta noite. Meus caros,
Ninguém pode avaliar o que cada um está sentindo neste momento, porém
podem imaginar o que esta formatura representa para nós.

Mas eu só posso fazê-lo na condição de poeta, não que eu seja, mas falar de
sentimentos é necessário mais que lógica, mais que letras bonitas e bem
colocadas, não escrevo poemas, mas compreendo que é preciso estar
constantemente dominado pela paixão, e que a linguagem mais
compreensível às pessoas é a que lhes atinge direto no diafragma, sem
intermédio de sinapses. A poesia transmite valores porque transmite
emoções. Ela é essencialmente marginal, e também sofre a exclusão, como
tudo que é inútil ao mecanismo da produção de riquezas. É assim que me
revisto da mágica encantatória de fazedor de palavras, para em prosa
mesmo, recitar os sentimentos dos meus companheiros e companheiras. E
para trazer as boas novas: seremos humanos.

Tanto as palavras como as folhas, são levadas pelo vento e em breve alguns
não se lembrarão do discurso que estamos pronunciando, mas peço-lhes a
permissão de chamá-los de fogueirinhas...

Fogueirinhas, sei que a maioria entre nós são pessoas simples, com
condições sociais permeado por ausências, sei também que muitos
enxergam nesta formação uma possibilidade de ascensão social e
financeira. Mas peço-lhes, não pensem apenas no dinheiro, ame seu oficio
com todo o coração. Persista fazer o melhor. Seja realizado e fascinado
pelo realizar que o dinheiro virá como conseqüência. Quem pensa só em
dinheiro não consegue sequer ser nem um grande bandido, nem um grande
canalha. Napoleão não invadiu a Europa por dinheiro. Hitler não matou 6
milhões de judeus por dinheiro. Michelangelo não passou 16 anos pintando
a capela Sistina por dinheiro e geralmente, os que só pensam nele não o
ganham. Porque são incapazes de sonhar. E tudo que fica pronto na vida foi
antes construído na alma.

Entre nós há tanta solidão, tantos sonhos desfeitos, ausência de sentido e de


alternativa para esse modo de vida desagregador, que nos sentimos
encurralados, e a reação possível é quedar-se atônito. Fogueirinhas,
pergunto-lhes... Para onde nos movimentamos? O futuro melhor é uma
metáfora, os ideais de igualdade, liberdade e justiça foram profanados e
falar deles, hoje, é obsceno.

Então, o que nos espera? É muito difícil viver na desesperança. É preciso


acreditar no que não existe, afinal, estar nesse mundo é conviver com
ausências. A ausência é o desconforto, é o vazio deixado por uma presença
ressentida. Não podemos deixar de sentir essa angústia fundamental, de
saber que a muito mais lá fora do que nossos olhos conseguem captar nesse
momento. Não estamos cegos, é que os olhos não chegam para dar conta
dos problemas reais. Precisamos recuperar a dignidade dos outros sentidos
no aprendizado da vida. Abrir os ouvidos, o nariz, a língua, o corpo, ao
arrepio da experiência é o começo da libertação da clausura da
modernidade. É aceitar a emoção, o sentimento, como parte fundamental da
compreensão de nós mesmos e do outro.

Ausente é tudo que não está aqui, que não é agora, que não mora, que não
possui, e que não morre. Havemos de desvelar as ausências da educação, e
a sua inescapável qualidade de incompletude, como tudo em nosso tempo.

Muitos preferem acreditar que a educação é um todo hermético. Sua


influência imagina-se, afeta todos os aspectos da vida humana, nos governa
onipresentemente, e as suas soluções poderiam resolver todos os
problemas. Mas o que há, de fato, é um sistema que regulamenta algumas
situações, um conjunto de elementos normativos que tenta prever apenas
alguns fatos, e dar uma resposta possível aos conflitos.

A educação parece ser o lugar das ausências. As formas de vida resistentes


ao avanço do retrocesso do projeto hegemônico de mundo, estão ausentes,
não conseguem se fazer ouvir dentro do mundo social, pois a língua que
falamos não lhes é acessível. Na voz que profere o atual sistema
educacional, não ouvimos o grito dos miseráveis, dos sujeitos organizados
para resistir às várias formas de opressão; não percebemos o vigor das
enxadas sulcando a terra seca, tão seca como há tempos não se via; não
sentimos a respiração entrecortada das mulheres que abortam em risco de
morte; ou a mãe periférica que pranteia o extermínio de seu menino que
nem chegou a ser homem; não podemos ver os confrontos em que a
sociedade se sustenta e estremece, e para cuja pacificação, as leis dizem ser
feitas.

Precisamos ter em mente que nosso trabalho é a mola do mundo, somos


profissionais e trabalhamos com um patrimônio chamado ser humano cujo
trabalho chama-se educação. Mas o poder conferido pelo domínio desse
instrumento não é fictício.

Muitas vezes o sistema educacional é a linguagem do poder político e


reflete os objetivos e a conduta de quem são seus detentores. Nós não
somos os donos do poder, nem tampouco devemos ser as engrenagens que
garantem obedientemente sua reprodução. Devemos ser os operários da
rebeldia, e dia-a-dia executar a jornada da revolta contra a dominação.

É preciso resistir às ações supostamente neutras, reconhecer o conteúdo


político e valorativo dos nossos atos. Como sempre dizia nossa mestra
Edleuda: É preciso resistir às práticas solidárias, cujo intento é manter a
dependência dos sujeitos e grupos oprimidos.

Fogueirinhas, é preciso humanizar a escola, retirá-la de seu sonho de


segurança para que escute os gritos detrás dos muros. A sociedade exclui, a
escola exclui, o poder exclui a riqueza da vida humana. Cria-se um
ambiente acético, onde nós, futuros profissionais, devemos nos
movimentar. Mas nós não somos estéreis, e se sabemos onde está à
corrente da mudança, é para lá que devemos migrar. Vamos lavrar e semear
na aridez dos cubículos normativos, vamos fazer chover a esperança com a
nossa utopia.

Que não sejamos homens partidos, que estejamos inteiramente aqui, com
nossas lonas pretas e indignação fundamental, para a ocupação da
universidade. Vamos transformar a sociedade numa grande união de
diversidades.
Inteiros para a construção de uma educação capaz de produzir presenças e
não mais escamotear ausências. É preciso reconhecer os vazios históricos e
transbordá-los de novidades. É preciso entranhar, pela pedra, a vontade do
corpo, da alma, do coração, porque essa é a matéria humana.

Esse encontro nosso, durante esses quatro anos e meio, essas pessoas, neste
lugar, neste tempo, foi importante para que acreditássemos que, sim, o
aprendizado dogmático é necessário, mas o aprendizado amoroso pode ser
revolucionário. O amor como a desrazão que leva à transgressão, o amor
que nos faz recuperar a visão, tomada pela cegueira leitosa das crenças do
racionalismo.

Fogueirinhas, talvez, melhor e mais importante do que o exercício


competente da profissão, seja o trabalho poético do exercício apaixonado
da profissão. Como não ver, por exemplo, a poesia no trabalho do juiz que
manda soltar o ladrão das melancias, recusando-se a justificar seu ato, pela
obviedade do sentimento de compreensão do desespero faminto do homem.
E vejam a poesia do jurista Warat, que viveu sempre em estado de ardente
emoção, “Só os apaixonados contestam, protestam, procuram a
transformação. As paixões não cegam; elas iluminam, utopicamente, o
destino do ser apaixonado. A paixão é o alimento da liberdade. Não pode,
portanto, existir pragmática da singularidade humana, sem seres
apaixonados que a realizem. A paixão é o que nos diferencia dos seres
inanimados, que simulam viver olhando, indiferentemente, o mundo à
espera da morte. Só os seres apaixonados têm condições de procurar viver
em liberdade...”

A ausência de paixão nos lança no vazio da mera sobrevivência material,


do abandono do espírito. No centro da pragmática rotina institucional,
oficial, dos rituais, dos favores, da repetição, do torpor, experimentamos
uma existência prosaica e, portanto pobre. Uma existência poética, pelo
contrário, é aceitar viver para viver, é estar presente nos espaços para
queimar o tédio e a conformidade, e com as cinzas das horas, darem origem
à estrela da manhã. Sem isso, estaremos perdidos na mesmice.

Como Drummond, “Estou presa à vida e olho meus companheiros. Estão


taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.” Precisamos é de paixão,
companheiros, de fogo no olho, corpo em carne viva de tanto debater-se
pela liberdade, e na luta para seduzir os outros para essa tarefa comum.

Eduardo Galeano é quem conta uma história sobre fogo. Diz ele que:

“Um homem conseguiu subir aos céus.

Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado lá do alto, a vida


humana.

E disse que somos um mar de fogueirinhas.

- O mundo é isso – revelou. – Um montão de gente, um mar de


fogueirinhas.

Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras.

Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras


pequenas e fogueiras de todas as cores.

Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo
louco, que enche o ar de chispas.

“Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam, mas outros
incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles
sem pestanejar, e quem chegar perto, pega fogo.”

Olho para nós, formandos do curso de pedagogia, do curso de ciências


biológicas e do curso de química, e vejo um bocado de fogueirinhas, e
estão vivendo em nossa memória. Espero que sejamos para sempre fogos
de alumiar com ternura e queimar com ardor, pra que quem for à lua, possa
ver nosso brilho de lá.

Obrigado.

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