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A PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA DO EXISTENCIALISMO1

Francisco José de Rezende Frazão (COFIL-FUNREI)

Resumo: O presente trabalho pretende mostrar em linhas gerais as principais temáticas de uma
antropologia filosófica existencialista. Dando ênfase na problematização da situação do homem no
mundo, pretende através do pensamento de alguns filósofos existencialistas, abordar alguns temas
fundamentais que atingem o homem enquanto “ser existente” no mundo. Ou seja, problemas que
atingem o homem contemporâneo como: solidão, angústia, morte, liberdade, sentido da existência
etc.

Palavras-chave: Existencialismo, Homem, Sentido, Mundo.

Para os existencialistas, a existência é a presença neste mundo, ou seja, uma atividade


concreta, o ser singular que eu sou; um ser consciente, responsável pelo seu presente e pelo seu
próprio destino. O mundo e o ser existente vivem em uma certa tensão, ambos são dialeticamente
distintos: não podem unir-se nem separar-se, no entanto, implicam-se mutuamente. A existência é
para o indivíduo apenas uma riqueza do ser-do-mundo, não podendo ser explicada por nenhuma
ciência; o único capaz de questionar sobre sua origem é o próprio homem.
O homem como ser existente é mais que uma individualidade empírica, objetiva e
impessoal, pois participa de uma vida política, científica e econômica, ou seja, está em luta
constante contra o mundo, no qual aspira à eternidade de ser. A existência se torna objetiva, graças
a sua manifestação, ela não admite qualquer generalidade, ela é incondicionada, não podendo ser
transmissível.
Através da liberdade, o critério da verdade passa a residir na própria vontade, demostrando
assim que o homem não é somente aquilo que é, mas aquilo que possa ser e também o que se
pretende ser. De certa forma, o homem é um ser privilegiado, pois só ele tem a capacidade de sentir
sua interioridade, o que já não acontece às coisas, que somente se limitam a ser. A existência, para
Sartre, é privilégio do homem, a interioridade que só ele sente (ser para-si), ao passo que as coisas
se limitam simplesmente a ser (ser em-si). Ao contrário do Idealismo, os fenômenos não se reduzem

1 FRAZÃO, Francisco José Resende. A Perspectiva Antropológica do Existencialismo. Revista Eletrônica


Print by FUNREI <http://www.funrei.br/revistas/filosofia Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p.65-68,
1998/1999.
a puros estados de consciência, isto é, não se absorvem simplesmente no pensamento.
O “ser em-si” nada mais é que um dado primitivo, que exclui qualquer potencialidade
interior, enquanto o homem nada mais e do que aquilo que se projeta ser. A subjetividade é que
impede o homem de se tornar objeto, pois permite a ele apreender, a partir de dentro, suas próprias
qualidades, caracterizando-o como homem. Por meio da liberdade, diz-nos Sartre, o homem cria-se
a si próprio, como também os objetos exteriores a ele. Sendo um ser em busca da liberdade, a opção
se torna sinal distintivo da existência. A angústia sartriana surge como resultante da sensação do
alcance de nossas opções, já que para ele, enquanto continuamos a existir, prosseguimos na escolha
de nossos fins.
Segundo Kierkegaard, o ser que conhece, que atribui significados, não pode abstrair-se de si
mesmo e contemplar a existência como sendo subespécie da eternidade. Através das dificuldades,
as incertezas, os conflitos, o homem pode chegar à constituição moral e ao crescimento espiritual.
Na visão Kierkegaardeana, a característica própria do homem está em sentir-se obrigado a formular
uma opção livre. É através da reflexão que o “eu” se torna sujeito, afirmando e conquistando sua
liberdade.
Esta liberdade pode se tornar em aventura ou risco, a partir do momento em que o homem
toma consciência de si e do mundo em que vive, passando a ser confrontado por sentimentos como:
ansiedade, angústia e náusea. A angústia reforça o sentimento da existência, pois é no sofrimento,
mais do que na alegria, que o homem percebe-se como consciência de si. É através do sentimento
de angústia que se desperta no homem a “nostalgia” da libertação. Experimentando um sentimento
de total abandono frente a si próprio, o homem apreende e saboreia suas infinitas responsabilidade.
O ser que conhece deverá sempre estar comprometido com o bem de outra forma, nunca
poderá compreender o verdadeiro significado de moralidade. O fato de compreender suas
limitações, faz com que o homem se sinta vitorioso sobre si-mesmo, isto é, se sinta feliz diante de
uma realidade tal como ela é. Esta compreensão só ocorre quando o homem torna aquilo que ele
compreende, ou seja, quando se aproxima do que compreende. A natureza ontológica do ser
humano faz com que o homem compreenda a si mesmo e aos outros.
Já Albert Camus diz que o homem sente um secreto constrangimento perante os outros
homens, que lhe parecem estranhos; uma penosa inquietação perante o seu “eu”, enigmático e
impenetrável. No entanto, em meio ao caos, entre o acaso e a anarquia, o homem deve lutar e criar,
sem utilidade nem futuro, atingindo assim a uma reflexão a cerca de sua infeliz situação.
Sendo este homem consciente de seu envelhecimento, sabe que o fim da jornada será a
morte, a qual faz da vida um fracasso e uma mentira, tornando com isso nossa condição humana,
nada mais que uma absurda aventura. Para os existencialistas católicos, o desespero da condição
humana é passageiro, pois a esperança sempre será a condição essencial de uma existência “Não
estou longe de crer que a esperança é para a alma o que a respiração é para o ser vivo” (Gabriel
Marcel).
Karl Jaspers acredita que a comunicação, constitui a etapa derradeira para que o homem
conquiste sua autêntica existência, sendo esta um objeto de fé e não de saber. Só a realidade
singular o homem pode conhecer. A morte para Jaspers não é a situação-limite da existência, ela é
apenas um fato que vem a título de caso particular, um acontecimento no qual o homem procura
evitar por meios extremos e imagináveis.
Ela não é o desespero absoluto, pois perante ela a existência descobre uma angústia singular
e radical e não a angústia de perder-se como existência, causadora da morte eclipsa, ou seja, a morte
física. Para ele, a alma nada mais é que sensação, instinto e desejo; já o espírito, entendimento e
vontade, descobrindo através das idéias a unidade substancial. Portanto, na visão de Jaspers a alma
pertenceria ao indivíduo enquanto unidade, e o espírito ao indivíduo enquanto ser integrante da
sociedade e da história. A existência para Jaspers não se resume em apenas uma nova realidade,
mas sim a sede de um mundo ordenado e espetacular.
Na visão de Heidegger, este sentimento de angústia nasce a partir do momento em que o
homem passa a enxergar além da banalidade do cotidiano, reconhecendo assim sua situação, ou
seja, um ser jogado no mundo sem motivo algum, destinado à sua própria morte. A angústia
mediatiza a possibilidade da existência autêntica. Heidegger acredita que a formação da existência
humana se dá em decorrência de três mundos, ou seja, o mundo do ser transcendente, do ser que se
mostra a si mesmo; o mundo das pessoas ao redor e o mundo das entidades que rodeia os
indivíduos. Através da fenomenologia, pode-se desvendar aquilo que aparenta estar oculto no
comportamento quotidiano de cada um.
Deste modo, podemos atingir o ser do ente, anunciando-o de tal maneira que o próprio ser
venha a aparecer. Heidegger chega à conclusão de que é realmente muito difícil atingir uma
resposta concreta sobre o significado do ser, segundo ele aquilo que é mais obscuro.
Heidegger tenta através de três preconceitos, esclarecer de certa forma o significado do ser,
ou seja, o ser é o mais universal dos conceitos, transcendendo assim toda universalidade genérica; o
conceito do ser é indefinível, o qual podemos concluir que o ser não é um ente; o ser é o mais
evidente de todos os conceitos. A preocupação básica de Heidegger é levar à luz da compreensão,
as condições básicas do nosso mundo empírico, isto é, o fundamento e não explicar o mundo,
reduzindo-o por meio da reflexão.
A morte, para o existencialista, não é o simples cessar da vida; para Heidegger é a última
situação-limite, a possibilidade derradeira da existência, uma maneira de ser que o afeta enquanto
existe. Em outras palavras, é a possibilidade de definição que o Dasein, através da forma mais
pessoal assume para poder ser. Assim, a angústia não pode deprimir o homem que se colocar em
presença da morte, a qual é encarada como simples possibilidade pessoal e mutável. Todo projeto
humano depende da morte, que segundo Heidegger é a experiência mais pessoal, intransferível; pois
não podemos experimentar a morte dos outros.
Mesmo não temendo a morte, o homem, assim mesmo, permanecerá angustiado, isto é,
através do “nada”, que seria os limites temporais do homem, que surge antes do nascimento e
quando morre, totalizando aquilo que ele compreende como Dasein. Na visão nietzscheana, uma
filosofia não pode ser senão um pensamento que se forja na inquietação e na angústia, através das
vicissitudes da existência individual, isto é, só pode valer pela vida, na qual mergulham todas as
suas raízes. A realidade é feita de conflitos; mostra sempre aspectos em que é inesgotável; qualquer
afirmação provoca uma negação e qualquer negação implica uma afirmação.
O homem nietzscheano é aquele que compreende, na noite da angústia, a vaidade burguesa,
contribuindo assim para a construção de um novo homem, ou seja, “livre”. Nietzsche exprime a
angústia através da contradição que é a existência individual: o indivíduo afirma sua
individualidade, mas esta só será real, sendo absorvida pelo homem em sua vida orgânica. Para
Nietzsche, tudo se reduz propriamente às condições humanas, não há lugar para uma verdade
absoluta, nem para pretensões de objetividade. A angústia e a aflição nos dão, de uma certa forma,
provocado por uma visão implacável de um destino trágico, um valor metafísico para nossa
existência individual, pois nos revela nossa eternidade. A maior de todas as grandezas é a liberdade,
nesta o homem constrói seu destino e sua essência.
Através de sua própria contemplação do mundo, cria as bases de sua filosofia, a qual não é
uma propriedade, mas uma realidade da existência humana. Através da autocontradição, ele mostra
que o homem deve superar suas dificuldades, sejam elas quais forem. O pensamento nietzscheano
consiste em procurar em si e nos outros a verdade, a serviço da vida, ou seja, pesquisando tudo que
há de estranho e enigmático na existência humana.
Sendo o homem fatalmente estranho a ele mesmo, Nietzsche propõe uma investigação da
realidade existencial. O medo e a preguiça impedem que o homem atinja a cultura, o único meio de
se realizar. Para Nietzsche, o problema fundamental do homem é alcançar a verdadeira existência, o
verdadeiro “eu”, o qual o levará a reconhecer-se como criatura e criador, pois sua vida não é apenas
um mero acidente sem significado. Cada um deve assumir, por si próprio, a individualidade, o valor
e a dignidade que nos são oferecidos como dons pela própria natureza.
Na visão nietzscheana, a imortalidade pessoal destrói tudo que há de benefício nos instintos
humanos, fazendo com isso que o homem sofra, a procura de uma salvação, desprezando assim a
própria vida. É necessário negar ao conformismo no qual o homem se encontra, para que se crie
algo positivo para a própria humanidade, fortalecendo e elevando-a. Sua meta, diz Nietzsche, não é
o bem-estar e evolução da massa como um todo, mas sim o homem singular.

Conclusão

Através do método fenomenológico, o pensamento sartriano procura esclarecer a relação


entre consciência e mundo, mostrando que o homem é insubstituível, tanto em relação a sua
grandeza, quanto em sua miséria e solidão. Sartre procura acabar com todas as desculpas usadas
pelo homem para não enfrentar a verdadeira realidade. O sentido da vida, para ele, é
responsabilidade do próprio homem, que, mesmo consciente de sua liberdade não lhe dá o valor que
lhe é devido.
Na visão de Kierkeggard, a existência é um momento dramático onde a tensão entre a
liberdade e o determinismo, entre a individualidade e as existências coletivas provam que a
Filosofia e o homem não são apenas partes de um sistema objetivo e abstrato, olhado de fora, mas
elementos reais de uma existência. Heidegger, em busca do fundamento do ser procura fazer com
que o homem se revele. Mostrando com isso que o “ser” não é uma mera objetividade científica,
que através da angústia, o homem pode escutar no abismo do nada o silêncio de si mesmo.
Nietzsche, através da procura da verdade existencial, em si e nos outros, procura despertar
no homem um pensamento crítico, no qual, utilizando a potência que é o “eu” existencial,
desmascara os mais íntimos instintos humanos.

Referências Bibliográficas

 CARMO, Raimundo E. do. Fenomenologia Existencial. Belo Horizonte : Ed. O Lutador, 1974.

 GILES, Thomas Ranson. História do Existencialismo e da Fenomenologia. São Paulo: EPU,


1989.

 JOLIVET, Refis. As Doutrinas Existencialistas. (De Kierkegaard a Sartre) trad. Antônio de


Queiroz Vasconcelos e Lencastre Porto : Livraria Tavares Martins, 1957.

 PENHA, João da. O que é Existencialismo. São Paulo : Brasiliense, 1992.

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