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Resumo
Para desenvolver a proposição de que a Liberdade é a condição de possibilidade para toda ação
humana, Sartre se utiliza de três noções seminais que dão suporte e sustentação ao conceito de
Liberdade dentro do existencialismo; são eles: o caráter intencional da Consciência, a Angústia e a
Má-fé. O presente artigo tem por objetivo descrever esses conceitos e articular, à luz do pensamento
sartreano, as relações entre eles e a Liberdade enquanto condição inescapável do agir humano frente
ao momento contemporâneo em que o capitalismo determina e constrange a liberdade a favor de sua
manutenção perene. Para tanto, serão utilizados, principalmente, os escritos de sua principal obra ‘O
Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica’ além de ‘A Transcendência do Ego’ e
‘Existencialismo é um Humanismo’, assim como alguns artigos científicos que tocam com relevância as
noções a serem trabalhadas. A ação humana dá-se por móbeis a partir de uma consciência que se
projeta na possibilidade de uma situação distinta da vivida e é por poder escolher sem nenhum tipo
de constrangimento que o homem se faz. Ao se dar conta de que não há uma essência ou uma
teleologia que determine quem ele é, o homem toma consciência de que é um ser histórico e que,
com suas escolhas, faz a si mesmo e toda a humanidade, sobrevindo, assim, a angústia a partir do
peso da responsabilidade decorrente. A má-fé é o recurso pelo qual o ser humano mascara a angústia
e lida com a necessidade incessante da escolha para agir sem que nada ulterior a ele fundamente sua
ação, apenas sua própria consciência e as escolhas livres que faz.
Palavras-chave
1
Trabalho selecionado para ser apresentado no VII ENCIC 2015 – Encontro Nacional Claretiano de
Iniciação Científica.
2
Graduando de Licenciatura em Filosofia no Centro Universitário Claretiano e estudante membro do
CEFIL (Centro de Estudos de Filosofia) ligado à UFVJM, registrado no CNPQ.
1 Introdução
A importância do estudo de Sartre nessa segunda década do sec. XXI diz respeito
a uma clara percepção da crise da consciência de liberdade e representatividade
institucional que o ser humano experimenta na atualidade. As perguntas que Sartre
fez a si próprio a partir da sua experiência na ocupação nazista de França, seu
engajamento e rompimento com o comunismo e a escolha pela matriz marxista para
a compreensão do sujeito histórico com o auxílio da Fenomenologia de Husserl, são
pertinentes hoje na medida em que vivemos a colonização cultural de um sistema
que tem em seu modus operandis a privação da liberdade como determinação das
relações sociais a partir de uma estética de produção que se mascara por um
discurso difuso e falsamente ‘desideologizado’ ou, poderíamos dizer: naturalizado via
reificação. Compreender de que forma nossas escolhas são feitas, por que
voluntariamente escolhemos a não liberdade e a prisão da consciência na razão de
meios, instrumental, encontra no pensamento existencialista um rico cabedal de
conceitos que emergiram da própria vivência de seu principal autor. As contradições
do sujeito na história desembocam na própria experiência de vida de Sartre, que tem
na radicalidade da liberdade a própria experiência radical na história, pois “sempre
tentou compreender, acompanhar e participar dos acontecimentos da única forma
que lhe parecia possível: no calor da contingência, na emergência da denúncia, na
defesa intransigente da liberdade – o mais autêntico critério de coerência” (SILVA,
2009, p. 106).
O presente artigo tem por objetivo articular três noções seminais em Sartre
para a compreensão do que ele entende por Liberdade dentro da Filosofia
Existencialista. Toma por base os seguintes textos: sua obra máxima O Ser e o Nada:
Ensaio de Ontologia Fenomenológica (escrito em 1943), seu texto A Transcendência
do Ego (de 1937), em que ele articula as noções que vai desenvolver em O Ser e o
Nada e o texto em que ele procura responder às críticas sobre sua filosofia,
Existencialismo é um Humanismo , escrito em 1946. É imprescindível para a
compreensão da Liberdade em Sartre que percorramos, mesmo que suscintamente,
a forma como ele entende a Consciência enquanto posicionamento intencional do
sujeito no mundo, a Angústia enquanto condição do homem ver-se responsável por
sua própria construção a partir da existência e a Má-fé enquanto enfrentamento
pouco ético, de fuga, dessa responsabilidade e do sentimento de angústia
proveniente dela.
O que distingue o homem de todos os outros seres vivos para que ele tenha
essa característica de autoconstrução de sua essência após sua existência, é,
justamente, a dimensão de liberdade que o constitui a partir da emergência de certa
forma de ser que chamamos Consciência.
2 Desenvolvimento
3
Em nota do tradutor, “posicionamento” refere-se ao grego thésis: ato de colocar algo como existente
no mundo – tese.
posicional de si mesma, já que não está no mundo e todo mundo está fora dela.
Enquanto consciência é consciência da presença do objeto visado e se esgota nele
de forma plena. No Para-si, mundo da própria consciência, é constatado o nada na
medida em que ela sempre é reflexiva. Na reflexão de si a consciência se esgota
naquilo que ela mesma atribui significado a partir da reflexão que faz e constata que,
por mais que atribua conteúdo ao que reflete de si mesma, aquilo que permanece
consciência de si mesma não é refletido ao mesmo tempo em que se esgota na
reflexão. O que sobra é o Nada constituinte de seu Ser. É o caráter intencional da
consciência o que a define, já que ela é Nada se não é consciência de alguma coisa e
não pode ser coisa para si mesma. Portanto, ao se fazer, o homem se faz nos
posicionamentos que assume a partir de sua consciência posicional no mundo, o que
significa que ele é um ser aberto ao mundo, descentrado, mas catalisado no
movimento intencional da consciência que o constitui como dinâmica relacional,
formando uma síntese de si como Ego no Em-si, no mundo.
Essa estrutura ineficiente dos motivos convoca sempre a consciência para dar
significação ao que pode ser o móbil para nossos atos. Esse é um ato radical de
liberdade, pois em última instância, sempre somos nós que escolhemos,
racionalizamos e constituímos os móbeis para nossos atos e comportamento a partir
da própria intencionalidade da consciência. Sartre, emblematicamente, exemplifica
essa questão:
4
Embora tenha limpado o campo transcendental de toda estrutura egológica e reduzido esse campo à
consciência posicional, não podemos dizer que, com isso, Sartre tenha colocado o Ego como empírico
no mundo. Sartre, em sua fundamentação, descobre que esse Ego “nem é transcendental e nem é
empírico, mas, no limite de sua existência, representa ambos os conceitos” (VIOLANTE, 2001, p. 82)
faz com que existam os valores, cujas exigências irão determinar sua ação.
(SARTRE, 2008, p. 84)
2.3 A Má-Fé
Há, porém, uma forma própria no ser desse autoengano ou esse ato de mentir
para si mesmo. Sartre aceita a má-fé como autoengano desde que se possa
distinguir da simples mentira:
A essência da mentira, de fato, implica que o mentiroso esteja
completamente a par da verdade que esconde. Não se mente sobre o que
se ignora; não se mente quando se difunde um erro do qual se é vítima; não
se mente quando se está equivocado. O ideal do mentiroso seria, portanto,
uma consciência cínica, que afirmasse em si a verdade, negando-a em suas
palavras e negando para si mesma esta negação. (...) Por certo, para quem
pratica a má-fé, trata-se de mascarar uma verdade desagradável ou
apresentar como verdade um erro agradável. A má-fé tem na aparência,
portanto, a estrutura da mentira. Só que – e isso muda tudo – na má-fé eu
mesmo escondo a verdade de mim mesmo. Assim, não existe a dualidade
do enganador e do enganado. A má-fé implica por essência, ao contrário, a
unidade de uma consciência. (SARTRE, 2008, p. 93 e 94)
3 Conclusão
5
Obra em que Mészáros procura fazer justiça à Sartre por ocasião das críticas recebidas por Lukács
antes de Sartre escrever a Crítica da Razão Dialética . (GAJANIGO, 2012)
marxismo que consta da obra Crítica da Razão Dialética de Sartre, mas não seria o
foco dessa conclusão.
Esperamos ter cumprido nosso intento e ter aberto espaço para maiores
aprofundamentos futuro numa compreensão mais ampla da realidade que nos cerca.
4 Referências bibliográficas
GAJANIGO, P. Justiça a Sartre (Resenha). Margem Esquerda, São Paulo, v. 19, 2012.
SARTRE, J.-P. Existencialismo é um Humanismo. Tradução de Rita Correa Guedes. Paris: Les
Éditions Nagel, 1970. Disponível em http://stoa.usp.br/alexccarneiro/files/-
1/4529/sartre_exitencialismo_humanismo.pdf - Acesso em 22/06/2015.