Você está na página 1de 6

O sentido da vida como felicidade

Partimos de uma situação de encruzilhada, em que redefinimos e


redimensionamos a nossa condição humana e em que evocamos um conjunto
de metáforas que nos ajudam a encontrar um sentido para o sentido de uma
realidade dinâmica e extraordinariamente complexa a que chamamos vida,
algures entre o absurdo e um projeto com sentido.

Uma discussão de senso comum sobre a vida deter-nos-ia


indeterminadamente, na medida em que se trata de um concerto complexo que
pode referir-se a processos inerentes aos seres vivos, à noção de
temporalidade aplicada a tudo o que acontece entre o princípio e o fim histórico
de um organismo, à condição ou à razão pela qual vive um ser vivo.

Apesar de se tratar de realidades passíveis de serem descritas


desapaixonadamente, o surgimento da vida na terra, a sua complexificação, a
evolução das espécies, a biodiversidade, os ciclos naturais, o nascimento de
um ser humano ou, simplesmente, a fotossíntese, evocam o milagre da vida,
algo torrencial ou poético que dificilmente nos deixa indiferentes.

A pergunta pelo sentido

O ser humano é um ser estruturalmente marcado pela pergunta e pelo ato de


perguntar. Nesta sua capacidade de questionar reside muito do processo e da
evolução da humanidade e da própria consciência e conhecimento que a
pessoa tem em si própria. Intuímos que, desde cedo, para não dizer desde
sempre, o ser humano não se contentou com a simples vida, ou o simples
fazer, mas preocupou-se em compreender e perceber em que consistia o seu
viver e porque o vivia assim.

A busca pelo sentido da nossa vida obriga-nos a um caminho de introspecção


(ir ao fundo de nós mesmos). Compreender o nosso passado e o íntimo da
nossa personalidade é o ponto de partido para recomeçarmos a viver com
sentido. Enquanto não encontramos as respostas que satisfaçam as nossas
preocupações, limitam-nos a sobreviver - respirar, alimentarmo-nos e seguir os
demais. É na procura de respostas que nos inquietam que poderemos
encontrar;
 Um rumo a seguir;
 A vontade de viver e tomar decisões;
 O sentido para a nossa vida.

O tempo e as situações que nos são dadas viver têm muitas vezes dificultado,
e mesmo eclipsado, esta pergunta fundamental pelo sentido da vida. Tantas
vezes nos deixámos invadir por uma espécie de apatia e conformismo ou de
revolta, gerada por uma certa sensação de não poder lutar contra o sistema.
A vida: encontro e relação

Ao dizer sentido, dizemos algo mais do que meros objetivos a alcançar com
esta ou aquela atividade. Trata-se de algo pelo qual valha a pena viver, pelo
qual nos possamos entregar dando até a própria vida, pelo consigamos ser
felizes.

Não podemos, de modo nenhum, reduzir a nossa reflexão ao âmbito da vida


individual. O ser humano, cada ser humano é certamente alguém especial,
único e irrepetível, mas é alguém, em relação com os outros, com a natureza e
com história.

A pergunta pelo sentido da totalidade da vida do ser humano tem, pois, que
incluir obrigatoriamente todos os momentos constitutivos dessa mesma vida. A
sociedade e a realidade que rodeia: a pessoa, as suas relações com os outros
e a história que vive o constrói são dimensões que não podem deixar de ser
abarcadas pela questão do sentido. E à luz da totalidade e globalidade da vida
que se pode avaliar toda a existência pessoal, percebendo o valor que ela tem.

A questão do sentido só consegue iluminar o viver humano quando somos


capazes de uma certa distância e de uma certa contemplação do nosso
pensar, querer e agir integrados num contexto. Há sempre a necessidade de
uma condição relacional e criativa: o ser humano está estruturalmente aberto
ao mundo e às pessoas que o rodeiam. Centrado e fechado sobre si mesmo,
jamais seria capaz de percorrer o caminho de humanização até ao fim. Dai que
esta abertura se revele o momento fundamental da sua experiência de vida,
que acaba por abrir-se em três direções:
 O mundo - onde vai descobrindo a realidade envolvente e onde vai
criando modelos de interpretação e de práxis cultural:
 A interioridade - porque está aberto ao exterior, é capaz de perceber-se
distinto desse exterior e ir percebendo a sua própria realidade e
identidade:
 A alteridade - porque é através da relação com os outros que vai
concretizando a sua intervenção no mundo e a construção da
identidade.

Cada um de nos tem a absoluta necessidade de compreender o porque e o


'para quê' da sua existência e sente-se interpelado a comprometer a liberdade
na sua realização.

A pergunta pelo sentido coloca-se num âmbito de totalidade. E toda a


existência humana que é abrangida pelo sentido, é a pessoa toda que se sente
interpelada e comprometida neste processo. Só neste contexto de totalidade,
que abrange entendimento, vontade e ação, pode a existência deixar de ser um
mero viver para passar a ser vida humana. Estamos, portanto, perante uma
daquelas questões capazes de qualificar o humano. A pergunta pelo sentido
configura a dimensão constitutiva do ser humano.
O ser humano: peregrino de si e do outro

Na nossa história pessoal, num quotidiano tantas vezes circunscrito e


asfixiante, sentimos a vontade de sair, a necessidade de partir à descoberta de
um universo exterior, o apelo da novidade, da aventura, do desconhecido.

O sentido da 'saída' inspirou o ser humano desde o mundo antigo ate aos
nossos dias. Seria possível narrar a história da humanidade a partir de
migrações ou incursões militares, a partir de arrufos e reencontros de pessoas
solitárias ou grupos humanos, em busca de glória, de terra, de proteção, de
riqueza, de conhecimento, de um sentido espiritual para a sua vida. Das
viagens míticas de Ulisses ou Eneias ao êxodo de Moisés (séc. XIII a.C.), das
derivas de Marco Pólo (séc. XIII-XIV) às viagens marítimas dos portugueses
nos séculos XV e XVI, a história evoca o desejo incontido de partir, de sair de
si, de se desinstalar.

Mesmo na alegria e na proximidade daqueles que caminham connosco, nada


nos liberta da solidão e abandono em tantos caminhos que temos de percorrer
sozinhos, do entusiasmo da descoberta e da ideia de nos sentirmos perdidos,
da necessidade de partir.

A experiência de amor e de dor faz-se sozinho... mas quando partilhadas


ganham um novo sentido e traz-nos no sentido da nossa vida. Contam sempre
como pontos de partida, abrem-nos à relação outros, com a natureza e com o
Transcendente.

Perdidos no labirinto da errância

Muitas vezes reconhecemos, no nosso contexto particular ou nas notícias, que


nos chegam de todo o lado e em tempo real, casos de pessoas que perdem
tudo em desastres naturais, acidentes, provações de todo o género. E que
pensar das pessoas que, sendo inocentes, são atiradas para situações no
limite do que é humanamente suportável: humilhação, tráfico humano,
exploração sexual.

O mundo de hoje mostra-se continuamente em imagens de violência, mísera,


morte. Os investigadores referem que esta exposição permanente à crueldade
e ao horror acaba por tornar os consumidores das notícias insensíveis à
injustiça, à atrocidade e a dor.

Estar perdido, andar à deriva, viver a tensão da encruzilhada, são situações


que fazem parte da experiência humana. Poderíamos dizer que uma vida com
sentido depende da coragem e do desassombro, da liberdade de percorrer
caminhos através de regiões que desconhecemos.
E fácil habituarmo-nos a ideias feitas e acomodarmos a nossa consciência a
uma vida ‘absurda’, mas da qual nos sentimos orgulhosos.

A tentação pelo não ser, pelo não sentido faz parte do quotidiano pessoal e de
um povo. A alma habitua-se ao não sentido, aos caminhos mal andados...
Há jovens que andam pelas esquinas das nossas vidas, derrotados pelas
dificuldades da sua vida, do desemprego, da doença, da oportunidade que não
surge. Há pessoas que procuram esquecer tudo mergulhando no álcool, na
droga, no prazer fácil. Há situações de perda do sentido da vida que podem
conduzir à marginalidade e até ao suicídio.

A vida como sabedoria

A vida humana não deve apenas ser sentida, mas exige um sentido. Por isso, a
velha máxima 'conhece-te a ti mesmo' não é apenas uma dimensão moral. O
filósofo Sócrates (séc. V a.C.), e tantos outros pensadores, quiseram significar
que a sabedoria depende, em primeiro lugar, do conhecimento de si mesmo,
ou seja, da sua alma, do seu ser mais profundo. Cuidar da alma é caminhar
para a verdadeira sabedoria, a maior riqueza do ser humano: todo aquele que
privilegie o cuidado da alma conhece a Justiça e o Bem. Esta procura da
profundidade, que é cada pessoa, tem também uma dimensão política, ou seja,
tem a intenção de caminhar para um novo estilo de relações humanas, assente
em valores que devem estar plasmados na vida social, provocando um
desenvolvimento harmonioso da vida pública e a procura do bem comum.

Valorizando a interioridade, a reflexão e a contemplação, o ser humano procura


a abstração e a universalidade, desvalorizando os pontos de vista pessoais
trazidos pelos sentidos, por considerar que só desta maneira o espirito humano
se torna livre e imparcial. A interioridade é o desejo de atingir a verdade, a
justiça e o amor universal e é nisso que consiste a verdadeira liberdade
humana, pois é ela que liberta a pessoa das crenças e dos medos mesquinhos.

O agir humano nunca é um acaso, pelo contrário, é intencional: comporta um


sentido. As metas particulares, espaciais e temporais, vão-se sucedendo e
ligam-se entre si por um fim mais abrangente, que são os projetos de vida
direcionados para o futuro. Estes projetos são uma referência, uma orientação
para a existência e para a escolha de um quadro de valores que vai orientar a
interpretação da vida, da morte e da razão de ser de cada pessoa.

Tradição e cultura: contributos para o sentido


Tradição é a transmissão de costumes, comportamentos, memórias, rumores,
crenças, lendas para pessoas de uma comunidade, sendo que os elementos
transmitidos passam a fazer parte da cultura. É a continuidade ou permanência
de uma doutrina, visão do mundo, costumes e valores de um grupo social. Para
que algo estabeleça como tradição é necessário bastante tempo, para que o
habito seja criado.

Cultura e o conjunto de tradições de determinado grupo social. Representa o


património e a soma de padrões dos comportamentos humanos. Cultura e todo
aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei,
os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem
como membro da sociedade.
A cultura e um modo particular que cada povo tem para estabelecer as
relações com a natureza, entre os seus membros e com Deus, de modo a
alcançar um nível de vida verdadeiramente humano.

A cultura é a essência de um povo ou de um grupo; ela é constitutiva da


identidade desse povo com o qual se identifica, a transforma e a transmite. A
cultura, expressa em tantas formas, faz com que cada ser humano nunca se
sinta órfão e se sinta reconhecido. Toda a tradição cultural e portadora de
significados, de símbolos e de beleza que significam sentidos e ajudam a viver
a dimensão simbólica do grupo.

Qualquer cultura e um todo coerente que inclui as práticas sociais, as


representações simbólicas e os gestos religiosos. A religião vai buscar ao meio
ambiente os seus modos de expressão e, por isso, o fenómeno religioso atinge
o conjunto social.

A fé crista enraizou-se em todas as culturas, e foi através destas que se


exprimiu no decorrer dos séculos. Fundado num acontecimento único - a Boa-
Nova da entrada de Deus na história humana -, o cristianismo fortalece todas
as aspirações mais profundas que levam a humanidade a tornar a vida mais
humana. De facto, para o crente, a fé confere um sentido sobrenatural à sua
história e aos seus projetos pessoais.

O cristianismo é fazedor de cultura e portador de uma tradição humanista. Faz


simultaneamente um apelo à interioridade, feita de acolhimento e
generosidade, e um apelo a uma vida onde se manifestem a justiça e a paz,
onde a verdade, a beleza e o bem engrandecem o ser humano e a sua procura
de sentido.

Face a situações de ausência de sentido de muitos, somos interpelados a olhar


para o Sentido: Deus.

Deus interpela e chama a pessoa a viver, no seu tempo e ao seu jeito, o projeto
proposto por Jesus Cristo. É necessário trazer Deus para o coração de cada
pessoa e para a ágora, a praça, a cidade... provocando uma libertação de
todas as amarras e de todos os absurdos que lhe provocam medo e angústia.

Vida em plenitude

A vida é também uma tarefa. Defender a vida e fazê-la cada dia mais digna
constituem o desafio permanente do nosso mundo. É necessário ama-la e
valoriza-la, fazer dela algo positivo e construi-lá
segundo um projeto de pessoa, Para isso é importante e necessário descobrir
o sentido da vida. Saber porque e para que se vive.

Viver é uma ousadia de radicalidade e beleza. Existem tantos caminhos


quantas pessoas há neste mundo. Através da nossa busca pessoal e do longo
percurso que fazemos pelos trilhos que traçamos, chegamos a esse caminho
arrebatadoramente pelo que se chama Felicidade.

Você também pode gostar