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Caro(a) aluno(a),

Neste Caderno você terá a oportunidade de voltar sua atenção a temas de grande
importância para a reflexão sobre o cotidiano, o tratamento de diferenças, temas
presentes também na Psicologia e na Sociologia.
Neste Volume será abordada, ainda, a educação a partir da perspectiva dos pen-
sadores Adorno e Horkheimer. Ou seja, a educação como fator de emancipação, de
libertação.
Assim, no conjunto das suas propostas, este Caderno apresenta uma reflexão so-
bre as relações entre vida política e “vida particular” e a necessária relação entre a
Filosofia e os estudos e pesquisas de outras áreas do conhecimento.
Esperamos que, a partir da proposta deste Caderno, você possa se posicionar com
mais rigor e clareza acerca das questões que envolvem a velhice, o gênero, o racismo
e a educação. Questões humanas e, portanto, passíveis de mudanças. Esperamos que
você vivencie com mais responsabilidade essas demandas do nosso tempo.
Bom trabalho!

Equipe Técnica de Filosofia


Área de Ciências Humanas
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENP
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
Filosofia - 2a série - Volume 3

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! SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 1
REFlExÃO SOBRE HUMIlHAÇÃO E VElHICE

Para começo de conversa


Neste Volume são apresentados temas fundamentais do cotidiano associados à Filosofia. Come-
çaremos com o tema “humilhação” para discutirmos a importância de uma postura reflexiva própria
da Filosofia no enfrentamento de conflitos tão comuns em nosso convívio social.

Leitura e Análise de Texto

Antes de iniciar os exercícios, leia com atenção o seguinte texto:


“A humilhação é uma modalidade de angústia que se dispara a partir do enigma
da desigualdade de classes. Angústia que os pobres conhecem bem e que, entre eles,
inscreve-se no núcleo de sua submissão. Os pobres sofrem frequentemente o impacto dos
maus-tratos. Psicologicamente, sofrem continuamente o impacto de uma mensagem
estranha, misteriosa: ‘vocês são inferiores’. E o que é profundamente grave: a mensagem
passa a ser esperada, mesmo nas circunstâncias em que, para nós outros, observadores
externos, não pareceria razoável esperá-la. Para os pobres, a humilhação ou é uma reali-
dade em ato ou é frequentemente sentida como uma realidade iminente, sempre a esprei-
tar-lhes, onde quer que estejam, com quem quer que estejam. O sentimento de não
possuírem direitos, de parecerem desprezíveis e repugnantes, torna-se-lhes compulsivo:
movem-se e falam, quando falam, como seres que ninguém vê”.
GONÇAlVES FIlHO, José Moura. Humilhação social: um problema político em Psicologia. Psicologia USP.
São Paulo, 1998, v. 9, n. 2. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=
S0103-65641998000200002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 8 jan. 2010.

1. Depois da leitura, discuta o texto com seus colegas e responda às seguintes questões.
a) O sentimento de humilhação limita-se às situações de desigualdade social?

b) Dê um exemplo de situação de humilhação que você tenha vivenciado ou tomado


conhecimento sobre a vivência de outra pessoa. Qual é a principal causa para o sentimento
de humilhação no exemplo que você destacou?

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Filosofia - 2a série - Volume 3

c) Fingir que não tem importância ou agir violentamente resolve o sentimento da humilhação?
Por quê?

d) Você acha que numa situação de humilhação é melhor aceitar calado ou procurar defen-
der-se de forma crítica, ou seja, analisando as motivações de quem o humilha e contextuali-
zando as humilhações no conjunto de valores de nossa sociedade?

e) Cite momentos em que as instituições e o poder público humilham as pessoas (por exem-
plo: filas, mau atendimento médico-hospitalar, impunidade diante de práticas de corrupção).
O que devemos fazer para que passem a respeitar as pessoas?

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Filosofia - 2a série - Volume 3

Duas questões ainda merecem ser consideradas sobre os efeitos da humilhação. Não é
necessário responder neste momento, mas pense nelas: A humilhação endurece as pessoas?
A humilhação pode levar à criminalidade?

2. Complete a tabela a seguir, colocando exemplos de possibilidades de humilhação social. No


item agressor, deve ser colocada uma personagem social. No item humilhado, deve estar quem
foi agredido ou sofreu a agressão. A resposta à pergunta Como foi a humilhação? deve mostrar o
ocorrido. Como sentimentos, devem ser considerados: susto, medo, pavor, tristeza, ódio, culpa
ou solidão. As reações, por sua vez, podem ser as seguintes: concordou e se menosprezou pedin-
do desculpas; chorou; ficou calado; discordou; ou reagiu com ação violenta. O importante aqui
é o nexo lógico entre as situações representadas.

Qual foi a
Como foi a Sentimentos
Agressor Humilhado reação do
humilhação? do agredido?
agredido?
Falou que ela não serve
Marido Esposa para nada e só gasta Culpa Concordou
dinheiro.

PESQUISA INDIVIDUAl

Acompanhe a rotina de um idoso e registre, em seu caderno, as ocasiões em que ele é humilhado
pelas pessoas e pelas instituições. Você pode observar o cotidiano de um idoso de sua família ou

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Filosofia - 2a série - Volume 3

visitar um idoso. O ideal é que você converse com essa pessoa sobre as situações de humilhação que
ela tenha vivido e conheça de perto as demandas de atendimento das políticas públicas aos idosos.

Sugestão de questões para esta conversa/entrevista


1. Como o senhor(a) é tratado(a) pelos serviços públicos?
Por exemplo: filas, sistema de transporte e aposentadoria; enfim, a maneira como o
idoso é tratado na sociedade.
2. Os seus rendimentos (pensões) são suficientes para as suas necessidades?
Por exemplo: remédios, alimentação, lazer, água, luz e aluguel.
3. Como é tratado(a) por sua família?
Por exemplo: quem o(a) visita, quem lhe telefona constantemente, de quem ele(a) tem
saudade?
4. Onde encontra diversão fora da família?
Por exemplo: grupos da terceira idade, trabalho voluntário, cinema e leitura.
5. Quanto é dependente das pessoas?
Por exemplo: passeia sozinho(a) pela cidade? Consegue pagar suas contas? Mora sozinho?
6. Como gostaria de ser valorizado(a)?
Por exemplo: ser ouvido, ganhar um pouco mais e ter um serviço público melhor.
Além das respostas obtidas, registre também em folha avulsa outras informações que a
conversa possa ter oferecido. Por exemplo, a emoção manifestada por essa pessoa idosa ou
histórias que ela tenha contado e você considere interessantes sobre o tema.

Para a discussão dos resultados da pesquisa, sob a orientação do professor, você vai elaborar
uma síntese das respostas às entrevistas realizadas, para traçar um perfil dos idosos do bairro (ou
região).

VOCÊ APRENDEU?

1. Com base na síntese das entrevistas responda às questões:


a) Quais são os principais problemas enfrentados pelos idosos na região?

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Filosofia - 2a série - Volume 3

b) Em termos de política pública, quais são as prioridades em relação ao atendimento ao idoso?

2. Como a reflexão filosófica pode ajudar na compreensão e superação dos processos de humilha-
ção sofridos pelos idosos em nossa sociedade?

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SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 2
REFlExÃO SOBRE RACISMO

Afinal, existe racismo no Brasil? Uma pergunta polêmica e de difícil resposta é interessante para
iniciarmos nossa reflexão sobre racismo. Apresente elementos fundados na realidade para justifi-
car a sua resposta, seja ela afirmativa ou negativa.

Leitura e Análise de Texto

A particularidade do racismo no Brasil


“Para oprimir e submeter, especialmente os negros, o racismo no Brasil não necessitou
de regras formais de discriminação, de desigualdade e de preconceito racial. O racismo
como ideologia emprega e se alimenta de práticas sutis, de nuances e de representações

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Filosofia - 2a série - Volume 3

que não precisam de um sistema rígido e formalizado de discriminação. Ao contrário das


experiências norte-americana ou sul-africana que estabeleceram regras claras de ascendên-
cia mínima para definir seus grupos sociais, nas quais, por exemplo, uma gota de sangue
negro era mais que suficiente para macular a suposta pureza racial dos brancos. As formas
de classificação racial e a eficácia do racismo no Brasil nutriram-se sempre das formas mais
maleáveis, mais flexíveis para atingir suas vítimas, porém essas sutilezas não deixam de ser
igualmente perversas e nocivas para os indivíduos e coletividades atingidos.
De qualquer forma, essa sutileza, que informa o tipo de racismo presente no Brasil,
segue de mãos dadas com as premissas de ideológica “democracia racial” que pretende
afirmar e defender a inexistência do racismo, precisamente porque no país não há posições
ou locais sociais que negros não possam ocupar. Não há cargo, posto de trabalho, lugar,
emprego, profissão etc. em que os negros não possam competir. Todavia, basta uma breve
observação na paisagem social para se verificar que a democracia racial ainda não chegou
para os negros. Eles são minoria nas posições de maior reconhecimento, nas profissões me-
lhor remuneradas, nos segmentos de melhor renda etc. Especialmente a mulher negra, que
ocupa uma posição social extremamente desvantajosa quando comparada com o conjunto
da população branca do país. Frequentemente ela exerce atividades de menor reconheci-
mento social, menor retorno salarial e de menor exigência de qualificação.
Para transformar essa situação, tão comum na paisagem social do Brasil, torna-se ne-
cessário a adoção de amplas políticas públicas que busquem minimizar as brutais desigual-
dades de renda, escolaridade, emprego, moradia, saúde etc. que afetam mais diretamente
os negros. O que sugere uma substantiva transformação do desenho e da execução das
políticas formuladas pelo Estado. Transformação que garanta efetivamente à maioria da
população, especialmente aquela afrodescendente, o acesso aos elementares direitos de ci-
dadania. Por exemplo, a ampliação das oportunidades de ensino deve vir acompanhada de
mecanismos de manutenção dos estudantes nas instituições de ensino.
Pelo que se disse, reconhecer a existência e a eficácia da forma de racismo praticada no
Brasil significa lutar para alcançar para a maioria da população brasileira, e para a população
afrodescendente, em especial, o reconhecimento social de serem sujeitos portadores de direitos
e igual dignidade humana. Reconhecimento que o racismo e a tão decantada, mas jamais pra-
ticada, democracia racial brasileira, insistem, sobretudo, em negar aos negros brasileiros”.
SIlVA, Jair Batista da. O que é racismo no Brasil. Revista Aulas (texto no prelo).

Retome o que foi afirmado sobre o racismo no Brasil e verifique as informações que o texto ana-
lisado apresenta. Sua posição ainda é a mesma? Você havia pensado sobre as questões levantadas
pelo autor? Quais são as informações presentes no texto que auxiliam você a pensar melhor
sobre o racismo ou a rever sua posição?

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Filosofia - 2a série - Volume 3

Leitura e Análise de Texto e Tabela

O racismo não tem como consequência apenas a separação entre pessoas diferentes;
o racismo é um conjunto de práticas que interferem diretamente na condição de vida de
grande parte da população brasileira e mundial, acarretando modos de vida baseados em
injustiças sociais, ausência de direitos e dificuldades materiais perversas. Observe os dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e os dados do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), disponíveis nos respectivos sites: <http://
www.ibge.gov.br> e <http://www.pnud.org.br> registrados a seguir.

Escolaridade
Cor ou raça*
Aspecto analisado Brasil
Branca Preta Parda
Taxa de analfabetismo
das pessoas de 15 anos 10,0 6,1 14,3 14,1
ou mais
Média de anos de
estudo das pessoas de 7,3 8,1 6,4 6,3
15 anos ou mais
Pessoas com 25
anos ou mais que
9,0 13,4 4,0
concluíram o ensino
superior
*As terminologias desta tabela são utilizadas pelo IBGE.
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro: IBGE, 2007. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/
home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2008/indic_sociais2008.pdf>. Acesso em: 5 mar.
2010.

Expectativa de vida (idade)


Mulher branca 73,8
Mulher negra 69,5

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Filosofia - 2a série - Volume 3

Homem branco 68,2


Homem negro 63,2
Brasil: esperança de vida ao nascer, por sexo e cor/raça.
Fonte: IBGE. Censo de 2000. In: Pnud. Atlas Racial Brasileiro. Brasília: Pnud, 2004.
Disponível em: <http://www.pnud.org.br/publicacoes/atlas_racial/ARB-Esperanca_de_Vida.doc>. Acesso em: 12 maio 2010.

Mortalidade infantil (Até 1 ano de idade)


Crianças negras têm 66% mais possibilidades de morrer
Fonte: Pnud. Atlas Racial Brasileiro. Brasília: Pnud, 2004.
Disponível em: <http://pnud.org.br/publicacoes/atlas_racial/textos_analiticos.php>. Acesso em: 12 maio 2010.

Depois de analisar os dados, discuta com seus colegas a seguinte questão: No Brasil, há precon-
ceito racial? Encerrada a discussão, elabore uma redação em folha avulsa, com o seguinte tema:
Como incluir, socialmente, os milhões de afrodescendentes do Brasil?
Essa redação pode transformar-se em um artigo para ser divulgado em mural ou meio impresso,
caso sua escola já organize um jornal. Pode ser divulgado também em um blog na internet no qual
você e seus amigos defendam igualdade de direitos para todos.

PARA SABER MAIS

Você deve entrar em contato com grupos e associações de luta antirracista. Por correio
eletrônico ou pessoalmente, é importante uma carta de apresentação sua e de sua escola
para solicitação de uma entrevista.
Perguntas que podem orientar a entrevista:
1. Quais são os projetos da instituição para a conquista da igualdade?
2. Quais são os objetivos da instituição?
3. Quais são as conquistas?
Após a entrevista, você deve responder: Quais foram seus aprendizados com este contato?

PESQUISA EM GRUPO

Com seu grupo, você realizará uma pesquisa sobre a participação dos negros na televisão.
Cada grupo ficará responsável por assistir a um canal de televisão durante um período de tempo
(dias) e em determinado horário, conforme disponibilidade do grupo. O período será estipulado
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Filosofia - 2a série - Volume 3

pelo professor. O quadro a seguir ajudará no registro da observação dos programas. Se mais do
que um programa, nesse horário e período, for observado, utilize mais de uma ficha.

Nome do programa de TV:


( ) diversão ( ) comercial
Tipo de programa:
( ) informação
Quantas pessoas foram apresentadas no
programa?

Quantos negros havia na programação e


quais os papéis por eles representados?

Considerando a reflexão em sala de aula e o texto que você leu sobre racismo, responda.
1. Quais são os personagens que podem ser identificados como racistas e por quê?

2. As informações levantadas permitem afirmar que existe racismo neste programa de TV? Jus-
tifique sua resposta.

APRENDENDO A APRENDER

localize alguns dos seguintes filmes nacionais que contam com a presença do negro na
sociedade brasileira e que ajudam a compreender as questões raciais em nosso país. Procure
assistir a pelo menos dois deles para ampliar seus conhecimentos sobre o tema deste Volume.
• Barravento. Direção: Glauber Rocha. Brasil, 1962. 78 min.

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Filosofia - 2a série - Volume 3

• Chico rei. Direção: Walter lima Junior. Brasil, 1985. 115 min.
• Compasso de espera. Direção: Antunes Filho. Brasil, 1969. 98 min.
• Ganga zumba. Direção: Carlos Diegues. Brasil, 1964. 92 min.
• O amuleto de Ogum. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Brasil, 1974. 112 min.
• Sinhá moça. Direção: Tom Payne e Osvaldo Sampaio. Brasil, 1953. 120 min.

PESQUISA INDIVIDUAl

Pesquise e leve para a próxima aula informações sobre a presença da cultura negra/africana em
nossa realidade. Por exemplo, uma história de orixás, alguns passos da capoeira, poemas de
negros, uma história ou músicas de samba.

Data da próxima aula:______ /______ /______.

Além de utilizar a internet para essa pesquisa, você poderá entrevistar pessoas conhecidas que
possam contar histórias sobre a cultura africana e sobre os afrodescendentes no Brasil.
Uma leitura importante para esta pesquisa é o livro O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro. Ele
traz um capítulo especial sobre a nossa raiz de origem africana e oferece elementos para que nos
orgulhemos dessa influência.

VOCÊ APRENDEU?

1. Quais são as principais causas para o racismo?

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Filosofia - 2a série - Volume 3

2. O que precisa ser mudado na postura das pessoas para a superação do racismo?

3. O que precisa ser mudado em termos de políticas públicas para a superação do racismo?

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SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 3
DIFERENÇAS E SEMElHANÇAS ENTRE
HOMENS E MUlHERES
A reflexão filosófica pode ajudar a compreendermos de forma mais aprofundada uma questão
relevante e presente na cultura contemporânea, sobretudo após os movimentos de libertação da
mulher. Trata-se da questão sobre diferenças e semelhanças entre homens e mulheres. Em termos
de cidadania, é importante esse aprofundamento, sobretudo para encaminharmos reivindicações
associadas a cada gênero sem o risco de exclusão de homens ou mulheres.
1. Para iniciar o estudo desse tema, complete o quadro com características de homens e de
mulheres.

Homens Mulheres

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Filosofia - 2a série - Volume 3

Agora, preencha o quadro com semelhanças e diferenças que você percebe entre homens e
mulheres.

Homens e mulheres

Semelhanças Diferenças

2. A partir da construção dos quadros, responda, em folha avulsa, o que caracteriza um homem
em nossa sociedade e o que caracteriza uma mulher. Para auxiliar a sua resposta, pesquise a letra
da música Masculino e feminino, de Pepeu Gomes, e discuta com seu grupo, concordando ou
discordando das afirmações da letra. Se necessário use exemplos do seu cotidiano para construir
seu argumento.

Leitura e Análise de Tabela

Observe os dados a seguir, que podem ser atualizados no site indicado.


Nesses quadros, os dados dizem respeito à condição de trabalho da mulher, que mes-
mo com mais estudo que os homens não consegue, em média, o mesmo salário.
Distribuição da população em idade ativa, segundo sexo e condição de atividade
Estado de São Paulo – 1994-1998
1994 1998 1994 1998 1994 1998
Condição de atividade 1994 1998
Homens Mulheres
População em idade ativa 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
População
60,3 61,1 74,3 72,3 47,3 50,9
economicamente ativa
Ocupados 52,0 50,8 65,1 61,9 39,8 40,7
Desempregados 8,3 10,2 9,1 10,4 7,5 10,1

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Filosofia - 2a série - Volume 3

Distribuição da população em idade ativa, segundo sexo e condição de atividade


Estado de São Paulo – 1994-1998
Inativos 39,7 38,9 25,7 27,7 52,7 49,1
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida (PCV). São Paulo: Fundação Seade, 1998. Disponível em: <http://www.seade.gov.
br/produtos/mulher/boletins/boletim_01/tabelas/tab1.htm>. Acesso em: 8 jan. 2010.

Rendimento médio do trabalho, por sexo e nível de escolaridade


Estado de São Paulo – 1994-1998

Média de 1994 1998 1994 1998


rendimentos (R$)
Homens Mulheres
Total 1 011 1 120 559 720
Analfabeto e
586 605 281 338
Fundamental incompleto
Fundamental completo
815 762 405 440
e Médio incompleto
Médio completo
e Superior 1 917 2 032 999 1 201
incompleto ou completo
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida (PCV). São Paulo: Fundação Seade, 1998. Disponível em: <http://www.seade.gov.
br/produtos/mulher/boletins/boletim_01/tabelas/tab9.htm>. Acesso em: 8 jan. 2010.

Taxas de desemprego, por sexo, segundo tipo de desemprego e atributos pessoais


Estado de São Paulo – 1994-1998

Tipo de desemprego e 1994 1998 1994 1998 1994 1998


atributos pessoais
Nível de escolaridade
Homens Mulheres Total
Analfabeto e
15,1 17,4 17,4 20,6 16,0 18,6
Fundamental incompleto
Fundamental completo
12,1 15,9 22,2 28,1 16,3 21,2
e Médio incompleto
Médio completo e Superior
6,4 8,5 9,7 14,6 7,9 11,5
incompleto ou completo

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida (PCV). São Paulo: Fundação Seade, 1998. Disponível em: <http://www.seade.gov.br/
produtos/mulher/boletins/boletim_01/tabelas/tab3.htm>. Acesso em: 8 jan. 2010.

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Filosofia - 2a série - Volume 3

Após o registro e a observação dos dados, reflita e responda:


1. Quais são os fatores que levam às diferenças entre homens e mulheres registradas nos quadros?

2. Quais são as possibilidades de superação dessas diferenças?

PESQUISA INDIVIDUAl

Pesquise a história do feminismo. Um nome importante para começar essa pesquisa é Olympe
de Gouges, pseudônimo de Marie Gouze, francesa, nascida em 1748 e morta em 1793, femi-
nista, jornalista e dramaturga.
Com as informações levantadas na pesquisa, discuta com seus colegas e responda:
1. O que faz um homem ser homem e uma mulher ser mulher – o corpo, o pensamento ou a
sociedade? Justifique a resposta.

2. Quem decide as funções sociais da mulher e do homem – o corpo, o pensamento ou a socie-


dade? Justifique a resposta.
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Filosofia - 2a série - Volume 3

lIÇÃO DE CASA

Observe o gráfico a seguir. Ele registra a informação de que a redução da desigualdade entre
sexos reduziria em 20% a pobreza no Brasil e foi apresentado pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (Pnud). Elabore um texto em seu caderno, justificando esses dados.
Apresente hipóteses que expliquem a relação entre essas duas reduções: a da desigualdade entre
os sexos e a pobreza.

Impacto da igualdade de gênero na pobreza


(quanto cairia a proporção de pobres se homens e mulheres
tivessem acesso igual ao mercado de trabalho)

-15
-18 -17
-19 -20

-25
-29

-34

Argentina Brasil Chile Rep. México El Paraguai Uruguai


Dominic. Salvador

COSTA, Joana; SIlVA, Elydia. Eliminar as desigualdades de gênero reduz a pobreza. Como? International Policy
Centre for Inclusive Growth?/Pnud, nov. 2008. Gráfico elaborado por PrimaPagina. Disponível em: <http://www.
pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=3132&lay=pde>. Acesso em: 12 maio 2010.

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Filosofia - 2a série - Volume 3

Leitura e Análise de Texto

Destacamos parte de uma entrevista concedida por Judith Butler a Baukje Prins e Irene
Costera Meijer. Nesta resposta, pode-se perceber o pensamento de Butler sobre as práticas
que tornam legítima a classificação dos corpos com exclusão de muitos.
Como os corpos se tornam matéria
“Meu trabalho sempre teve como finalidade expandir e realçar um campo de possibili-
dades para a vida corpórea. Minha ênfase inicial na desnaturalização não era tanto uma opo-
sição à natureza quanto uma oposição à invocação da natureza como modo de estabelecer
limites necessários para a vida gendrada. Pensar os corpos diferentemente me parece parte
da luta conceitual e filosófica que o feminismo abraça, o que pode estar relacionado também
a questões de sobrevivência. A abjeção de certos tipos de corpos, sua inaceitabilidade por
códigos de inteligibilidade, manifesta-se em políticas e na política, e viver com tal corpo no
mundo é viver nas regiões sombrias da ontologia. Eu me enfureço com as reivindicações
ontológicas de que códigos de legitimidade constroem nossos corpos no mundo; então eu
tento, quando posso, usar minha imaginação em oposição a essa ideia.
Portanto, não é um diagnóstico, e não apenas uma estratégia, e muito menos uma
história, mas um outro tipo de trabalho que acontece no nível de um imaginário filosófico,
que é organizado pelos códigos de legitimidade, mas que também emerge do interior desses
códigos como a possibilidade interna de seu próprio desmantelamento”.
PRINS, Baukje; MEIJER, Irene Costera. Como os corpos se tornam matéria: Entrevista com Judith Butler. Revista Estudos Feministas, v.10,
n. 1, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026x2002000100009>. Acesso em: 12 jan. 2010.

Muitas vezes, a sociedade e a cultura tentam encaixar os indivíduos em quadros preestabelecidos


por eles. Cada vez que alguém se encaixa nesses espaços é obrigado a assumir uma identidade perante
os outros.
Quais são as categorias mais excluídas nas sociedades atuais, principalmente no Brasil; e
o que nós podemos fazer para superar a classificação das pessoas a partir dessas categorias,
ou seja, como pensar diferente? Elabore em folha avulsa uma redação a respeito dessas
questões.

VOCÊ APRENDEU?

1. Durante a Revolução Francesa, foram declarados os Direitos Universais do Homem. Iden-


tifique as razões da crítica de Olympe de Gouges à sua formulação.

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Filosofia - 2a série - Volume 3

2. Quais políticas públicas poderiam colaborar para a superação da desigualdade social entre ho-
mens e mulheres?

3. Assinale, a partir dos conhecimentos desenvolvidos pela leitura e discussão dos textos, valores
que podem ser considerados machistas.
a) Homem não chora.
b) As mulheres são bonitas, mas não são inteligentes.
c) Homens e mulheres são definições sociais a partir do corpo.
d) Respeitar a diferença é uma atitude ética e política.

?
!
SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 4
FIlOSOFIA E EDUCAÇÃO
Nesta Situação de Aprendizagem, vamos pensar de que forma a Filosofia pode ajudar a com-
preender melhor as questões educacionais.
1. A partir de conversa com seus colegas, em pequenos grupos, elabore uma frase para expressar o
que você entende por “educação”. O que essa palavra significa?

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Filosofia - 2a série - Volume 3

2. Por que você vem à escola?

3. Caso você seja obrigado por alguém a vir à escola, por que isso ocorre?

4. Qual é o principal compromisso dos professores?

5. Que tipo de aluno você é? Quais são as suas curiosidades?

6. Fora da escola, o que você tem aprendido?

20
Filosofia - 2a série - Volume 3

7. E com a vivência na escola, o que você tem aprendido que considera muito importante para a
sua vida?

8. Como você quer que seus filhos sejam educados?

9. O que você sonha para seu futuro e o de seus futuros filhos?

lIÇÃO DE CASA

Leitura e Análise de Texto

Educação e emancipação
“É bastante conhecida a minha concordância com a crítica ao conceito de modelo ideal.
Esta expressão se encaixa com bastante precisão na esfera do jargão da autenticidade que
procurei atacar em seus fundamentos. Em relação a essa questão, gostaria apenas de atentar
a um momento específico no conceito de modelo ideal, o da heteronomia, o momento
autoritário é imposto a partir do exterior. Nele existe algo de usurpador. É de se perguntar
de onde alguém se considera no direito de decidir a respeito da orientação da educação dos
outros. As condições – provenientes no mesmo plano de linguagem e de pensamento ou de

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Filosofia - 2a série - Volume 3

não pensamento – em geral também correspondem a esse modo de pensar. Encontram-se


em contradição com a ideia de um homem autônomo, emancipado, conforme a formulação
definitiva de Kant na exigência que todos os homens tenham que se libertar de sua autoin-
culpável menoridade.
A seguir, e assumindo o risco, gostaria de apresentar minha concepção inicial de edu-
cação. Evidentemente, não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o
direito de modelar pessoas a partir do seu exterior; mas também não a mera transmissão
de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a
produção de uma consciência verdadeira. Isso seria inclusive da maior importância política;
sua ideia, se é permitido dizer assim, é uma exigência política, isto é, uma democracia com
o dever de não apenas funcionar, mas também operar conforme o seu conceito, demanda
pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva só pode ser imaginada em uma sociedade de
quem é emancipado.
Numa democracia, quem defende ideais contrários à emancipação, e, portanto, contrários
à decisão consciente independente de cada pessoa em particular, é um antidemocrata, até
mesmo se as ideias que correspondem a seus desígnios são difundidas no plano formal da
democracia. As tendências de apresentação de ideias exteriores que não se originam a partir
da própria consciência emancipada, ou melhor, que se legitimam diante dessa consciência,
permanecem sendo coletivistas-reacionárias. Elas apontam para uma esfera a que devería-
mos nos opor não exteriormente pela política, mas também em outros planos muito mais
profundos”.
ADORNO, Theodor. Educação e emancipação. Tradução Wolfgang leo Maar. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p 141-142.

1. Para o autor, qual é o papel social da educação? Perguntando de outro modo: Qual é o objetivo
da educação?

2. Com base no texto, o que você pode comentar sobre a relação entre educação e democracia?

22
Filosofia - 2a série - Volume 3

Reflexão em grupo
leia o quadro a seguir, que apresenta argumentos contrários e favoráveis à atitude de um prefeito.

Qual é o fato Argumentos Argumentos O que o


ou problema? contrários favoráveis prefeito deveria fazer

Vai poluir mais o Apesar das boas intenções do


ambiente. Os indus- prefeito e da necessidade de
triais lucram muito, melhorar as indústrias, a atitu-
A atitude de um
sem repassar para os de “x” prejudicará pessoas que
prefeito promul-
salários. Vai desabri- Tem a intenção não têm como sobreviver sem
gando uma lei que
gar várias famílias. de melhorar as ajuda, além de poluir o am-
libera a instalação
Os empregos que indústrias da biente e favorecer apenas quem
de indústrias em
vai gerar não são cidade. já lucra. Sugerimos que, em vez
zona próxima à
para as pessoas do de tomar a atitude “x” para aju-
urbana.
município, que têm dar as indústrias, ele faça “y”,
outros perfis profis- e assim não trará transtornos
sionais. para a população.

Registre, no quadro a seguir, um ou dois fatos da administração de sua cidade com os quais
você não concorda. Depois, reflita sobre as causas que levam você a discordar dos fatos citados.
Fazer essa reflexão em grupo pode ajudar não apenas na identificação dos fatos provocadores de
discordância como também na construção dos possíveis argumentos favoráveis.

Qual é o fato Argumentos Argumentos


O que se deveria fazer
ou problema? contrários a favor

23
Filosofia - 2a série - Volume 3

VOCÊ APRENDEU?

1. Qual é a diferença do uso privado da razão e do uso público da razão?

2. Segundo Theodor Adorno, o que é educação?

3. O que significa ser emancipado?


a) Ter maioridade, sendo o seu próprio guia.
b) Fazer 18 anos.
c) Obedecer à interpretação que os outros fazem da religião.
d) Seguir os conselhos dos mais velhos.
e) Nunca reclamar e fazer o melhor para manter o mundo como está.
4. De quem é a responsabilidade social pela educação?
a) Dos professores.
b) Dos alunos.
c) De todas as pessoas.
d) Dos empresários.
e) Dos pais.

Justifique sua resposta.

24
Caro(a) aluno(a),

Este Caderno trata de questões relativas à qualidade da vida humana diante das possibili­
dades e dos limites apresentados pela ética e pela tecnologia.

Nas Situações de Aprendizagem aqui propostas, você entrará em contato com a Bioética,
seu campo de atuação e suas perspectivas. Terá, também, oportunidade de discutir e refletir
sobre a abrangência dos avanços da tecnologia e reconhecer os processos de racionalidade
que a subsidiam. Poderá, ainda, pensar a condição humana diante da banalidade de ações
cotidianas.

Assim, por meio desses temas e de fundamentos da tradição filosófica, este Caderno ofe­
rece subsídios para que você possa refletir sobre aspectos tão diretamente ligados à nossa vida
diária e aos nossos sentimentos, que, por vezes, chegam a passar despercebidos.

Espera-se, dessa forma, que este Caderno possa ajudá-lo a se posicionar com mais cla­reza
acerca das questões que envolvem postura ética em relação à ciência, à tecnologia e à condição
humana. E que o estimule a refletir sobre os eventos de sua vida cotidiana e a vivenciá-los com
mais responsabilidade.

Bom estudo!

Equipe Técnica de Filosofia


Área de Ciências Humanas
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENP
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

?
!
SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 1
INTRODUÇÃO À BIOÉTICA

O objetivo desta Situação de Aprendizagem é iniciar um debate sobre alguns problemas rela­
cionados à bioética, como saúde pública, conceito de vida humana, de meio ambiente, de ética
médica, de medicalização da existência, de corporeidade e de planejamento familiar.
Com os avanços científicos e tecnológicos na área médica, a relação com o corpo e com a saúde
experimenta mudanças cada vez mais intensas, impossibilitando que valores seculares respondam a
questões absolutamente novas. Enfim, como pensar novos paradigmas éticos diante de um mundo
em constante transformação e nem sempre admirável?
Leia com atenção os dois textos a seguir.

Leitura e Análise de Texto

Texto 1 – Leis nazistas sobre a purificação da raça


“Entre 1933 e 1945, ocorreram três fatos importantes que incluíram progressivamente
as instituições médicas na formulação e na realização de políticas públicas ‘eugenistas’ e racis­
tas, formuladas desde 1924 por Hitler em seu livro­propaganda Mein Kampf (Minha luta).
1. Lei de 14 de julho de 1933, sobre a esterilização – ‘lei para a prevenção contra uma
descendência hereditariamente doente’ –, que estabelecia uma ligação estreita entre
médicos e magistrados, por meio de um ‘tribunal de saúde hereditária’, e que seria
complementada, em 1935, pelas leis de Nuremberg – ‘Lei da Cidadania do Reich’ e
‘Lei para a Proteção do Sangue e da Honra Alemães’ –, relativas sobretudo a popula­
ções judias e ciganas e à interdição de casamento entre pessoas de ‘raças diferentes’.
2. Circular de outubro de 1939 sobre a eutanásia a ser praticada em doentes consi­
derados incuráveis, isto é, de ‘vidas que não valiam a pena serem vividas’, criando
seis institutos para a prática da eutanásia por injeção de morfina­escopolamina ou,
quando julgada ineficaz, por sufocamento em câmaras de gás por meio de monóxido
de carbono e do inseticida Zyklon B (que foi amplamente utilizado em Auschwitz a
partir de 1941), decidido e controlado por médicos.
3. Criação, a partir de 1941, dos campos de extermínio, organizados e controlados pelos
mesmos responsáveis pelo programa de morte por eutanásia.”
Leis nazistas sobre a purificação da raça. Adaptado de PALÁCIOS, M.; REGO, S.; SCHRAMM, F. R. A regulamentação brasileira
em ética em pesquisa envolvendo seres humanos. In: MEDRONHO, R. et al. (Orgs.). Epidemiologia. São Paulo: Atheneu, 2002.1
1
Dois anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, em 19 de agosto de 1947, ocorreu o julgamento de médicos nazistas no Tribu­
nal de Nuremberg. Nesse tribunal, 20 médicos e três administradores foram julgados por “assassinatos, torturas e outras atrocidades
cometidas em nome da ciência médica”, como também foram levantadas questões éticas sobre experimentação em seres humanos, com
as quais a nova ciência médica iria se defrontar cada vez mais nos anos seguintes.

3
Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

Texto 2 – Algumas experiências com seres humanos


[...]
“1932–1972 – Três casos mobilizaram a opinião pública americana:
a) em 1963, no Hospital Israelita de Doenças Crônicas, em Nova York, foram injetadas
células cancerosas vivas em idosos doentes;
b) entre 1950 e 1970, no Hospital Estadual de Willowbrook, em Nova York, injetaram
o vírus da hepatite em crianças com deficiência mental;
c) em 1932, no Estado do Alabama, no que foi conhecido como o caso Tuskegee, 400
negros com sífilis foram recrutados para participarem de uma pesquisa de história
natural da doença e foram deixados sem tratamento. Em 1972 a pesquisa foi
interrompida após denúncia no The New York Times. Restaram 74 pessoas vivas sem
tratamento [...].”

Algumas experiências com seres humanos. Adaptado, para fins didáticos, de Bioética e Medicina. Rio de Janeiro: Conselho Regional de
Medicina do Estado do Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: <http://www.cremerj.org.br/publicacoes/86.PDF>. Acesso em: 18 jun. 2010.

Após a leitura, discuta com os colegas e responda às questões a seguir.


1. Cabe a quem decidir sobre o direito à vida? Ao Estado, à ciência ou à religião?

2. Como considerar a decisão de cada um?

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Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

PARA SABER MAIS

Filme
• Mar adentro. Direção: Alejandro Amenábar. Espanha/França/Itália, 2004. 125 min.
Drama. 12 anos. Assista ao filme que conta a história de Ramón Sampedro, um te­
traplégico que, incapacitado de mover partes do corpo, à exceção da cabeça, deseja
pôr fim a essa situação. O filme trata, diretamente, da questão da eutanásia, envolvendo
temas que a Filosofia pode debater.

Leitura e Análise de Texto

O primado da vida
“Com a Aids disseminada, é hora de o magistério católico se perguntar se o preservativo não
seria mesmo ‘um mal menor’.”
Frei Betto

Doutrina e teologia da Igreja Católica conheceram consideráveis avanços neste século,


sobretudo a partir do Concílio Vaticano 2o (1962­65). Outrora, o planejamento familiar
dependia da abstinência sexual; o carinho dentro do casal era pecado; protestantes e judeus,
abominados; o ecumenismo, impensável; o latim, obrigatório nas missas; a batina, única
indumentária social do padre. Hoje, celebra­se em língua vernácula; o papa reúne­se com
representantes de diversas religiões e visita a sinagoga de Roma, é fotografado em trajes
esporte ao esquiar e pede perdão pelo antissemitismo da igreja, pelos erros da Inquisição,
pela condenação de Galileu e das teorias de Darwin.
Mesmo a Teologia da Libertação, encarada com suspeita na década de 80, incorpora­se
agora aos discursos papais. Basta reler seus pronunciamentos em Cuba (98) e no México
(99), condenando o neoliberalismo e a globalização, bem como seus insistentes apelos em
prol da reforma agrária e da suspensão do pagamento da dívida externa.
A cidadela inexpugnável é, ainda, a teologia moral. Sobretudo o capítulo concernente
à moral sexual, que proíbe relações sexuais sem finalidade procriatória; condena o homos­
sexualismo; impede os casais de segundas núpcias, exceto na viuvez, de acesso aos sacra­
mentos e veta o uso de preservativos, malgrado a Aids ter tirado a vida, em 1999, de cerca
de 4 milhões de pessoas.
As autoridades da igreja, felizmente, demonstram maior tolerância nesse mundo plu­
ralista, em que não se pode pretender que a moral preceituada à instituição seja imposta

5
Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

à sociedade. Talvez isso explique o fato de João Paulo 2o, em sua última visita ao Rio, ter
acolhido no altar cantores que já passaram por vários casamentos [...].
Frente à ameaça da Aids, o que o padre Valeriano Paitoni declarou [...] à Folha (2/7)
em nada destoa do que antes dissera dom Paulo Evaristo Arns: que o preservativo é “um
mal menor”.
O magistério eclesiástico sabe que é direito e dever dos teólogos – pois é esse o ca­
risma deles: debater todas as questões concernentes à vida de fé – e que “os pastores nem
sempre perceberam todos os aspectos e todas as complexidades de algumas questões”
(Congregação para a Doutrina da Fé, 1990).
A questão sexual à luz das fontes da revelação cristã situa­se num contexto mais amplo,
que engloba desde o papel da mulher na igreja[...] até o fim do celibato obrigatório para
os padres seculares, bem como a volta ao ministério dos que se encontram casados. Como
uma lente que se abre progressivamente, tais temas devem ser tratados com menos pre­
conceito e mais estudos bíblicos, menos autoritarismo e mais diálogo com a comunidade
dos fiéis, como fez dom Cláudio Hummes, ao receber, semana passada, entidades solidárias
aos portadores do vírus HIV.
A tradição ou história da igreja é uma boa mestra quando não se quer repetir equívo­
cos. Os irmãos Cirilo e Metódio evangelizaram a Morávia, no século 9o. Criaram o alfabeto
cirílico, base do russo atual. Traduziram para o eslavo os textos bíblicos. Os bispos alemães
protestaram, alegando que Deus só podia ser louvado nas três línguas da cruz: hebraico,
latim e grego. Cirilo morreu em 869. Metódio foi preso por ordem dos bispos alemães.
O papa João 8o negociou sua libertação em troca do latim na liturgia. Metódio recusou­se
a abrir mão do eslavo. Dois anos depois, o papa cedeu e, séculos adiante, João Paulo 2o
exaltaria os dois irmãos [...].
Condenada pela igreja, ela foi queimada viva, em 1431, como “herege e idólatra [...]”.
Camponesa e analfabeta, tinha 19 anos, vestia­se de homem e andava armada. Canonizada
em 1920, hoje é venerada como santa Joana d’Arc. Na encíclica “Mirari vos”, de 1832,
Gregório 16 condenou o mundo moderno, as liberdades de consciência e de imprensa e a
separação entre igreja e o Estado. Em 1864, [...] Pio 9o reafirmou a sentença [...].
Continua vigente o decreto do Santo Ofício assinado por Pio 12, em 1949, e confir­
mado por João 23, em 1959, pelo qual os católicos que votarem ou se filiarem a partidos
comunistas, escreverem livros ou artigos filocomunistas estão excluídos dos sacramentos.
“Ninguém pode, ao mesmo tempo, ser bom católico e socialista verdadeiro”, disse Pio 11.
Hoje, João Paulo 2o admite que “o socialismo continha sementes de verdade”, visita
Cuba, [...] mostra­se encantado com a Internet, louva os progressos científicos e técnicos e
percorre o mundo em viagens aéreas. “Eppur si muove”, malgrado o decreto de 1616, do
Santo Ofício, condenando aqueles que diziam que a Terra se move. Não só o planeta, mas
os costumes e a hermenêutica dos fundamentos da doutrina.

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Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

Jesus não condenou a adúltera (Jo 7) nem a samaritana que estava no sexto marido (Jo 4)
nem deixou de escolher Pedro para chefiar o grupo apostólico porque ele era casado (Mc 1).
Cobriu­os de compaixão, revelando­lhes o coração amoroso de Deus.
É hora de o magistério católico se perguntar se o preservativo pode ser descartado,
quando se sabe que até mulheres casadas são infectadas por seus maridos pelo vírus da Aids.
O preceito evangélico da vida como bem maior de Deus e o princípio tomista da legítima
defesa não se aplicariam aí?

Frei Betto. O primado da vida. Folha de S.Paulo, 30 de julho de 2000.

1. Qual a polêmica central apresentada pelo autor?

2. Qual é seu posicionamento, ou de seu grupo, em relação a essa polêmica? Justifique.

PESQUISA INDIVIDUAL

A bioética é um tema de extrema atualidade. Para aprofundar seu conhecimento, realize uma
pesquisa na biblioteca da escola ou, se possível, na internet.
Pesquise com o objetivo de responder: Quais as principais polêmicas enfrentadas pela bioética
no mundo contemporâneo? Dois sites e dois autores indicados a seguir podem, de início, ajudar
você neste trabalho. Verifique o que eles informam e tente responder à questão proposta.
7
Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

Os autores
• Edmund Pellegrino. Médico e filósofo norte­americano, considerado um dos
primeiros pensadores da bioética.
• Volnei Garrafa. Pesquisador da Universidade de Brasília, vice­presidente da
seção Latino­Americana da Sociedade Internacional de Bioética (SIBI).
Procure mais informações sobre estes dois autores: suas pesquisas, livros publicados
e principais contribuições.
Os sites

• BIOÉTICA. Disponível em: <http://www.bioetica.ufrgs.br/textos.htm>. Acesso


em: 18 jun. 2010.
• CENTRO de Bioética – Cremesp. Disponível em: <http://www.bioetica.org.
br>. Acesso em: 18 jun. 2010.

LIÇÃO DE CASA

Depois de fazer a pesquisa sobre bioética, registre neste espaço a resposta para a pergunta que
orientou a sua investigação: Quais as principais polêmicas enfrentadas pela bioética no mundo
contemporâneo? Destaque, ainda, uma descoberta dessa pesquisa que você considera interes­
sante e justifique sua escolha.

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Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

VOCÊ APRENDEU?

1. Com base na “Lei para a prevenção contra uma descendência hereditariamente doente”
(14/7/1933), que conferia ao Tribunal Superior de Saúde Hereditária, da Alemanha nazista, o
direito de decidir qual pessoa deveria ser esterilizada ou passar por procedimentos indicados
pelos médicos, mesmo sem o consentimento do paciente, analise a relação entre médicos e
magistrados deste período.

2. Leia com atenção o texto:

“Nas últimas duas décadas, os problemas éticos da Medicina e das ciências biológicas
explodiram em nossa sociedade com grande intensidade. Isso mudou as formas tradicio­
nais de fazer e decidir utilizadas pelos profissionais da Medicina. Constitui um desafio
para a ética contemporânea providenciar um padrão moral comum para a solução das
controvérsias provenientes das ciências biomédicas e das tecnologias aplicadas à saúde.
A bioética, nova imagem da ética médica, é o estudo sistemático da conduta humana na
área das ciências da vida e cuidado da saúde, enquanto essa conduta é examinada à luz dos
valores e princípios morais.”

CLOTET, J. Por que Bioética? Disponível em:


<http://www.ufrgs.br/bioetica/bioetpq.htm>. Acesso em: 18 jun. 2010.

Considerando o que nos propõe o autor e as discussões desenvolvidas nesta Situação de Apren­
dizagem, analise as seguintes informações:
I. Mais do que nunca, é preciso preservar as formas tradicionais de fazer e decidir utilizadas
pelos profissionais da medicina.

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Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

II. As pesquisas nas áreas biomédicas devem ser conduzidas livremente, independentemente
de qualquer consideração de ordem moral.
III. A medicina, como ciência da vida, não deve ser submetida a critérios éticos de avaliação e
controle.
IV. As questões que dizem respeito à pesquisa nas áreas da biologia e da medicina não têm
qualquer reflexo sobre a vida social.
V. A solução das controvérsias provenientes das ciências biomédicas e das tecnologias aplicadas
à saúde não constitui um desafio para a ética contemporânea.
Estão incorretas:
a) Todas as proposições.
b) Apenas I, II, IV e V.
c) Apenas I, III, IV e V.
d) Apenas IV e V.
e) Nenhuma das proposições.
3. Sobre a decisão tomada no Hospital Estadual de Willowbrook, em Nova York, entre 1950 e 1970,
de injetar o vírus da hepatite em crianças com deficiência mental, é possível afirmar que:
I. O Estado agiu de forma correta, já que cabe a ele decidir sobre as “vidas que merecem ser
vividas”, na medida em que ele decide sobre o uso dos recursos públicos.
II. A contaminação das crianças deficientes foi positiva, visto que poderia resultar na cura de
pessoas saudáveis.
III. A decisão contraria os princípios que devem orientar as pesquisas científicas, uma vez que
o ser humano não pode ser alvo de experiências que o coloquem em risco de vida ou de
doença.
Sob o ponto de vista ético, estão corretas as alternativas:
a) Todas as proposições.
b) Apenas I e III.
c) Apenas I e II.
d) Apenas II e III.
e) Apenas III.

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Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

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SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 2
A TÉCNICA

Leia com atenção os dois textos a seguir e responda às questões.

Leitura e Análise de Texto

Texto 1 – Razão instrumental


“No mundo esclarecido, a mitologia invadiu a esfera profana. A existência expur­
gada dos demônios e de seus descendentes conceituais assume em sua pura naturali­
dade o caráter numinoso que o mundo de outrora atribuía aos demônios. Sob o título
de fatos brutos, a injustiça social da qual esses provêm é sacramentada hoje como algo
eternamente intangível e isso com a mesma segurança com que o curandeiro se fazia
sacrossanto sob a proteção de seus deuses. O preço da dominação não é meramente a
alienação dos homens com relação aos objetos dominados; com a coisificação do es­
pírito, as próprias relações dos homens foram enfeitiçadas, inclusive as relações de cada
indivíduo consigo mesmo. Ele se reduz a um ponto nodal das reações e funções con­
vencionais que se esperam dele como objetivo. O animismo havia dotado a coisa de
uma alma, o industrialismo coisifica as almas. O aparelho econômico, antes mesmo do
planejamento total, já provê espontaneamente as mercadorias dos valores que decidem
sobre o comportamento dos homens. A partir do momento em que as mercadorias,
com o fim do livre intercâmbio, perderam todas as suas qualidades econômicas, salvo
seu caráter de fetiche, este se espalhou como uma paralisia sobre a vida da sociedade em
todos os seus aspectos.”

ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos.


Tradução Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 35.

Texto 2 – Técnica e dominação


Com a modernidade, valorizou­se sobremaneira o progresso técnico e a autonomia
com relação à natureza e mesmo com relação aos outros homens, levando as pessoas a
considerar a racionalidade como meio para atingir o progresso de forma individual. No en­
tanto, no momento em que os homens buscam a autonomia, acabam sendo subordinados
a uma racionalidade que não pretende fazê­los progredir como homens, mas como objetos
coisificados. Em suma, tornam­se submissos à racionalidade técnica e ao objetivo de con­
trole social e da natureza.

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Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

A razão instrumental refere­se ao processo de conhecimento que pretende a domina­


ção do mundo, que pretende o controle total da natureza. Pela razão instrumental, o
conhecimento e a técnica assumem objetivos de controle e dominação dos homens sobre
a natureza e dos homens entre si.
É um ideal da modernidade a transformação da natureza e dos demais seres humanos
em algo que se pode usar ou não. Não apenas a natureza, tudo se torna um objeto que se
pode usar e descartar, inclusive os homens e as mulheres.
Não se faz nada que não tenha um objetivo, uma função. Em tudo se pergunta: “Para
que serve?” Tudo e todos têm uma utilidade. Tudo e todos são instrumentos.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

1. Qual a diferença entre instrumentos como um garfo, um computador e um carro e o ser humano?

2. Quais as consequências da transformação de homens e mulheres em instrumentos?

LIÇÃO DE CASA

Para aprofundar a reflexão sobre o tema “Razão instrumental”, é interessante pesquisar


notícias em jornais ou revistas que revelem valores associados ao processo identificado por
Adorno e Horkheimer como coisificação do mundo. Destaque algumas notícias e leve para
compartilhar com os colegas e o professor. Sob orientação do professor, é possível organizar
um jornal mural com a seleção de algumas das notícias levadas pela turma.
12
Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

Leitura e Análise de Texto

Texto 1 – Heidegger e a técnica


O filósofo alemão Martin Heidegger considera como vida autêntica a do homem ou
da mulher que buscam pensar o ser das coisas, que buscam o ser do mundo, que buscam
perguntar sobre o que existe além da aparência. Nisso consiste a diferença com relação a
todos os outros entes: homens e mulheres podem expressar o ser, podem pensá­lo, podem
perguntar sobre ele e questioná­lo para além da aparência.
Do ponto de vista ético, essa diferença constitui para Heidegger a dignidade do ser
humano e consiste, também, em uma forma sublime de existência. O que verdadeiramen­
te diferencia o homem de todos os outros entes não é a busca de técnicas para poder so­
breviver, como as abelhas e suas colmeias, os leões e suas caças, as aranhas e suas teias ou
as plantas carnívoras e suas armadilhas. Entes vivem apenas conforme a relação de causa e
efeito, tentando apenas conhecer o mundo e dele tirar sua sobrevivência; não fazem o salto
mais sublime que consiste em perguntar pelo ser, desvelar o ser.
Pelas técnicas e pelas tecnologias, os entes e os que vivem de maneira inautêntica, sem
se perguntar pelos seres das coisas, procuram suprir suas necessidades, e até mesmo criam
formas tecnológicas de pensar. No entanto, as técnicas são apenas eficazes para pensar
os entes e neles agir. Viver apenas sob o domínio do pensamento tecnológico levará to­
dos ao esquecimento do ser e, portanto, ao esquecimento da própria essência sublime
dos homens.
A essência do pensamento não se deve limitar aos raciocínios simplórios, como aque­
les que apenas resolvem problemas passageiros, pensamentos maquínicos, como um motor
ou uma ferramenta.
Mas será que todos nós nos resumimos a problemas e soluções? O que podería­
mos pensar além disso? O que poderíamos vivenciar além das ideias submetidas a
interesses muito simples? Quais novas formas de pensar ainda não experimentamos?
Quais limites ainda não superamos? Como revelar o ser em nossa vida cotidiana?

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

O próximo texto é do próprio Heidegger.

Texto 2
“Estamos ainda longe de pensar, com suficiente radicalidade, a essência do agir.
Conhecemos o agir apenas como o produzir de um efeito. Sua realidade efetiva é avaliada
segundo a utilidade que oferece. Mas a essência do agir é o consumar. Consumar significa:

13
Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

desdobrar alguma coisa até a plenitude de sua essência; levá­la à plenitude, producere. Por
isso, apenas pode ser consumado, em sentido próprio, aquilo que já é. O que todavia ‘é’,
antes de tudo, é o ser. Pensar consuma a relação do ser com a essência dos homens e das
mulheres. O pensar não produz nem efetua esta relação. Ele apenas oferece­a ao ser, como
aquilo que a ele próprio foi confiado pelo ser. Esta oferta consiste no fato de, no pensar o ser,
ter acesso à linguagem. A linguagem é a casa do ser. Nesta habitação do ser mora o homem.
Os pensadores e os poetas são os guardas desta habitação. A guarda que exercem é o con­
sumar a manifestação do ser, na medida em que levam à linguagem e nela a conservam.
Não é por ele irradiar um efeito ou por ser aplicado que o pensar se transforma em ação.
O pensar age enquanto se exerce como pensar. Este agir é provavelmente o mais singelo e,
ao mesmo tempo, o mais elevado, porque interessa à relação do ser com o homem. Toda
eficácia, porém, funda­se no ser e se espraia sobre o ente; o pensar, pelo contrário, deixa­se
requisitar pelo ser para dizer a verdade do ser. O pensar consuma este deixar.
[...]
Caso o homem encontre, ainda uma vez, o caminho para a proximidade do ser, então
deve antes aprender a existir no inefável. Terá que reconhecer, de maneira igual, tanto a
sedução pela opinião pública quanto a impotência do que é privado. Antes de falar, o
homem deve novamente escutar, primeiro o apelo do ser, sob risco de, dócil a este apelo,
pouco ou raramente algo lhe restar a dizer. Somente assim será devolvido à palavra o valor
de sua essência e o homem será gratificado com a devolução da habitação para o residir na
verdade do ser.”

HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. Tradução e notas Ernildo Stein. São Paulo: Nova Cultural, 1979. p. 149 e 152.

1. O que a leitura dos dois textos faz você pensar sobre a relação do ser humano com a
técnica?

2. Com base nos textos de Adorno, Horkheimer e Heidegger sobre a técnica, você está convidado a
planejar com seu grupo uma experiência que possibilite outra visão de mundo além do cotidiano
marcado pela técnica. Algumas condições são necessárias para que a experiência planejada, e que
deverá ser vivenciada, possa contemplar princípios éticos. Atente para que seja uma ativida­
de diferenciada no seu cotidiano e dos membros do grupo, e que inclua uma dimensão ética
14
Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

que possibilite algum aprendizado a todos os participantes. Exemplos: realização de um trabalho


comunitário em um fim de semana que possa ajudar algumas pessoas; uma visita a um hospital;
uma ação de orientação de crianças, quer seja em termos de tarefas escolares, quer de aprendizado
de alguma técnica que você e seu grupo conheçam. As condições são as seguintes:
• a experiência não pode ser ilegal;
• a atividade deve envolver mais pessoas;
• a atividade não pode ocorrer em lugares que sempre visita ou onde mora;
• o grupo tem de ter o consentimento dos responsáveis ou dos pais para realizar a proposta;
• tem de provar que a experiência foi realizada e que ela foi nova em sua vida;
• um relatório deverá ser entregue, contendo: o que foi feito, onde, com o que e, princi­
palmente, o que vivenciou de novo com a experiência.
Após passar pela experiência, compartilhe sua vivência em sala de aula, e faça uma avaliação
dela em folha avulsa.

VOCÊ APRENDEU?

1. O que a reflexão sobre a Razão instrumental nos ensina?

2. Segundo Heidegger, qual é a essência do homem?

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Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

?
!
SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 3
A CONDIÇÃO HUMANA E A BANALIDADE DO MAL

O objetivo desta Situação de Aprendizagem é introduzir o debate sobre a condição humana e a


banalidade do mal, segundo Hannah Arendt.
A música Comida poderá ser apresentada pelo professor como um convite para iniciar esta
reflexão.

Leitura e Análise de Texto

Música: Comida
Composição: Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto.

O que a poesia desta música faz você pensar sobre a natureza humana? Indique quais são as
necessidades básicas do homem. Justifique sua resposta.

Novamente você terá a oportunidade de ler dois textos: um elaborado especialmente para
este Caderno e outro de Hannah Arendt, autora apresentada em sala de aula. Depois da
leitura, responda às perguntas.
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Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

Leitura e Análise de Texto

Texto 1 – Sobre a condição humana em Hannah Arendt


Qual é a condição humana? O que é isso? Para Hannah Arendt, a condição de homens
e mulheres consiste em três atividades fundamentais da “vida activa”, sem as quais não há
sobrevivência.
O labor consiste na atividade biológica do corpo, produção e consumo próprio do
mundo privado.
O trabalho consiste na atividade com que os homens transformam o ambiente natu­
ral em artificial. Garante estabilidade diante da instabilidade da natureza.
A ação consiste na atividade em relação a outros homens; efetivamente, é a experiên­
cia política. Especificamente humana, a ação tem como condição a pluralidade de atos e
palavras.
Diretamente, cada uma dessas atividades é associada a outros elementos: o Labor ao
Eu, o Trabalho ao Mundo e a Ação ao Outro.
Essas três atividades estão intimamente ligadas ao nascimento e à morte, à natali­
dade e à mortalidade. O labor não apenas assegura a vida do indivíduo, mas perpetua
a espécie. Com o trabalho, a vida pode durar mais, pois os benefícios e o conforto
gerados criam um mundo mais adaptado para a existência humana. Por mais que a
vida seja efêmera, o trabalho permite mais longevidade para a vida. Pela ação, fundada
na memória e na linguagem, criam­se a história e o encontro político entre os seres
humanos.
A ideia de natalidade ou nascimento é muito importante no pensamento de Hannah
Arendt. Cada bebê traz a certeza de um mundo novo, uma nova maneira de agir. Cada
nascimento é uma nova possibilidade para o mundo.
A condição humana não deve ser confundida com a natureza humana. São
categorias totalmente diferentes. A condição humana se refere ao condicionamento
dos homens para a manutenção de sua existência, em face de si mesma, do mundo
e dos outros. Já a natureza humana seria a essência do homem, impossível de ser alcan­
çada pelo próprio homem.
Para Hannah Arendt, o homem moderno experimenta o problema de ter a
dimensão do labor como a mais importante. A relação com os outros e com o
mundo acaba substituída pela imediata satisfação das necessidades básicas. A vida,
quando privilegia o labor, os prazeres biológicos, comer, dormir, beber, ter relações
sexuais, trabalhar, apenas com o objetivo de sobrevivência, torna­se tão básica quanto
estas necessidades.

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Quando tratamos o mundo como uma forma de alcançar nossos objetivos imediatos,
o que chamamos de trabalho deixa de ser transformação para ser labor; torna­se repetição
sem fim, na desgastante rotina dos trabalhadores: alienação.
O agir também se reduz ao labor, na medida em que nossa relação com os outros não
é nem de gratuidade nem de busca política, como o desenvolvimento humano coletivo. Os
outros são meros objetos, por meio dos quais nossas satisfações são realizadas, e a política
deve ser orientada para o labor, para o básico, e nada mais.
Segundo Hannah Arendt, a tarefa da educação é introduzir os novos num mundo
que é mais velho. As crianças que ainda não assumem responsabilidade pelo mundo pre­
cisam apropriar­se dos saberes para que, futuramente, possam agir no mundo. Quando
isto não ocorre, a escola não é espaço de agir em busca de uma comunidade mais
sábia.
E o que dizer da família, das associações, dos amigos, dos colegas, das festas, dos en­
contros, das artes? Cada um desses espaços coletivos deveria abarcar o agir em função da
felicidade de todos. Mas o agir assim caracterizado não é predominante e sofre limitação
dos objetivos que cercam o labor.

Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.

Texto 2
“Se compararmos o mundo moderno com o mundo do passado, veremos que a perda
da experiência humana acarretada por esta marcha de acontecimentos é extraordinariamen­
te marcante. Não foi apenas, e nem sequer basicamente, a contemplação que se tornou
experiência inteiramente destituída de significado. O próprio pensamento, ao tornar­se
mera ‘previsão de consequências’, passou a ser função do cérebro, com o resultado de que
se descobriu que os instrumentos eletrônicos exercem essa função muitíssimo melhor do
que nós. A ação logo passou a ser, e ainda é, concebida em termos de fazer e de fabricar, ex­
ceto que o fazer, dada a sua mundanidade e inerente indiferença à vida, é agora visto como
apenas outra forma de labor, como função mais complicada, mas não mais misteriosa, do
processo vital.
No entretempo, demonstramos ser suficientemente engenhosos para descobrir meios
de atenuar as fadigas e penas da vida, ao ponto em que a eliminação do labor do âmbito
das atividades humanas já não pode ser considerada utópica. Pois, mesmo agora, ‘labor’ é
uma palavra muito elevada, muito ambiciosa para o que estamos fazendo ou pensamos que
estamos fazendo no mundo em que passamos a viver. O último estágio de uma sociedade
de operários, que é a sociedade de detentores de empregos, requer de seus membros um
funcionamento puramente automático, como se a vida individual realmente houvesse
sido afogada no processo vital da espécie, e a única decisão ativa exigida do indivíduo

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Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

fosse deixar­se levar, por assim dizer, abandonar a sua individualidade, as dores e as penas
de viver ainda sentidas individualmente, e aquiescer num tipo funcional de conduta en­
torpecida e ‘tranquilizada’. O problema das modernas teorias do behaviorismo não é que
estejam erradas, mas sim que podem vir a tornar­se verdadeiras, que realmente constituem
as melhores conceituações possíveis de certas tendências óbvias da sociedade moderna. É
perfeitamente concebível que a era moderna – que teve início com um surto tão promissor e
tão sem precedentes de atividade humana – venha a terminar na passividade mais mortal
e estéril que a História jamais conheceu.”

ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2009. p. 335.

1. Quais as limitações que o labor na sociedade moderna oferece para o agir, de acordo com o
pensamento de Hannah Arendt?

2. Qual o principal ensinamento de Hannah Arendt sobre a condição humana?

LIÇÃO DE CASA

Outra contribuição importante de Hannah Arendt está na ideia segundo a qual, no século XX,
vivemos uma banalização do mal, tornando perversos não apenas os grandes vilões, como
Hitler, mas também o cidadão comum, que nada faz para impedir o mal. Considerando a
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Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

banalização do mal tão presente no cotidiano, sobretudo nos grandes centros urbanos, elabore
uma redação, em folha avulsa, comentando um ou dois exemplos dessa banalização.

PESQUISA EM GRUPO

Analise o cartaz que retrata os símbolos nazistas para identificação dos prisioneiros nos campos
de concentração. Esses símbolos eram usados para indicar o tipo de punição destinado a cada
prisioneiro.
© United States Holocaust Memorial Museum

Cartaz com os símbolos que identi­


ficavam os prisioneiros nos campos
de concentração alemães. O enfoque
e a opinião expressos nesta publica­
ção e o contexto no qual a imagem é
utilizada não necessariamente refle­
tem o enfoque ou a política, nem
implicam a aprovação do Museu do
Holocausto dos Estados Unidos

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Símbolo Prisioneiro Motivos


Racismo, perseguição
Dois triângulos amarelos sobrepostos em forma
religiosa e discriminação
de estrela: judeu.
social.
Racismo, perseguição
Triângulo amarelo: judeu por religião ou filho
religiosa e discriminação
de judeu.
social.
Triângulo vermelho: comunista, anarquista,
Perseguição política.
social­democrata e liberal.

Triângulo verde: criminosos comuns (assassinos,


ladrões, estupradores e outros). Os arianos Discriminação social.
recebiam privilégios.

Triângulo roxo: pessoas que, por motivos Perseguição religiosa e


religiosos, não assumiam os projetos nazistas. perseguição política.

Triângulo azul: imigrantes, considerados


Discriminação social.
apátridas.

Racismo e discriminação
Triângulo castanho: ciganos.
social.
Triângulo preto: mulheres que ofereciam
Homofobia, discriminação
“risco social”, tais como lésbicas, alcoólatras,
social, perseguição política,
feministas, anarquistas, prostitutas e portadoras
machismo.
de deficiência.

Triângulo rosa: homossexuais masculinos. Homofobia.

Converse com seu grupo a respeito do cartaz e do quadro de símbolos observados. Elabore
um novo cartaz utilizando desenhos e/ou colagens para expressar formas de violência contra
determinados grupos de pessoas na sociedade brasileira atual.

PESQUISA INDIVIDUAL

Pesquise em jornais e na televisão informações que comprovem a afirmação de Hannah Arendt


de que o predomínio do labor impede o agir solidário, voltado para a realização da democracia
com igualdade de direitos e de acesso aos bens materiais e morais.
Faça o registro das suas impressões em folha avulsa.
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Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

VOCÊ APRENDEU?

1. O que significa a ideia de que o labor venceu o agir e o trabalho?

2. O que significa a expressão “banalidade do mal”?

3. Releia este fragmento do texto de Hannah Arendt:

“[...] O último estágio de uma sociedade de operários, que é a sociedade de deten­


tores de empregos, requer de seus membros um funcionamento puramente automático,
como se a vida individual realmente houvesse sido afogada no processo vital da espécie,
e a única decisão ativa exigida do indivíduo fosse deixar­se levar, por assim dizer, abandonar
a sua individualidade, as dores e as penas de viver ainda sentidas individualmente, e aquiescer
num tipo funcional de conduta entorpecida e ‘tranquilizada’” (ARENDT, 2009).

Este trecho trata da:


a) vida activa.
b) vitória do labor.
c) atividade do trabalho.
d) atividade do agir.
e) banalidade do mal.
4. Assinale as alternativas corretas a respeito do pensamento de Hannah Arendt:
a) O labor é a atividade humana referente às necessidades biológicas.
b) O trabalho é a atividade humana referente à construção do mundo humano, que não deve
visar apenas o ganho de dinheiro, mas também a melhoria cultural, promovendo, por
exemplo, a arte.
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Filosofia ­ 2a série ­ Volume 4

c) A ação diz respeito à relação entre as pessoas; é a dimensão política por excelência.
d) O labor é a parte fundamental da vida humana e, por isso, Arendt vê com bons olhos a sua
vitória sobre as outras dimensões da vida activa.
e) A banalidade do mal significa a ação de pessoas que agem de forma monstruosa.
5. Releia com atenção o seguinte trecho de Hannah Arendt:

“É perfeitamente concebível que a era moderna – que teve início com um surto tão pro­
missor e tão sem precedentes de atividade humana – venha a terminar na passividade mais
mortal e estéril que a História jamais conheceu.”

Quais alternativas estão de acordo com a expressão “a passividade mais mortal”, segundo a autora?
a) O homem moderno está centrado apenas nas necessidades básicas, ou seja, na vitória do labor.
b) O homem não reage contra as adversidades.
c) Por causa da poluição, as pessoas estão ficando estéreis.
d) Ninguém procura se aprofundar sobre a existência, privilegiando a prática mais imediata e
se esquecendo do trabalho de transformar o mundo e da ação política.
e) A história moderna inicia com um surto e acaba calma e tranquila.

PARA SABER MAIS

Livros

• ARENDT, Hannah. A promessa da política. São Paulo: Bertrand Brasil, 2008. Neste
livro, a autora trata da importância da política e defende a ideia de liberdade para se
pensar sobre ela.
• PINHEIRO, Paulo Sérgio; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Violência Urbana. São
Paulo: Publifolha, 2003. Esta obra é indicada para quem deseja se aprofundar no tema
violência.
Filme
• Cidade de Deus. Direção: Fernando Meirelles. Brasil, 2002. 135 min. Drama. Assista
ao filme para aprofundamento no tema violência e banalidade do mal. O filme nar­
ra aventuras individuais para traçar um amplo painel da realidade urbana, retrata o
mundo da periferia pela ótica do morador da comunidade Cidade de Deus, no Rio
de Janeiro. Mostra um mundo, que, em grande parte, é desconhecido das populações

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das classes médias. Seus personagens enfrentam dilemas a respeito de viver ou não na
criminalidade.Trata­se de um filme importante para contextualizar as questões da vio­
lência nas grandes cidades brasileiras.
Site

• REVISTA Pangea. Disponível em: <http://www.clubemundo.com.br/revistapangea>.


Acesso em: 20 maio 2010. O site disponibiliza publicação de interessante boletim vol­
tado para estudantes do Ensino Médio e traz informações e artigos sobre as questões e
tendências sociopolíticas do mundo contemporâneo.

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